Artigos
Recepción: 03 Diciembre 2022
Aprobación: 02 Febrero 2023
Publicación: 14 Marzo 2023
DOI: https://doi.org/10.20952/revtee.v16i35.18812
Resumo: Este artigo resulta da pesquisa ‘O mestre e a escola: lições de Pedagogia Moderna para o Estado do Maranhão com Antonio Baptista Barbosa de Godois, professor normalista em 1910’, vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Estadual do Maranhão em parceria com o Fundo de Amparo e Pesquisa do Estado do Maranhão. O objetivo geral foi identificar as orientações didáticas da Pedagogia Moderna presentes na obra ‘O mestre e a escola’ publicada na capital maranhense na segunda década republicana e analisar as estratégias higienistas e pedagógicas citadas pelo autor para facilitar sua introdução na Escola Normal, consolidando a escola primária moderna no Estado do Maranhão. A metodologia desta pesquisa documental e bibliográfica aplicou a análise de conteúdos como técnica de coleta e tratamento dos dados que não se restringiram à análise da obra em estudo, mas estendeu a documentos oficiais do Estado do Maranhão, disponibilizadas ao público na seção de Obras Raras da Biblioteca Pública Benedito Leite, localizada no centro da cidade de São Luis-MA. Em síntese, identificou-se uma congregação de doutrinas pedagógicas próprias para a nova demanda cultural republicana com advertências de que o ensino tradicional não respondia aos proclames formativos dos professores normalistas na sociedade moderna. Espera-se que a historicização produzida indique quais lições da Pedagogia Moderna foram introduzidas e posteriormente multiplicadas na instrução pública maranhense.
Palavras-chave: História da educação do Maranhão, Pedagogia moderna, Orientações didáticas.
Abstract: This article results from the research 'O mestre e a escola: lições de Pedagogia Moderna para o Estado do Maranhão com Antonio Baptista Barbosa de Godois, professor normalista em 1910', linked to the Institutional Program of Scientific Initiation Scholarships of the Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Estadual do Maranhão in partnership with the Fundo de Amparo e Pesquisa do Estado do Maranhão. The general objective was to identify the didactic orientations of Modern Pedagogy present in work 'O mestre e a escola' published in the Maranhão capital in the second republican decade and to analyze the hygienist and pedagogical strategies cited by the author to facilitate its introduction in the Normal School, consolidating the modern elementary school in the State of Maranhão. The methodology of this documentary and bibliographical research applied content analysis as a technique for collecting and treating data that was not restricted to the analysis of the work under study but extended to official documents of the State of Maranhão, made available to the public in the Rare Works section of the Benedito Leite Public Library located in the center of the city of São Luis-MA. In synthesis, it was identified that a congregation of pedagogical doctrines proper to the new republican cultural demand with warnings that traditional teaching did not respond to the formative proclamations of normalized teachers in modern society. Hopefully, the historicization will indicate which lessons of Modern Pedagogy were introduced and subsequently multiplied in Maranhão's public instruction.
Keywords: History of education in Maranhão, Modern Pedagogy, Didactic orientations.
Resumen: Este artículo es el resultado de la investigación 'O mestre e a escola: lições de Pedagogia Moderna para o Estado do Maranhão com Antonio Baptista Barbosa de Godois, professor normalista em 1910', vinculado al Programa Institucional de Becas de Iniciación Científica del Pro-Rectorado de Investigación y Posgrado de la Universidad Estadual de Maranhão en asociación con el Fondo de Apoyo e Investigación del Estado de Maranhão. El objetivo general fue identificar las orientaciones didácticas de la Pedagogía Moderna presentes en la obra 'O mestre e a escola' publicada en la capital maranhense en la segunda década republicana y analizar las estrategias higienistas y pedagógicas citadas por el autor para facilitar su introducción en la Escuela Normal, consolidando la escuela primaria moderna en el Estado de Maranhão. La metodología de esta investigación documental y bibliográfica aplicó el análisis de contenido como técnica de recolección y procesamiento de datos que no se restringió al análisis de la obra en estudio, sino que se extendió a documentos oficiales del Estado de Maranhão, disponibles al público en la sección de Obras Raras de la Biblioteca Pública Benedito Leite, ubicada en el centro de la ciudad de São Luis-MA. En síntesis, se identificó una congregación de doctrinas pedagógicas propias de la nueva demanda cultural republicana con advertencias de que la enseñanza tradicional no respondía a las proclamas formativas de los maestros normalistas en la sociedad moderna. Se espera que la historización producida indique qué lecciones de la Pedagogía Moderna fueron introducidas y posteriormente multiplicadas en la instrucción pública de Maranhão.
Palabras clave: Historia de la Educación en Maranhão, Pedagogía Moderna, Orientaciones didácticas.
INTRODUÇÃO
A instrução pública do Maranhão, na Primeira República, foi uma ação política que convergiu comportamentos e sentimentos aos interesses do governo liberal republicano. Como forte mecanismo de controle social, sua regulação foi disputada entre a Igreja, o Estado (na pessoa de seus representantes) e os profissionais urbanos que ambicionavam uma carreira política. Discuti-la publicamente alimentava o sonho popular de sair da escuridão das trevas do espírito – o analfabetismo — e trazia o crédito eleitoral e a influência política ambicionados (Oliveira, 2004).
A demanda por escola primária, alimentada nos discursos políticos sobre/para o progresso republicano, pressionava o governo local que, por sua vez, organizou e regulou como, quanto e quando seria distribuído o capital cultural escrito (Bourdieu & Passeron, 2014). Estratégias como abrir cadeiras de primeiras letras sem nenhuma relação entre si, implantar o ensino mútuo e cooptar entidades filantrópicas, que ofereciam instrução popular, formavam adeptos e propagadores de uma cultura para manter a ordem sócio-política vigente (Oliveira, 2004).
Entretanto, a instrução pública, sempre secundarizada em favor de outros planos políticos do governo, ficava em evidência nos momentos de crise política, quando era usada para desviar a atenção sobre as desigualdades sociais ou colocar em evidência um novo representante político. Por isso foi frequente a abertura de escolas primárias por decretos, as quais só entravam em funcionamento alguns anos depois (Mensagem apresentada ao Congresso do Estado do Maranhão, 1900).
A Escola Normal do Maranhão, criada em 1890, foi organizada com regras didáticas copiadas de países com outra realidade social. Como consequência, de lá emanavam professores normalistas cultos nos métodos de ensino europeus, influenciados pelo pensamento da Pedagogia Moderna, mas sem condições de aplicá-los nas escolas maranhenses, que possuíam um cotidiano e estrutura física bem distante do vivenciado e pensado na Escola Normal (Relatório Geral, 1905).
