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Dança e movimento expressivo numa prisão feminina - um tempo pra um novo espaço interno

Dance and expressive movement in a female prison – a time for a new internal space

Danza y movimiento expresivo en una prisión de mujeres – tiempo para un nuevo espacio interno

Meire Silvana S. Farias 1
Universidade de Évora, Portugal
Graça Duarte Santos 1
Universidade de Évora, Portugal

Dança e movimento expressivo numa prisão feminina - um tempo pra um novo espaço interno

Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 16, núm. 35, e18371, 2023

Universidade Federal de Sergipe

Revista Tempos e Espaços em Educação 2023

Recepción: 03 Enero 2023

Aprobación: 12 Marzo 2023

Publicación: 11 Mayo 2023

Resumo: Diante dos fatores de risco para o comportamento ofensor, do histórico de vida e das “dores do aprisionamento”, com os quais convivem as mulheres detentas, o presente estudo teve como objetivo investigar os efeitos de uma intervenção de Dança Criativa e Movimento Expressivo na Imagem do Corpo, Autoestima e Comportamentos agressivos de mulheres presidiárias. Partiu-se do pressuposto de que a prisão é uma instituição educativa por causa da transversalidade das práticas sociais ali desenvolvidas. Trata-se de um estudo através do método quase-experimental randomizado com abordagem quantitativa, tendo como instrumentos de pesquisa o Questionário de Imagem Corporal de Bruchon-Schweitzer, a Rosenberg Self-Esteen Scale e o Questionário de Agressividade de Buss-Perry, e uma abordagem qualitativa através de uma análise de conteúdo. Participaram do estudo 20 detentas, com idade entre 25 e 45 anos, subdivididas em grupo experimental e controle. Conforme os escores mensurados, verificou-se uma média da imagem corporal total favorável, porém, os resultados quantitativos da intervenção apontaram uma significância somente na dimensão corpo fechado e acessível da imagem do corpo. Com relação à autoestima, a média encontrada ratifica uma baixa autoestima e os dados mensurados não foram significativos. Sobre a agressividade, os dados indicaram uma significância na hostilidade. Na análise qualitativa, todas as variáveis foram significativas. Os dados finais sugerem uma ampliação dos estudos com amostra maior e abordagem quantitativa.

Palavras-chave: Conhecimento, Dança, Prisão, Reabilitação.

Abstract: Faced with the risk factors for offending behavior, life history and the "pains of imprisonment", with which women inmates live, the present study aimed to investigate the effects of an intervention of Creative Dance and Expressive Movement in the Image of the Body, Self-Esteem and Aggressive Behaviors of Female Prisoners. It was assumed that the prison is an educational institution due to the transversality of the social practices developed there. This is a study through a randomized quasi-experimental method with a quantitative approach, having as research instruments the Bruchon-Schweitzer Body Image Questionnaire, the Rosenberg Self-Esteen Scale and the Buss-Perry Aggression Questionnaire, and a qualitative approach through content analysis. The study included 20 inmates, aged between 25 and 45 years, subdivided into experimental and control groups. According to the scores measured, there was a favorable average of total body image, however, the quantitative results of the intervention showed a significance only in the closed and accessible body dimension of the body image. With respect to self-esteem, the average found confirms a low self-esteem and the measured data were not significant. On aggressiveness the data indicated a significance in hostility. In the qualitative analysis, all variables were significant. The final data suggest an expansion of studies with a larger sample and a quantitative approach.

Keywords: Knowledge, Dance, Prison, Rehabilitation.

Resumen: En vista de los factores de riesgo para la conducta delictiva, la historia de vida y las "dolores de prisión", con las que viven las mujeres privadas de libertad, el presente estudio tuvo como objetivo investigar los efectos de una intervención de Danza Creativa y Movimiento Expresivo en la Imagen del Cuerpo, Autoestima y Comportamientos Agresivos de Mujeres Reclusas. Se asumió que la prisión es una institución educativa debido a la transversalidad de las prácticas sociales que allí se desarrollan. Se trata de un estudio a través de un método cuasi-experimental aleatorizado con enfoque cuantitativo, teniendo como instrumentos de investigación el Cuestionario de Imagen Corporal de Bruchon-Schweitzer, la Escala de Autoestima de Rosenberg y el Cuestionario de Agresión de Buss-Perry, y un enfoque cualitativo a través del análisis de contenido. El estudio incluyó a 20 internos, con edades entre 25 y 45 años, subdivididos en grupos experimentales y de control. De acuerdo con los puntajes medidos, hubo un promedio favorable de imagen corporal total, sin embargo, los resultados cuantitativos de la intervención mostraron una significancia solo en la dimensión cuerpo cerrado y accesible de la imagen corporal. Con respecto a la autoestima, el promedio encontrado confirma baja autoestima y los datos medidos no fueron significativos. Sobre agresividad los datos indicaron significación sobre hostilidad. En el análisis cualitativo, todas las variables resultaron significativas. Los datos finales sugieren una ampliación de los estudios con una muestra mayor y un enfoque cuantitativo.

