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Relações de pertencimento na escola: representações sociais de supervisores e professores
Relationships at school: social representations of supervisors and teachers
Relaciones en la escuela: representaciones sociales de supervisores y maestros
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 14, núm. 33, e14223, 2021
Universidade Federal de Sergipe

Publicação Contínua

Revista Tempos e Espaços em Educação 2021

Recepción: 29 Septiembre 2020

Aprobación: 15 Agosto 2021

Publicación: 15 Septiembre 2021

DOI: https://doi.org/10.20952/revtee.v14i33.14223

Resumo: Este estudo discute as relações de pertencimento na escola entre supervisores e professores, objetivando analisar em que grupo relacional se dá o pertencimento desses autores com mais força. A Teoria das Representações Sociais orientou a pesquisa, tendo em vista os seus processos de construção, a ancoragem e a objetivação, se atrelaçarem intimamente ao pertencimento tornando o estranho, familiar. A coleta de dados se deu por entrevistas semiestruturadas e em profundidade distribuídos por: Classificação por Elementos de Significação, Análise de Conteúdo Lexical e Análise Temática. Os resultados apontam, dentre outros fatores, que a construção de representações pelos grupos de convívio torna o estranho conhecido pelos sujeitos, apontando para o pertencimento ao grupo de pessoas ou ao lugar, além disso, o pertencimento está no reconhecimento próprio e do outro como parte de um mesmo grupo, não se firmando apenas na afetividade, mas na parceria, na partilha e troca de saberes profissionais.

Palavras-chave: Pertencimento, Professores, Representações sociais, Supervisores.

Abstract: This study discusses the relations of belonging at school between supervisors and teachers, aiming to analyze in which relational group these authors belong more strongly. The Theory of Social Representations guided the research, in view of its construction processes, anchoring and objectification, to be closely linked to belonging, making the strange, familiar. Data collection was carried out through semi-structured and in-depth interviews distributed by: Classification by Elements of Meaning, Lexical Content Analysis and Thematic Analysis. The results point out, among other factors, that the construction of representations by social groups makes the stranger known to the subjects, pointing to belonging to the group of people or to the place, in addition, belonging is in the self and the other's recognition as part of the same group, not only based on affection, but on partnership, sharing and exchange of professional knowledge.

Keywords: Belonging, Social representations, Supervisors, Teachers.

Resumen: Este estudio discute las relaciones de pertenencia en la escuela entre supervisores y maestros, con el objetivo de analizar a qué grupo relacional pertenecen estos autores con mayor fuerza. La teoría de las representaciones sociales guió la investigación, en vista de sus procesos de construcción, anclaje y objetivación, para estar estrechamente vinculada al pertencimento, alciendo con extraño, lo familiar. La recopilación de datos se realizó a través de entrevistas semiestructuradas y en profundidad distribuidas por: Clasificación por elementos de significación, Análisis de contenido léxico y Análisis temático. Los resultados señalan, entre otros factores, que la construcción de representaciones por grupos sociales hace que el desconocido conozca a los sujetos, señalando que pertenece al grupo de personas o al lugar, además, la pertenencia está en el ser y el reconocimiento del otro como parte del mismo grupo, no solo basado en el afecto, sino en la distribuición, participación en el intercambio de conocimientos profesionales.

Palabras clave: Maestros, Pertenencia, Representaciones sociales, Supervisores.

INTRODUÇÃO

Para início de conversa, necessitamos situar a escola como o lócus do estudo por ser um ambiente de relações humanas e sociais no qual se constroem vínculos que se dão de variadas formas, desde laços mais largos à construção de relações mais estreitas, visto ser na troca de experiências no ambiente escolar que nos deparamos com culturas e crenças diferentes das nossas, o que leva a uma constituição de saberes adquiridos cotidianamente e que nos enriquecem como indivíduos.

É nesse sentido que entendemos a escola como espaço de construção de relações pedagógicas, aqui representadas pelo supervisor e pelos professores no dia a dia da instituição. Isso quer dizer que não há como desvincular a escola do contexto social e global em que ela se insere. Partindo de um nível micro para um nível macro, a instituição educativa não é somente um local de transmissão de ensinamentos, ela é, na sua essência, um local de construção social emancipatória. Se caracteriza amplamente pela codificação e a burocratização do trabalho dos agentes que ali atuam, nos remetendo ao fato de que ela possui características próprias, apesar de ser incorporada a um sistema amplo (no caso das escolas públicas), e cada agente escolar estar envolvido na gestão escolar (Tardif & Lessard, 2014).

O supervisor escolar, enquadrado nessa gestão, assume um papel relacional importante, porém, em algumas escolas, este profissional interfere diretamente no trabalho do professor, visto a escola possuir características organizacionais e sociais que influenciam o trabalho dos agentes escolares.

Em se tratando da relação pedagógica, como lócus onde o pertencimento se constrói na escola, a entendemos como sendo, antes de tudo, uma relação social e nesse sentido, refletimos sobre o não funcionamento de modelos prontos utilizados como fórmula mágica para tratar da relação pedagógica (Bonfim & Jesus, 2016), isto por ser impregnada, também, com a subjetividade dos sujeitos.

Essa subjetividade se refere à realidade que constitui o conteúdo do nosso ser (Guareschi, 1998), ou seja, somos resultado das relações que estabelecemos e introjetamos diariamente, construindo referências a partir da comunicação que estabelecemos com outros sujeitos que fazem parte do nosso cotidiano e, também, construindo relações de pertencimento, aqui entendido como o sentimento que se dá pelo reconhecimento do sujeito a um grupo ou a um lugar propiciando-lhe enraizamento que se ancora na mutualidade e no compartilhamento de princípios, visões de mundo, saberes, crenças e valores. Esse enraizamento nos torna parte de um espaço comum pela forma como nos sentimos na participação real, ativa e natural dentro de uma coletividade originada pelas formas de convívio cotidianas que nos permitem compartilhar saberes e sentimentos capazes de firmar nosso reconhecimento a determinado grupo social.