A representação simbólica do mestre como um sol que esparge luzes a todos, que faz germinar o bom e queimar o inútil, gratuitamente, estruturada no pensamento pedagógico de John Amos Comenius (1592-1670), foi propagada como modelo ideal, pois atendia os fins políticos do governo liberal republicano. Disciplina, prudência e moral eram os atributos requeridos para o exercício da ação educativa nas aulas de instrução primária. Outrossim, com a maioria da população analfabeta e escolas sem condições mínimas para o ensino, ampliou o desinteresse pelo magistério (Godois, 1900). Ações filantrópicas para formar professores normalistas e outras para alfabetizar adultos para atender o comércio local, começaram a surgir na capital maranhense, mas não alcançaram êxito (Oliveira, 2004).
As discussões sobre como ensinar na escola primária foram intensificadas em todo o Brasil e no Maranhão durante as primeiras décadas republicanas (Oliveira, 2016). Porém, as reformas aplicadas na instrução pública maranhense e os métodos de ensino propostos não diminuíram o analfabetismo, só aumentaram charges e críticas de políticos oposicionistas nos jornais de circulação local.
Neste contexto, intelectuais liberais como o maranhense Antonio Baptista Barbosa de Godois, professor da Cadeira de Pedagogia na Escola Normal do Maranhão, visando o progresso pedagógico que circulava nas capitais europeias, iniciou tímidas lições didáticas em sala de aula para introduzir na formação das normalistas tendências pedagógicas europeias modernas. O livro ‘O mestre e a escola’ publicado em 1910, escrito pelo professor normalista acima referido e oferecido às normalistas da Escola Normal do Maranhão, exemplifica a realidade sócio-escolar e que, por coincidência ou consequência, sua circulação antecedeu uma grande reforma tanto na Escola Normal como na Instrução Pública do Estado do Maranhão em 1914 (Godois, 1910).
Estudar meticulosamente esta obra ampliará os conhecimentos pedagógicos e históricos nos cursos de formação de professores, pois indicará um percurso vivido no Estado do Maranhão para consolidar no sistema republicano maranhense a Escola Primária Moderna, seus programas de ensino, medidas higienistas e formas de organização material e pedagógica. Nesta perspectiva este artigo foi elaborado com pesquisa documental e bibliográfica que contou com o apoio do Programa de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Estadual do Maranhão, e do Fundo de Amparo e Pesquisa do Estado do Maranhão.
METODOLOGIA
Os estudos realizados envolveram uma pesquisa bibliográfica e documental sobre a instrução maranhense no período da Primeira República. Adotou-se o Método Dialético por favorecer a análise do processo educativo em sua complexidade e caráter relacional (Demo, 2001; Gonçalves, 2005) e observa a comunidade escolar como um espaço socioeducativo de reprodução das estruturas sociais e de transferência de capitais de uma geração para outra (Bourdieu & Passeron, 2014).
O esforço investigativo foi direcionado para identificar e analisar as orientações pedagógicas da Pedagogia Moderna presentes na obra O mestre e a escola, escrita em 1910 por Antonio Baptista Barbosa de Godois, professor da Cadeira de Pedagogia na Escola Normal do Maranhão. Optou-se por detectar a estrutura didática dos métodos de ensino instruída às normalistas para alcançar a instrução primaria moderna no Estado do Maranhão.
A pesquisa se deu entre os semestres letivos de 2019 e o primeiro semestre de 2020 e identificou o sentido da mensagem escrita da obra em estudo como se fosse o receptor normal, porém procurando em outras fontes históricas evidências das intencionalidades políticas, impactos das novas ideias pedagógicas, sua pertinência e, se possível, seus níveis de circulação. A técnica de pesquisa para explorar a obra em estudo foi análise de conteúdo como proposto por Bardin (2011) e estruturada em três etapas.
Na primeira etapa ocorreu a elaboração de uma rotina de trabalho com leituras reflexivas sobre a obra em estudo. Uma pré-análise foi aplicada com minuciosa pesquisa virtual, na homepage da Biblioteca Virtual Benedito Leite para identificar mais informações ou documentos com registros sobre o autor e sua publicação em 1910. A segunda etapa da pesquisa documental consistiu na exploração do material identificado. Paralelamente foi dispendido um esforço para encontrar em documentos oficiais do Estado do Maranhão alguns registros ou impactos socioeducativos como resultado da obra de Barbosa de Godois.
A atenção investigativa, agora, foi direcionada às proposições pedagógicas do autor da obra em estudo para detectar suas características singulares e evidências de como cooperaram com a instrução pública maranhense em suas primeiras décadas republicanas. À medida que as leituras estavam sendo realizadas, houve necessidade de sair da obra em estudo para detectar mais informações sobre o contexto sociopolítico que antecedeu sua publicação. Com isso foi possível encontrar registros de uma visita pedagógica de Antonio Baptista Barbosa de Godois à Escola Normal Caetano de Campos no Estado de São Paulo, realizada sob Comissão do governo do Maranhão em 1904. Foi identificado tanto o registro da Comissão de Governo como o Relatório Oficial do comissionado com registro de suas observações metodológicas.
E, na terceira etapa da análise da obra em estudo, ocorreu o tratamento dos dados coletados e respectiva interpretação e inferências. Partindo de transcrições e leituras minuciosas foram selecionadas informações que permitiram o presente artigo que, espera-se, seja significativo e útil tanto para a comunidade científica maranhense como a nacional. Postula-se que a historicização produzida indique lições da Pedagogia Moderna, introduzidas na instrução pública maranhense na Primeira República.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os quatro primeiros anos do século XX no Estado do Maranhão foram repletos de desafios para a instrução pública, especialmente devido a uma epidemia – a peste bubônica – que proliferou na capital maranhense entre outubro de 1903 a abril de 1904 (Relatório da Diretoria da Escola Normal do Maranhão, 1905). As escolas primárias estaduais na capital e no interior enfrentavam dificuldades, especialmente as que estavam localizadas fora da capital. Em 1904 havia 166 escolas primárias, sendo 76 do sexo masculino, 58 do sexo feminino e 32 escolas mistas. No ano anterior havia 239 escolas primárias estaduais, porém 73 delas foram municipalizadas em acordo com o Governo do Estado. Para o interino Secretário Geral de Instrução Pública e Diretoria do Lyceu Maranhense (cargo cumulativo em 1904), o Sr. João Nepomuceno de Souza Machado, em Relatório Oficial escrito em 10 de dezembro de 1904, registrou que o ensino primário não apresentava avanços nem ampliado o número de alunos matriculados. Citou como causas: o descumprimento do princípio da obrigatoriedade do aprendizado primário nestas localidades onde os pais não valorizavam a instrução escolar como necessidade da civilização moderna; e a falta de professores com formação pedagógica específica para a instrução primária. Para este Secretário Interino “tudo estará por fazer enquanto não estiver feito o professor” (Relatório Geral, 1905, p.2).
