Artigos
Recepción: 03 Enero 2023
Aprobación: 20 Marzo 2023
Publicación: 09 Mayo 2023
DOI: https://doi.org/10.20952/revtee.v16i35.17433
Resumo: No presente estudo, objetivamos apontar como a noção de professor padronizado implica no recuo da teoria no exercício docente e, consequentemente, provoca a instrumentalização do exercício pedagógico. Caracteriza-se como um estudo bibliográfico quanto aos procedimentos, ancorado no método analítico-dedutivo e de natureza qualitativa. Seu referencial teórico é sustentado, principalmente, por Ball, Maguire e Braun (2016), Fávero e Tonieto (2016), e Masschelein e Simons (2018). Estrutura-se em duas partes. Na primeira, exploramos a concepção de professor instrumentalizado, domado por uma gestão escolar pautada pelo gerencialismo empresarial e pelo recuo da teoria no exercício docente. Na segunda parte, analisamos a concepção presente no boletim “Aprendizagem em Foco”, uma publicação do Instituto Unibanco com periodicidade quinzenal desde 2015. Os números do periódico analisados evidenciam que a qualidade da educação, entendida como o atingimento de metas e indicadores, está quase que exclusivamente ligada à boas práticas de gestão e à instrumentalização do exercício docente, o que deixa a formação continuada e a valorização dos professores em segundo plano.
Palavras-chave: Exercício docente, Mercantilização, Instrumentalização.
Abstract: In the present study, we aim to point out how the notion of a standardized teacher implies a retreat from theory in the teaching practice and, consequently, provokes the instrumentalization of the pedagogical exercise. It is characterized as a qualitative study, bibliographic in terms of procedures and anchored in the analytical-deductive method. Its theoretical framework is mainly supported by Ball, Maguire and Braun (2016), Fávero and Tonieto (2016), and Masschelein and Simons (2018). It is structured in two parts. In the first one, we explore the concept of an instrumentalized teacher, tamed by a school management guided by business managerialism and by the retreat of theory in the teaching practice. In the second part, we analyze the concept present in the journal “Aprendizagem em Foco”, a publication of Instituto Unibanco published fortnightly since 2015. The analyzed journal numbers show that the quality of education, understood as the achievement of goals and indicators, is almost exclusively linked to good management practices and the instrumentalization of teaching practice, leaving continuing education and the appreciation of teachers in the background.
Keywords: Teaching practice, Commodification, Instrumentalization.
Resumen: En el presente estudio, pretendemos señalar cómo la noción de profesor estandarizado implica un alejamiento de la teoría en la práctica docente y, en consecuencia, provoca la instrumentalización del ejercicio pedagógico. Se caracteriza por ser un estudio cualitativo, bibliográfico en cuanto a procedimientos y anclado en el método analítico-deductivo. Su marco teórico se sustenta principalmente en Ball, Maguire y Braun (2016), Fávero y Tonieto (2016) y Masschelein y Simons (2018). Está estructurado en dos partes. En el primero, exploramos el concepto de docente instrumentalizado, domado por una gestión escolar guiada por el gerencialismo empresarial y por el repliegue de la teoría en la práctica docente. En la segunda parte, analizamos el concepto presente en el boletín “Aprendizagem em Foco”, publicación del Instituto Unibanco, que se publica quincenalmente desde 2015. Los números de las revistas analizadas muestran que la calidad de la educación, entendida como el logro de metas e indicadores, se vincula casi exclusivamente con las buenas prácticas de gestión y la instrumentalización de la práctica docente, dejando en un segundo plano la formación continua y la valorización de los docentes.
Palabras clave: Práctica docente, Mercantilización, Instrumentalización.
INTRODUÇÃO
O exercício docente tem sido constantemente tomado por um discurso oportunista de que o bom professor é aquele que consegue conduzir seus alunos para atingir os melhores indicadores em avaliações externas. Dentre elas, destaca-se o desempenho no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, ou até mesmo na aprovação no vestibular em cursos com maior disputa por vagas, como ocorre com a Medicina, por exemplo. Na mesma direção, também está a concepção de que o bom professor é aquele que consegue desenvolver, nos alunos, determinadas competências apreciadas pelo mercado de trabalho ou pelo viés político-cultural dominante. Nesse prelúdio conceitual, a imagem do bom professor está muito mais associada aos aspectos protocolares e de gestão do que, propriamente, a uma compreensão pedagógica do exercício docente.
Esse viés profissional implica na concepção de um professor padronizado, pouco sensível ou indiferente ao que se passa às margens da sala de aula, mas implacável quanto às suas metas e objetivos práticos. Nessa perspectiva, Masschelein e Simons (2018) consideram que esse “professor de portfólio” tem marcas de controle ao lado de todas as subcompetências corretas, ou seja, “[...] ele pensa, permanentemente, em termos de graus de competência”. (Masschelein & Simons, 2018, p. 147). Para esse ideal de professor, perfeitamente treinado, temáticas acadêmicas não são mais o ponto de partida para o desenvolvimento do currículo com vistas ao exercício docente crítico e reflexivo, mas, sim, cada vez mais, a norma é uma estrutura modular baseada em uma lista de competências que atendem aos anseios de uma população dominante, que dita as regras, os caminhos e as direções da escola.