Dessa forma, supervisores e professores partilham conhecimentos no cotidiano escolar, promovendo um ambiente familiar em que os laços se tornam mais estreitos no convívio, na busca pelo alcance de objetivos comuns à escola, mesmo tendo cada um seu objeto próprio de trabalho: o professor, o que o aluno produz; e o supervisor, o que o professor produz (Medina, 2002), isto é, apesar da gestão proposta de forma coletiva, o trabalho do supervisor se encontra atrelado ao que o professor produz na escola.

Em pesquisa desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação de uma universidade federal do Nordeste1, apresentamos, dentre outros, os questionamentos: como se constrói a relação pedagógica entre os supervisores e os professores no âmbito da escola pública e da escola privada no cotidiano escolar? Em que grupo relacional se dá o pertencimento do supervisor e do professor com mais força?

Para compreendermos essa relação de pertencimento em determinado espaço relacional, é preciso que reconheçamos nossas relações interpessoais como um processo de construção que ora fortalece os laços já existentes, ora cria laços novos com outros sujeitos em outra realidade transformando o estranho em algo familiar. Nesse sentido, objetivamos com este estudo, analisar como se dá a construção do pertencimento de supervisores e professores do Ensino Fundamenta II em escolas públicas e privadas de Pedreiras-MA, sob as lentes da Teoria das Representações Sociais (TRS) de Moscovici (2015) visto abarcar um conjunto de conceitos, proposições e explicações compartilhadas na interação social, guiando as condutas dos sujeitos pertencentes a determinado grupo social elaboradas no cotidiano e refletidas nas ações desses sujeitos.

As representações sociais (RS) na linha moscoviciana são de natureza psicossocial, isto é, adotam uma dinamicidade no processo que articula o social às questões psicológicas, superando a dicotomia entre indivíduo e sociedade. Fluem do cotidiano, no curso das comunicações interpessoais e na forma pela qual essas relações acontecem, nas falas dos sujeitos, tendo como matéria-prima o senso comum e formam-se a partir de dois processos: a objetivação e a ancoragem.

Os estudos moscovicianos explicam que a familiarização é sempre um processo construtivo de ancoragem que se movimenta de fora para dentro do sujeito conceituando um dado objeto através do qual o não familiar passa a ocupar um lugar dentro do nosso mundo familiar e de objetivação que se movimenta de dentro para fora tornando tal objeto concreto, quase tangível, transformando o que está na mente em algo físico. Esses processos de formação das representações sociais se atrelam intimamente ao pertencimento visto promoverem a construção daquilo que passa a ser familiar para os sujeitos de uma mesma coletividade. Para compreendermos essa relação de pertencimento em determinado espaço relacional, é preciso que reconheçamos nossas relações interpessoais como um processo de construção que ora fortalece os laços já existentes, ora cria laços novos com outros sujeitos em outra realidade tornando o estranho em algo familiar.

Em se tratando da escola pública marcada pela história de luta pela educação gratuita e laica desde a educação jesuítica, atravessou décadas no embate pela igualdade de direitos da população menos favorecida e pela instituição educativa como lugar de atendimento a todos. E a escola privada, por sua vez, através de representantes civis e religiosos, teceu batalha pelo espaço que a legitima como instituição educativa.

Refletindo sobre esses elementos e na tentativa de responder às questões norteadoras e ao objetivo proposto, considerando o pertencimento como elemento importante na construção da relação pedagógica, analisamos o sentimento de pertença dos sujeitos ao grupo de professores ou de supervisores, desde o possível estranhamento sentido inicialmente na chegada à escola e na construção de relações mais consolidadas no cotidiano, que podem repercutir em melhor alcance das propostas estabelecidas do projeto pedagógico da escola.

A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MOSCOVICI

A TRS de Moscovici foi-se tornando, a partir de sua elaboração em 1961, um campo de aperfeiçoamento e produtividade na discussão de aspectos sociais, visto que seu caráter psicossociológico propõe amplitude em suas abordagens abrigando estudos não só na área das Ciências Humanas e Sociais, como também em outras áreas a exemplo das Ciências Exatas, Ciências da Saúde e Meio Ambiente. Esses fatores contribuem para enriquecer o aspecto plurimetodológico da Teoria, permitindo variados caminhos de análise acerca de estudos envolvendo fenômenos sociais.

Dessa forma, e tomando vários caminhos de abordagens, a TRS na linha moscoviciana, desmembra-se em três vertentes com diferentes enfoques. A primeira, mais próxima à abordagem original, com enfoque processual, liderada por Denise Jodelet, lança mão da complexidade das relações sociais construídas no processo interativo de produção do conhecimento atravessando o social, o cognitivo e o afetivo, abordagem da qual nos apropriamos neste estudo. A segunda volta-se para a abordagem estrutural de Jean-Claude Abric, em que as RS se estruturam em um núcleo central e um sistema periférico na compreensão dos fenômenos sociais, e a terceira, articula-se à perspectiva societal de Willen Doise que, através de métodos experimentais, estuda a apropriação individual dos instrumentos cognitivos socialmente construídos.

Jodelet (1989) designou a TRS como uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social, ou seja, os grupos relacionais formados no cotidiano têm suas bases no conhecimento de uma realidade comum compartilhada entre os sujeitos no curso das comunicações.

Para justificar os dois processos de construção das RS, ancoragem e objetivação, Moscovici (2015) explica que a palavra Representação abarca “imagem/significação”, isto é, a representação iguala toda imagem a uma ideia e toda ideia a uma imagem, posicionando esses mecanismos como faces de uma mesma moeda não havendo uma ordem em que aconteça.

