Resumo: O objetivo central deste artigo, que faz parte de pesquisa de pós-doutorado, é problematizar o cenário da formação inicial de professores no Brasil, à luz de outros contextos, com destaque a experiência finlandesa, de forma a elucidar alguns aspectos do fenômeno da falta de atração e desencanto dos jovens concluintes do ensino médio sobre a profissão docente, que ressoam diretamente no trabalho dos formadores de professores (FP), bem como nos processos educativos da educação básica. A pesquisa baseou-se na abordagem qualitativa, sendo adotado, como procedimento de recolha de dados, narrativas de cinco FP, análise documental e revisão de literatura. Os resultados sinalizam que a ausência de valorização social e profissional dos professores da educação básica provoca marcas nefastas, perversas no sistema de educação brasileiro e impacta diretamente na formação inicial de professores, porquanto, os jovens concluintes do ensino médio estão cada vez mais desencantados pela profissão docente no Brasil, pelo que urge políticas educacionais emergentes de valorização da categoria docente.
Palavras-chave: Formação inicial de Professores, Valorização Profissional Docente, Finlândia, Ausência de atração pela docência.
Abstract: The central objective of this article, which is part of post-doctoral research, is to problematize the scenario of initial teacher education in Brazil, in the light of other contexts, with emphasis on the Finnish experience, in order to elucidate some aspects of the phenomenon of lack of attraction of young high school graduates about the teaching profession, which directly resonate in the work of teacher educators (TTE), as well as in the educational processes of basic education. The research was based on the qualitative approach, and as a data collection procedure, the collection of narratives with five FP, document analysis, literature review and collection of narratives were adopted. The results indicate that the absence of social and professional valorization of basic education teachers causes harmful marks in the Brazilian education system and impacts directly on the initial training of teachers, since young high school graduates are increasingly disenchanted with the teaching profession in Brazil, which urges emerging educational policies to valorize the teaching category.
Keywords: Initial Teacher Education, Valuing the Teaching Profession, Finland, Disenchantment with teaching.
Resumen: El objetivo principal de este artículo, que forma parte de una investigación posdoctoral, es problematizar el escenario de la formación inicial de profesores en Brasil, a la luz de otros contextos, con énfasis en la experiencia finlandesa, con el fin de dilucidar algunos aspectos de el fenómeno la falta de atracción y desencanto de los jóvenes bachilleres por la profesión docente, que repercuten directamente en el trabajo de los formadores de docentes (FP), así como en los procesos educativos de la educación básica. La investigación se basó en un enfoque cualitativo, adoptando, como procedimiento de recolección de datos, cinco narrativas de PF, análisis de documentos y revisión de literatura. Los resultados indican que la falta de valoración social y profesional de los profesores de educación básica provoca marcas nefastas y perversas en el sistema educativo brasileño e impacta directamente en la formación inicial de profesores, ya que los jóvenes que se gradúan de la enseñanza media están cada vez más desencantados por la profesión de enseñar en Brasil, razón por la cual urge que surjan políticas educativas que valoricen la categoría docente.
Palabras clave: Formación Inicial del Profesorado, Apreciación profesional docente, Finlandia, Falta de atracción por la enseñanza.
Artigos
Desencanto pela docência no Brasil: desafio à formação inicial de professores
Disenchantment with teaching in Brazil: challenge to initial teacher education
Desencanto con la enseñanza en Brasil: desafío a la formación inicial de professores
Recepción: 17 Enero 2023
Aprobación: 14 Marzo 2023
Publicación: 03 Mayo 2023
Não há dúvidas que a formação inicial de professores é elemento que ressoa diretamente nos processos educacionais na educação básica. Pesquisas têm sinalizado que a formação é condição importante para a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem. Na vasta pesquisa realizada em pós doutorado, constatei a importância da experiência internacional para repensarmos os nossos processos de formação de professores. Da Finlândia, Estola, Uitto e Syrjälä (2014, 107) afirmam que o investimento em formação dos professores é contributo essencial para a melhoria do ensino. Para os autores, “a elevada qualidade da formação de professores tem sido vista como um fator importante para explicar o sucesso finlandês nos estudos do Programa para Avaliação Internacional de Estudantes (PISA) da OCDE”. De Portugal, Flores (2017) pontua que a formação dos professores é fator decisivo para a melhoria da qualidade do ensino.
A formação inicial de professores no Brasil, a partir da promulgação da LDB/1996, passou por várias mudanças, com profusão de pareceres, diretrizes, resoluções e parâmetros curriculares criados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Com a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, estabelecida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em parceria com o Conselho Técnico Científico da Educação Básica (CTC/EB), por meio do DL nº 6.755/2009, em cuja essência estão disciplinadas as ações da CAPES e balizadas as diretrizes para a formação de professores em serviço, houve várias mudanças na formação de professores no Brasil, que, por certo, representam avanço no conjunto das políticas para a formação de professores.
Com feito, a partir de 2009, foram instituídas várias políticas de formação inicial e continuada de professores, que integram o PDE1 e favorecem a melhoria dos processos formativos nos cursos de Licenciaturas, bem como suscitam a permanência dos estudantes, conforme já pontuei (Paniago, 2016 e Paniago et al., 2019); isto me permite inferir que muito já foi feito para a melhoria da formação dos professores. Contudo, não é possível dizer que as políticas educacionais implementadas, tenham contribuindo de forma substancial para a melhoria da qualidade da educação, da própria formação de professores e tenha motivado o ingresso em cursos de formação inicial de professores, porquanto, a profissão docente no Brasil não tem exercido muito atração pelos jovens concluintes do ensino Médio. Para Medeiros, Dias e Olinda (2022), apesar do avanço do ponto de vista normativo, não houve mudanças significativas no âmbito dos cursos de formação inicial docente.