Neste documento oficial dirigido ao governador do Maranhão, sobre o período letivo de 1904, o Secretário de Instrução Pública ainda apresentou a grave falta de aplicação de recursos financeiros das municipalidades para manter as escolas primárias e apontou a necessidade de extinguir as escolas de fracos resultados e pequena frequência, reunindo-as em um local que oferecesse melhores condições pedagógicas. Com ênfase trouxe à memória as advertências de Sylvio Romero, filósofo, sociólogo e cientista político brasileiro, que mostravam o desenvolvimento de países como Alemanha, Itália, França, Bélgica e Inglaterra com esforços financeiros e políticos impulsionados na instrução primária.
Infere-se a concordância do governador maranhense com este relatório, pois se identificou a publicação do Decreto no 36 em 1 de julho de 1904, que transformou as seis escolas primárias estaduais existentes na capital maranhense em dois Grupos Escolares, cada um deles com três cadeiras de ensino sob a responsabilidade de três professoras, uma vigilante escolar e uma criada para fazer a limpeza do prédio. No primeiro Grupo Escolar havia 118 alunos matriculados e o segundo Grupo Escolar matriculou 99 alunos (Relatório da Diretoria da Escola Normal do Maranhão, 1905, p.14).
Duas comissões para estudos sobre a Pedagogia Moderna foram registradas em 1904. Uma do Dr. Almir Parga Nina, professor da Cadeira de Pedagogia da Escola Normal do Maranhão, membro da Associazione Pedagógica de Roma e da Liga por l’Hygiene Scolaire de Paris, chamado por seus pares de evangelizador do ensino moderno no Maranhão, que estava em comissão na Europa e reassumiu sua Cadeira de Pedagogia no primeiro semestre letivo. E o professor Antonio Baptista Barbosa de Godois, comissionado pelo governador do Maranhão no segundo semestre de 1904 para ‘observar os methodos de ensino seguidos nas Escolas Normal e Modelo de São Paulo’ (Relatório da Diretoria da Escola Normal do Maranhão, 1905, p.5).
Durante a pesquisa documental na Seção de Obras Raras da Biblioteca Benedito Leite, foi possível encontrar o Relatório desta Comissão de Governo onde o ilustre professor Antonio Baptista Barbosa de Godóis, dirigindo-se ao Governador do Estado Alexandre Collares Moreira Junior em 17 de janeiro de 1905, descreveu em detalhes as ocorrências e impressões sobre os dois institutos educativos de São Paulo e suas respectivas práticas pedagógicas modernas.
Confesso-vos que penetrei no edifício, em que funccionam essas Escolas, sentindo um recolhimento psycológico igual a d crente, ao entrar no templo da sua fé. A brilhante nomeada da instrucção publica de S. Paulo e a imponência do edifício em que se achão as duas Escolas, erm factos que não podiam deixar de influir no meu espirito. Conhecia a organisação pedagógica paulista e os methodos que a movimentavam e nem fôra commissionado propriamente para estudal-os, mas sim para observar a sua execução e efeitos. Ampliando o velho postulado de Rendu sobre o ensino primário, professo a doutrina de que a prosperidade da instrucção publica está vinculada estreitamente á penetração do espirito do methodo nas escolas. e era esse espirito que eu esperava alli ver, dando os fructos os mais bemfasejos, e illuminando, como uma irradiação de sol nascente, o ensino publico brasileiro (Relatório de Antonio Baptista Barbosa de Godois, 1905, p. 1).
O professor da Cadeira de Pedagogia da Escola Normal do Maranhão, Antonio Baptista Barbosa de Godóis, não estava alheio aos benefícios e exigências didáticas da Pedagogia Moderna aplicada na Europa. Em relatório, ele fez menção que já conhecia o modelo educacional proposto no ensino primário paulista. Portanto, infere-se que tanto na Escola Normal do Maranhão como em sua escola de aplicação a organização pedagógica sofreu influências do pensamento pedagógico italiano e francês apresentadas pelo pedagogista Almir Nina – e secundariamente da escola paulista.
Acompanhado pelo auxiliar do Diretor da Escola Normal de São Paulo, o professor paulista Arnaldo d’Oliveira Barreto (1869–1925), autor de várias cartilhas de leitura para a escola primária com circulação nacional, o professor normalista Barbosa de Godois iniciou sua visita pedagógica pela Escola Normal de São Paulo, assistiu aulas e a aplicação de exercícios pedagógicos, estranhando o número alto de alunos por sala de aula (até 60 alunos matriculados em salas do 1º ano primário) e que impediam as condições necessárias para atender as exigências dos métodos e processos de ensino propostos pela Pedagogia Moderna.
Sobre os métodos de ensino, Barbosa de Godois encontrou na Escola Modelo Caetano de Campos em São Paulo a aplicação do Método de Silabação e Palavração no estudo da língua materna; a aplicação de ensino mecânico de Cálculo com as tábuas de Parker; e no ensino de Desenho a reprodução e imitação de figuras por meio de traços que já indicavam como o desenho deveria ser feito. Criticou estas condutas metodológicas e informou que a Escola Modelo Benedito Leite em São Luis-MA aplicava métodos mais modernos como o Método de Sentenciação no estudo da língua materna; o processo de Calkins no ensino de Cálculos e estimulavam o Desenho livre e natural da criança ao invés de direcionar com traçados. Outra crítica pedagógica identificada e dirigida às aulas da Escola Modelo Caetano de Campos foi sobre a presença e aplicação do Método Lancastrino e no sistema de monitoria em sala de aula. Avaliou da seguinte forma: “Também não recorremos a monitores, nem dividimos as classes, confiando parte d’ellas a alumno mais adeantado ou normalista não diplomada” (Relatório Geral, 1905, p.4).
Infere-se que Barbosa de Godois, tanto como professor da Cadeira de Pedagogia como Diretor da Escola Normal do Maranhão e sua escola de aplicação Escola Modelo Benedito Leite, procurava nos institutos de ensino visitados o progresso pedagógico difundido entre os pedagogistas europeus. Encontrando-o apenas em parte, conforme ele mesmo mencionou, retornou ao Estado do Maranhão. Ao retornar desta visita pedagógica, e retomando os trabalhos como Diretor da Escola Normal e sua escola de aplicação a Escola Modelo Benedicto Leite na capital maranhense, Barbosa de Godois aprovou o Programa Didático para a Cadeira de Pedagogia com conteúdo organizado metodologicamente no pensamento pedagógico higienista moderno europeu e elaborado pelo Sr. Almir Nina Parga; participou ativamente da elaboração do novo Regulamento da Escola Normal e sua escola de aplicação a Escola Modelo Benedicto Leite e do recém-criado Curso Anexo criado pela Lei 363 em 31 de março de 1905 que tinha como público-alvo alunos egressos do ensino primário que desejassem mais dois anos de estudos em disciplinas de instrução primária. Este regulamento, marco educacional que reformulou também a instrução pública nos Grupos Escolares e Escolas Primárias Estaduais foi oficializado pelo governador Alexandre Collares Moreira Junior através do Decreto 55 de 27 de junho de 1905.