A ancoragem classifica, rotula e conceitua as imagens, dando nome às coisas, tornando familiar aquilo que, até então, era desconhecido e estranho. Esse movimento pode implicar juízo de valor direcionando a classificação de pessoas, de ideias e de objetos, situando-os numa determinada categoria repleta de valores já atribuídos pelos sujeitos, num movimento que se dá de fora para dentro do psicológico do sujeito. Já a objetivação, está mais direcionada de dentro para fora, reproduzindo tais conceitos no ambiente social, no mundo exterior, isto é, o processo de objetivação se dá na transformação de algo abstrato, conceitual, em algo concreto, quase tangível, transferindo o que está na mente do sujeito em algo que existe no mundo físico (Moscovici, 2015).

Tais conhecimentos construídos grupalmente através desses processos são dinâmicos e plurais, assim como as interações que os formaram. Entendemos, pois, que as representações sociais emanadas dessas relações são fluidas e se modelam de acordo com cada situação interativa orientando e justificando as práticas dos sujeitos que se utilizam de seus aspectos culturais como uma lente através da qual leem e processam as informações recebidas tornando familiar o que era, até então, desconhecido pelo sujeito, surgindo assim, novas representações.

Como se percebe as representações sociais se constituem a partir da interação entre um sujeito e outro em relação a um objeto. Tal triangulação sujeito-outro-objeto constitui uma maneira básica de explicar e sistematizar os processos de interação. Nessa construção interativa, sujeito/outro/objeto são indissociáveis visto que, toda representação é de alguém ou de alguma coisa. A mesma operação que constrói um objeto na interação social é também constitutiva do sujeito (Moscovici, 2015), ou seja, ao reproduzir um objeto, o sujeito se constitui enquanto tal e se reconhece pertencente a um grupo social.

Nesse sentido, o pertencimento fortalece o sujeito como ser ativo, não apenas nas informações compartilhadas, mas na construção de ações guiadas pelas representações já estabelecidas. Isto porque, partimos do princípio de não existir separação entre o universo interno e externo do sujeito. Em sua atividade representativa, o sujeito não reproduz um objeto, mas, o reconstrói, e ao fazê-lo se constitui como sujeito e se situa no universo social (Alves-Mazzotti, 2008).

Consideramos, portanto, que o estudo de fatores sociais à luz da TRS se debruça sobre o senso comum na dinamicidade da realidade social que se transforma através das muitas relações vivenciadas, possibilitando perceber como as pessoas agem, lidam com as questões cotidianas, com novas informações, e como as transferem para outros grupos.

A análise desses aspectos auxilia na compreensão dos fenômenos educativos em relação às condutas dos sujeitos favorecendo uma visão prática da formação das representações sociais que mostram como as pessoas lidam umas com as outras e compartilham seus conhecimentos populares adquiridos nos seus grupos de pertença fora da escola, com o grupo construído no cotidiano escolar abarcando os atores educativos que ali atuam, neste estudo representados pelo supervisor e pelos professores, como veremos a seguir.

SUPERVISOR ESCOLAR E PROFESSORES: BREVES APONTAMENTOS HISTÓRICOS

Compreendendo a relevância de cada realidade escolar e de todas as relações construídas no andamento da escola, nos direcionamos neste estudo para a relação construída no trabalho cotidiano do supervisor e do professor sem que este viés signifique desconhecimento do trabalho coletivo proposto pela gestão democrática. Além do que um grande número de instituições educativas, como é o caso das localizadas em Pedreiras, professor e supervisor têm seu objeto próprio de trabalho, isto é, apesar da gestão proposta de forma coletiva, o trabalho do supervisor se encontra atrelado ao que o professor produz na escola.

Considerando o contexto histórico da supervisão no Brasil, situamos seu surgimento ligado à industrialização produzido pela Revolução Industrial, no qual o supervisor era designado a fiscalizar o trabalho dos operários das empresas, nos setores de produção das fábricas para assegurar o bom desenvolvimento das produções. Através da transposição das características do supervisor industrial para o contexto escolar, o sistema de ensino primário articulou uma hierarquização para organização e controle das tarefas exercidas na escola ligando a função da supervisão à função de inspeção com uma visão de controle e organização técnica.

Com o passar dos acontecimentos políticos e sociais, o trabalho de supervisão escolar foi legalmente reconhecido na Reforma Francisco Campos com o Decreto-Lei nº 19.890, em 1931, período marcado por muitas transformações no cenário educacional e político brasileiro exigindo novos direcionamentos nos seus processos de organização e controle, e o papel da escola nesse contexto era o de qualificar a população para atender aos ditames do sistema socioeconômico.

Na década de 1950, em outro momento político, voltado para a democratização e para os movimentos populares, o cargo da supervisão reaparece no cenário da educação brasileira com a nomenclatura definida como “Supervisor Escolar” fruto de uma política de alianças entre o Brasil e os Estados Unidos. Essas alianças decorreram de argumentos sobre a melhoria das condições sociais e econômicas para a América Latina idealizadas pelos Estados Unidos e implantando, aos poucos, múltiplos e variados acordos cobrindo diferentes segmento da sociedade. No caso do Brasil, esses acordos envolveram a questão educacional na criação de cursos de Supervisão, em 1957, para darem assistência aos professores leigos do ensino primário (Nogueira, 2005).

Outro acontecimento que impulsionou a supervisão escolar foi o encaminhamento dado às questões nacionais, a partir dessa política de alianças entre o Brasil e os EUA através do Programa Americano-Brasileiro de Assistência ao Ensino Elementar - PABAEE, instalado em Belo Horizonte-MG, garantindo a efetivação de uma política desenvolvimentista, concebendo a educação como alavanca de desenvolvimento social (Nogueira, 2005).