Gatti (2015, p.240) contribui ao afirmar que muitas iniciativas foram tomadas acerca da formação para a docência, no âmbito do CNE e do MEC, nos últimos 20 anos, entretanto, para a autora, as políticas direcionadas “[...] à formação de professores, até aqui, têm se mostrado inoperantes, no que concerne a mudar a situação da dispersão entre as licenciaturas e seu valor institucional e social, bem como em suscitar renovações curriculares substantivas”.
Há que se ter em conta que os professores exercem um papel importante na qualidade da educação básica, portanto, é fundamental que se tenha profissionais com boa formação e motivados para o exercício da sua profissão. Com efeito, minha preocupação com a formação de professores no Brasil me levou a pesquisar outras realidades educacionais, pelo que, em pesquisa de pós-doutorado, me debrucei para entender, dentre outros, o sistema educativo finlandês, considerado um dos melhores do mundo, e, segundo dados da OECD (2018), o sistema finlandês tem investido substancialmente na educação e formação de professores, o que justifica os bons resultados.
Em face do exposto, o objetivo central deste artigo, que faz parte de pesquisa de pós-doutorado, é problematizar o cenário da formação inicial de professores no Brasil, de forma a elucidar alguns aspectos engendradores do fenômeno da falta de atração e desencanto dos jovens concluintes do ensino médio sobre a profissão docente à luz de outros contextos, com destaque a experiência finlandesa.
Na organização, apresento, inicialmente, uma reflexão sobre o cenário da formação inicial de professores no Brasil, sinalizando avanços e retrocessos em algumas das políticas educacionais; posteriormente, elucido elementos que não atraem os jovens concluintes para o exercício da docência, os desafios que os formadores de professores (FP) enfrentam em face da falta de atração e desencanto dos licenciandos pela docência, e finalizo com uma breve problematização acerca da formação de professores do Brasil.
A pesquisa registrada em Comitê de ética, com aprovação por meio de Parecer n. 3.956.526, baseou-se na abordagem qualitativa, em que adotei, como procedimento de recolha de dados, a análise documental, revisão bibliográfica e recolha de narrativas com cinco formadores de professores (FP) de cinco Campi da Instituição de Ensino Superior (IES), lócus da pesquisa. Os professores participantes da pesquisa serão identificados com nomes de letras iniciais de seus cursos de atuação: de Ciências Biológicas os professores Beto e Bia; da Licenciatura em Química, o professor Quito; da Licenciatura em Pedagogia, a professora Paulina e da Licenciatura em Matemática, a professora Mary. Foram dois professores de Biologia em face da quantidade de estudantes na instituição.
Ao optar pelas narrativas como procedimento de recolha de dados, destaco o seu valor para os participantes rememorarem suas experiências como FP, vivências do passado, de modo que, além de refletirem sobre suas memórias, da sua forma de saber, ser e de ensinar, nos dá pistas, indicadores sobre os enfrentamentos, das tensões e possibilidades como FP em cursos de Licenciatura. Segundo Estola, Uitto e Syrjälä (2014, 111), “tornar-se professor é uma história emergente que se desenvolve durante o processo de contar e recontar [...]”. E, quem conta uma história se forma, bem quem a ouve. Logo, eu também me formei nesse processo, porquanto, a formação na recolha de narrativas é como uma mão de via dupla, com duplo sentido, entre formadores e formandos, entre contadores e escutadores, enfim, como explica Nóvoa e Warschauer (2022), a partir da análise da vida de Christine Josso, a experiência de investigação foi também formadora no sentido pessoal e profissional.
Do ponto de vista dos documentos, para Lüdke e André (2017, p.38), eles podem se constituir em uma: “[...] técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. Bardin (2013, p. 47) contribui, ao elucidar a análise de documentos como “[...] uma operação ou um conjunto de operações, visando representar o conteúdo de documento sob uma forma diferente da original, a fim de facilitar, num estado ulterior, a sua consulta e referenciação”.
No caso específico, para a elaboração do presente texto, utilizei de elementos teóricos sobre formação de professores do Brasil e da Finlândia, das narrativas dos FP, de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP), indicadores da atual situação da formação de professores, bem de dispositivos legais que tratam da formação inicial de professores no Brasil. Para a análise, me reportei às três diferentes fase de análise de conteúdo propostas por Bardin (2013), nomeadamente: i)a pré-análise; ii) a exploração do material e o tratamento dos dados; iii) a inferência e a interpretação.
Nessa breve reflexão, sinalizarei alguns documentos, dispositivos legais da educação brasileira, que incidem diretamente na formação inicial de professores no Brasil a partir da década de 1990, de modo a sinalizar os avanços e retrocessos à luz de outros contextos, especialmente a experiência com a formação de professores da Finlândia. A começar, um marco importante foi a promulgação da LDB/1996. Conforme o Art. 62 da LDB/1996: “A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de Licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação [...]” (LDB/1996, p. 49).
A formação em nível superior para professores fica estabelecida, de forma explícita, nessa referida lei, a ser realizada em universidades e Institutos Superiores de Educação (IES). Após a promulgação da LDB/1996, houve uma abundância de pareceres, diretrizes, resoluções e orientações curriculares criados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). A exemplo, cito o Parecer nº 9/2001 do CNE, em que são estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para as Licenciaturas, nos estados da federação brasileira (DCN), sendo regulamentadas pelas Resoluções: CNE nº 1/2002, que institui as DCN e a Resolução CNE nº 2/2002, que delibera sobre a carga horária desses cursos. As DCN (2002) estabelecem princípios orientadores, diretrizes e critérios para a organização da matriz curricular dos cursos de formação de professores.
