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Ensino remoto, desafios e desigualdades educacionais: o enfrentamento à pandemia em Riacho de Santana, Bahia
Online teaching, challenges and educational inequalities: facing the pandemic in Riacho de Santana, Bahia
Enseñanza en línea, desafíos y desigualdades educativas: enfrentando la pandemia en Riacho de Santana, Bahia
Ensino remoto, desafios e desigualdades educacionais: o enfrentamento à pandemia em Riacho de Santana, Bahia
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 14, núm. 33, e16564, 2021
Universidade Federal de Sergipe
Recepción: 13 Julio 2021
Aprobación: 22 Octubre 2021
Publicación: 29 Diciembre 2021
Resumo: O isolamento social, necessário para diminuir a propagação do vírus causador da maior epidemia já vivenciada em decorrência da Covid-19, trouxe demandas para que a educação fosse garantida para todos. Sendo um contexto nunca antes vivenciado, fez-se necessário este estudo, que buscou analisar as adaptações implementadas na rede municipal de ensino de Riacho de Santana, um pequeno município da Bahia. Para tanto, foi realizada uma pesquisa1 com a perspectiva do Materialismo Histórico Dialético, em que os professores do município foram convidados a responder um questionário sobre as ações educacionais desenvolvidas durante a pandemia. Os resultados demonstram que inexistem políticas públicas uníssonas de bem-estar social para o provimento de condições elementares para os mais vulneráveis. Embora tenham sido demandadas ações de adaptação da educação para o Ensino Remoto Emergencial, docentes, famílias e educandos têm vivenciado dificuldades que agravam as desigualdades sociais e educacionais.
Palavras-chave: Coronavírus, Desigualdades educacionais, Políticas públicas educacionais.
Abstract: The social isolation, necessary to reduce the spread of the virus that causes the greatest epidemic ever experienced, brought the need for a series of adaptations to guarantee education for all. However, as it is a context that has never been never experienced before, this study is necessary, which sought to analyze the adaptations implemented in the municipal education system of Riacho de Santana, a small municipality in Bahia due to Covid-19, as well as their impacts on inequalities. For this purpose, a research was carried out with the perspective of Historical Dialectical Materialism, in which the teachers of the municipality were invited to answer a questionnaire about the educational actions developed during the pandemic. The results demonstrate that there are no unified public policies for social well-being to provide elementary conditions for the most vulnerable. Although several actions were taken to adapt education to Remote Education, teachers, families and students have experienced a series of difficulties, which means, in the last case, the worsening of social and educational inequalities.
Keywords: Coronavirus, Educational inequalities, Educational public policies.
Resumen: El aislamiento social, necesario para reducir la propagación del virus que provocó la mayor epidemia jamás vivida, generó demandas de que la educación estuviera garantizada para todos. Como un contexto nunca antes vivido, es necesario este estudio, que buscó analizar las adaptaciones implementadas en la red de educación municipal de Riacho de Santana, un pequeño municipio de Bahía como resultado del Covid-19, así como sus impactos en las desigualdades. Por ello, se realizó una encuesta con la perspectiva del Materialismo Histórico Dialéctico, en la que se invitó a los docentes del municipio a responder un cuestionario sobre las acciones educativas desarrolladas durante la pandemia. Los resultados demuestran que no existen políticas públicas unificadas de bienestar social que brinden condiciones básicas a los más vulnerables. Si bien se han exigido acciones de adecuación de la educación a la educación remota emergencial, docentes, familias y estudiantes han experimentado dificultades que agravan las desigualdades sociales y educativas.
Palabras clave: Coronavirus, Desigualdades educativas, Políticas públicas educativas.
INTRODUÇÃO
O ano de 2020 foi marcado pela pandemia do novo Coronavírus denominado de Covid-19, que, ao exigir o distanciamento social, impôs uma série de desafios para toda a sociedade. De acordo com Menezes, Santos e Silva (2021, p.13),
Os dados da pandemia no Brasil mostram-se preocupantes desde março de 2020, isso porque — além das dificuldades de entender aspectos como propagação, taxa de contágio em diferentes populações e condições de agravamento, por exemplo — o vírus encontra um país que já enfrenta um desmonte das instituições públicas, em especial de setores fundamentais para apoio à população, como o sistema de saúde e a educação em um governo comprometido com o fortalecimento do capital.
Nesse contexto, a educação, que já enfrentava uma série de dificuldades estruturais, foi amplamente afetada e desafiada a se reinventar. As especificidades de cada contexto, que já constituíam realidades diferentes, provocaram impactos de diferentes magnitudes, fazendo com que alguns locais tivessem um pouco mais de facilidade, e que em outros a precariedade se aprofundasse. A complexidade deste fenômeno nos exige um olhar atento para compreender as ações e os impactos para o agravamento das desigualdades no contexto pandêmico.
No Brasil, o primeiro caso do novo Coronavírus foi confirmado no final de fevereiro de 2020, duas semanas antes de a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar que se tratava de uma pandemia, e até o momento da escrita desse texto em 13 de outubro de 2021, no país já se somam mais de 600.000 mortes causadas pela Covid-19. Em 20 de março, por meio do Decreto Legislativo n.º 6, o governo brasileiro reconhece a ocorrência de estado de calamidade pública, autorizando a elevação dos gastos públicos e o não cumprimento da meta fiscal prevista para o referido ano (Brasil, 2020a). Apesar disso, foram poucas e dissonantes as ações do governo federal para o controle da pandemia e bem estar social, designando aos governadores a responsabilidade das ações locais.