Com o Golpe Militar de 1964, que deu início ao período da Ditadura que perdurou por 20 anos, surgiu uma nova injunção política, e a educação passou por mudanças a fim de se ajustar à nova situação do país. Nesse contexto a supervisão escolar assumiu função controladora da qualidade do ensino, sendo fundamentada em pressupostos da pedagogia tecnicista “que se apoia na neutralidade científica e se inspira nos princípios da racionalidade, eficácia e produtividade do sistema” (Saviani, 2017, p. 16). Percebemos, pois, que o supervisor escolar amoldou-se aos momentos históricos de mudanças políticas e econômicas brasileiras sob o impacto da Ditadura Civil-Militar.

Com o fim da Ditadura na década de 1980 e a redemocratização do país, a atenção se volta para a organização do trabalho pedagógico em uma concepção crítica da educação. No contexto educacional, a supervisão foi fortemente criticada devido ao caráter “funcional” que adotou na execução de suas tarefas, a ponto de acentuarem-se posições em favor de eliminá-las das escolas (Lima, 2013).

Na primeira década do século XXI, novos acontecimentos marcaram a história do Supervisor Escolar. No ano de 2006, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação - CNE/CP, a Resolução nº 1, de 01 de maio de 2006, que instituiu as Novas Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia na qual, entre outras ações, extinguiu as habilitações dos cursos de graduação então existentes.

Lima (2013) chama a atenção para o fato de que os supervisores passaram a ser chamados de “pessoal de apoio”, “personagens escolares”, “parceiros” e por tantas outras denominações que desqualificam a função desse profissional, possivelmente na intenção de identificar algo que não está bem identificado, não traduzindo o relevante trabalho da supervisão.

Mesmo a gestão democrática sendo tratada nas Leis da educação com realização de trabalho coletivo, há os profissionais que integram essa gestão cumprindo funções nas instituições escolares. Esses profissionais, mesmo “conduzidos” por políticas nacionais e por Secretarias de Educação locais, no sentido da prática, agem de acordo com a especificidade de cada instituição escolar. Nesse sentido, a prática da supervisão/coordenação vem sendo construída de diferentes formas, de acordo com cada Unidade Federativa, atendendo a sua própria realidade.

No estado do Maranhão, o supervisor escolar, definido inicialmente como agente coordenador do processo técnico-pedagógico, teve sua prática legitimada, assim como em todo o país, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, desempenhando, dentre outras tarefas, a de coordenar o planejamento do conteúdo de ensino junto ao professor.

Atualmente, o Supervisor Escolar trabalha nas instituições educativas do Maranhão sob a denominação de Suporte Pedagógico, quando se trata da carreira e, de Especialista em Educação quando se trata de cargo, previstos nos artigos 8º e 9º da Lei nº 9.860, de 1º de julho de 2013.

De acordo com Nogueira (2005), a função do Supervisor Educacional no contexto histórico brasileiro é, e sempre foi, essencialmente política e não técnica como tem sido veiculada. Essa afirmativa dialoga com a de Ferreira (2013) quando diz que os conceitos de política, planejamento, gestão e avaliação conduzem ao entendimento da prática profissional da supervisão como trabalho de coordenação e “controle” da prática educativa que visa assegurar os princípios e as finalidades da educação na prática pedagógica.

Diante desse panorama, compreendemos que as mudanças políticas e econômicas acontecidas no país têm reflexos nas instituições escolares e nas pessoas que ali exercem suas funções, dessa forma, o supervisor não fica isento a este contexto. Resta-nos, pois, incertezas quanto à real função desse profissional, o que não invalida nem diminui sua importância no meio educativo.

CAMINHOS DA PESQUISA

Pretendendo discutir as relações de pertencimento construídas por supervisores e professores do Ensino Fundamental II no cotidiano, o estudo foi desenvolvido em cinco escolas públicas e três escolas privadas na cidade de Pedreiras – Ma, apoiando-se na abordagem de pesquisa qualitativa por questionar elementos da realidade cheios de significados, buscando o aprofundamento e a compreensão dos fenômenos que investiga sem abrir mão de uma análise rigorosa na coleta e sistematização das informações constitutivas da pesquisa.

O estudo contou com a participação de 9 professores e 7 supervisores da rede pública, codificados neste estudo como PP e SP respectivamente. Nas escolas privadas, participaram da pesquisa 3 professores e 3 supervisores codificados como PPR e SPR, com o objetivo de mantermos o anonimato dos participantes. Assim, cada professor ou supervisor possui a sigla seguida de um número de ordem, por exemplo: PP1, PP2, PPR1, SP1, SPR2, etc.

Para melhor caracterização dos professores e supervisores escolhidos a pesquisa contou com um Questionário de Perfil desses sujeitos, buscando entender como esses atores educativos se veem e se identificam. Dos 22 entrevistados, 11 se encontram na faixa etária de 41 a 50 anos. A maioria tem de 11 a 25 anos na área educacional e 20 possuem especialização lato sensu. Utilizamos, também, a entrevista semiestruturada combinando perguntas fechadas e abertas, de modo a absorver respostas espontâneas, gestos e expressões faciais cheios de significados, atitudes conscientes ou inconscientes que facilitassem e enriquecessem os dados colhidos. E, ainda, entrevistas em profundidade também chamadas de ‘abertas’ por Minayo (2016), nas quais o sujeito é convidado a falar livremente sobre um tema e o entrevistador, caso necessite, lança perguntas buscando dar mais profundidade às reflexões, permitindo o conhecimento da totalidade do discurso do entrevistado com os seus diversos componentes.