Ainda, após implementação da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica pela Capes, após o ano de 2009, vários programas para a formação inicial de professores foram instituídos dentre elas, cito: o Pró Licenciatura, programa que oferece formação inicial a distância a professores em exercício nos anos/séries finais do ensino fundamental ou ensino médio dos sistemas públicos de ensino; o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR)- visa estimular a formação inicial, em nível superior, de professores em exercício nas redes públicas de educação básica; o Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência)- objetiva consolidar, inovar e melhorar o processo formativo dos cursos de formação para o magistério da educação básica por meio de incentivo a aquisição de materiais pedagógicos; o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e; o Programa Residência Pedagógica (PRP), políticas que contribuem para o processo de formação inicial de professores e, por conseguinte, favorecem a permanência nos cursos de Licenciatura e atuação dos formadores, conforme já constatei em estudos anteriores (Paniago 2019, 2018).
No conjunto de ações significativas de políticas educacionais para a formação de professores no Brasil, destaco o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) programa instituído em 2007, pela Portaria nº 38, de 12 de dezembro, cujo foco é a elevação da qualidade da formação de professores, a inserção dos estudantes das Licenciatura, desde o início da formação, no cotidiano da rede pública de Educação Básica, a fim de que possam vivenciar e participar de experiências metodológicas, tecnológicas e práticas de ensino inovadoras e interdisciplinares (Relatório DEB/CAPES, 2013).
Nesse cenário, considero relevante situar também o Programa Residência Pedagógica (PRP), criado em 2018 e regulamentado pela Portaria n. 259, de 17 de dezembro de 2019; programa que inicialmente não contou com diálogo para a sua criação, sendo alvo de intensas críticas, em face de suas intencionalidades, porquanto, inicialmente tinha como objetivos aperfeiçoar a formação inicial de professores, induzir a reformulação do estágio curricular supervisionado e alinhar o processo formativo a atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC)2 e substituir o estágio. A Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), por meio de documento apresentado por ocasião da audiência pública da Comissão Bicameral do CNE (Conselho Nacional de Educação), esclarecem que “A Residência Pedagógica preconizada pelo governo federal como a grande novidade da formação de professores, agora, ganha materialidade como estágio num formato conservador e tradicional”. (ANPED, 2018).
Contudo, após os resultados iniciais da primeira experiência do PRP, via edital Capes 06/2018, muitas instituições de ensino superior (IES), aderiram ao segundo edital 01/2020. Ademais, recentemente, com a publicação da Portaria Capes, nº 82/2022 e edital nº 24/2022 para a seleção de novas propostas, algumas das reivindicações pontuadas pelos coordenadores institucionais e em face das demandas provocadas pelo Fórum do Pibid e Residência Pedagógica, o qual envolve os diversos atores destes programas de todo o Brasil, foram feitas várias modificações, principalmente em termos da flexibilidade da carga horária, em que foi deixado autonomia para as IES quanto à distribuição das 400 horas a cumprir e retirou-se o enunciado acerca do alinhamento com a BNCC nos objetivos do programa, fato que representa um avanço.
No contexto das políticas educacionais de formação de professores, é importante realçar o Plano Nacional de Educação (PNE)3, documento que estabelece as diretrizes para a educação nacional, no decênio 2014/2024, em sua meta 18 é explicito que:
Meta 18: assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de carreira para os (as) profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos (as) profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do artigo 206 da Constituição Federal (MEC, 2014, p.12).
Outro marco importante da formação inicial e continuada de professores foi a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN/2015), por meio da Resolução CNE n.º 02/2015, de 2 de julho, aumentando, substancialmente, a carga horária dos cursos de Licenciaturas, que passa de 2.800 horas para, no mínimo, 3.200 horas, priorizando, especialmente, atividades teórico-práticas para o exercício da docência.
As DCN/2015 avançam em relação às anteriores, do ponto de vista da explicitação do papel da formação e da relevância dada a pesquisa na formação, ao sinalizar que a formação deve assegurar uma base comum nacional, balizada na concepção de educação como processo emancipatório, bem pelo reconhecimento do trabalho docente como expressão da intrínseca relação teoria-prática.
Ademais são pontuados elementos importantes acerca do respeito à diversidade, da importância da participação. Para Gatti et al., (2019, p.69). “A ideia base que norteia a Resolução CNE/CP 2/2015 é o da justiça social, com respeito à diversidade e promoção da participação e da gestão democrática”.
Foram quase dois anos para que as IES ajustassem as suas propostas pedagógicas, Projetos Pedagógicos de Cursos às orientações dessas diretrizes, o que significa que, em algumas as mudanças ocorreram a partir do ano de 2018. Apesar disto, com as novas mudanças ocasionadas nas políticas educacionais brasileira em face do novo governo, no final de 2019, foram promulgadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica, por meio da Resolução CNE/CP/2/ 2019, sem, contudo, contar com a participação dos profissionais da educação e entidades renomadas para a sua elaboração.
Com um prazo até 2020 para ajustarem as propostas curriculares dos cursos de Pedagógicas e Licenciaturas à essa nova resolução, as IES reagiram em face do teor e da forma como foi elaborada, porquanto, não houve efetivo diálogo com elas, bem como com as entidades representativas da área educacional no Brasil e formação de professores. Até o presente momento em que delineio a escrita desse artigo, as DNC/2019, não foram implementadas pelas IES, que ainda seguem firme com o propósito de torná-la sem efeito.