Diante desse contexto, elegemos como problema de pesquisa a seguinte pergunta: Como a noção de professor padronizado provoca o recuo da teoria no exercício docente e, consequentemente, a instrumentalização do exercício pedagógico? Para dar conta desse problema, desenvolvemos um estudo de natureza básica, exploratório quanto aos seus objetivos, qualitativo quanto à abordagem do problema e bibliográfico-documental quanto aos procedimentos. Ele está ancorado no método analítico-dedutivo e o seu referencial teórico é sustentado por Ball, Maguire e Braun (2016), Fávero e Tonieto (2016), Laval (2004) e Masschelein e Simons (2018). Além disso, ele se estrutura em duas partes, a saber: na primeira, exploramos a concepção de professor instrumentalizado, domado por uma gestão escolar pautada pelo gerencialismo empresarial e pelo recuo da teoria no exercício docente; e na segunda parte, analisamos a noção de professor padronizado presente no boletim “Aprendizagem em Foco”, uma publicação do Instituto Unibanco com periodicidade quinzenal desde 2015. Por fim, conduzimos este estudo fazendo a denúncia de que essa noção de professor padronizado, instrumentalizado aliada a esse modelo de gestão e formação estão muito mais voltados para atender às demandas do mercado neoliberal e do gerencialismo empresarial na educação do que, propriamente, para a melhoria da qualidade da educação.
O PROFESSOR TAREFEIRO COMO UM PADRÃO PROFISSIONAL DO GERENCIALISMO EMPRESARIAL
Com o crescente aumento de políticas públicas de descentralização da educação, pautadas, principalmente, no argumento de melhoria da qualidade educacional a partir de indicadores de avaliações de larga escala – tais como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), em âmbito global, e o IDEB, em âmbito nacional –, observa-se uma invasão do gerencialismo empresarial no campo da educação como norma para o alcance desses indicadores que, supostamente, representariam qualidade. Essa concepção tem provocado intensamente a perpetração do setor privado sobre o público, através de parcerias público-privadas não apenas no âmbito da formação continuada dos professores, mas, também, no que diz respeito à gestão das escolas, à infraestrutura e ao fornecimento de materiais didáticos. Além disso, ela assume uma instrumentalização do fazer docente e uma compreensão do professor, majoritariamente, como um executor de tarefas, previamente estabelecidas e com o objetivo de atingir determinados resultados. Tais atividades fazem parte do exercício da profissão, o problema é quando o fazer docente se reduz a elas.
Esses atores internos e externos à escola assumem um papel muito importante na execução das políticas educacionais. As leis, diretrizes e normas não estão simplesmente postas, elas precisam ser interpretadas por esses sujeitos que habitam o universo escolar e que, dessa forma, dão vida ao que chamamos de escola. Essa interpretação não se dá única e simplesmente por um fazer prático, mas por um fazer e compreender teórico que pauta o exercício pedagógico. Dessa forma, Ball, Maguire e Braun (2016) entendem que a teoria é indispensável para a compreensão do trabalho com políticas educacionais e o efeito das políticas no cotidiano da escola.
Todavia, é através das práticas que as políticas são colocadas em ação. Muitas vezes, essas práticas são provenientes de uma interpretação teórica frágil, um tanto banais e rotineiras, como reuniões, eventos educacionais e trocas com abordagens, prescrições e observações que colocam a política reduzida apenas às interações imediatas no cotidiano da escola. Outro aspecto apontado por Ball, Maguire e Braun (2016) como uma interface entre a teoria e a prática são os artefatos da política, como cartazes, textos e outros materiais, tanto para a realização quanto para a representação da política em relação à prática. É nesse âmbito que circulam muitos materiais de apoio para gestores e professores provenientes das parcerias público-privadas, que se configuram como uma espécie de manuais ou cartilhas para a boa execução de práticas escolares. Prescrições que, se seguidas minuciosamente, seriam suficientes e capazes de conduzir a escola ao êxito representado por uma posição no topo dos rankings das avaliações em larga escala.
Entretanto, no âmbito da implementação da política educacional, encontra-se a escola e os seus sujeitos constituintes. Sujeitos que carregam consigo uma bagagem histórica, cultural e social que faz com que cada escola seja única, especial, diferenciada. Ball, Maguire e Braun (2016) definem as escolas como redes precárias de grupos diferentes e sobrepostos de pessoas, de artefatos e de práticas. As escolas são compostas de “[...] coleções de diferentes professores, gestores, tesoureiros, assistentes pedagógicos, orientadores, administradores, estudantes, pais, governadores” (Ball, Maguire & Braun, 2016, p. 201), bem como de outros sujeitos que vivenciam os espaços escolares “[...] com diferentes formas de ‘formação’, histórias discursivas, visões epistemológicas de mundo e compromissos 'profissionais'” (Ball, Maguire & Braun, 2016, p. 201).
Essa heterogeneidade característica do “ambiente escolar” é costumeiramente desconsiderada em propostas gerencialistas que colocam a responsabilidade pelo desempenho dos alunos, exclusivamente, nas escolas e nas ações dos professores, desconsiderando ou silenciando explicações que buscam compreender os processos educativos escolares relacionados ao contexto social e econômico. Fávero e Tonieto (2016) compreendem que esse panorama aponta para um significativo trabalho discursivo e disciplinador, realizado pela pesquisa sobre a eficácia, o que o torna ainda mais premente quando vinculado às noções de responsabilização, avaliação escolar e planejamento de desenvolvimento escolar. “Diante desse panorama, fica fácil compreender as consequências para a pesquisa educacional de um discurso e de uma prática científica calcados na dimensão técnica-instrumental, em que a figura do expert, portador de receitas eficazes, ganha relevância” (Fávero & Tonieto, 2016, p. 235).