No tratamento e sistematização dos dados colhidos, lançamos mão da técnica de Análise de Conteúdo de Bardin (2016), entendida como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens” (p. 44). Apresentando-se como um “leque de apetrechos” (p. 37) adaptáveis, permitindo vários tipos de organização dos dados, de modo a possibilitar a dedução e a inferência dos resultados.

Na aplicação da Técnica adaptamos à pesquisa os seguintes passos propostos por Bardin (2016): 1 - Transcrição das entrevistas gravadas constituindo o corpus do estudo composto por 22 entrevistas, sendo 16 semietruturadas e 6 em profundidade. 2 - Leitura flutuante das entrevistas para uma visão geral do material colhido. 3 - Grifo dos pontos mais significativos e aparentemente correspondentes entre as respostas dos sujeitos para cruzamento das respostas. 4 - Tratamento dos dados em 3 formas de tabulação: Classificação por Elementos de Significação com quadros de dupla entrada, possibilitando cruzar as respostas das entrevistas semiestruturadas; Análise de Conteúdo Lexical, permitindo a análise da quantidade de evocações de palavras agrupadas em eixos temáticos e Análise Temática que permitiu captar as representações dos sujeitos através de temas e subtemas revelados nas entrevistas em profundidade.

A sistematização dos dados apontou 4 Unidades Temáticas: I - Mobilidade profissional, onde se enfocou a movimentação docente dos entrevistados; II - Do estranhamento ao pertencimento, na qual se discutiu o grupo de pertencimento mais significativo na escola dos participantes; III - Supervisor escolar: um profissional multifacetado, que discutiu as várias facetas de atividades abarcadas pelo supervisor escolar; IV - Construção da relação pedagógica supervisor/professores onde se buscou compreender a relação pedagógica construída entre esses atores educativos. Nos limites deste artigo nos deteremos a analisar os resultados da II Unidade Temática: Do estranhamento ao pertencimento, apoiada na Classificação por Elementos de significação e na Análise Temática desdobradas em núcleos de sentido, dentre os quais destacamos para esta discussão: Chegada Difícil, Chegada da melhor forma, Encontros corriqueiros, Pertencimento ao grupo de professores, Pertencimento ao grupo de supervisores, na tentativa de compreender como se dá o pertencimento desses atores educativos desde a chega à escola no processo de construção da relação pedagógica.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

A Unidade Temática II que discute as relações de pertencimento dos atores educativos escolhidos para esta pesquisa apoiou-se na entrevista semiestruturada que tratou da chegada dos profissionais à escola, dos encontros pedagógicos, dos fatores de maior interferência e dos elementos essenciais na construção da relação pedagógica vivenciada por supervisor e professores e do lugar do sentimento de pertença desses profissionais no ambiente escolar na busca de captarmos as representações emanadas da relação pedagógica vivenciada por esses sujeitos. Para tanto, nos apoiamos ainda nas entrevistas em profundidade que apresentam relatos mais descritivos sobre esses aspectos.

A partir da sistematização das respostas dos entrevistados, obtivemos o primeiro núcleo de sentido Chegada Difícil expressa pelo estranhamento dos atores educativos ao adentrar em um novo espaço relacional.

Na rede pública, supervisores e professores relataram a chegada difícil em falas como: “eu me encontrei numa disciplina nova” (PP7), ou por representações negativas já enraizadas sobre o bairro em que a escola se situa causando o sentimento de medo nos profissionais que chegam para exercer suas funções como relatou a supervisora SP3: “antes de chegar aqui eu tinha ouvido falar muito mal daqui do bairro, aí cheguei com aquele impacto: Meu Deus, será se eu vou me dar bem? o que vai acontecer comigo? Então eu cheguei muito assim, em suspense”.

Esses elementos nos levam a pensar a respeito do estranhamento sentido ao nos depararmos com o desconhecido e, mais complexamente com o “(pré)conceito” firmado pelas representações compartilhadas a respeito de determinado objeto. A dinâmica das relações se faz na familiarização onde os objetos e os acontecimentos são percebidos e compreendidos em relação a prévios encontros como se o julgamento precedesse a análise. “Como resultado disso, a memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre o presente, a resposta sobre o estímulo e as imagens sobre a realidade” (Moscovici, 2015, p. 55).

No relato dos entrevistados, a fala da supervisora SP4: “sou contratada e todos os professores aqui são efetivos” (SP4), pode explicar o sentimento de medo ocasionado possivelmente por representações da supervisora sobre os demais funcionários da escola, como a discriminação por profissionais contratados, por exemplo. Tais representações podem provocar estranhamento e distanciamento tanto no profissional que chega, quanto nos que já estão na escola fazendo o profissional recém-chegado se sentir deslocado dos demais membros. Em muitos casos, esse profissional tenta conquistar espaço e relações afetuosas nas ações diárias contrariando os discursos amargos de outras colegas como os relatados nas falas da supervisora SP4: “quando eu cheguei, uma das professoras disse para mim: sabe nem se vai ficar, já chegou botando ordem [...] fiquei logo com o pé atrás”, ocasionando sentimentos negativos.

Inferimos, pois, que o estranhamento distancia os sujeitos de uma realidade favorecendo a construção de representações sociais negativas e, consequentemente, dificultando as relações de pertencimento desses sujeitos ao coletivo. Como se percebe, pertencer no sentido de identificar-se com um espaço fixando raízes, leva ao sentimento de liberdade, de autonomia frente ao nosso entorno e às pessoas. Mas, “pertencer pode também, estabelecer conflitos ao desencadear um sentimento de territorialidade que repele o diferente e, portanto, a diversidade” (Lestinge, 2004, p. 51).