Sem dúvida, as DNC/2019 representam um retrocesso no conjunto das políticas educacionais brasileiras, sendo alvo de críticas de entidades renomadas como a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação -ANFOPE, Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação – ANPED, Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências -ABRAPEC, Associação Nacional de Política e Administração da Educação - ANPAE
A política de formação de professores definida de forma impositiva pelo Ministério da Educação, sem diálogo com as IES, com as entidades representativas dos diversos segmentos dos profissionais da educação básica e com os professores/as, representa mais um grave retrocesso para a efetivação de um Sistema Nacional de Educação e do Plano Nacional de Educação que leve em consideração a necessária articulação entre a formação inicial, formação continuada e condições de trabalho, salário e carreira dos profissionais da educação. (ANFOPE, 2017, s/p).
Na mesma direção, Simionato e Hobold (2021, p. 81) denunciam que a Resolução CNE/CP nº 02/2019 prioriza a formação prática em detrimento de uma perspectiva que vislumbra a práxis como prática social, empregando, portanto, uma tendência “[..] pragmática da formação de professores, a partir de uma visão reducionista em que a prática se reduz ao planejamento, à regência e à avaliação dos alunos”.
Ora, o exposto me permite inferir que, no Brasil, nem sempre o debate para o estabelecimento das políticas educacionais é uma regra, isto modifica-se de acordo com os governantes, em determinados governos temos avanços, noutros retrocessos, em que as políticas educacionais são alinhadas a intencionalidades econômicas. Conforme Simionato e Hobold (2021, p.85), “As políticas públicas para a educação e as recentes políticas para a formação de professores são um nicho muito promissor para a iniciativa privada, ampliando suas possibilidades de lucros e ganhos políticos [...].”
O fato é que, em alguns governos, o debate, o diálogo é estabelecido, de forma efetiva, na elaboração de políticas educacionais, currículo para a formação de professores, silenciando a autonomia das IES neste processo, diferente de outros países como a Finlândia, em que no processo de formação, há autonomia das IES para o desenvolvimento dos currículos dos cursos.
As universidades têm um alto grau de autonomia na elaboração de seus currículos. Desta forma, nenhum “currículo detalhado de formação de professores” abrange todos as universidades na Finlândia. No entanto, existem alguns princípios gerais e linhas gerais seguidas por todas as instituições de Educação por recomendação do Ministério de Educação (Niemi; Jakku-Sihvonen, 2011, p.33, tradução nossa).
Segundo as autoras, para a preparação de novos currículos, a partir do processo de Bolonha4 (2003-2005) as universidades responsáveis pela formação de professores estabeleceram uma rede nacional de Ciências da Educação e Formação de Professores (projeto Vokke, 2005, http://www.helsinki.fi/vokke/english.htm) para dialogarem, e construírem uma unidade do conteúdo principal, contudo, cada universidade possui autonomia para desenvolver currículo próprio com base em seu perfil de pesquisa atual.
Esta autonomia não é restrita a formação inicial, na medida em que ela é alongada também aos professores de carreira da educação básica e média, conforme Lavonen em entrevista5, os professores finlandeses sentem que tem muito poder e responsabilidade na tomada de decisões. Isto significa que eles podem decidir sobre o que e como ensinar. Também Aleksis Kiven6 pontua que os professores têm bastante liberdade com o planejamento do ensino. Segundo ele, não há um sistema de controle, ao contrário, prevalece a confiança nos professores e em suas capacidades. Eles tiveram uma boa formação, então, é preciso acreditar que eles sabem fazer o seu trabalho.
Evidentemente, a ausência de diálogo para a elaboração de políticas educacionais no Brasil se vincula a concepções conservadoras de governo, porquanto, conforme citado anteriormente, já tivemos momentos de ideias progressistas e dialógicas na proposição de alguns dos regulamentos legais para a formação de professores. Conforme Medeiros, Dias e Olinda (2020, p.14), na história da educação brasileira, a formação de professores sempre esteve condicionada diferentes articulações políticas vinculadas a relações de poder. “A posição ideológica de cada governo representou mudanças e a instalação de caminhos, ou, melhor dizendo, de rotas, muitas vezes, sem direção clara a um determinado fim”.
Por fim, apesar de todo o conjunto de programas de incentivo à docência, a profissão docente, não tem sido atraente, pelo que sinalizarei alguns elementos que contribuem para este cenário, que, por conseguinte, ressoa diretamente nos processos formativos nos cursos de Licenciatura.
A seguir, farei uma reflexão, sinalizando elementos que engendram o desencanto dos jovens concluintes do ensino médio pela profissão docente.
Que a profissão docente não é exerce atração pelos jovens concluintes do ensino Médio, não há que se ter dúvida. Como formadora de professores há mais de 20 anos, com mestrado e doutorado em Educação e pesquisa na área de formação de professores, saberes e práticas educativas, muito me inquieta a ausência de motivação dos jovens ingressantes nos cursos de Licenciatura para o futuro exercício da docência.
Em todos os semestres, faço diagnóstico para identificar as percepções dos licenciandos pela docência, e o resultado é assolador, porquanto, ano após ano, apenas uns 25 % querem de fato ser professores. Por certo, a profissão professor não exerce grande atratividade pelos jovens concluintes do ensino médio no Brasil. Um dos fatores é a falta de valorização do magistério traduzida pelo baixo status social, pelas condições de trabalho precárias, carga horária excessiva de trabalho, inexistência de plano de carreira, salários pouco atraentes. Elementos que desencantam concluintes do ensino médio e excluem a docência, como uma das suas opções profissionais.
Comparando-se a outros países da América Latina, é notório que os profissionais da educação no Brasil não estão satisfeitos com o salário que recebem:
De fato, a remuneração dos docentes que atuam na rede estadual com formação superior nos últimos anos, com regime de trabalho de 40 horas, não tem sido um chamativo para a carreira docente, conforme sinaliza o gráfico abaixo.