Seguindo essa perspectiva, no bojo do conjunto diversificado de atores de política, tecidos em textos e práticas da atuação política, Ball, Maguire e Braun (2016) entendem que há evidências de discursos poderosos de como ser um bom professor, produzir o bom aluno e fazer a boa escola. Esses discursos são incorporados no vasto número de políticas inter-relacionadas que se reúnem para abordar as especificidades e os mecanismos do desempenho escolar. Ball, Maguire e Braun (2016) consideram que, no passado, muitas pesquisas de “implementação” se concentravam no papel e no poder dos diretores, gestores e líderes seniores da escola em relação à sua capacidade de efetuar mudanças. Essas análises costumam ignorar o trabalho de todos os outros atores da política (e sujeitos da política) que compõem a escola, tais como alunos, professores e pais.
Esse tipo de abordagem tem ganhado um novo impulso com a interface entre o público e o privado, principalmente no âmbito da gestão educacional. Geralmente, essas abordagens reducionistas são apoiadas em estudos empíricos frágeis, pautados por amostras específicas, tomadas intencionalmente para provar o êxito de determinada política ou ação pedagógica. Conforme Fávero e Tonieto (2016), o desenvolvimento de estudos educacionais seguindo uma vertente empirista racionalista branda tem acarretado prejuízos significativos às pesquisas teóricas. Além disso, o rigor científico associado às pesquisas com cunho político, social e moral vem perdendo seu espaço no contexto científico, demonstrando que as dimensões técnicas e instrumentais estão se sobressaindo e contrariando desfavoravelmente os processos científicos intelectuais e críticos.
No âmbito dessas concepções, Fávero e Tonieto (2016) esclarecem que muitas pesquisas têm percorrido um trajeto que desconsidera os processos e contextos presentes nos cotidianos escolares, sendo eles sociais e econômicos. Essas ações responsabilizam inteiramente as escolas e seus profissionais, ignorando o percurso trilhado pelo estudante, seu capital cultural, o lugar e as condições em que ele vive. A investigação rigorosa e legítima perde espaço em detrimento de análises científicas que vinculam a excelência educacional aos resultados, rankings e receitas prontas que dizem ser eficazes. É nessa perspectiva que Ball (2011) denuncia esse gerencialismo da escola como forma de obter os resultados esperados para determinadas finalidades. “Virar-se com desenvoltura pode não incluir capacidade crítica e criativa, apenas habilidade de resolver problemas de modo imediato e espontâneo, oferecer soluções, receitas para as ‘más escolas’ se transformem em ‘boas escolas’ por meio de práticas eficientes e eficazes” (Ball, 2011, p. 87).
Formar um professor padronizado, portanto, implica em um perfil profissional insensível ou indiferente ao que se passa às margens da sala de aula. Na perspectiva do gerencialismo empresarial, o bom professor é aquele de portfólio, conforme apontado por Masschelein e Simons (2018). “É o professor que como um gerente, exerce um contínuo automonitoramento do capital adquirido em seu portfólio e dos seus pontos fortes e fracos” (Masschelein & Simons, 2018, p. 147). Assim, entendemos que o professor deixa de servir à educação como uma prática de liberdade, de emancipação e transformação social (Freire, 2011) para ser um agente do mercado e para ser colonizado pelo próprio mercado, assim como para servir aos interesses de grupos econômicos que veem a educação como um negócio, ou seja, que veem a escola como uma empresa e o conhecimento como um produto.
Um professor padronizado é aquele que se afasta dos valores pedagógicos e aproxima sua atuação profissional dos valores empresariais. De acordo com Laval (2004), essa postura docente busca alinhar sua atuação e proposta pedagógica ao discurso das competências necessárias ao mercado de trabalho, que são valorizadas pelo mundo empresarial. Isso é buscar um distanciamento dos valores pedagógicos e uma aproximação dos valores empresariais, tais como competitividade e inovação.
É nessa perspectiva que toda gestão escolar pautada pelo viés gerencialista empresarial compreende o professor como um executor de tarefas, previamente estabelecidas e com o objetivo de atingir determinados resultados. Em relação à formação continuada oferecida a esses professores, Masschelein e Simons (2018) consideram que, nesse viés instrumental, acaba se criando um ideal de professor perfeitamente treinado. Dessa forma, “[...] os assuntos com um fundo mais ou menos acadêmico não são mais o ponto de partida para o desenvolvimento do currículo dentro do treinamento do professor. Cada vez mais, a norma é uma estrutura modular baseada numa lista de competências” (Masschelein & Simons, 2018, p. 149).
Diante desse cenário de padronização docente proveniente de modelos de gestão escolar pautados pelo gerencialismo empresarial, propomo-nos a analisar, na seção seguinte, a noção de “bom professor” presente no boletim “Aprendizagem em Foco”, uma publicação do Instituto Unibanco com periodicidade quinzenal, que tem seu foco justamente voltado para a gestão escolar. Criado em 1982, o Instituto Unibanco é responsável pelo investimento social privado do conglomerado Itaú Unibanco. O instituto tem como objetivo “[...] atuar pela melhoria da educação pública no Brasil por meio da gestão educacional para o avanço contínuo”1. Ele apoia e desenvolve soluções de gestão para aumentar a eficiência do ensino nas escolas públicas no que tangencia às metas e indicadores de qualidade e, mais recentemente, como destacado por Caetano (2019), ele exerceu influência direta na elaboração da Reforma do Ensino Médio e na elaboração da Base Nacional Comum Curricular.