Na Bahia, o governador determinou em nota, no dia 16 de março do mesmo ano, a suspensão das aulas na rede estadual e uma série de medidas restritivas. No dia seguinte, o governo federal publicou a Portaria nº 343, que autoriza “em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação” enquanto durar a pandemia (BRASIL, 2020b). As escolas, pelas suas características, foram vistas como potencial local de disseminação do vírus, assim como destaca Oliveira (2020), ao descrever uma sala de aula regular:
Trata-se de cena recorrente nas escolas do Brasil e do mundo: aglomeração de estudantes e professores em um espaço restrito. Ainda, dependendo da realidade socioeconômica da escola e da rede a qual pertence, outras questões ainda poderiam ser levantadas, como a falta de limpeza, a falta de carteiras escolares, insumos para o ensino, entre outros problemas residentes, principalmente, nas escolas públicas de periferias brasileiras (Oliveira, 2020, p. 21).
Oliveira (2020) destaca que, mesmo antes da pandemia, as escolas já vinham passando por um processo de precarização, fruto de políticas de desmonte do estado de bem estar social e o agravamento de uma crise econômica. Embora este seja um fenômeno observado no país todo, se agrava nas periferias e interiores, o que nos faz voltar o olhar para como um município de pequeno porte tem conduzido o enfrentamento à pandemia no contexto da educação.
Para tanto, como espaço dessa pesquisa, foi escolhido o município de Riacho de Santana, um pequeno município Baiano, localizado no Território de Identidade do Velho Chico. Ali, por meio de decretos, a prefeitura municipal estabeleceu “medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo Coronavírus” (Prefeitura de Riacho de Santana, 2020a) e suspendeu o acesso aos prédios da administração pública, inclusive as escolas (Prefeitura de Riacho de Santana, 2020b). Posteriormente, a suspensão das aulas foi prorrogada por período determinado (Prefeitura de Riacho de Santana, 2020c).
A partir desta data, sem muito preparo anterior e sem infraestrutura suficiente ou adequada, os docentes passaram a desenvolver aulas remotamente, utilizando plataforma online e redes sociais como Facebook, Instagram e WhatsApp. Entretanto, é notória a dificuldade sentida por muitos professores para utilizar as ferramentas tecnológicas, assim como por parte de alguns alunos, que também não possuem infraestrutura adequada, enquanto outros possuem melhores condições de acesso e permanência.
Este contexto nos fez traçar um estudo cujo objetivo geral foi analisar as adaptações implementadas na rede municipal de ensino de Riacho de Santana em virtude da Covid-19, bem como seus impactos e desafios. Mais especificamente, foi pretendido: Identificar as ações desenvolvidas pelos agentes educacionais para viabilizar o processo ensino-aprendizagem nos diversos níveis e modalidades da educação no município; Analisar as principais transformações e dificuldades encontradas pelos professores para o exercício docente durante a pandemia; Analisar os usos e impactos das tecnologias digitais nos processos educacionais no contexto estudado; Compreender o impacto das adaptações do ensino remoto nas desigualdades sociais e educacionais. Apontamos nesse artigo, apenas alguns resultados evidenciados nessa pesquisa, devido ao limite do número de laudas.
DESIGUALDADES EDUCACIONAIS EM TEMPOS DO COVID-19
A pandemia do novo Coronavírus escancarou a existência das desigualdades nos diferentes contextos sociais e impôs grandes desafios. As desigualdades no Brasil são visíveis e preocupantes, pois enquanto a maior parte da população vive em condições mínimas de existência, uma pequena parcela detém um patrimônio acumulado que é originado da exploração da classe trabalhadora (a maioria). De acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), que avaliou 79 países em 2018, o Brasil é uma das cinco economias mais desiguais do mundo em relação à educação. A desigualdade educacional do país é a terceira maior do mundo em ciências e leitura; e a quinta em matemática. Estudantes de maior poder aquisitivo tiveram um resultado de 100 pontos a mais do que os alunos mais pobres (Silva et. al., 2021).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), a taxa de analfabetismo entre negros a partir de 15 anos continua sendo mais que o dobro em relação aos brancos: 9,1% contra 3,9%. Também em 2018, o IBGE identificou que 15,4% dos brancos viviam na linha da pobreza, enquanto o percentual de pretos e pardos chegava a 32,9% da população. Já os níveis mais severos de vulnerabilidade econômica atingem 8,8% dos negros e 3,6%, dos brancos.
Com os impactos da pandemia do novo Coronavírus Covid-19, as alternativas foram a utilização do Ensino Remoto Emergencial (ERE), via plataformas digitais, para tentar amenizar os déficits educacionais, seus resultados variam se levamos em conta os diferentes contextos regionais e locais, além da diversidade (objetiva e subjetiva) das famílias e dos alunos. De acordo com Silva et. al. (2020), “o Ensino Remoto Emergencial (ERE) é uma modalidade de ensino que pressupõe o distanciamento geográfico de professores e alunos e foi adotada de forma temporária nos diferentes níveis de ensino por instituições educacionais do mundo inteiro para que as atividades escolares não sejam interrompidas”. Entretanto, como é possível verificar diferentes condições de acesso à internet em diversos extratos da população, isso refletiu em desiguais condições de acesso e permanência dos alunos neste novo modelo de educação. Entre os grupos periféricos, mais pobres, também marcados pela sua etnia, observou-se um menor acesso aos serviços públicos de bem-estar social, afetando até na sua chance de sobrevivência neste período. A classe trabalhadora é a mais vulnerável diante da pandemia, pois “Nas periferias, favelas e outros espaços de vida destes sujeitos, está um grande aglomerado de trabalhadores e trabalhadoras que compõem os ditos serviços prioritários durante a pandemia” (Farias & Júnior, 2020, p. 8).