Por outro lado, no espaço relacional os laços podem estreitar-se através do convívio e da aceitação ao outro promovendo o compartilhamento de saberes, aproximando os sujeitos e fazendo brotar o sentimento de pertença “como própria consequência do vínculo que cerca os que passam a agir com maior grau de espontaneidade e sem a necessidade de constante explicitação de quem seja naquela comunidade” (Bonfim et al., 2015, p. 30). Em outras palavras, as representações negativas sobre a escola, adquiridas a priori, podem ser desconstruídas na convivência conforme a conquista de espaço e de compartilhamento de crenças que passam a ser familiares dando lugar a novas representações da escola e do grupo que agora integra.

O segundo núcleo de sentido apontado na Análise de Conteúdo se dá na Chegada da melhor forma visto já conhecerem algumas pessoas da escola antes de se tornarem parte do quadro de funcionários, favorecendo o sentimento de pertencimento como participante daquele meio.

Podemos inferir, portanto, que o pertencimento gera cuidado, apoio e um ‘sentir-se em casa’ que adquirimos “num gradiente de relações (cuidado, solicitude, indiferença, interesse), entre o ser com ele mesmo, com os entes e as coisas” (Lestinge, 2004, p. 51). Em outras palavras, pertencer não significa somente ser aplaudido e abraçado, mas proporcionar ao outro sentir-se à vontade, expondo suas fraquezas e formas de ser espontaneamente.

Em se tratando desse cuidado promovido pelo pertencimento, observamos várias ocorrências nas falas dos sujeitos da rede pública e da rede privada em que definiram a relação pedagógica de forma amistosa havendo escuta mútua e troca de experiências.

Quando falamos da relação com o outro, falamos também da alteridade entendida como a distinção e o respeito ao outro enquanto parte da nossa integralidade. Dessa forma, Bonfim et al. (2015) defendem que reconhecer o outro significa levar em conta a sua alteridade no entendimento de que a justaposição com o diferente propicia a construção do ‘nós’ no espaço relacional refletido nas práticas e comportamentos, como relata a professora PP6: “então nós buscamos sempre estar envolvidos, sempre estar ajudando uns aos outros e trabalhando para que a educação aconteça da melhor forma possível”.

Em recente estudo sobre “Escalas de Necessidade de Pertencimento” Gastal & Palati (2016) apontam para a necessidade fundamental dos seres humanos de pertencerem a um grupo, concluindo que os indivíduos que valorizam o estabelecimento de boas relações são melhor adaptados para agir no meio social, desempenhando comportamentos desejáveis que incentivam interações positivas, principalmente pela percepção e consideração das emoções de outros indivíduos.

Outro núcleo de sentido apontado no tratamento dos dados se dá nos Encontros corriqueiros que acontecem nas diversas dependências da escola, além dos encontros pedagógicos programados nos quais a maioria dos entrevistados afirmou acontecerem de forma amistosa.

Observamos que esses encontros cotidianos acontecem com menos frequência na escola privada, visto percebermos uma participação mais espontânea dos atores educativos da escola pública, como na fala da professora PP1 ao destacar: “a gente está sempre em contato, conversando, sempre nos orientando e dando ideias”. Comprovamos, pois, que de alguma forma as relações estabelecidas fora das funções “oficiais” se dão de forma, mais amena e agradável.

A ‘liberdade’ apontada na interlocução de entrevistados na rede pública remete à cumplicidade que pode se construir na convivência estabelecendo um movimento circular em que o pertencimento promove cumplicidade e a cumplicidade promove pertencimento, “visto ser no terreno das práticas que se consubstanciam essas e outras concepções, materializadas em condutas e comportamentos das mais diversas naturezas” (Bonfim, et al., 2015, p. 29). Dessa forma, as práticas firmam laços e fortalecem as relações grupais fazendo com que cada um se reconheça em determinado espaço ou espaços, envolvidos por uma teia de acordo com as representações compartilhadas nos grupos em que se integram.

O quarto núcleo de sentido revelado nomeia-se Pertencimento ao grupo de professores em que quase a totalidade dos professores tanto da escola pública quanto da escola privada reconheceu-se como professor e afirmou gostar “de estar com os colegas professores” como demonstrado no relato da professora PP5.

Nesse sentido, nos remetemos a noção de identidade dos professores com os colegas de profissão que, quando estão juntos com quem se identificam, se sentem fortalecidos e, até mesmo, amparados para o enfrentamento das questões diárias. Levando em consideração esses aspectos, concordamos com Jovchelovitch (1998) ao afirmar que a identidade é primeiro um lugar social, um espaço que se torna disponível dentro das estruturas representacionais antes mesmo de ser tematizada como uma luta pela individualidade. Entendemos, pois, que as relações de identidade e pertencimento ao lugar e principalmente ao grupo são mescladas no processo de apropriação do espaço.

Outra característica apontada pelos professores na identificação com o grupo relacional se dá na realização própria e plena em ‘estar junto aos alunos’, revelada na fala da professora da rede pública PP3 ao relatar: “Eu sou professora e gosto de estar na sala de aula, junto do aluno. Eu me sinto mais útil”.

Notamos essa característica presente também na fala da professora PP4 que afirmou: “me sinto mais à vontade na minha sala de aula, me dou bem com todos, não tenho o que falar de ninguém, mas assim, na minha sala de aula eu me sinto plena com meus alunos, eu gosto de estar lá”. O depoimento da PP4 nos leva a refletir sobre a afetividade pela profissão que deve andar lado a lado com a racionalização exigida por sistemas quantitativamente definidos.