O PROFESSOR PADRONIZADO PELOS ARTEFATOS DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: O EXEMPLO DO PERIÓDICO “APRENDIZAGEM EM FOCO”, DO INSTITUTO UNIBANCO
Como analisado na seção anterior, tanto Ball, Maguire e Braun (2016) como Fávero e Tonieto (2016) deixam o indicativo de que o leque de prescrições para o sucesso das práticas escolares tem focado, principalmente, na gestão da escola e da aula, sugerindo práticas e métodos importados do ambiente empresarial. Essas práticas, geralmente carentes de um consistente respaldo teórico, são uma espécie de manuais de como treinar professores e alunos para atingirem determinados resultados. Dessa forma, não são necessários grandes exercícios reflexivos, basta que sejam seguidos os caminhos apontados por esses manuais.
Nesse sentido, Ball, Maguire e Braun (2016) destacam que esses manuais, muitas vezes, caracterizam-se como artefatos das políticas educacionais, uma vez que promovem a interface entre a teoria e a prática. É no cerne desse princípio que está o boletim Aprendizagem em Foco, do Instituto Unibanco. O periódico é uma publicação quinzenal do Instituto Unibanco com o objetivo de aprofundar os debates sobre o contexto educacional brasileiro e colocar em pauta temas relevantes para a discussão de políticas públicas. O boletim foi lançado em novembro de 2015 e já ultrapassou a marca de 60 edições. Em sua trajetória, abordou assuntos como reprovação, evasão, avaliação, entre muitos outros temas, sempre com especial atenção ao papel do gestor.
O seu conteúdo, como característico do espectro gerencialista empresarial (Laval, 2004, Fávero & Tonieto, 2016), é ancorado em evidências empíricas, pesquisas brandas e na avaliação de experiências nacionais e internacionais. O periódico Aprendizagem em Foco é mais uma interface do Instituto Unibanco com a educação pública, servindo, implicitamente, como um menu de apresentação de seu portfólio de produtos e ações, que vão desde a oferta de serviços de gestão, formação continuada até mesmo à própria participação na elaboração das políticas educacionais, como bem nos mostram Silva (2018) e Fávero e Consaltér (2020).
Para nossa análise, optamos por um recorte a partir dos títulos das edições, utilizando como critério a presença dos seguintes descritores: “professores e/ou professor”, “diretor e/ou diretores”, “aluno e/ou alunos” e “aprendizagem e/ou aprendizagens”. A partir desse mecanismo de corte e seleção, selecionamos um montante de 05 edições, as quais passamos a analisar na sequência.
Em sua edição inaugural, em novembro de 2015, o periódico traz como pauta principal “O que faz um bom diretor para melhorar o desempenho dos alunos?” De acordo com o texto, é preciso instituir três fatores primordiais, são eles: i) possibilitar momentos de capacitação e participação dos docentes; ii) estreitar as relações, permear os espaços com positividade e solidificar a confiança; iii) alcançar a qualidade do professor por meio da supervisão das práticas pedagógicas em sala de aula.
Esses três fatores externalizam o princípio do professor executor de tarefas. Primeiro, os docentes devem ser submetidos à “capacitação”. Ou seja, o treinamento necessário para bem reproduzirem em sala de aula as diretrizes estabelecidas pelo plano de trabalho da apostila ou das normas de gestão. Em segundo lugar, como aponta o periódico, é primordial conquistar a confiança dos professores, de modo que não apresentem resistência à proposta que se deseja implantar. Por fim, a terceira condição é estonteante e aponta que a qualidade do professor está diretamente relacionada à supervisão de suas práticas em sala de aula. Em outras palavras, espera-se um professor executor de tarefas, não pensante e obediente às normas impostas pela gestão da escola, que, nesse caso, fundamenta-se pelo princípio do gerencialismo empresarial. Essa percepção reafirma a crítica de Masschelein e Simons (2018) ao gerencialismo empresarial na educação, em que o exercício docente é reduzido a uma estrutura modular baseada em uma lista de competências, criando, assim, um ideal de professor perfeitamente treinado.
A sequência do texto aponta alguns caminhos para o êxito escolar a partir de Anthony Mcnamara – segundo o periódico, profissional reconhecido pela liderança eficaz e pelos resultados obtidos pelos estudantes, o qual apresentou esses dados no seminário “Caminhos para a qualidade da educação pública: gestão escolar”, evento, esse, também coordenado pelo Instituto Unibanco, no ano de 2015.
A Figura 01 é utilizada no periódico para ilustrar as dimensões fundamentais para condução dos estudantes aos melhores resultados. Dentre as dimensões apontadas, destacam-se duas: utilizar os recursos existentes de forma qualificada e estabelecer metas e expectativas para alcançar os efeitos desejados. O primeiro, parte do pressuposto que todas as escolas possuem recursos adequados para serem utilizados a serviço dos processos de aprendizagem, deixando-se de lado os contextos desfavorecidos, como, por exemplo, aqueles em que há infraestrutura precarizada e a escola situa-se em áreas periféricas e de violência.
O segundo, demonstra-se, mais uma vez, vinculado à lógica empresarial ao estabelecer metas e objetivos que resultam em “bons resultados”, preconizando a prática docente. Nesse caso, evidencia-se a concepção de instrumentalização dos professores, os quais precisam seguir estratégias e lógicas engessadas, baseadas em uma visão geral que desconsidera os contextos e os indivíduos dos processos. Essa concepção ratifica o postulado por Ball, Maguire e Braun (2016) de que as políticas educacionais, muitas vezes, são colocadas em prática através de uma interpretação teórica frágil, um tanto banais e rotineiras, com prescrições e observações que colocam a política nas interações imediatas e íntimas no cotidiano da escola.