Embora alguns estados como Pará, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Paraná e DF tenham salários melhores, de modo geral, o piso em 2020, segundo INEP, foi de 2,886, 24. Ora, um profissional com formação em ensino superior ganhar apenas 2,886, 24 reais nos dias do hoje, para enfrentar uma carga horária diária de 8 horas de trabalho, com salas lotadas de estudantes com diferentes percepções de aprendizagem, diferentes tipos de aspectos socioemocionais, afetivos, culturais, não é uma tarefa fácil. Em relação ao número de estudantes por sala, enquanto no ensino fundamental, há, em média, 15 alunos para cada professor nos países da OCDE, no Brasil, são mais de 23 alunos (OECD, 2021).
Segundo OECD (2021), “Turmas menores costumam ser vistas como benéficas, porque permitem que os professores se concentrem mais nas necessidades de cada aluno e reduzem o tempo de aula necessário para lidar com interrupções”, contudo, isto não é uma regra no sistema pública de ensino do Brasil, porquanto, menos alunos e mais professores significa também mais destinação de recursos para a educação.
Conforme OECD (2021), “a proporção de alunos para equipe de professores é um indicador de como os recursos para a educação são alocados”. Com efeito, ao se calcular a razão alunos-professor, há que se considerar o investimento em salários, desenvolvimento profissional docente e os recursos didáticos.
Então, no Brasil, esta conta não chama a atenção dos futuros professores, pois, além de a carreira docente não ser valorizada socialmente, os professores ganham mal e trabalham com salas lotadas. Com efeito, para os estudantes de Licenciatura, segundo Gatti et al., (2019, p.310), “[...] a escolha figura mais frequentemente como uma opção possível de atividade profissional e não necessariamente aquela pela qual eles optariam por se tivessem outras alternativas viáveis de escolha”.
Dessa forma, a docência, por vezes, não é a profissão escolhida e muitos estudantes ingressam nos cursos de Pedagogia e Licenciaturas por não conseguirem entrar em outros cursos. Com isso, nem sempre os ingressantes possuem boas notas, podendo até ser os estudantes com as piores notas, como já verificamos (Paniago, 2016; Paniago et al., 2019).
Por fim, reporto-me a Lima e Machado (2014), ao destacarem que a ausência de valorização profissional docente contribui para que os jovens não se interessem pela profissão. No conjunto dos principais elementos apontados na literatura consultada, “[...] os baixos salários e as condições precárias do trabalho docente são as principais causas relacionadas ao afastamento dos jovens da profissão docente e também compõem os fatores da evasão nos cursos de licenciatura” (Lima & Machado, 2014, p. 128).
Diferentemente, na Finlândia, a profissão docente é valorizada, o que motiva muitos jovens concluintes do ensino médio a ingressarem nos cursos de formação de professores. Com isso, além de ser muito concorrido o acesso aos cursos, ingressam estudantes com boas notas, motivados e interessados, de fato, em ser professores. Em face disso, a admissão é difícil. “Em geral, a admissão na universidade é difícil para jovens que desejam seguir uma carreira como professor de disciplinas. Uma pequena percentagem de candidatos é admitida”. Para as autoras, há um forte interesse em ser professor na Finlândia: “Nos últimos dez anos, conseguir uma entrada para professores em programa educacional tem sido uma das rotas mais exigentes para universidades (Niemi & Jakku-Sihvonen, 2011, p. 43).
Ainda, Niemi, em entrevista, afirma que os candidatos à formação de professores, geralmente possuem notas muito altas desde a escola secundária, então, é muito seletivo o processo, sendo tão difícil entrar na faculdade de professores, tanto como em demais cursos com ampla concorrência e status na carreira, como medicina e direito.
Para Sahlberg (2015), a Finlândia é uma das poucas nações capazes de selecionar os melhores e mais motivados jovens para os programas de formação de professores de escolas primárias, ano após ano. Situação semelhante existe em Singapura, Coreia do Sul e Irlanda. Esse fato criou uma base sólida de profissionais que atuam no ensino nas escolas primárias (1º ao 6º ano) finlandesas.
Sahlberg (2015), tal como Niemi e Jakku-Sihvonen (2011), advertem que o prestígio da profissão professor na Finlândia não se atribui à questão salarial, não é o nível salarial que motiva os jovens a serem professores, ainda que os professores ganham um pouco mais do que o salário médio nacional, mas é, sobretudo, a valorização social e profissional.
Ora, o que quero sinalizar é que a ausência de valorização dos professores da educação básica, desencanta os jovens concluintes do ensino médio para a escolha de cursos de licenciaturas, impacta os cursos de formação de professores e provoca marcas nefastas no sistema de educação brasileiro, pois, afinal, quem serão os futuros professores? Vejamos, em seguida, os desdobramentos do desencanto pela docência dos jovens concluintes do ensino médio na formação inicial.
Aqui, sinalizarei, a partir das vozes de formadores (FP), como a falta de motivação para a docência dos futuros professores os desafiam nos processos de ensino-aprendizagem nas Licenciaturas. Conforme o professor Quito, a desvalorização da profissão docente inquieta os futuros professores e contribui para a fuga dos cursos
A desvalorização financeira da profissão influencia bastante, quando temos a oportunidade de discutir com os estudantes, a primeira coisa que eles comparam é essa questão da valorização profissional, comparando até regiões do país, onde tem a questão da valorização salarial em primeiro lugar. A gente fala principalmente essa valorização financeira porque é o primeiro que vem, é o que aparece mais nitidamente; tem também a valorização social, política e isso causa bastante fuga de pessoas da área da licenciatura para outras áreas. (Quito, 2020).