Calil (2005) em estudo sobre a afetividade docente concluiu que a maioria dos professores do Ensino Fundamental entrevistados em sua pesquisa, declararam desejo e satisfação pela docência visto a dimensão afetiva estar tão significativamente presente quanto a cognitiva, uma vez que ambas formam um par interdependente, interferindo uma na outra. No entanto, a autora discute sobre a dimensão da afetividade constantemente relegada a segundo plano pela supremacia da dimensão cognitiva, sempre muito valorizada na escola e em todo o contexto educacional no que se refere à busca de resultados numéricos em avaliações gerais.

Consideramos, portanto, que a afetividade no exercício docente é um elemento intrinsecamente relevante no reconhecimento do professor com sua essência profissional, com seu fazer pedagógico que fortalece vínculos e firma compromisso com a escola e com os alunos a exemplo de relatos como o da supervisora SP4 que diz: “a preocupação deles [professores] é essencial para o aprendizado dos meninos [alunos]”, reafirmando que o sentimento de pertencimento gera cuidado.

Nesse sentido, podemos considerar que o pertencimento, seja adquirido de forma natural, seja construído gradativamente, como um sentimento íntimo e intersubjetivo porque se dá no âmago do sujeito firmando-o no espaço relacional e, ao mesmo tempo compartilhado com outros sujeitos do mesmo grupo. Por essa razão, entendemos o espaço social como lugar de construção de valores comuns favorecendo ao sujeito identificar-se subjetiva e materialmente com esse espaço e com os sujeitos com quem compartilha conhecimentos. Essa elaboração coletiva de saber constrói o senso comum, matéria-prima das representações sociais.

O quinto núcleo de sentido voltou-se para o Pertencimento ao grupo de supervisores onde podemos destacar a fala da supervisora da escola pública SP5 que afirmou: “no momento eu estou atuando como supervisora, mas eu sou professora. Minha portaria é de professora”, isto é, a supervisora entrevistada se identifica como professora, também considerando o concurso público a que se submeteu e foi aprovada, mas suas atividades pedagógicas são de supervisora pelo cargo que assumiu na escola.

No decorrer da investigação, percebemos que a maioria dos professores que se afasta de seu exercício docente para cargos administrativos e que permanecem por um longo período de tempo nessa atividade afastando-se cada vez mais da sala de aula, constroem laços de pertencimento cada vez mais fortes no setor em que está em exercício por mais tempo. Conforme a fala da supervisora da rede privada SPR1: “o coordenador é gestor, ele tem que ter essa capacidade de liderança, de saber gerir de fato todas as ações que são desenvolvidas na escola”

Dentre os (as) supervisores (as) entrevistados (as), uma relatou que está nessa condição por indicação política, mas por um curto período visto gostar mesmo de estar em sala de aula. Os professores recebem a “proposta de trabalharem com a supervisão na escola e topam o desafio” (SP5) de uma nova função no contexto educativo provavelmente pelo desejo de conhecerem um novo espaço ou para um breve afastamento da sala de aula, entre outras justificativas.

Ainda nas respostas das supervisoras da rede municipal, encontramos declarações mais afetivamente voltadas para o pertencimento ao grupo de professores, como se expressa a SP3: “Eu sou supervisora, mas, o professor está dentro de mim e não sai esse meu lado de professora porque é muito bom ser professora. Então eu me sinto bem a vontade como professora, porque eu sou professora!”.

Essa supervisora demonstrou um forte sentimento de pertencimento ao grupo de professores, isto é, ela exerce uma função que lhe foi destinada, mas gosta de ser professora. Nesse sentido, cabe dizer que as representações dessa professora são condizentes com as da profissão docente, ao expressar o pertencimento a partir de questões subjetivas consideradas “de forma adjetivada: ora qualifica um sentimento (o sentimento de pertencimento), ora o conhecimento (o conhecimento pertencente, abrangente, que contemple a complexidade da realidade, na qual se insere)” (Pereira, 2007, p. 28, grifos do autor).

Entendemos essa posição como algo íntimo gerado possivelmente por representações tão arraigadas que solidificam a identificação com o grupo de professores. Inferimos que esse sentimento pode favorecer a relação da supervisora com os professores devido à proximidade, afinidade e participação a esse grupo, fortalecendo os laços e a construção de representações sociais comuns.

Quando entrevistamos os profissionais da rede privada sobre o grupo de pertencimento mais significativo, percebemos inicialmente nas respostas das professoras o pertencimento ao grupo de professores, como relata a PPR1: “sou professora, mas me sinto bem com os alunos, com os professores, com a direção”. Em outra escola privada, a professora PPR2 afirmou se sentir familiarizada na sala dos professores e completou o relato afirmando: “para ser mais sincera, ao lado dela [coordenadora] a gente se sente mais à vontade. A sala dela seria aquela ali, mas ela não vai para lá porque o grupo não deixa, é muito apegado a ela”.

Podemos considerar de acordo com essas declarações, que nas duas escolas privadas em que essas professoras atuam o clima parece mais propício ao convívio social devido a familiaridade proposta envolvendo de maneira geral a comunidade docente e administrativa da escola, fatores esses semelhantes aos da maioria das escolas públicas pesquisadas.

Compreendemos que quando as supervisoras afirmam que suas funções se dão conjuntamente aos professores, elas estão se reconhecendo como supervisoras. Por outro lado, há casos em que essas profissionais se veem impedidas de exercer à docência por algum motivo de saúde e buscam na supervisão/coordenação pedagógica a maneira mais relevante de contribuir com o fazer pedagógico em proximidade com os professores.

Nesse sentido, inferimos que o supervisor demonstra ser mais próximo do grupo de professores ao qual se vincula tanto pela formação acadêmica quanto na expressão de sentimentos, e o professor transparece ter mais proximidade com os demais professores naturalmente pelas relações não só profissionais, mas também afetivas.