Ainda no escopo da edição inaugural, articula-se e desenvolve-se a ideia da necessidade de “Quebrar as muralhas”. Nesse caso, entende-se muralhas como as salas de aula e as práticas pedagógicas desenvolvidas nelas. A ideia de que as aulas devem ser observadas, ou melhor, supervisionadas, como uma forma de verificar o que os docentes têm ensinado e praticado em sala de aula vem atrelada ao discurso da busca pela qualidade da aprendizagem. Dessa forma, para subsidiar a argumentação sobre a prática evasiva e de fiscalização autoritária do trabalho docente, o periódico apresenta dados do Banco Mundial o qual afirma que “[...] boa parte do tempo de aula era desperdiçado com tarefas não relacionadas à aprendizagem do estudante” (2015, p. 3).
Nesse sentido, o periódico apresenta uma série de dados e aponta que, após a observação de mais de 15 mil salas de aula em sete países da América Latina e Caribe, pesquisadores do Banco Mundial identificaram que boa parte do tempo de aula era desperdiçado com tarefas não relacionadas à aprendizagem do estudante. Assim, sugere-se que um bom professor deve dedicar pelo menos 85% do tempo de uma aula para ensinar e perder apenas 15% com tarefas burocráticas, como fazer chamada ou manter a disciplina. Contudo, o estudo aponta que, no Brasil, apenas 65% do tempo de aula era dedicado às atividades de ensino. Os pesquisadores do Banco Mundial chegaram a constatar, em várias escolas, uma grande variação da qualidade da aula. Em uma escola de Minas Gerais, com bons resultados, por exemplo, indica-se que existiam docentes que conseguiam dedicar 100% do tempo de aula ao aprendizado, enquanto colegas do mesmo estabelecimento não passavam de 40%. Em outra, a variação era de 20% a 80%. O mesmo fenômeno já havia sido captado em uma pesquisa de 2010 do Instituto Unibanco e do Ibope Inteligência, que analisou a audiência do Ensino Médio ao observar, em profundidade, o cotidiano de 18 escolas de três grandes regiões metropolitanas. “Em algumas escolas, 89% do tempo de aula previsto foi de fato realizado. Em outras, o percentual foi de apenas 52%. Na média do grupo analisado, foram 71%” (Aprendizagem em foco, 2015, p. 3).
As aulas, conforme defende o periódico do Instituto Unibanco, devem dedicar-se integralmente às atividades de ensino e aprendizagem, porém percebe-se que o desenvolvimento cidadão, a análise crítica e responsável e os valores pedagógicos são totalmente desconsiderados nos movimentos de atuação dos professores, o que aponta para indícios da lógica empresarial e mercadológica que monopoliza os contextos educacionais. De acordo com o desenvolvimento da publicação, entendemos que a resposta da pergunta – “O que faz um bom diretor para melhorar o desempenho dos alunos?” – a qual intitula o texto é, justamente, a instrumentalização dos professores, a fiscalização e os condicionantes que padronizam os sujeitos, que limitam suas ações que contribuem para um ensino automatizado, o qual desqualifica os agentes e os processos educacionais.
Na edição de número 08, de abril de 2016, o artigo em destaque intitula-se “Como utilizar as avaliações externas para melhorar a aprendizagem”. De acordo com o editorial, ter como instrumento quantificável da qualidade do ensino os resultados obtidos por meio das avaliações externas, foi uma das conquistas mais importantes dos últimos 20 anos. Na sequência, o artigo apresenta uma relação de avaliações externas no âmbito nacional e cita um fator central em relação às avaliações, respaldado no discurso de que algumas instituições e redes utilizam-se dos resultados obtidos como balizadores de qualidade. O periódico ressalta que as avaliações não devem ser utilizadas “exclusivamente” para a elaboração de rankings e preparação reduzidas a testes. No entanto, observa-se que instituições e redes de ensino têm se dedicado à preparação dessas avaliações, buscando os melhores resultados e desconsiderando os contextos existentes em cada realidade, bem como suas trajetórias e singularidades. A exploração desses resultados, vende a ideia de “melhores escolas” com os “melhores professores” e “melhores alunos”, essas compreensões “[...] são incorporadas em uma determinada representação moral (e visual) do sujeito” (Ball, Maguire & Braun, 2016, p. 177).
Além disso, esse acompanhamento, relacionado aos resultados e aos títulos alcançados, trata-se de uma estratégia de controle de desempenho que se associa a um movimento de comparação entre os sujeitos e os espaços escolares vinculado ao discurso de que esses resultados são importantes para a melhoria da qualidade do ensino (Ball, Maguire & Braun, 2016). Isso demonstra a movimentação para uma educação voltada ao crescimento econômico e restritiva quanto à perspectiva sensível e reflexiva da sociedade (Nussbaum, 2015).
A análise e o acompanhamento qualitativo dessas avaliações e testes externos são importantes, todavia, é perceptível que muitas instituições que alcançam os melhores resultados dedicam-se às práticas de ensino voltadas ao preparatório dessas provas e testes externos, como, por exemplo, os colégios militares e as escolas particulares. Nesse sentido, Ball, Maguire e Braun (2016, p. 194) afirmam ser esse “[...] um projeto político para a educação em relação à competitividade nacional e as forças e o discurso da globalização. Isso pressupõe tornar os alunos (e os professores e todos nós) em cidadãos economicamente úteis”.