As desigualdades sociais acabam por afetar diretamente a educação, embora existam instrumentos públicos que prevejam a intervenção do Estado para prover a educação com equidade, como é o caso da Constituição Brasileira (Brasil, 1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996) e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (Brasil, 2013). Assim sendo, compreendendo que a condução das ações emergenciais em contexto pandêmico pode ter afetado os atores sociais da educação de diferentes maneiras, consideramos relevante este estudo.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Na busca pela compreensão dos impactos da pandemia sobre as desigualdades educacionais em Riacho de Santana, Bahia, fomos em busca de uma abordagem teórico metodológica que nos permitisse uma aproximação adequada à esta realidade. Para isso, optamos pelo Materialismo Histórico Dialético (MHD), pois entendemos a importância de uma revolução social que subverta a ordem vigente de poder da classe dominante sobre a classe dominada. Nesse sentido, a característica fundamental do entendimento do materialismo histórico é a mudança social, de modo que o proletariado possa acessar o poder e estabelecer um governo de uniformidade social (Kosik, 1976), que possa livrá-lo das condições de desigualdade impostas pelo sistema capitalista.
Para compreender as adaptações e desafios ao ERE, optamos por priorizar, neste trabalho, a perspectiva dos professores, ou seja, como os professores compreendem esta realidade. Assim, após tramitação e aprovação em Comitê de Ética, convidamos os professores atuantes no município de Riacho de Santana (Bahia), tanto aqueles com contrato sob Regime Especial de Direito Administrativo (REDA), quanto aqueles que são servidores concursados pela secretaria de educação para explicá-los sobre os propósitos e métodos da pesquisa, tendo sido destacado que a participação seria livre e voluntária, conforme Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para a coleta de dados, optamos pela utilização de um questionário de perguntas abertas, que “é um instrumento composto de um conjunto de perguntas ordenadas de acordo com um critério predeterminado, que tem por objetivo coletar dados de um grupo de respondentes” (Marconi & Lakatos, 1999, p. 100). O questionário foi enviado para os 30 docentes das áreas de Língua Portuguesa, História, Letras e Pedagogia, da rede pública municipal de ensino, via correio eletrônico, entre maio e junho de 2020. O instrumento era composto por sete questões, diretamente relacionadas aos objetivos desta pesquisa. Após a coleta, procedeu-se pela substituição dos nomes dos docentes por códigos, a fim de garantir o sigilo e anonimato dos informantes. As respostas foram agrupadas em categorias de análise, conforme disposto na tabela 1. Para este trabalho foram selecionadas as respostas consideradas mais relevantes em cada categoria.
Objetivo específico | Categoria | Questões |
OE1. Identificar as ações desenvolvidas pelos agentes educacionais para viabilizar o processo ensino-aprendizagem nos diversos níveis e modalidades da educação no município | C1: Ações de adaptação durante a pandemia | OE1 C1 Q1 Questão: qual é a importância do espaço escolar para o aprendizado? A presença física, o convívio social? |
OE1 C1 Q2 Questão: medidas que as escolas têm tomado até agora para minimizar os impactos do Covid-19 | ||
OE1 C1 Q3 Questão: a saída para garantir o aprendizado do ano letivo, e não só pensar em cumprir carga horária? Será preciso repensar o modelo de carga horária/distribuição de conteúdo? | ||
OE2. Analisar as principais transformações e dificuldades encontradas pelos professores para o exercício docente durante a pandemia | C2: O papel dos pais durante a pandemia | OE2 C2 Q1 Questão: nesse período de pandemia o que pode transformar o papel dos pais na educação dos filhos? |
C3: Transformações na prática pedagógica e desafios aos professores | OE2 C3 Q1 Questão: quais as mudanças mais profundas podem surgir na educação depois da pandemia? | |
OE2 C3 Q2 Questão: As perspectivas de mudanças no papel docente e prática pedagógica. papel desses educadores será revisto? Na sua visão, é necessária uma formação continuada? | ||
OE3. Analisar os usos e impactos das tecnologias digitais nos processos educacionais no contexto estudado | C4: Usos e impactos das tecnologias digitais | OE3 C4 Q1 Questão: O uso de tecnologias para o ensino vai ser revisto? Entrará mais no radar das políticas públicas dos governos e das nações? |
OE4. Compreender o impacto das adaptações do ensino remoto nas desigualdades sociais e educacionais | C5: impactos das transformações nas desigualdades | Para esta categoria não foi utilizada nenhuma questão específica, mas elementos apresentados em todas as questões anteriores, em uma análise transversal. |
A sistematização dos dados, de acordo com essas categorias e na correlação com a literatura, permitiu a melhor compreensão sobre as ações e impactos da pandemia no sistema de ensino e nas desigualdades educacionais. Os dados foram organizados de acordo com a tabela acima e esta serviu como fio estruturante para a apresentação e discussão dos dados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O enfrentamento da Covid-19 tem implicado ações emergenciais em vários âmbitos da sociedade, afetando as pessoas em todas as esferas da convivência. Se, inicialmente, era uma realidade apenas dos centros urbanos, rapidamente avançou para municípios do interior do país, que sabidamente já possuíam menos recursos. A escola pública, que já se mantinha em condições precárias, passa a ser obrigada a criar estratégias de ensino remoto, de modo emergencial, sem estudos anteriores sobre a viabilidade ou impacto dessas ações. Assim, esta pesquisa buscou analisar, sob a perspectiva docente, quais foram as adaptações implementadas na rede municipal de ensino um pequeno município baiano, a fim de compreender os desafios e impactos das ações, principalmente em relação às desigualdades (Santos, 2020).
Para alcançar esta compreensão, buscamos compreender o fenômeno sob quatro aspectos diferentes. Inicialmente, buscamos verificar quais ações foram desenvolvidas pelos diferentes agentes envolvidos nos processos educacionais, principalmente em relação à prática pedagógica, o currículo e às relações espaço-temporais. Em um segundo momento, buscamos compreender quais as dificuldades enfrentadas por pais e professores em virtude das transformações que foram necessárias. As tecnologias passaram a ser cruciais na prática docente e nas estratégias de ensino e aprendizagem, trazendo impactos que se fizeram objeto de análise em um terceiro momento. Por fim, a partir de tudo o que foi relatado pelos docentes, fizemos uma análise transversal sobre a sua percepção a respeito das desigualdades sociais e educacionais, buscando compreender o impacto que as adaptações ao ERE trouxeram para o seu agravamento.