Quatro anos depois, o governador interino do Maranhão, o Dr. Arthur Quadros Collares Moreira, em Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado refere-se ao progresso da instrução primária maranhense que já possuía 2 Grupos Escolares, 3 escolas primárias estaduais e outras municipais na capital maranhense e 2 Grupos Escolares, alguns externatos e escolas primárias estaduais e municipais no interior do Estado além das escolas primárias particulares subvencionadas pelo governo maranhense (Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado do Maranhão, 1909, p.15).
Pelo exposto infere-se que havia um clima de otimismo pedagógico entre intelectuais da educação e políticos locais em favor de progressos pedagógicos na instrução primária. Por ocasião da cerimônia de diplomação das normalistas de 1910, o professor Barbosa de Godóis anunciou uma de suas melhores obras escritas - o livro “O mestre e a escola’ publicado em São Luís pela Imprensa Oficial do Maranhão. Este livro foi estruturado com oito capítulos e um post-scriptum perfazendo um total de 190 páginas. Ali estão registros das percepções pedagógicas do autor sobre o pensamento pedagógico moderno e seus principais representantes, dirigidas a seus alunos normalistas e com a finalidade de educa-los com valores e diretrizes metodológicas da Escola Moderna existente em países europeus desenvolvidos como França, Alemanha, entre outros.
Os capítulos do livro vão apresentando, gradualmente, as ideias do professor normalista sobre a função social da escola, a responsabilidade política do Estado em preparar e capacitar professores para a educação pública, inclusive nas universidades, e a organização didática da Escola Moderna, que inclui seus programas, métodos, processos e recursos de ensino. São eles:
✔ Capítulo 1 – A escola e a sociedade. A Escola e o mestre antigo
✔ Capítulo 2 – As Escolas Normaes
✔ Capítulo 3 – As Escolas Normaes, as Universidades e os Cursos Especiaes
✔ Capítulo 4 – A Escola Moderna
✔ Capítulo 5 – Os programmas
✔ Capítulo 6 – A Escola Normal e a Escola Modelo
✔ Capítulo 7 – Algumas falhas em nossa organisação escolar
✔ Capítulo 8 – A organização material e didactica
✔ Post-Scriptum
Em prólogo, o autor da obra relatou que o progresso pedagógico na instrução primária foi impulsionado por uma década de movimento escolar (1899–1909) que iniciou com a renovação dos programas de ensino da Escola Normal, anexando-lhe uma escola de aplicação dos processos modernos de ensino exarados na formação das professoras normalistas.
A reforma de 1899, ampliando-lhe o programma e annexando-lhe a regulamentação da Escola Modelo, que no anno seguinte era inaugurada, foi que imprimio na instrucção primaria do Estado um impulso vigoroso, cujos effeitos perduram e certamente perdurarão por muito tempo.
Essa nova orientação passou insensivelmente dos estabelecimentos públicos para os particulares que foram, pouco a pouco, alterando os seus programmas e modificando os seos methodos, tomando para auxiliares no ensino a normalistas diplomadas.
Por tal modo se foi operando essa transformação que já se não reconhece mais nos institutos de ensino de hoje, em S. Luiz e parte do interior, o que elles eram em 1899, e, por toda parte, ninguém mais se satisfaz com a cultura primária antiga e os antigos processos de ensino. Reclama-se o professor normalista com a mesma soffreguidão e interesse, com que se reclamam os grandes benefícios materiaes que vitalisam as localidades. A superioridade do ensino moderno impoz-se e os resultados de ordem moral, que d’elle terão de provir á sociedade, entreveem-se, desde muito, confirmando a segurança de vistas da reforma (Godois, 1910, pp. 3-4).
Barbosa de Godois aproveitou este espaço literário para advertir as professorandas normalistas de que um Estado democrático e republicano sem instrução primária que ampliasse a consciência do povo ou que permitisse as torturas da rotina de um ensino mecânico, manifestava uma deplorável contradição em seu regime político.
Foi possível verificar na obra analisada que o autor possuía muitas leituras de experiências pedagógicas publicadas fora do Brasil e que influenciaram sua obra e os programas oficiais de ensino dos institutos educacionais que ele dirigia (Escola Normal e Escola Modelo). Ousou comparar a próspera organização escolar norte-americana com a maranhense, ressaltando que, embora modesta, a instrução pública no Maranhão seguia o progresso educativo internacional alcançado em nações desenvolvidas:
Os Estados derramam a instruccção em escolas de um só mestre (escolas isoladas) e em escolas graduadas que recebem a denominação de Infant School, em que são leccionados leitura, escripta, calculo, desenho, musica e geographia, moral e línguas allemã e ingleza; Primary School em que a essas matérias se juntam historia, arithmetica, álgebra e physica; Grammar School em que se ensinam além d’essas disciplinas economia politica, sciencias physicas e naturaes, cosmographia, logica, latim e grego; e High School cujo programma corresponde ao dos cursos superiores. Confrontando-se o programma das três primeiras d’estas escolas graduadas com o dos nossos institutos de ensino, reconhece-se que a nossa instrucção primaria, vasada em moldes mais modestos, foi, todavia, organizada de modo a satisfazer as exigências modernas, sem exaggeros, nem falhas sensíveis e, n’um só instituto, condensa os rudimentos imprescindíveis do que ali se faz em três outros (Godois, 1910, p. 6).