Uma das professoras expressa a sua inquietação em relação às mudanças nos cursos de formação inicial de professores que passa pelo interesse dos estudantes em serem professores. “O que mais precisa, talvez, é os alunos quererem ser professores. Esses alunos não têm vontade. Aí sim é difícil você também tentar traçar um plano de formação e pesquisa para melhorar o processo formativo na instituição” (Bia, 2021). Verdum (2015, p.192) contribui, ao anunciar que “a questão da desvalorização da profissão docente, associada ao desinteresse e possível evasão dos alunos, também é apontada como elemento que leva à baixa procura pelos cursos de licenciatura”. A esse respeito, Nóvoa (2017) pontua que a primeira fragilidade da formação inicial está neste momento inicial e alerta que não é aceitável que em muitos países, e também no Brasil, a escolha de um curso de licenciatura seja uma segunda escolha, por falta de outras alternativas, por razões de horário ou por facilidade (cursos à distância).
Por isso, torna-se imprescindível construir modelos que valorizem a preparação, a entrada e o desenvolvimento profissional docente. Trata-se, no fundo, de responder a uma pergunta aparentemente simples: como é que uma pessoa aprende a ser, a sentir, a agir, a conhecer e a intervir como professor? (Nóvoa, 2017, p.1113).
Fica evidente, nas narrativas dos formadores, a preocupação com a valorização da profissão docente que não atrai bons alunos para os cursos de formação inicial de professores. Muitos ingressam nas Licenciaturas, pensando em fazer um mestrado ou doutorado para dar aula no ensino superior “os alunos que procuram a gente no mestrado, não têm intenção de ser professor na educação básica, mas sim como professor universitário. (Beto, 2021).
Outra FP explica que a falta de incentivo e valorização dos professores não atrai os estudantes
Infelizmente não há incentivo por parte do governo para a educação de uma forma geral e a sociedade também não valoriza os professores desde a Educação Básica. Então a profissão não atrai, o salário não atrai, os alunos na hora de formar falam: ah formei e vou ter um salário de mil e pouco, dois mil reais, trabalhando o dia inteiro, então desmotiva muito, a gente como professor acaba que pensa que infelizmente a realidade é essa e não é atrativo de maneira nenhuma aqui no momento que a gente está vivendo. (Mary, 2020).
Da mesma forma, outro FP explica que os alunos da Licenciatura em Química querem se formar para seguir no campo da pesquisa, no trabalho em laboratórios, ou mesmo seguir outra profissão; docente é que menos querem ser, “Eles querem fazer curso para perito, pesquisa, trabalhar em empresas, mas ser professor não. Então o curso é um bacharelado transvertido de licenciatura. Eles acham que terão melhores condições de trabalho que não seja o exercício da docência”. (Quito, 2021). Outra FP ela descreve o sentimento dos estudantes no início do curso.
Quando inicia o ano e quando vamos ouvir os alunos. Desses 38 alunos, 21 não escolheram fazer a pedagogia, a Pedagogia os escolheu. As escolhas dos alunos pelos cursos estão condicionadas a algumas questões, por exemplo, questões sociais, econômica. Este aluno as vezes quer fazer outro curso e é integral, mas o aluno não pode fazer pois ele precisa trabalhar.
A ausência de valorização da profissão docente, além de não motivar os estudantes a escolherem os cursos de Licenciatura e neles permanecerem, não contribui para que os jovens concluintes do ensino médio com bons resultados procurem os cursos, assim, o perfil dos estudantes das Licenciaturas é marcado pela dificuldade em conciliar tempo e estudo em face das situações econômicas desfavorecidas, problemas de fragilidades conceituais básicos advindos do ensino médio, principalmente nas áreas de Língua Portuguesa e Lógica Matemática (Paniago et al., 2019). Ao falar sobre o perfil dos estudantes das Licenciaturas, o professor:
Agora, se eu comparar o perfil inicial de estudantes que ingressam no curso, por exemplo, da engenharia, e um estudante que ingressa no curso de licenciatura em Química noturno, qual é a diferença? O aluno que ingressa no curso de licenciatura é aquele que basicamente não vai ter tempo para dedicar a estudos e a projetos, pois ele trabalha (Quito, 2020).
Assim, muitos dos alunos que ingressam nos cursos de Licenciatura não possuem tempo para a dedicação às atividades do curso, bem como para a participação em projetos de pesquisa, ensino e/ou extensão, porquanto, são de classes sociais desfavorecidas economicamente e necessitam trabalhar para sobreviverem. Soma-se ainda, Gatti et al., (2019) as quais sinalizam que, muito dos pais destes estudantes possuem baixa escolaridade, a “[...] escolaridade dos pais é um dos indicadores da bagagem cultural de origem dos estudantes”, considerando que é baixo o nível geral de escolarização das famílias dos estudantes que se preparam para a docência, se comparado a outros cursos de prestígio social, tais como as engenharias, o direito e a medicina. Do ponto de vista dos estudantes das Licenciaturas, a metade tem pais sem nenhuma, ou com instrução até o quarto ano primário. “Desde o início dos anos 2000, pouco mais de 30% desses estudantes constituíam os primeiros entre os seus familiares que logravam concluir o ensino médio, e algo mais do que 10% os conseguiam fazer um curso superior.” (Ibid., p. 309).
Em contraposição, as autoras afirmam que Ristoff (2013), em pesquisa, constata que “[...] no segundo ciclo do Enade, o percentual de estudantes de Medicina que tinham pais com instrução superior era de 67%; de Odontologia, 45%; de Medicina Veterinária 42%, de Arquitetura e Urbanismo 45%; de Engenharia (grupo V), 45% (Gatti et al., (2019. p.148). Não obstante, as autoras afirmam que são nestes cursos que se encontram os estudantes de faixa de renda mais alta, na respectiva proporção de 70%, 50%, 42%, 42% e 31%.