O contexto educacional de Riacho de Santana e as adaptações para o ensino remoto
O contexto pandêmico exigiu que fossem criadas ações, estratégias, materiais didáticos e plataformas para viabilizar o processo de ensino e de aprendizagem nos diversos níveis e modalidades de ensino. Como não existiam precedentes, foi necessário criar soluções novas, cabendo aos docentes, muitas vezes, a partir do seu conhecimento da realidade dos educandos, planejar e implementar ações educativas que atendessem a esta demanda.
A capacidade de adaptação ao novo já foi colocada por Paulo Freire como inerente da práxis educacional, ligada ao seu tempo. Freire (1996, p. 17) afirma que “é próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho não é apenas o cronológico.” Entretanto, o isolamento social nos coloca um desafio para a educação que compreende os sujeitos como seres sociais, que se constroem na dialogicidade.
Esta concepção nos fez voltar o olhar, em um primeiro momento, para compreender o espaço escolar que existia antes da pandemia, no qual a presença física e o convívio social pautavam as práticas escolares. Quando questionamos aos docentes sobre a importância do espaço escolar enquanto espaço de socialização, obtivemos respostas que destacavam a importância deste para o desenvolvimento das crianças e adolescentes:
O espaço escolar contribui principalmente com a capacidade de conviver em grupo, de aprender em comunhão, respeitando as diferenças e desenvolvendo o senso de reciprocidade. Assim, a aprendizagem se dá de modo mais caloroso (Professora de Português, 2020).
Estarmos em sala de aula com nossos alunos é incomparável. Em todos os sentidos. O ambiente, a presença física, o convívio são essenciais para um melhor desempenho na aprendizagem. Tudo contribui, favorece para o direcionamento/realização/reafirmação físico, psicológico, intelectual, pessoal, humano do estudante. É uma relação que fortalece, asseguram os sentimentos, os desejos, os objetivos, sonhos ali depositados. É essencial (Professora Licenciada em Letras, 2020).
A escola como espaço de construção da cidadania, a capacidade de conviver em grupo, como espaço de trocas e afetos para o desenvolvimento integral dos seres humanos, conforme destacado pelos docentes, faz parte de um conceito de educação dialógica, não pautada apenas na transmissão de conteúdo. Mas como construir uma educação pautada nestes princípios, em um momento de isolamento social? Não estamos falando de um conceito de educação bancária, que prevê apenas a transmissão ou depósito de conteúdo. Pelo contrário, a escola é um espaço de formação de sujeitos sociais, na promoção de uma educação problematizadora que se faz em “um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo criticamente, como estão sendo no mundo” (Freire, 1988, p.72).
Para compreender as práticas pedagógicas neste novo contexto, perguntamos aos docentes sobre as medidas que haviam sido implementadas nas escolas, em virtude da pandemia:
A escola suspendeu as atividades letivas, nas unidades de ensino, em conjunto com as redes estaduais e particulares (Professor de História, 2020).
As escolas adotaram um sistema de ensino remoto (Professora de Português, 2020).
Tem promovido o acompanhamento e a orientação remota aos alunos por meio do aplicativo WhatsApp. Também tem orientado a comunidade, através de redes sociais, sobre a importância de fazer a quarentena e tomar as medidas pessoais de higienização e proteção (Professora de Português, 2020).
A escola como um todo, administração, coordenação, professores, estão empenhados em oferecer aos nossos alunos, através de aulas e atividades em EAD e xerocopiadas, entregues pela secretaria e administração da escola (respeitando, é claro, e com os devidos cuidados, o distanciamento e a higienização de todos e do espaço). Dentro do possível, e com cuidado e consciência para que todos os alunos tenham acesso a essas atividades. Sendo elas, mais lúdicas, e de fácil entendimento e desempenho, com o intuito de não trazer desgaste/transtornos aos alunos e nem a suas famílias, uma vez que são os mais próximos e estarão ajudando-os na realização das mesmas, e que, em algumas, muitos sentirão dificuldades em compreendê-las dificultando assim a realização e aumentando o desconforto de todos. Que não é conveniente num momento como esse (Professora de Português, 2020).
Nota-se, nestas falas, que os professores buscaram, por iniciativa própria ou por ação coletiva, atender à demanda, utilizando diferentes estratégias. A suspensão das atividades letivas presenciais ocorreu em toda a rede de ensino, entretanto, na maior parte, houve o intuito de promover certa orientação ou acompanhamento dos alunos. Percebe-se um movimento de orientações atitudinais e procedimentais em relação à doença, como medidas de higiene e proteção. Os professores destacam o uso de algumas tecnologias digitais, mas também é possível perceber que estas não se fazem presentes para todos os estudantes, sendo necessário lançar mão de atividades xerocopiadas. Os professores se disponibilizam até por Whatsapp ou redes sociais pessoais (para os alunos que possuem estes recursos). O fato de os alunos terem condições de acesso diferenciadas, vai indicando que as desigualdades sociais, neste contexto, podem ser agravantes das desigualdades educacionais, mesmo na escola pública.
Garantir o aprendizado nestas condições é um desafio. Existe o questionamento sobre como cumprir a carga horária nas condições existentes, mas, mais do que isso, existe uma expectativa de aprendizagem, tanto de conteúdos quanto de outras competências usualmente desenvolvidas pela escola. Como este é um modelo que está sendo construído durante o seu percurso, cada professor está lançando mão dos recursos que entende como sendo os mais adequados à sua realidade. Quando questionamos sobre as estratégias de ensino e aprendizagem que estavam sendo utilizadas, os docentes responderam:
Para garantir o mínimo de aprendizagem dos alunos, a escola organizou um cronograma de atividades de todas as disciplinas para os professores passassem, através do WhatsApp para os alunos (Professora de Letras, 2020).