Exemplos do amplo conhecimento pedagógico do professor Barbosa de Godois sobre a organização escolar primária estão em suas referências a algumas experiências educativas modernas e exitosas nos Estados Unidos, Itália, França, Suécia, Inglaterra, Argentina e Holanda (Godois, 1910, pp.7-10). Este autor, realçando a instrução primária como uma responsabilidade coletiva, com necessária congruência de esforços entre ação particular e ação pública, referiu-se ao êxito da criação de associações educacionais beneficentes em algumas capitais europeias que mantinham cursos gratuitos para a instrução primária como a Sociedade La Pléyade em Paris; mencionou a organização escolar inglesa que abriu Escolas para crianças com ‘intelligência retardada e de espírito refractário’ e a Escola de Artes para maiores de 13 anos; a criação de Colônia de Férias na Suécia para crianças avaliadas como fracas e doentes; contribuições pedagógicas como a da Liga Veronese em Roma que recomendou a avaliação individual dos alunos por uma ‘folha biographica’ orientada pelo médico neurologista, fisiologista e antropólogo, o Dr. Paolo Mantegazza (1831–1910); a substituição das provas mensais por sabatinas trimestrais na Argentina; e a criação da gazeta educativa e trimestral ‘A escola primária’ com a cooperação dos pais das crianças e distribuídas gratuitamente na Holanda (Godois, 1910, pp.7-11).
Infere-se que Barbosa de Godois estabeleceu contato ou realizou leituras sobre ideias pedagógicas modernas que entusiasmaram a instrução primária nas primeiras décadas do século XX. Ele fez menção até mesmo das Conferências Pedagógicas de 1880 convocadas pelo italiano Jules Ferry (1832–1893), ministro da educação francesa que tornou a escola primaria laica, conferência esta conhecida como a revolução dos republicanos pedagogos.
Conhecemos a nossa organização escolar, conhecemos o material didactico de que dispõem as nossas escolas, assistimos frequentemente os exercícios da Escola Normal e na Modelo e de posse d’estes elementos, julgamo-nos auctorisado a afirmar que esses institutos correspondem plenamente ás exigências da moderna pedagogia e que suprimil-los seria um crime lesa-civilisação (Godois, 1910, p. 10).
Destacou que os institutos educativos sob sua responsabilidade correspondiam plenamente às exigências da Pedagogia Moderna europeia e que ajuizou que os preterir seria crime político, ‘lesa-civilização’ ou ‘lesa-pátria’ previsto constitucionalmente. Ele apresentou a escola como uma organização social e política com espaço pedagógico para introduzir comportamentos e ideais da cultura circulante, com alto potencial civilizador.
Barbosa de Godois definiu a escola como o termômetro da civilização de um povo com a atribuição de personificar-se na individualidade doutrinária que a dirige. E advertiu ser a função de educar que faz da escola um receptáculo ideal para justificar reformas políticas, agindo como organismo ativo das transformações sociais que ocorrem nas sociedades cultas. Para o autor, quanto mais crescia o povo em civilização, mais frequentes e intensas eram a ação escolar. Entretanto, quanto mais apreço social era concedida à educação das massas, mais depreciada era o apóstolo dessa tarefa exaustiva (Godois, 1910, p. 19).
Neste entendimento e contexto, o mestre-escola deveria ser aceito como uma força que já influencia o meio social como representação viva do sentimento e ideal das massas populares. Logo, deveria desempenhar a tarefa de ajustar desvios e interesses particulares aos interesses superiores da coletividade – pela instrução e disciplina escolar. Em sua assertiva sobre a função de educar, apresentou um breve histórico evolutivo sobre quem educa, iniciando com o Pater Familias, que comunicava ao filho, desde a infância, as tradições e ideais de sua pátria; seguido dos Curas (pessoas apontadas pelo clero, que soubesse ler, escrever, canto eclesiástico, catecismo, e as principais cerimônias da Igreja) que, pela instrução ajustava o comportamento infantil aos dogmas da Igreja, catequizando-os; e o Pedagogo ou Mestre que disciplinava a criança com uma cultura universal para “[...] dominar as suas paixões, a mollesa, a sensualidade, affrontar os desertos e as fadigas” (Godois, 1910, p.18). A ação educacional saiu da disciplina familiar para a cultura religiosa e desta para a cultura de civilidades e deveres do cidadão, porém todos com disciplinamentos morais rígidos e direcionados à consolidação de uma cultura universal que formaria o cidadão em interesses superiores da coletividade (Godois, 1910, p.15).
Barbosa de Godois ainda registrou estratégias internas da Igreja para garantir o controle das massas populares pela instrução escolar.
O clero, comprehendendo a grande vantagem de ter nas mãos a educação popular, tratou de chamal-a a si, como arma de domínio, como instrumento de poder. Os concílios recommendaram a instalação de escolas em todas as parochias e junto ás cathedraes. Carlos Magno, procurando, por sua vez, consolidar o império que conquistara, empenhou-se em civilisar os povos submetidos, servindo-se da cultura e da unidade da fé. Abrio escolas por toda a extensão dos paizes que elle havia posto pelas armas, sob a auctoridade da sua coroa e confiou a sua direcção ao clero. o poder civil e o poder espiritual mostravam uma perfeita identidade de vista, servindo um aos designios do outro. [...] Quando a reforma protestante surgio, suas armas de combate ao catholicismo romano foram as escolas e foi esse igualmente o terreno em que a contra reforma esgrimio, para impedir-lhe a marcha. Desse duello a civilisação tirou vantagens, porque, embora restrictos ao ensino de classes privilegiadas e de indivíduos abastados, multiplicaram-se os institutos de educação d’um e d’outro lado, appareceram as ordens docentes, estudaram-se methodos e modos de ensino querendo cada um dos adversários sobrepujar ao outro (Godois, 1910, pp. 19-20).
Salientou com pesar que fora dos centros urbanos, para sobreviver, o mestre-escola acrescia ao trabalho de ensinar outras tarefas como a de sacristão, barbeiro, coveiro, enxota-cães, sineiro, guarda-portão, entre outros. Fazendo uma citação extraída do artigo L'Enseignement Public escrito por Le Chevalier, publicado pelo periódico Revue Pedagogique em 15 de maio de 1906, p. 156, Barbosa de Godois revelou que até o final do século XIX em várias partes da França, o Mestre ou Magister realizava vários peditórios na comunidade em que trabalhava para sobreviver.
Na Borgonha, depois do officio dominical, elle sahia, levando n’uma das mãos a caldeirinha de água benta e o hyssope e na outra um cesto. Com a agua benta aspergia aos que encontrava em cada casa, benzia os leitos e o lar e no cesto recolhia pedaços de pão, que elle revendia depois em benefício da Igreja ou se servia para alimentar sua família. Em Cote d’Or, Vervins, Aisne, Senna Inferior etc era essa contribuição de pão substituída por 5 a 10 soldos em cada habitação. Em Roncherolles-sur-le-Vivier, elle tinha a funcção de receber, durante a paschoa, os ovos tradicionaes, dando em troca o pão bento na semana santa. Contribuições de vinho, trigo e outros gêneros, em quantidade previamente fixada amenisavam-lhe por outro lado a penúria em que vivia. [...] Por mais extensas que fossem essas dadivas ou esses pagamentos em espécie, que comprehendiam batatas, nozes e outros gêneros por occasião do anno novo, uma porção de carne de porco assada na grelha, quando algum camponez matava a um d’esses animaes, um par de sapatos pela pascoa, um prato de filhó na manhã de quarta-feira de conzas etc, não podiam deixar de ser humilhantes para quem as recebia, tendo de ir buscal-as, de porta em porta, como pratica os esmoleres. Estes usos se enraizaram, porém, de tal forma que, ainda em 1876 o prefeito de Pais-de-Calais prohibia aos mestres o peditório de pão e dos ovos, e, em 1896 conservava-se o uso na Gasconha de dar annualmente ao mestre-escola duas medidas de trigo: o proprietário do terreno dava uma d’ellas, o rendeiro dava a outra (Godois, 1910, pp. 27-28).