Também a FP Paulina afirma que um dos desafios na docência do ensino superior no curso de Pedagogia é a fragilidade de aprendizagem conceitual que os alunos trazem, sendo que alguns dos alunos são oriundos de população muito carente, e “[...]nós recebemos alunos que são analfabetos funcionais, têm dificuldades de alfabetização e escrita, possuem dificuldade de estruturar um texto, dificuldade relativamente simples de produção textual.” Assim, temos que partir destas fragilidades e avançar para que os futuros professores possam ter condições de ter uma boa atuação em sala de aula. É uma formação muito frágil que precisa ser trabalhada.
Nessa direção, Gatti et al., (2019) alertam para a necessidade de “levar em conta as dificuldades que se vinculam ao nível de preparação dos estudantes que escolhem os cursos de licenciatura e estimular as instituições de ensino superior que os recebem a desenvolver propostas pedagógicas que permitam a superação dessas barreiras.” (Ibid., 314). Assim, estes estudantes, em regra, tiveram dificuldades no seu processo de ensino-aprendizagem na educação básica, e muitos não possuem boas notas. “Observa-se ainda um aumento significativo de alunos da escola pública nas licenciaturas, o que leva à constatação que eles se tornaram cursos “populares”, à medida que os seus alunos passaram a efetivamente representar as camadas majoritárias da população” (Gatti et al., 2019, p.309).
Então, em face das condições econômicas, fragilidade de formação no início médio, os estudantes não conseguem concorrer com os alunos que são de posição social econômica mais favorável e conseguem as melhores posições no ranking do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) ou vestibular que ainda é utilizado por algumas instituições de ensino superior. A nota não sendo boa, a escolha vai para os cursos de Licenciatura que geralmente, possuem notas de cortes bem abaixo dos demais cursos.
Por exemplo, aqui temos o curso de agronomia e muitos alunos gostaria de fazer Agronomia, mas eles não conseguem entrar, pois tiveram uma formação frágil na educação básica e não possuem condições de concorrer com os outros candidatos mais bem preparados. E aí, é o curso que eles têm condições de ser aprovados e entram. Os alunos que possuem uma formação mais sólida, não entram por falta de reconhecimento social e valorização salarial. Se ele tem condições de ser aprovado em outro, como vão entrar em curso que não possuem reconhecimento? (Paulina, 2020).
De igual modo, outro professor relata que o perfil dos estudantes das Licenciaturas na sua unidade é uma das fragilidades da formação inicial
As fragilidades que eu vejo, começa logo com o tipo de aluno que a gente tem recebido. A gente acaba recebendo alunos que não conseguiram êxito em Agronomia, medicina veterinária, então buscam a biologia, mas esquece que esse curso de biologia é uma licenciatura. Então buscam a biologia para ver algo que ele gosta, que seria uma área afim da agronomia, da veterinária e está ali. Então a gente acaba recebendo alunos que não optariam como primeira opção pela licenciatura. (Beto, 2021).
Conforme depreende-se, a ausência de valorização da profissão docente é elemento fulcral que não favorece a escolha da docência, ficando em segunda opção. Constatamos que muitos jovens ingressam na docência não pelo desejo, mas por falta de opção. Não há dúvidas que programas de formação inicial como Pibid e PRP contribuem para a permanência dos estudantes de licenciatura no curso e motivação para a docência, contudo, não são suficientes para resolver as mazelas da formação inicial de professores. Com isso, venho alertar, já não é hora de se valorizar a carreira docente? E investir massivamente na educação e formação de professores? Ao contrário, as políticas nos últimos anos sinalizam que estamos caminhando em sentido contrário, conforme apresento a seguir.
Se não bastasse a falta de motivação dos jovens concluintes para o ingresso em curso de formação inicial de professores, a formação passa por problemas desafiadores, em termos do aumento vertiginoso de matrículas em curso de Educação a Distância (EaD), em instituições privadas.
Segundo dados do INEP, “Pela primeira vez na série histórica, o número de alunos matriculados em licenciatura nos cursos à distância (50,2%) superou o número de alunos matriculados nos cursos presenciais (49,8%).” (INEP, 2018, p.25). Em 2020, este número aumentou de forma expressiva, “em relação à modalidade de ensino, as matrículas em cursos de licenciatura presencial representam 40,7%, enquanto a distância são 59,3% no total de matrículas” (INEP, 2020, p.28).
Analisando o gráfico abaixo, é possível percebermos que, desde 2014, o índice de estudantes de licenciaturas matriculados na EaD, superam os matriculados em cursos presenciais, vejam, conforme gráfico abaixo, que em, 2020, são 59% dos estudantes em curso de EaD contra 41% em cursos presenciais, aproximadamente.
Ademais, as instituições privadas possuem a supremacia das matrículas, um número, por certo, assustador. “Nos cursos de licenciatura registrados em 2018, 37,6% estão em instituições públicas e 62,4% estão em IES privadas” (Ibid., p.25). Já em 2020, 33,6% das licenciaturas estão em instituições públicas e 66,4% estão em IES privadas (INEP, 2020).
Com efeito, a formação inicial de professores no Brasil é ofertada por vários instituições e modalidades de ensino – instituições públicas, privadas, confessionais, cursos presenciais e na modalidade de Educação a Distância (EaD). Gatti et al., (2019) denunciam que muitas instituições não possuem nenhuma tradição com a formação de professores, possuindo, portanto, objetivos diversificados. Ademais conforme as autoras, é importante sinalizar que “[...] as questões mercadológicas associadas à oferta desses cursos, questões que vêm se avolumando ante o movimento crescente de conglomerados educacionais privados com ações em bolsa de valores, cuja motivação básica é o lucro, a consideração do custo, sobrepujando a da qualidade (Gatti et al., 2019, p.44).