As atividades podem ser enviadas por meio de mídias sociais, o que não garante o acesso e aprendizado de todos, é só uma medida para atenuar a falta de aulas presenciais (Professor de História, 2020).
Acredito que não tem como se cumprir o ano letivo sem prejuízos de aprendizagem. A situação é nova e, sendo assim, desafiadora. Nossas famílias, infelizmente, não têm formação acadêmica que possa fazer as orientações pedagógicas em casa conforme necessário. Além disso, inúmeros alunos sequer dispõem de aparelhos eletrônicos e muito menos de internet para terem acesso às atividades remotas que a escola os encaminha. Portanto, com certeza, há que se pensar outro meio de reposição dessas aulas para que os alunos tenham a oportunidade de garantir seu direito à aprendizagem (Professora de Português, 2020).
Estes docentes destacam que o processo de aprendizagem não depende apenas das práticas pedagógicas dos professores. Foram apontadas questões como: disponibilizar conteúdo não significa aprendizagem; nem todos os alunos possuem acesso a dispositivos eletrônicos (como celular ou computador) ou internet; os pais são importantes parceiros das escolas, mas muitos não possuem formação suficiente para acompanhar o aprendizado dos estudantes; existem desigualdades sociais e econômicas entre os estudantes. Todos estes fatores apontam para a existência de diferentes oportunidades de acesso à educação, agravando as desigualdades educacionais, sociais e econômicas. Aspectos semelhantes também têm sido encontrados em outros estudos, como Marques (2020, p.31), que destacam que a aprendizagem, especialmente neste contexto pandêmico, está condicionada a fatores como motivação, interação física, recursos tecnológicos e oportunidades para dialogar com docentes e colegas.
Estes dados permitem afirmar que a escola tem tentado se adaptar às demandas impostas pela pandemia ao processo de ensino e aprendizagem. Este movimento acontece mesmo sem que houvesse formação profissional específica para isso, sem que existisse uma infraestrutura adequada ou que houvesse um planejamento capaz de abarcar todas as especificidades. As atividades docentes, mesmo remotamente, não descartam a importância do espaço escolar, e principalmente, do viver e aprender coletivamente. Fica evidente, mais do que nunca, que a aprendizagem não é consequência única e direta da ação docente, sendo condicionada por diversos outros fatores. Todos os fatores envolvidos na aprendizagem acabam interferindo nos processos desenvolvidos pela escola, o que nos leva, na próxima seção deste texto, a analisar as transformações ocorridas na escola e dificuldades no trabalho docente durante a pandemia.
A escola durante a pandemia: transformações, dificuldades e desigualdades
Mais do que nunca, a escola está se mostrando como um espaço de reinvenção. Não só a prática pedagógica que foi recriada, mas as relações de todos os entes envolvidos na aprendizagem das crianças foram afetadas de alguma forma. Os pais viram a escola adentrar as suas residências e foram chamados a ser coautores do processo de aprendizagem das crianças. Já os professores, mesmo com todas as adversidades, tiveram que transformar as suas práticas, o que afeta a escola de hoje e provavelmente afetará a escola do futuro (Santos & Carvalho, 2019).
Javier Cifuentes-Faura (2020), ao analisar o papel do governo, nos professores e dos pais durante o fechamento das escolas durante a pandemia, afirma que os pais seguem sendo o melhor recurso (e, durante o confinamento, o mais próximo) para que as crianças recebam ajuda. Entretanto, há diferenças substanciais entre as famílias que estiveram/estão em confinamento.
Cientes da importância dos pais, principalmente durante a pandemia, podendo atuar como facilitadores ou não, perguntamos aos professores sobre o papel que eles notam que estes têm desempenhado na aprendizagem dos filhos, e destacamos as seguintes respostas:
Sabemos da importância dos pais na educação dos filhos, esse inédito cenário, incomum, demanda desafios para toda a comunidade escolar. Por isso os pais devem aproveitar esse momento para estudar junto aos seus filhos e o momento deve ser usado também para fortalecer os laços familiares (Professor de História, 2020).
Ser pai e mãe é uma missão que se constrói no processo da maternidade/paternidade. A meu ver, essa quarentena não mudará isso. Ela está contribuindo para que pais e filhos estejam mais próximos uns dos outros, mas, passando essa fase, as correrias voltarão e, infelizmente, a distância também (Professora de português, 2020).
Com toda certeza os pais olharão a educação escolar com mais carinho...pois nesse período eles puderam vivenciar o papel do professor e entender o desafio desse profissional (Professora de Letras, 2020).
Vejo que muitos pais não sabiam lidar com essa situação, porque delegava a educação todo a serviço da escola, hoje muitos veem como é importante a união pais/escola (Professora de Pedagogia, 2020).
Os laços estão mais estreitos, e junto a isso o aprendizado acontece. É inevitável! A família precisava desse contato direto e constante que os tornarão mais presentes e atuantes. Todos aprenderão, sairão mais fortalecidos (Professora Licenciada em Letras, 2020).
As falas dos professores retratam uma realidade muito comum na educação brasileira, em que os pais delegam a educação toda para a escola, sem muito envolvimento com esta esfera do desenvolvimento das crianças. São frequentes as queixas dos professores de que alguns pais são ausentes e que criticam o trabalho dos docentes. Com o fechamento das escolas e início das aulas remotas, houve uma maior demanda para que os pais acompanhem os filhos na realização das atividades, vivenciando desafios do ensinar. Essa reorganização fez reforçar laços familiares, além de provocar uma aproximação entre os pais e a escola, uma vez que eles agora entendem melhor o desafio que os professores enfrentam no dia a dia, no trabalho com classes lotadas. Entretanto, ainda existem lacunas nesta relação e, como comentado por um dos docentes, talvez não seja uma mudança duradoura. Faz-se necessário, durante a pandemia, aproveitar a oportunidade para projetar práticas que tragam a família para perto da escola e da aprendizagem dos filhos, criar laços corresponsabilidade, que perdurem para os dias futuros.