Nesta direção, o autor ponderou que a efetiva laicidade do Estado brasileiro exigia uma educação nacional, ou seja, uma educação promovida pelo Estado. Consequentemente, com o mestre-escola cumprindo sua missão que envolvia o “[...] alargamento do sentimento pátrio e a energia psychológicas dos seos concidadãos” (Godois, 1910, p.17). O objetivo sociopolítico desta educação moderna seria submeter a massa populacional ao moderno modelo civilizatório republicano que valorizava a educação cultural oferecida e regulada pelo Estado.
Barbosa de Godois advogou a existência de escolas populares ou escolas do povo com missão educativa eminentemente civil e patriótica, livres da exploração de ordens religiosas. Apontou como orientação pedagógica de um sistema de educação moderno para as escolas do povo o pensamento Pestalozziano, acolhido na Alemanha no fim do século XVIII e recebido em países culturalmente desenvolvidos. E citou uma grande extensão de escolas populares existentes no mundo, consideradas modernas porque seguiam estudos de psicologia experimental e fisiologia humana na educação da infância. Foram elas:
- Particulares e públicas, quanto aos meios de subsistência;
- Masculinas, femininas e mistas, quanto à admissão de alunos;
- Rurais e urbanas, quanto ao lugar;
- Inferiores e superiores, quanto ao grau de estudo;
- Graduadas e não-graduadas, quanto à organização em classes;
- Confessional, interconfessional e leiga, quanto ao ensino religioso;
- Diurna e noturna, quanto ao tempo de aula;
- Primária e complementar, quanto à extensão da cultura;
- Profissional de artes e ofícios, agrária, industrial, comercial, quanto ao ponto de vista técnico;
- Estáveis e ambulantes, quanto a permanência;
- Escola Modelo ou de aplicação anexa às Escolas Normais e Universidades;
- Escola de preservação, para alunos indisciplinados, entre outras.
Valorizando a contribuição da psicologia científica para a educação de crianças, Barbosa de Godois utilizou-se das Lições de Psychologia escrito pelo filosofo e pedagogista francês Henri François Marion (1846–1896) para indicar a missão do professor moderno.
Pelo preparo adquerido nos intitutos que cursou, habilitando-se ao professorado, o mestre moderno deixa de ser uma machina em frente d’outra machina, que viria a ser o alumno. Ao envez d’isso ele será o guia inteligente e solicito que lhe prescruta o moral para melhor guial-o, mas como se guia a um ser intelligente. Não é somente á sua memoria que ele se terá de dirigir, mas sobretudo á sua intelligência, reservando para aquella outra energia ou actividade psychologica a missão secundária de depositaria fiel dos conhecimentos assimilados que lhe transmitte. E tudo isso observando a gradação que somente o conhecimento da acção e resistência das faculdades das creanças lhe pode inspirar. Sem attender a força ocasional da intelligência do alumno, nem levar em conta a duração da tensão do seu espirito e a necessidade de repouso, o educador arrisca-se, não só a perder o seo trabalho, o que seria o menos, mas a prejudicar a saúde do próprio alumno, preparando-lhe um futuro desgraçado, o que é o mais (Godois, 1910, p.70).
Foram elencadas lições higienistas do pedagogista francês Edmond Dreytus Brisac (1850-1921) e, inspirado no pedagogista alemão Friedrich Wilhelm August Fröbel (1782-1852), recomendou disciplina regular para os intervalos de repouso intelectual dos alunos entre as disciplinas do horário escolar.
É anti-psychológico e, portanto, anti-pedagogico seguir-se na escola primaria á um exercício de esforço intellectual um outro do mesmo gênero, assim como distribuírem-se os exercicios de maior esforço, como se os de mathematicas, sem attenção á hora em que as crianças ainda não estejam um tanto fatigadas.
É desconhecer a natureza humana suppor-se que basta para o repouso intellectual passar-se da lição de geographia, por exemplo, para a de gymnastica, escripta ou desenho, pelo facto destas disciplinas terem caracter mais ou menos prático. Essa persuasão, contra a qual se pronunciam os pedagogistas, é, na melhor das hypotheses, um triste fructo da ignorância da psychologia e physiologia da creança. Do facto de ser esse procedimento acerbamente profligado collige-se que é elle praticado, mesmo em centros de alta cultura, o que confirma a necessidade da formação especial do mestre e de modo tal que este não somente enriqueça o espírito comum as noções largas, mas seja um convencido do imprescindível dever de pol-as em acção, por traduzirem os mais salutares preceitos educativos.
Um intervallo maior do que outros, para o recreio a vontade, depois de horas de trabalho, guardando-se, está visto, as regras da conveniência escolar, no qual se approxime da normalidade o jogo das funcções psycho-physiologicas, é outra imposição de ordem superior e até disciplinar, e por isso, tanto no interesse dos alumnos, como da própria escola (Godois, 1910, pp.72-73).
Acrescentou os seguintes cuidados para a organização didática moderna: canto escolar que “[...] exerce a funcção de um tônico intellectual, communica a alacridade ao espírito, dá disposição para o trabalho e é um meio excellente de restabelecer a disciplina perturbada” (Godois, 1910, p.73) e a proposição equilibrada da atividade escolar, sem excessivas e/ou longas aplicações mentais. Utilizando lições do fisiologista italiano Angelo Mosso (1846-1910) extraído de sua obra La riforma dell’educazione, explicou que a falta de compreensão e aplicação das orientações psicológicas no magistério podem gerar desatenção e indisciplina durante as aulas.
Aqui verificou-se a adesão de Barbosa de Godóis aos estudos da Psicologia Cientifica realizados pelo pedagogista italiano Arnaldo Maggiora (1862-1945) para oferecer melhores condições de estudo, distribuindo as disciplinas escolares e respectivo repouso intelectual em horário escolar cuidadosamente planejado, conforme recomendações experimentalmente demonstradas pelo filosofo e pedagogista alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841).