Nesse sentido, podemos considerar o pertencimento, seja adquirido de forma natural, seja construído gradativamente, como um sentimento íntimo e intersubjetivo porque se dá no âmago do sujeito firmando-o no espaço relacional e, ao mesmo tempo compartilhado com outros sujeitos do mesmo grupo.

As representações sociais das funções exercidas pelos atores educativos no cotidiano escolar, principalmente pelo supervisor, elencam uma série de facetas que podem desviá-lo de suas atribuições naturais e dificultar sua identificação e pertencimento ao cargo de supervisor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutimos neste artigo as relações de pertencimento construídas no ambiente escolar por supervisores e professores do Ensino Fundamental II em escolas públicas e privadas de Pedreiras-MA à luz da Teoria das Representações Sociais evidenciadas nos cinco núcleos de sentido escolhidos para análise neste artigo.

Levamos em consideração os pressupostos moscovicianos que englobam o não familiar perpassando pelos caminhos do compartilhamento de saberes transformando-se em familiar, isto é, a construção de representações pelos grupos de convívio transforma o estranho em algo conhecido pelos sujeitos apontando para o pertencimento ao grupo de pessoas ou ao lugar em determinada situação social.

A partir das discussões, podemos considerar que o pertencimento está no reconhecimento próprio e do outro como parte de um mesmo grupo, não se firmando apenas na afetividade, mas na parceria, na partilha e troca de saberes profissionais.

O pertencimento, pois, pode se dar como crença subjetiva numa origem comum que une distintos indivíduos seja pela profissão, lugar de origem ou convívio social comum considerando que, quando a característica dessa comunidade é sentida subjetivamente por todos os indivíduos do grupo, há uma comunidade de sentido. O sentimento de pertença a um grupo está, portanto, intimamente ligado a outros sujeitos que também se sentem participantes do mesmo espaço fazendo com que essa teia de relações se fortaleça.

Na pesquisa realizada, interpretamos, pois, que o supervisor escolar possui representações que o aproximam do grupo de pertença dos professores ao qual se vincula tanto pela formação acadêmica quanto pela afetividade, isto é, mesmo ciente da ocupação do cargo de supervisor e executando várias tarefas próprias da supervisão, esse profissional sente-se pertencente ao grupo dos professores.

Já os professores, transparecem ter mais proximidade com os demais professores naturalmente pelas relações não só profissionais, mas também afetivas, seja pelas representações construídas sobre o seu lugar na escola, seja pelo fato de se sentirem iguais no espaço educativo. Consideramos, pois, que os professores mostram-se muito à vontade no seu grupo de pertencimento.

Esse sentimento de pertença se torna fortalecido em decorrência da proximidade propiciada pelos encontros corriqueiros que ocorrem nas dependências da escola. Percebemos, pois, que na rede pública e na rede privada supervisores e professores demonstram maior aproximação no exercício de suas funções, adquirida anteriormente enquanto colegas de profissão e fortalecida na convivência escolar.

Fica claro, portanto, que o sentimento de pertencimento promove um clima mais leve no cotidiano escolar o que pode favorecer o desenvolvimento das atividades pedagógicas, como a construção de projetos, a realização de festas comemorativas, os seminários, feiras de conhecimento, etc. Dessa forma, tanto na escola pública, quanto na escola privada, os sentimentos de pertencimento são fortalecidos pelas representações sociais de professores e supervisores sobre as relações construídas no cotidiano.

Da mesma forma, as condutas dos sujeitos sociais no espaço que é comum a todos são guiadas e sustentadas pelas representações sociais construídas na interação entre os sujeitos e fortalecidas pelo pertencimento. A escola como lugar social de compartilhamento de saberes mostra-se campo privilegiado dessas construções simbólicas promovendo constantes construções e reconstruções de relações sociais de pertencimento.

De uma forma geral, os estudos sobre pertencimento mostram-se necessários para a percepção das diferentes formas de construção das relações sociais no contexto da afetividade e da formação de grupos. Por esse motivo, entendemos a relevância deste estudo no panorama nacional dada a escassez de trabalhos sobre o tema apontada em levantamento realizado entre 2013 e 2017 no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes com os descritores relação pedagógica; supervisor escolar; professores, representações sociais. Os dados coletados que indicaram essa carência de estudos abarcando essas categorias de análise em conjunto constituem motivo suficiente para que continuemos a desenvolver estudos dessa natureza e que possam contribuir para o desvendamento de questões legais que se refletem na formação de professores.

Cabe enfatizar, conclusivamente, a importância desta pesquisa, levando em consideração o modelo de formação preconizado na Resolução nº 1, de 01 de maio de 2006, aprovada pelo CNE/CP, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e, neste estudo direcionado para as relações de pertencimento construídas no cotidiano da escola por professores/supervisores. A investigação em pauta mostra, como já nos posicionamos, a necessidade de revisão dos caminhos possíveis trilhados por esses atores educativos que, em decorrência da própria legislação, transitam entre as dubiedades das suas funções e que, mesmo assim, conseguem construir redes de pertencimento que os identificam prioritariamente como professores.

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Notas

1 O estudo se insere numa pesquisa maior intitulada “A Relação Pedagógica no Contexto Cotidiano do Currículo de Cursos de Licenciatura: as Representações Sociais de Professores Formadores” financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão – FAPEMA.

Notas de autor

1 Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Maranhão, Brasil.
1 Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Maranhão, Brasil.

luysienneoliveira@hotmail.com

Información adicional

Como citar: Oliveira, L. S., & Bonfim, M. N. B. (2021). Relationships at school: social representations of supervisors and teachers. Revista Tempos e Espaços em Educação, 14(33), e14223. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v14i33.14223

Contribuições dos Autores: Oliveira, L. S.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Bonfim, M. N. B.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. As autoras leram e aprovaram a versão final do manuscrito.



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