É importante destacar que não apenas os pais se realocaram na escola, mas os próprios docentes passaram a ter outros papéis como agentes de educação. Quando questionamos se os professores vislumbravam perspectivas de mudanças para o papel docente e se seria necessário novas ações de formação continuada, obtivemos as seguintes respostas:
Sim, o mundo está em constante transformação, na minha opinião, a formação continuada é um processo permanente de aperfeiçoamento, realizado ao longo da vida profissional, com o simples objetivo de garantir um trabalho docente efetivo que promova aprendizagens significativas (Professor de História, 2020).
Acredito que o papel do professor é fundamental no processo de ensino aprendizagem e que por mais que sejamos contemporâneos da Pós-modernidade ele não perderá o seu lugar, nem o seu valor. No entanto, diante de situações emergências, o professor, como qualquer segmento social, precisa rever sim, seu papel, redirecioná-lo, de modo que exerça sua função de maneira eficaz e significativa. Sendo assim, faz-se necessário que receba cursos de formação que o ajude na melhoria profissional. Não essas formações exaustivas, em finais de semana e feriados que mais contribuem para o aumento da exaustão profissional do que para a sua formação. Penso que um processo de formação deve primar pelo bem-estar do profissional e pela sua valorização também (Professora de português, 2020).
Certamente que algumas mudanças ocorrerão na educação ao fim dessa pandemia. Tanto no que diz respeito a formação continuada do professor, e necessária. Numa implantação de políticas públicas que fortaleça, enriqueça o sistema educacional digital/tecnológico, como também de currículo, carga horária. Muito deverá ser repensado para evitarmos outra situação como a atual (Professora Licenciada em Letras, 2020).
É notório que os docentes precisaram, em meio a uma situação de emergência pública, ressignificar as suas práticas. Entretanto, foram demandados saberes que muitas vezes nem faziam parte da formação dos professores. Gatti et. al. (2019 p. 123), após fazerem uma análise ampla dos currículos das licenciaturas, concluíram que apenas 0,7% das disciplinas obrigatórias destes cursos abordavam tecnologias na educação. Em um levantamento mais recente, as autoras apontam que houve uma maior incorporação das tecnologias na formação dos professores, mas que ainda não havia alterado substancialmente a sua formação e práticas (Idem). Nesse sentido, cumpre destacar a pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Movimentos Sociais, Diversidade e Educação do Campo e Cidade (Gepemdecc, 2020), sobre “Os impactos da utilização das tecnologias educacionais por meio do ensino remoto nas atividades escolares nos municípios localizados no estado da Bahia no contexto da pandemia de Covid-19”, na qual destaca que nas perguntas que tratam das habilidades dos professores quanto ao uso das tecnologias para fins educacionais, 68,9% dos professores apontaram dominá-las parcialmente, 2,66% apontaram não dominar estes recursos e 36,22% sinalizaram a falta de equipamentos para este fim. Sobre o acesso à internet, 41,4% dos professores afirmaram que utilizam internet compartilhada com vizinhos e amigos; e 27,65% disseram utilizar internet com dados móveis próprios. Entretanto, 69,05% de professores possuem internet em condições de qualidade duvidosa, o que compromete a possibilidade de estudar recursos e produzir conteúdos em tempo hábil, no que se refere à regularidade das aulas remotas. Ainda tratando deste quesito, na questão que indaga sobre a satisfação dos professores quanto à internet, 35,4% disseram que avaliam sua internet como regular; e 7,5% como insatisfatória. Este dado nos revela que mais de 40% dos professores já vivenciaram dificuldades de acesso à internet ao longo do seu percurso em isolamento social (Menezes et. al, 2021)
Assim, é perfeitamente compreensível a demanda apresentada pelos docentes da necessidade de formação para o enfrentamento da educação em um momento de distanciamento social. Os professores, cuja formação não previu situação semelhante, tiveram que criar estratégias para desenvolver a educação de uma forma nunca antes vista. De todas as transformações, as questões relacionadas às tecnologias parecem ser as mais prementes:
Certamente o mundo não será como era antes. Com o uso da tecnologia como ferramenta pedagógica inclusive. Acredito que seja necessário que políticas públicas sejam pensadas para esse fim. No entanto, em se tratando da política brasileira, especialmente no tocante professor, é um tanto incerto acreditar que algo bom será pensado para a classe (Professora de português, 2020).
Eu creio que a tecnologia terá um papel de destaque, pós pandemia...pois foi uma ferramenta fundamental nesse período (Professora de Letras, 2020).
O governo tem que tentar rever essa situação, sei que para o governo é uma situação difícil. Devido a viabilizar o acesso a essas tecnologias, capacitar professores e famílias, desenvolver materiais adequados, ensinar a estudar a distância que será uma tarefa difícil (Professora de Pedagogia, 2020).
O uso das ferramentas tecnológicas já é nossa realidade no mundo educacional também, e agora se tornou crucial diante do momento atual. É necessário que seja sim revista, que faça parte das políticas públicas educacional mais do que antes. Aprimorando e fortalecendo o que já existe, para que todos possam ter acesso e com qualidade (Professora Licenciada em Letras, 2020).
As falas das professoras destacam que as tecnologias fazem parte da vida da sociedade em geral, mas que nem todos os alunos possuem acesso da mesma maneira. Apesar de a sociedade contemporânea estar estruturada no uso das tecnologias, as professoras fazem perceber que a escola não está inserida da mesma maneira. As falas destacam que antes da pandemia já era necessário pensar em infraestrutura, formação docente e políticas públicas que permitissem um amplo acesso e estruturação de práticas pedagógicas consonantes com a sociedade contemporânea. Entretanto, apesar de não fazer parte da fala das docentes, é necessário destacar que estas questões são estruturantes de questões sociais muito mais profundas, em que ficam evidentes relações de mercado, a valorização do professor e da educação pública, gratuita e de qualidade.