A desattenção é em tal caso, como diz Angelo Mosso, uma válvula de segurança que salva que salva o cérebro dos damnos d’um trabalho excessivo. O ânimo irrequieto e a distracção diz esse auctor, são a voz da natureza que grita e se revolta contra a pressão do mestre que espreme em vão o cérebro exhaurido. (...) O professor Arnaldo Maggiora verificou em laboratorio que um trabalho feito, quando já se está cansado, prejudica mais do que um trabalho maior, feito em condicções normaes. Depois de três horas de lição, na quarta assimilamos menos que na precedente e fatigamo-nos muito mais. Si me fosse licito fazer escrever sentenças em caracteres grandes, na sala dos professores e na directoria dos institutos escolásticos, eu proporia que se puzesse está bem em vista, porque a pedagogia deverá ter por fundamento as leis psysiologicas. O trabalho intellectual na terceira e quarta horas é menos útil: o escolar se cansa muito mais e aprende menos. O cérebro, á tarde, acha-se nas condições mais desfavoráveis para assimilar e como o maior esforço que nós pedimos aos jovens é o da memoria, o trabalho d’esta hora é perdido, porque as impressões feitas sobre o cérebro exhausto se dissolvem e desvanecem. É como pôr agua n’um crivo, dizia-me um amigo que passou toda a vida a ensinar a escola secundaria (Godois, 1910, pp. 74-75).
A este arcabouço pedagógico foi acrescido o pensamento do professor e filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) a seguir:
[...] Augmentando o tempo do trabalho, tem-se pararellamente uma diminuição na sua qualidade. Depois de três horas de escola, não interrompidos, pela manhã e duas horas ininterruptas, pela manhã e duas horas ininterruptas, pela tarde, é a peior a qualidade do trabalho dos alumnos. [...] E assim diz elle, depois de alludir á calvície precoce, á queda dos dentes, ao pouco vigor physico, á estatura e corpulência dos homens da actualidade comparados como os de outras éras: a constituição abalada por esta excessiva applicação é transmittida aos filhos e estes, depois, relativamente fracos, predispostos a succumbirem até os esforços ordinários, são obrigados a seguir um curso de estudos muito mais extenso do que aquelle que era prescripto ás fortes creanças das gerações passadas (Godois, 1910, pp. 75-76).
O professor normalista Barbosa de Godois justificou suas elaborações pedagógicas com investigações experimentais modernas realizados pelo inglês John Adams, publicadas em 1902. Também apontou estudos experimentais realizadas pelo italiano Pedro Siciliani, pedagogista moderno que escreveu a obra La Scienza nell’educazione com reflexões sobre a necessidade pedagógica de estudar a evolução psicológica da criança para conhecer suas disposições naturais para o estudo e, com isso, elaborar com segurança o programa de ensino, seu horário e as demais questões que a eles se referem.
A educação moderna foi caracterizada como aquela realizada sem fadigas mentais e que preparava o aluno com espírito filosófico novo que levasse a compreensão dos deveres civis e políticos que a pátria necessita para crescente desenvolvimento social.
Vê-se, pois, que a escola moderna, que encontra as forças do alumno estudadas com especial cuidado e tem a sua marcha pautada por princípios scientificos que não podem ser obliterados, sem damno da creança que ella tem por dever educar, não pode seguir a trilha antiga, nem ser dirigida por quem não tenha a menor noção das exigências d’aquellas sciencias. [...] A cultura antiga não pode corresponder ás necessidades da actualidade e o espirito philosophico novo invadio a todas as espheras sociaes, exigindo, por conseguinte, uma educação sobre outros moldes; a razão humana foi posta no primeiro plano e aos seos dictames esclarecidos se tem de amoldar o ensino; requer-se para o espirito o cultivo e fortalecimento das suas energias; as instituições politicas modernas reclamam novo ponto de vista; as industrias se desenvolvem e se propagão de modo assombroso, derribando preconceitos e enaltecendo o trabalho e a escola primaria tem de acompanhar a todo esse movimento, pondo-se a par dos reclamos do tempo e preparando a creança para a vida da actualidade e não do passado. Recebendo inculta a creança, ella tem o dever de entregal-a á sociedade, em condições de poder ser um factor da sua marcha progressiva e para isso é mister preparal-a, mas preparal-a de harmonia com as condições do meio em que ella tem de viver, que lhe exige as adaptações próprias á vida social em que ella tem de collaborar (Godois, 1910, pp.84-86).
As lições de pedagogia moderna apresentadas tiveram sua base teórica extraídas do pensamento dos filósofos ingleses Francis Bacon (1561 – 1626) e John Locke (1632–1704), do filósofo e teórico político suíço Jean-Jacques Rousseau (1712–1778) e do pedagogista suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746–1827), que propõem a apreensão de conhecimentos por deduções/intuições reflexivas com elaborações de hipóteses conscientes, relações e associações de conteúdo sem exageradas abstrações e fadigas mentais.
É necessário, pois, que em vez de autômato, do recitador de regras, que não comprehende e do basbaque em frente do fenômeno natural mais simples, a escola forme a creança, como ella deve ser, no interesse d’esta e da sociedade. Em vez de regras e preceitos por vezes incongruentes, ensine-se-lhe de forma a penetrar-lhe o espírito infantil, a relação entre as cousas, baseando o trabalho em factos ao alcance da sua intelligência. O concreto, as cousas, de que Rousseau e, antes d’elle Locke e Bacon tanto fallaram como fundamento racional de todo o conhecimento é a inspiração superior do instituto primário, n’um ensino despretensioso, sem exaggeros de doutrina, nem preoccupações philosophicas de seguir, como Rousseau, ás ultimas consequencias o rigor d’um principio (Godois, 1910, p. 87).
Apoiado nos pensamentos teórico-metodológicos acima referidos e nas concepções sociopolíticas e pedagógicas do professor normalista francês Jules Simon (1814–1896) e do jurista positivista francês, Dr. Jules Ferry (1832–1893), as professorandas normalistas do Maranhão foram advertidas à regência do ensino apenas quando estivessem habilitadas para o magistério e assim seguirem rigorosamente o método e processos do ensino que a sociedade e pedagogia moderna exigiam.
Barbosa de Godois descreveu as diretrizes pedagógicas que deveriam ser assumidas no magistério primário, tendo como foco principal em um ensino objetivo e concreto vinculado às demandas do mundo físico e social dos alunos. As aulas deveriam evitar apresentar informações fragmentadas ou de formas isoladas, mas deveriam ser acrescidas de seu contexto e suas interrelações. “O ensino, porém, não deve ser uma manta de retalhos unidos, mas não-combinados. Destinando-se a formar a moral do alumno, não pode deixar de apresentar um caracter logico nas cousas, acentuando-lhes as relações” (Godois, 1910, p.156).