Ainda na edição de n° 8, uma passagem chama atenção. Na seção intitulada “Avaliar é preciso”, indica-se que “[...] o uso gerencial das avaliações é de extrema relevância para uma gestão comprometida com a qualidade e a equidade da educação” (Aprendizagem em foco, 2016a, p. 4, grifo nosso). Embora o discurso político apresente fatores primordiais da educação, como qualidade e equidade, verifica-se a presença do discurso empresarial ao respaldarem a supervalorização dos resultados em avaliações de larga escala, o que tem contribuído para redução de espaços de análise, de discussão e de reflexão, o que desvincula a educação da cidadania.
A edição de n° 31, de julho de 2017, recebe como manchete intitulada “Equidade: os alunos que mais precisam têm os melhores professores?”. A problemática, de fato, é pertinente e necessária para o contexto escolar. Ao desenvolver essa questão, introduz-se o conceito de equidade e a sua importância para o contexto social atual. Porém, alguns dados e argumentos chamam atenção, como, por exemplo, o fato do periódico apontar a inexperiência dos professores e gestores como um elemento determinante para a iniquidade educacional. Sem considerar a necessidade de formação continuada de qualidade para esses profissionais, a reportagem considera mais adequado que os gestores indiquem os professores mais capacitados e experientes, nas palavras do periódico, “os melhores professores”, para as turmas com maiores dificuldades. Essa manobra tentaria driblar a necessidade da formação continuada e buscar uma saída imediata para um problema que exige uma solução a longo prazo e deve passar por bons projetos de formação continuada.
Nesse viés, de acordo com Masschelein e Simons (2018, p. 140) “[...] a experiência do professor é geralmente traduzida como ‘competência’, isto é, como (supostos) conhecimentos e habilidades e atitudes que podem ser empregados para realizar tarefas concretas”. Os autores ainda ressaltam que, nessa perspectiva, os critérios tecnicistas relacionados à eficiência e à eficácia sobrepõem a educação moral, humanizadora e afetiva.
Porém, o periódico faz uso de uma pesquisa realizada pela Fundação Lemann, utilizada como referência teórica na edição, que aponta que as escolas com realidade econômica favorável (escolas majoritariamente privadas) dispõem de baixos índices de professores formados há menos de 8 anos e as escolas com realidade econômica desfavorecida (escolas públicas) possuem alta porcentagem de professores e gestores recém formados. Os dados evidenciam a tendência de o periódico apontar que as escolas devem adotar estratégias para lidar com a suposta “falta de experiência” dos professores em início de carreira, dado que pode ser tomado mais pelo viés técnico-instrumental do que pelo viés da formação continuada desses profissionais.
A saída pelo viés técnico-instrumental parece ser um atalho para um problema complexo, que demanda estudo e compreensão não apenas dos desafios que se colocam ao professor novato, mas, também, da compreensão sociocultural em que os alunos estão inseridos. Uma saída padrão para um problema tão diversificado, que pode se apresentar com diferentes facetas em cada escola, parece não ser a saída mais adequada para quem busca qualidade educacional. Nesse sentido, Ball, Maguire e Braun afirmam que “[...] as escolas não são uma peça, elas são complexamente estruturadas e culturalmente diversificadas” (2016, p. 138) e essas diversificações e “[...] distribuições também produzem espaços de evasão e criatividade e diferentes formas de ser professor e fazer ensino - diferentes possibilidades de atuação” (2016, p 138).
Todavia, não podemos desconsiderar que o embasamento central do periódico está constituído na perspectiva da instrumentalização e do gerencialismo, tal qual se a escola fosse uma empresa, que precisa atingir metas, indicadores e, é claro, gerar lucros (Laval, 2004). Por isso, o periódico argumenta que os professores recém formados perdem muito tempo com atividades administrativas e relacionadas ao comportamento dos estudantes. Além disso, aponta que “[...] os novatos também se mostram menos confiantes em relação ao seu domínio sobre os conteúdos a serem ensinados, práticas pedagógicas ou no gerenciamento da turma” (Aprendizagem em foco, 2017, p. 3). Esses elementos justificariam a necessidade e eficácia de um gerencialismo firme, com diretrizes sólidas e claras para esses profissionais, de modo a apontar um caminho padrão que garantisse uma boa desenvoltura profissional. Isso é o culto ao portfólio, ao receituário de como fazer escola e como exercer docência.
É nesse sentido que o periódico do Instituto Unibanco sugere aos gestores que o “[...] caminho ideal a seguir nesses casos é buscar o convencimento do corpo docente, trazendo o debate da equidade para dentro da escola”, responsabilizando os professores pela regência das turmas e tratando as dificuldades dos docentes iniciantes como uma questão de ajuste, uma vez que supõe que os melhores e mais experientes sejam convencidos a assumirem as turmas com mais dificuldades. Esse convencimento refere-se ao fato de os gestores persuadirem os “melhores professores” a assumirem as “piores turmas” para qualificar e conquistar a equidade – temática desenvolvida nessa edição – em todas essas “posições oficiais”, há suposições sobre “como” fazer escola e “para que” é a escola e “como ela deve ser” (Ball, Maguire & Braun, 2016, p. 182).
O discurso, reducionista ainda alude que os professores recém formados não possuem a qualificação pretendida para alcançar os resultados desejados. Masschelein e Simons (2018) contribuem com a discussão ao afirmarem justamente o contrário, que os educadores não podem ser reduzidos à qualificação, tempo de serviço ou meras habilidades. Os professores possuem uma “arte”, uma função especial de envolver, criar foco e apresentar o novo, fazer algo existir aos estudantes, de olhar e perceber as dificuldades a partir de diferentes perspectivas e pontos de vista. “Essa não é uma arte que os professores podem possuir por meio do conhecimento ou habilidades. É uma arte incorporada e, assim, uma arte que corresponde a uma maneira de vida” (Masschelein & Simons, 2018, p. 135).