Os resultados da pesquisa apontam que a escola, mesmo antes da pandemia, enfrentava dificuldades em vários âmbitos, como a falta de valorização docente, precarização dos espaços escolares e das condições de trabalho. O docente, pouco valorizado pela sociedade e pelas políticas públicas, com baixos salários e condições de trabalho precarizado, é chamado a criar soluções, usando pra isso a sua formação (com lacunas), o seu espaço doméstico, os seus equipamentos, interferindo significativamente em muitas esferas da sua vida privada e laboral (Santos & Nunes, 2020).
O estudo realizado sobre o trabalho docente em tempos de pandemia, pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais, apresentou resultados que permitem compreender e fazer uma reflexão do contexto vivenciado pelos docentes:
O levantamento revelou que 89% dos professores não contavam com nenhuma experiência anterior em educação a distância e que menos de um terço dos respondentes considera fácil ou muito fácil o uso das tecnologias digitais. Apesar disso, no momento da pesquisa 54% dos docentes das redes municipais de ensino alegaram não ter recebido nenhum tipo de formação para o ensino remoto; nas redes estaduais esse índice foi de 25%. Em relação à carga de trabalho no período do distanciamento social, a percepção de 82% dos docentes que se encontram engajados na preparação de aulas remotas é de que houve um aumento das horas de trabalho em comparação ao tempo empregado na preparação das aulas presenciais. O celular é o dispositivo tecnológico mais utilizado pelos docentes para ministrar as aulas a distância, seguido do notebook. Apenas 65% dos respondentes conta com internet banda larga, enquanto outros 24% dependem do plano de dados do telefone móvel (Gestrado, 2020).
Os dados apresentados evidenciam que os docentes não vivem uma realidade diferente daquela apontadas no decorrer deste artigo. Assim, fazendo algumas reflexões sobre o trabalho docente no município de Riacho de Santana, antes e durante a pandemia, com expectativas para tempos futuros, observamos:
Espero que essa pandemia sirva para que o papel do professor seja revisto, tanto para os órgãos públicos, no que se refere a importância dessa profissão, quanto pela família que passe a valorizar mais a pessoa do professor. Que passa horas do dia produzindo conhecimento com os nossos filhos e para os nossos filhos (Professora de Letras, 2020).
O papel do professor ultrapassa o solo da sala de aula, querendo ou não. Isso está evidenciado com a situação atual. Esperamos que [o papel do professor] seja revisto sim. Uma das valorizações importante e que ajuda a fundamentar o papel/ação do professor são as formações continuadas, além é claro da financeira, de recursos (matérias, ambientais/estruturais ...). Essas formações são de suma importância e agora mais do que antes (Professora Licenciada em Letras, 2020).
Penso que a valorização das famílias e dos alunos em relação à figura do professor poderá ser repensada. De repente, muitos poderão dar mais valor à escola e aos professores. Mas, como disse, não acredito muito em mudanças (Professora de português, 2020).
Espero que haja mudanças positivas pra educação. Mais incentivos na área da educação, ciência e tecnologia e valorização dos profissionais da educação (Professora de Letras, 2020).
Os docentes destacam o que pode parecer óbvio: é necessário valorizar o professor como o ator social que constrói a educação no país, mas, para isso, ele precisa ser remunerado adequadamente, ter condições adequadas de trabalho e ter formação contínua para as constantes novas demandas da sociedade. Mas, tanto não é óbvio, que, neste momento de emergência, passa a ser uma demanda dos docentes. Segundo Pinto & Cerqueira (2020), a precarização do trabalho docente reflete uma forma de enfrentar a crise, que prioriza o lucro de alguns segmentos ao bem estar social.
A pandemia da COVID-19 surge em um momento de profunda crise econômica mundial que tem sido enfrentada pelo grande capital internacional através de soluções políticas de extrema direita com caraterísticas protofascistas. A segunda década do novo milênio marca esse processo de reorganização dos Estados para a imposição grandes ataques à classe trabalhadora através do desmonte de políticas sociais; do aprofundamento da precarização do trabalho; da retirada de direitos; do avanço ainda mais voraz sobre o meio ambiente; de ataques à já frágil democracia burguesa, a ciência, a educação, as instituições de ensino e de pesquisa (Pinto & Cerqueira, 2020, p. 39).
Como o enfrentamento da pandemia no Brasil se dá sob a ótica do capital, alguns setores têm se beneficiado da pandemia, e, neste contexto, a precarização do trabalho docente e da educação pública parece ser um projeto de governo. Vivenciando a maior vacância já vista no cargo central do Ministério da Educação, seguimos sem ações organizadas ou diretrizes nacionais para a educação. É delegado aos estados, municípios e, mais efetivamente, a cada escola e seu corpo docente identificar quais são os seus problemas e condições existentes, para sozinhos, construir soluções. Mas a escola está inserida em uma sociedade com diversos outros problemas, que se agravaram neste período. Sem condições mínimas de funcionamento, muitas escolas acabaram por fechar, o que, segundo Cabrera et al. (2020, p. 28) “aumenta a desigualdade de oportunidades educacionais em escolas abertas e que o efeito negativo é especialmente evidente em famílias com menor capital sociocultural e socioeconômico e, nessas variáveis, mais ainda, em lares monoparentais.”