Sem dúvida, daqui a algumas décadas os efeitos serão nefastos na qualidade da educação básica, considerando que a educação a distância e o ensino privado vem crescendo de forma aligeirada. Nesse caso, mesmo com os vários programas que vêm sendo implementados para valorizar e melhorar a formação de professores, não será possível uma melhoria substancial na educação brasileira.
Ora, esse cenário, por certo, impactará resultados negativos na educação básica, porquanto, defende-se uma educação pública e de excelência para a formação inicial de professores.
O cenário internacional tem sinalizado que países que investem na formação de professores e na educação possuem melhores indicadores nos resultados de avaliações internacionais. Além disso, a OECD (2018) alerta que os países desenvolvidos valorizam a formação inicial de professores e investem em seu desenvolvimento profissional.
A exemplo, considero relevante destacar os elementos que contribuem para que a Finlândia seja um país reconhecido mundialmente pela qualidade da educação em face dos bons resultados no exame do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, na sigla em inglês) da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) nos anos de 2000, 2003, 2006, 2009 e 2012, 2015, 2018.
Segundo Sahlberg (2015, p.75), “desde os quatro ciclos do Pisa a partir de 2000, a Finlândia tem sido um dos países com melhor desempenho entre todos os estados membros da OCDE”. Para tanto, três fatores contribuem: Igualdade de acesso à educação; conteúdos curriculares focalizam o desenvolvimento de habilidades individuais e holísticas; e a formação de professores.
Nesse cenário, entre outros elementos, a formação de professores é considerada como um dos pilares para a educação de qualidade e do sucesso em avaliações internacionais, como é o caso do PISA. Para tanto, várias foram as políticas educacionais elaboradas nos anos 60 e implementadas a partir dos anos 70. Conforme explica Lavonen7, “as políticas de formação de professores e a escola básica obrigatória foram feitas nos anos finais de 60 e implementadas nos anos 70. Em quase 40 anos de tradição. Investiu-se muito na formação de professores e o grau de mestre é exigido desde os anos 70”. Também Estola, Uitto & Syirjala (2014), com base em Sahlberg (2011), afirmam que a qualidade da formação de professores tem sido vista como um dos fatores que explica o sucesso finlandês no PISA.
Ademais, a formação inicial de Professores, segundo Estola, Uitto & Syirjala (2014), é realizada nas universidades, sendo obrigatória para todos os futuros professores. Para Niemi & Jakku-Sihvonen (2011), por meio de decretos implementados em 1979 e 1995, é exigido que todos os professores obtenham o mestrado. A partir do processo de Bolonha, tal como nos demais países europeus que fazem parte, a formação acontece em dois níveis: um período de três anos para o bacharelado e dois anos para o mestrado, com cursos que qualificam os professores para atuar na educação básica (primária e secundária inferior) e ensino médio.
A objetivar problematizar a inicial de professores no Brasil, à luz de outros contextos, com destaque a experiência finlandesa, de forma a elucidar alguns aspectos do fenômeno da falta de atração e desencanto dos jovens concluintes do ensino médio sobre a profissão docente, que ressoam diretamente no trabalho dos formadores de professores (FP), bem como nos processos educativos da educação básica, pude constatar que se faz urgente a implementação de políticas públicas que contribuam para a melhoria do processo de formação inicial, mas, sobretudo, é pujante a valorização profissional e social dos professores da educação básica.
Estamos vivendo, no Brasil, um cenário perverso, desolador, em que o efeito catastrófico da Covid-19, ausência de valorização docente e de investimento em políticas educacionais para a formação inicial de professores podem, com o tempo, colocar o processo ensino-aprendizagem na educação básica do Brasil em processo de degradação jamais visto. Afinal, como os dados sinalizam, são raros os jovens concluintes de ensino médio que querem ser professores, e, de modo geral, aqueles que adentram à docência, por vezes, não é por desejo de ser professor, e sim por não ter tido nota suficiente para entrar em outro curso com mais status profissional e social, como a medicina, direito, engenharias.
Ademais, o aumento vertiginoso de matrículas em cursos de Licenciaturas em EaD em instituições privadas nem sempre está acompanhado de uma preocupação com processos formativos que visam a excelência e a melhoria da educação básica, ao contrário, por vezes, alinha-se a questões mercadológicas, como afirmam Gatti at al., (2019).
Diferentemente, em países em que a profissão docente é valorizada, tais como a Finlândia, ocorre uma atração por cursos de formação de professores, o que motiva jovens concluintes do ensino médio com boas notas a serem professores, e, por efeito ressonância, os resultados impactam diretamente os processos educativos na educação básica. Não é por nada, conforme afirmei ao longo do texto, que a Finlândia é um dos melhores países em educação do mundo.
Por fim, como propositiva final, acredito ser imprescindível estabelecer políticas educacionais alinhadas às demandas sociais, considerando os resultados de pesquisas atuais, bem como os ideais de formação inicial docente defendidos pelas diferentes representatividades dos docentes, movimentos sociais e entidades, tais como ANPED, ANFOPE, FORUMDIR.
Como citar: Paniago, R. N. (2023). Desencanto pela docência no Brasil: desafio à formação inicial de professores. Revista Tempos e Espaços em Educação, 16(35), e18612. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v16i35.18612
Contribuições dos Autores: Paniago, R. N.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. A autora leu e aprovou a versão final do manuscrito.
Aprovação Ética: Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano. CAAE: 3.956.526.
Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano pelo apoio à pesquisa. Aos participantes da pesquisa, professoras portuguesas supervisoras de pós-doutorado, Teresa Sarmento e Maria Assunção Flores pelas contribuições.
rosenilde.paniago@ifgoiano.edu.br