Em relação à estrutura física da escola e da sala de aula foram advertidos cuidados higienistas e pedagógicos para um ensino/estudo objetivo, concreto, individualizado e salubre.
E assim, consoante a lição dos mestres, ella deve ser edificada em lugar salubre, sem pântanos perto, nem qualquer outro foco de infecção, longe de hospitaes, num logar alto, bem ventilado e com luz abundante; distante de quarteis, de fabricas, mercados e tudo mais que pelo rumor possa perturbar o trabalho escolar ou distrahir a attenção dos alumnos; estar isolada, sendo possível para melhores condições de ar e luz e, não o sendo, achar-se fora da projecção da sombra de prédios altos; possuir no mesmo edifício tudo que seja preciso para as suas necessidades como lavatório, o deposito d’agua potável, dejectorios etc, ter um pateo, sala espaçosa de espera para os alumnos, salão para os jogos e outros exercicios de educação physica, um jardim, como condição hygienica e para o estudo objectivo de botânica, salão para o trabalho manual e um gabinete ou sala para a recepção de visitas e das autoridades. A sala de aula deve attender a capacidade conveniente para a quantidade de alumnos que lhe é determinada e estar de accordo com as prescripções scientificas, quanto á sua orientação de modo a poder cada alumno ter pelo menos 5 metros cúbicos de ar, facilmente renovável. [...] A largura é limitada a 7 metros para que a luz não chegue fraca demais aos alumnos collocados no lado opposto ao em que entrar a maior claridade, nem haja difficuldade na inspecção de toda a classe, por occasião dos exercicios. [...] O livro não deve ser impresso em caracteres que forcem a vista, nem em papel lustro; pelo contrário, os seos caracteres devem regular entre o cursivo e o bastardinho. As linhas devem ser separadas cerca de ¾ de centímetro para que a creança não as salteie na leitura. Deve ser illustrado, para facilitar a comprehensão do texto. O seo papel deve ser amarellento ou róseo, para melhor se destacarem as lettras, mas sempre sem lustro, para não offuscar a vista. A mesma razão é applicável á cor do papel dos cadernos. As canetas devem ser triangulares, para habituar as creanças a uma posição correcta dos dedos na escripta; os lápis não devem ser muito resistentes nem devem ser muito brandos, para que as lettras não borrem na primeira hypothese, e, na segunda, não fiquem esmaecidas forçando a vista do alumno ao lel-as, nem haja um esforço muscular, por occasião de traçal-as. [...] A carteira e a cadeira devem ser individuaes, fixas e susceptíveis de elevação e abaixamento, para ficarem de accordo com a posição que o alumno deve ter na escripta. [...] A cadeira, que se fixará no soalho, será armada de modo que a creança, a que corresponder, fique sentada com os pés levemente pousados no chão, formando a perna e a coxa quasi um ângulo recto. [...] O alumno guardará na sua carteira todo o seo material escolar, para não ter de levantar frequentemente. Para isso ella terá sob a tampa, que será de dobradiça, um espaço sufficiente para os livros etc. Essa tampa, que será ligeiramente inclinada para o lado da cadeira, terminará, na parte superior, n’um plano, em que haverá um encaixe para o tinteiro e um friso para a collocação de lápis e canetas (Godois, 1910, pp. 162-164)
O professor normalista Barbosa de Godois reiterou como bons propósitos da Pedagogia Moderna a concretização do ensino em todas as áreas de estudo, exposição pedagógica para despertar vivo interesse, ajuizar a evolução do ensino e o aproveitamento auferido. No post-scriptum da obra em estudo, o autor ressaltou as contribuições do médico e pedagogista italiano Ugo Pizzoli (1863–1934) pelos estudos e experiências realizadas em seu Laboratório de Pedagogia Cientifica e que chamou a atenção do magistério brasileiro para cuidados básicos com a saúde física e psíquica dos alunos, especialmente quando ministrou em 1914 o Curso de Technica Psychologica no Gabinete de Psychologia e Anthropologia Pedagógica anexo à Escola Normal de São Paulo (Godois, 1910).
CONCLUSÃO
Em meio às veredas didáticas existentes na escola primária maranhense, Antonio Baptista Barbosa de Godois organizou em 1910 um compêndio didático para a Cadeira de Pedagogia da Escola Normal do Maranhão sob a forma de uma congregação de lições introdutórias para a estrutura da escola moderna, fortemente influenciada pela Psicologia Experimental e Pedagogia Científica.
Esta obra, que traz advertências para o cuidado pedagógico diante da nova demanda cultural republicana, infere que a sociedade moderna trouxe à tona novo contexto e demandas socioeconômicas que não poderiam ser supridas pelo ensino tradicional, exigindo que a escola adequasse seu programa à nova época que estavam vivenciando. O autor advertiu como exigência da formação das normalistas, a necessidade de superação da metodologia de ensino mecânico e livresco, inadequada e fortemente aplicada na instrução pública maranhense.
Barbosa de Godois apresentou como desiderato pedagógico para a boa instrução primária maranhense, a habilitação profissional para o magistério com práticas de ensino intuitivo que estimulem a vivacidade infantil com a concretização dos conteúdos escolares, sem fadigas mentais. Ou seja, doutrinou o exercício ativo, consciente e responsável de um magistério que priorize o cultivo das funções cognitivas das crianças, estimulando a assimilação com autonomia, respeitando as singularidades de seu tempo e ritmos de aprendizagem e desenvolvimento cultural.
A análise desta obra eminentemente pedagógica aponta a preocupação do autor em substituir o ensino clássico e enciclopédico por uma educação racional, metodologicamente organizada em cuidados que militam para promover, com estudos teóricos e experimentais da psicologia, antropologia e fisiologia humana, uma organização material da escola e da sala de aula que colabore com a saúde orgânica, intelectual e moral dos alunos. Seus assertivos didáticos estão na base do pensamento pedagógico moderno que estruturou os programas de ensino para a escola primária republicana maranhense e a escola de formação de professores normalistas. Estima-se que a história da educação do Maranhão foi e sempre será enriquecida com sua descrição, análise e socialização aberta a diálogos cada vez mais amplos.
REFERÊNCIAS
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Notas de autor
rosangela.uema@gmail.com
Información adicional
Como citar: Oliveira, R. S. (2023). A pedagogia moderna na escola normal do Maranhão: orientações metodológicas para a formação das normalistas. Revista Tempos e Espaços em Educação, 16(35), e18812. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v16i35.18812
Contribuições dos Autores: Oliveira, R. S. concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. A autora leu e aprovou a versão final do manuscrito.