Nas escolas que paralisaram as atividades, como é o caso das escolas onde os professores desta pesquisa lecionam, é possível perceber que esse contexto tem agravado desigualdades. As crianças que possuem um lar estruturado, apoio familiar, pais ou familiares suficientemente letrados, com condições de acompanhar as crianças, acesso a equipamentos e toda uma infraestrutura necessária, estudam. As outras, por falta de equipamento, apoio, condições sociais, emocionais ou cognitivas, ficam pra trás. Senhoras afirma que:
[...] a pandemia da COVID-19 trouxe impactos negativos transversais e assimétricos em todo o campo da Educação lato sensu, potencializando aumento da desigualdade, uma vez que assimetrias socioeconômicas e educacionais pré-existentes tenderam a se reproduzir de modo ampliado em um contexto de isolamento social e crescente convergência para estratégias de ensino da terceira revolução industrial, com base em tecnologias de informação e comunicação que não são plenamente disponíveis ou acessíveis a todos estudantes e professores.[...] A pandemia da COVID-19 criou amplas repercussões negativas nos diferentes Sistemas Nacionais de Educação que tendem a reproduzir um ciclo vicioso de desigualdades, o qual transborda de modo preocupante uma latente ampliação de assimetrias previamente existentes entre classes sociais, regiões e localidades, nos desempenhos dos setores público e privado ou ainda na efetividade educacional nos diferentes níveis de ensino (2020, p. 135).
É importante destacar que as desigualdades já aconteciam há muito tempo antes da pandemia, embora algumas delas foram agravadas nestes anos 2020 e 2021. Já era sabido que os alunos e professores viviam dificuldades sociais e econômicas, mas a educação escolar permitia, no espaço escolar, um acesso minimamente equânime a recursos elementares necessários ao aprendizado. Sem um projeto público de bem estar social, que considere condições mínimas de subsistência, educação e saúde, desrespeitando até a proteção aos direitos humanos fundamentais, fica relegada à esfera da escola atuar e resolver problemas que vão muito além da sua capacidade ou função social. O que se vê são professores e alunos com acesso restrito a equipamentos e internet, sem formação adequada, por vezes até sem remuneração aos docentes, tentando construir práticas para não aumentar ainda mais o distanciamento entre a escola e os estudantes, para não aumentar ainda mais a evasão e o abismo social já existente entre os que possuem ou não certas condições. É praticamente um trabalho de resistência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise das adaptações implementadas na rede municipal de ensino de Riacho de Santana em virtude da Covid-19, demonstra que este é um contexto repleto de desafios, impactando no aumento das desigualdades sociais e educacionais. O necessário isolamento social para a não proliferação do vírus trouxe diversos desafios para a garantia do direito fundamental à educação. Isso exigiu um esforço de adaptação por parte de todos os atores sociais envolvidos na educação escolar. O espaço escolar, de sabida importância para a socialização e construção de saberes, passou a ter outros contornos. Ao mesmo tempo em que é necessária a atenção aos conteúdos, os professores inquiridos destacaram o acolhimento aos estudantes e o desenvolvimento de saberes atitudinais e procedimentais. As falas dos professores destacam que as ações desenvolvidas para o ERE conseguem alcançar alguns estudantes de melhor maneira do que outros, o que pode ser agravante de desigualdades educacionais, mesmo na escola pública.
Não só o espaço escolar sofreu transformações neste período, mas também os lares e as relações entre todos os sujeitos envolvidos no processo educacional. Com o isolamento social, a rotina dos lares foi profundamente alterada, sendo que os pais passaram a ter uma importância crucial na educação dos filhos. Entretanto, assim como existem diferenças infraestruturas (ambiente, equipamentos, rede), existem diferenças na estrutura familiar, formação dos pais e condições de acompanhamento das crianças. Nesse contexto, as crianças que já tinham melhores condições tiveram mais chances de desenvolvimento, enquanto que as crianças em maior vulnerabilidade, cujo direito à educação deveria ser mais protegido, tiveram ainda mais dificuldade.
Os docentes precisaram ressignificar suas práticas e seu papel na educação. Mais do que nunca, ficou notório que não cabe uma educação bancária. Entretanto, a precarização do trabalho docente tem sido um limitante e a falta de políticas públicas da gestão municipal. É necessário pensar em políticas permanentes de formação docente, no provimento das condições materiais necessárias às práticas adequadas, bem como na criação de ambientes e relações propícias à educação emancipadora. É necessário valorizar o professor como o ator social que constrói a educação no país, mas, para isso, ele precisa ser remunerado adequadamente, ter condições adequadas de trabalho e ter formação contínua para as constantes novas demandas da sociedade.
A pandemia exigiu esforços de adaptação e restrições em todos os setores da sociedade. Para a educação isso significou pensar em adaptações dentro das condições existentes, que já não eram as ideais. Assim, os indivíduos com as melhores condições tiveram condições um pouco melhores de usufruir da educação, que deveria ser um direito fundamental a todos os cidadãos brasileiros. Entretanto, como dito anteriormente, os indivíduos em maior vulnerabilidade, nos contextos mais precários, que deveriam ser melhor atendidos por políticas de bem estar social, ficaram à margem do sistema. Embora os docentes tenham envidado esforços individuais, é notória a ausência do Estado. Assim, ao mesmo tempo em que evidencia o agravamento das desigualdades educacionais, este trabalho vem ressaltar a importância de políticas de bem-estar social que considerem as condições vividas pelos atores sociais, principalmente pelos mais vulneráveis.
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Notas
Notas de autor
arlerp@hotmail.com
Información adicional
Como citar: Moreira, A. D., dos Santos, A. R., Halmann, A. L., & Gomes, E. J. (2021). Online teaching, challenges and educational inequalities: facing the pandemic in Riacho de Santana, Bahia. Revista Tempos e Espaços em Educação, 14(33), e16564. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v14i33.16564
Contribuições dos Autores: Moreira, A. D.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; dos Santos, A. R.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Halmann, A. L.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Gomes, E. J.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
Aprovação Ética: Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. CAAE: 33864620.6.0000.0055.