Avançando na nossa análise, na edição de número 49, de março de 2019, o periódico destaca como matéria de capa “As lições dos quatro estados líderes no IDEB”. Conforme o editorial, Goiás, Espírito Santo, Pernambuco e Ceará tiveram esses resultados como fruto de políticas próprias no ensino médio, mas em comum, entre todos os estados, está a gestão com foco nos resultados de aprendizagem combinada com apoio intensivo às escolas.
Dos quatro estados analisados, três – Goiás, Espírito Santo e Ceará – têm parceria com o Instituto Unibanco. Conforme o editorial, os gestores desses estados citam o conceito de corresponsabilização, muito trabalhado no programa Jovem de Futuro, como estratégia fundamental para que as escolas se sentissem apoiadas – em vez de meramente cobradas – pelas secretarias para alcançar as metas pactuadas.
O Projeto Jovem de Futuro (PJF) utiliza o conceito de Gestão Escolar para Resultados (GEpR), cuja ideia básica busca apresentar, para os gestores escolares, estratégias e instrumentos que tornem seu trabalho mais eficiente e mais produtivo. Seus princípios orientam um trabalho com foco nos resultados de ensino e de aprendizagem. A proposta sugere a integração de diferentes processos e ferramentas de gestão escolar, a mobilização de recursos humanos, a articulação de recursos técnicos, materiais e financeiros, a divisão de responsabilidades e a adoção de sistemas de informação voltados para o monitoramento, para o controle e para a avaliação. Isso ocorre através da formação de professores, gestores e supervisores das redes, bem como através da construção dos planos de ação com foco na Gestão Escolar para Resultados que fazem a intervenção na escola. Para Peroni e Caetano (2016), o PJF induz as escolas e a educação pública ao gerencialismo, naturalizando a lógica empresarial e alterando o conteúdo da proposta educacional. Portanto, é a gestão dos sistemas e das escolas que executa as práticas inspiradas na perspectiva mercantil: controle, eficiência, eficácia, resultados e produtividade.
De modo geral, o boletim Aprendizagem em Foco evidencia uma concepção de professor padronizado, controlado e orientado a partir dos mecanismos de gestão escolar. Essa concepção é externalizada no seu boletim número 19, de outubro de 2016, quando traz estampado em seu editorial a capa da revista britânica “The Economist”, que tem como manchete principal a frase “How to make a good teacher?” (Como formar/“fazer” um bom professor?):
Considerando que a revista The Economist possui como escopo as publicações voltadas às temáticas relacionadas ao livre comércio, associando o panorama economicista a diversos conteúdos como agricultura, política e educação, percebe-se que o periódico Aprendizagem em Foco ilustra e relaciona a formação docente como algo protocolar. Um bom professor, nesse sentido, não é fruto de uma consistente formação, mas, sim, de práticas eficazes de modelagem e de treinamento de acordo com determinados objetivos.
Nesse sentido, “fazer um bom professor” significa elaborar as melhores estratégias de treinamento, capacitação e modelagem dos professores de acordo com os objetivos da gestão da escola. Em tal perspectiva, o periódico destaca a matéria da The Economist que aponta o Brasil como um dos países em que há menor proporção de diretores/gestores, afirmando haver em sua escola algum tipo de programa específico para adaptação dos professores novatos – os que estão iniciando sua carreira docente. Esse cenário evidencia a necessidade de a gestão escolar se preocupar com essa capacitação dos professores iniciantes considerando, principalmente, a precária formação inicial que muitos cursos de licenciatura oferecem. Essa formação parte de um pressuposto técnico e instrumental de exercício docente como um ajuste, uma adaptação. Todo o cunho mais teórico e reflexivo pode ser dispensado quando o objetivo é capacitar, em curto prazo, para executar tarefas docentes, e não o pleno exercício docente em sua dimensão crítico e reflexiva.
De forma geral, a análise do Aprendizagem em Foco evidenciou que, na concepção do periódico, a qualidade da educação está diretamente relacionada às práticas de gestão que estão muito mais próximas do universo empresarial e mercantil do que propriamente à gestão escolar. As ações pautadas nas edições analisadas nos permitem esse diagnóstico, conforme estampa o Quadro 01.
O diagnóstico traçado no Quadro 01 aponta para um viés editorial que exime a autonomia do professor, a sua capacidade crítica e criativa, uma vez que o seu trabalho é entendido como sendo um mero executor de tarefas predeterminadas pela gestão escolar. Nesse sentido, o bom professor é o professor padronizado, domado. Aquele que, como um bom executor de tarefas, cumpre a cartilha, forma seus alunos em escala, apagando as subjetividades, desafios e potencialidades de cada um. Metaforicamente falando, a sala de aula se torna uma linha de montagem, em que o professor é o operador – que pode ser substituído a qualquer momento – e os alunos são o produto dessa montagem, modelagem em massa.
Uma equação simples basta para estampar o receituário que o periódico infere como requisitos para o sucesso:
Essa equação, apresentada no Quadro 02, emanada de um discurso simplista, está consolidada nesse tipo de literatura, amplamente difundida e consumida por professores, que parece assegurar um caminho menos tortuoso, emblematizar suavidades e levezas ao professor submerso em uma realidade desgastante. O professor padronizado não precisa de formação continuada. Ele precisa apenas de treinamento. Dessa forma, a gestão seleciona os indicadores e as metas que devem ser alcançadas, traça as estratégias e, a partir de então, seleciona ou elabora o melhor pacote de treinamento para professores. Ela faz isso como se não existissem variáveis externas, como se seu alunado configurasse uma população homogênea e como se todos tivessem os mesmos anseios em relação à escola. Além disso, deixa-se explicita a visão de alunos enquanto sujeitos passivos no processo de aprendizagem, negando sua autonomia e capacidade de constituírem-se como protagonistas de sua caminhada escolar e processo de aprendizagem.
Em um país com tamanha diversidade como o Brasil, propostas homogêneas como essa ratificam a concepção de educação apenas para uma elite e da perpetração do neoliberalismo na escola. Isso implica a instituição de um novo modo de compreender e gerir a educação, pautada pela concorrência, por metas e indicadores, por mecanismos de seleção e exclusão e por programas padronizados para atingir um maior número de pessoas a um menor custo. A gestão escolar é substituída, em um processo contínuo e gradativo, por uma nova gestão, assimilável à gestão de uma empresa.
A partir da noção de escola e de professor presente no Aprendizagem em Foco é possível afirmar, assim como Nussbaum (2015, p. 21), que se essa tendência persistir, ao invés de consolidarmos uma sociedade democrática, em breve vão produzir-se pelo mundo inteiro gerações de “[...] máquinas úteis, dóceis e tecnicamente qualificadas”, em vez de cidadãos realizados, capazes de pensar por si próprios, de pôr em causa a tradição e de compreender o sentido do sofrimento e das realizações dos outros.
CONCLUSÃO
Após a análise das edições do periódico Aprendizagem em Foco, evidenciou-se um editorial que prioriza a importância de investir em gestão em detrimento de formação. Além disso, pressupõe-se que o sucesso e o desempenho escolar estão diretamente relacionados às boas práticas de gestão e a formação dos professores, por sua vez, é compreendida como um processo de adaptação à diretriz de gestão da escola. O escopo do periódico ratifica tanto a noção de “professor de portfólio”, apontada por Masschelein e Simons (2018), ou seja, um professor que tem marcas de controle ao lado de todas as subcompetências corretas, como também confirma o que Ball, Maguire e Braun (2016) definem como artefatos da política, materiais que fazem uma interface entre a teoria e a prática, tanto para a realização quanto para a representação da política em relação à prática.
Artefatos que, como apontado por Fávero e Tonieto (2016), desconsideram os processos e contextos presentes nos cotidianos escolares, fazendo a investigação rigorosa e legítima perder espaço para esses materiais, que, pretensiosamente, pautam o exercício docente a partir de pesquisas com vertente empirista-racionalista branda e que vinculam a excelência educacional a resultados, rankings e receitas prontas que dizem ser eficazes. Esses artefatos das políticas são consumidos por professores e gestores como se representassem algo sofisticado, material de qualidade e como um diferencial ofertado pelas escolas, digno de reconhecimento e destaque. Porém, carregam em suas retóricas uma fragilidade conceitual e teórica que legitima o professor padronizado e reduzem sua prática à execução de tarefas pré-definidas pelo seu “gestor”, legitimando o recuo da teoria nos processos de ensino e aprendizagem.
Além disso, é possível denunciar que o periódico analisado não aborda a precária estrutura física e pedagógica das escolas, tais como materiais didáticos, conectividade, banheiros, bibliotecas, acessibilidade e laboratórios. Ele desconsidera o salário e a carreira docente, as condições precárias de vida e vulnerabilidade de muitos estudantes brasileiros e as grandes dificuldades enfrentadas por muitos alunos para estarem na escola, tais como a violência e as dificuldades de acesso. Dessa forma, é impossível falar em qualidade de educação sem considerar esses fatores, os quais ficam à margem de artefatos como o Aprendizagem em Foco, evidenciando uma visão padronizada, redutivista e instrumentalizada de educação, típica do espectro neoliberal (Laval, 2004).
Por fim, entendemos que o propósito de materiais como os analisados neste estudo ratifica a perspectiva apontada por Ball, Maguire e Braun (2016), de que “virar-se com desenvoltura”, no viés do gerencialismo empresarial na educação, parece definitivamente não incluir capacidade crítica e criativa, isto é, isso inclui, apenas, certa “[...] habilidade de resolver problemas de modo imediato e espontâneo, oferecer soluções, receitas para que as ‘más escolas’ se transformem em ‘boas escolas’ por meio de práticas eficientes e eficazes” (Ball, 2011, p. 87). Nesse sentido, o bom professor, o professor padronizado, não precisa de formação continuada e autoformação, apenas treinamento, pois sua subjetividade e seu ímpeto investigativo não cabem dentro de um molde docente elaborado pelo mercado, pelo espectro neoliberal, que vê o professor como um servidor, como um colaborador, que deve ser dócil e zeloso no exercício de sua prestação de serviços.
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas de autor
evandroconsalter@gmail.com
Información adicional
Como citar: Consaltér, E., Bellenzier, C. S., & Fávero, A. A. (2023). O professor padronizado: análise do gerencialismo docente no periódico “Aprendizagem em Foco” do Instituto Unibanco. Revista Tempos e Espaços em Educação, 16(35), e17433. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v16i35.17433
Contribuições dos Autores: Consaltér, E.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Bellenzier, C. S.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Fávero, A. A.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.