Palabras clave: Conocimiento, Baile, Prisión, Rehabilitación.

INTRODUÇÃO

Atualmente, é alarmante o quantitativo de mulheres que adentram o sistema penitenciário no Brasil e no mundo (Andrade et al., 2018; FGV DAPP, 2018), tornando relevantes pesquisas que visam a uma melhoria e adequação de serviços e programas para detentas. Essa população é, em sua maioria, condenada no passado por sua conduta sexual e comportamento pouco submisso e atualmente por tráfico de drogas (Banks, 2003; Barcinski & Cunico, 2014) e por criminalidade decorrente da parceria amorosa (Carvalho & Mayorga, 2017).

Do ponto de vista psicossocial e do seu percurso afetivo, estudos relatam sobre dificuldades no estabelecimento de vínculos afetivos, oriundos de laços parentais frágeis e possíveis efeitos da privação afetiva como: angústia, carência afetiva, dificuldade relacional, culpa e depressão. Efeitos como a automutilação, agressividade, impulsividade e baixa autoestima são citados por Marzano et al. (2011).

As detentas vivem num espaço hostil caracterizado por hierarquias, privação de liberdade e de autonomia, abandono, ociosidade, desconfiança e isolamento, resultando em sofrimento mental e corporal (Banks, 2003). Diante de um contexto de insegurança constante, estas mulheres apresentam o que Sykes (1974) designou por “dores do aprisionamento”. A tristeza, o tédio, a hipervigilância, o estresse e rigidez causam dores, distanciamento de si mesmo e baixa autoestima (Banks, 2003; Seibel, 2008). Esses fatores conduzem as dificuldades com a autoimagem, com o expressar e descarregar emoções, a incapacidade de resolver problemas interpessoais, levando a cognições negativas (Smeijsters, et al., 2011). Mulheres detentas apresentam um elevado grau de comorbidades psicopatológicas oriundas de um alto índice de experiências traumáticas, como abuso físico e sexual precoce. Essa realidade pode comprometer a saúde mental e contribuir para um quadro de dependência de substâncias, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno de personalidade antissocial (Banks, 2003; Voorhis, 2013).

Ao longo dos séculos, diversas sociedades humanas construíram múltiplas formas de privação de liberdade, por meio de penas corretivas, penas capitais, escravização ou exílios. Não obstante, o que hoje chamamos prisão ou sistema prisional é um dado da modernidade que, segundo Michel Foucault (1999), ocorreu entre os séculos XVIII e XIX na Europa, resultando na forma-prisão.

Se a modernidade gestou o Estado moderno, comportando o direito ao exercício da violência legítima, através das Forças de Segurança e Justiça, também urdiu a capacidade de exercer a privação de liberdade dos que, sob a avaliação do sistema jurídico-penal, infringiram as normas da sociedade. Todavia, a forma-prisão não se sustenta tão somente na privação de liberdade. Para Foucault (1999), a prisão tem uma ação de educação total. É através do controle dos corpos que se regula o tempo, seja de sono, de vigília, de orações; as capacidades físicas, na limitação da qualidade e quantidade das refeições, dos exercícios físicos; a produtividade humana, por meio do trabalho nas oficinas, cozinhas, lavanderias e celas além do controle do próprio pensamento, limitado pela incapacidade de aprender, se alfabetizar ou mesmo ler, quando já alfabetizado. A prisão tornou-se uma instituição educativa que se apodera de tudo: do intelecto, do físico, da afetividade e da moralidade.

A forma-prisão começa sua educação com o isolamento posto que a solidão é um instrumento de reforma pela reflexão e o remorso. Amplifica-se com o trabalho e o estabelecimento de ordem e obediência, porém, com finalidades estritamente econômicas, produzindo indivíduos mecanizados para uma sociedade industrial. Mas a educação se consolida com a pena e o castigo em si, posto que se sustenta no primado da cura do degenerado social e sua consequente normalização (Foucault, 1999).

O sistema prisional foi pensado como um mecanismo reformador e punitivo dos sujeitos com conduta desviante, do comportamento social esperado pela sociedade. Essas punições visam ao treino social dos sujeitos, procurando reabilitá-los socialmente (Barcinski & Cunico, 2014). Voorhis (2013) retrata a prisão como um espaço para a reabilitação e mudança comportamental do agressor. O ambiente da prisão pode assim ser representado como uma “instituição total” (Goffman, 1974, p. 11) sendo caracterizado por uma rotina de controle, cronogramas rigorosos e planos executados (Mortimer, 2017).

Segundo Goffman, as instituições promovem de forma sistemática a “mortificação do eu” (1974, p.24). Ela promove, dessa forma, a separação do indivíduo do mundo externo, ratificando a degradação do Eu e a uniformização dos indivíduos, contribuindo para a destituição da identidade pessoal (Goffman, 1974). Essa mortificação perpassa, entre outras, pela restrição às formas de expressão da feminilidade em presídios mistos (Colares & Chies, 2010), pelo improviso e adaptação institucional, que reflete o caráter androcêntrico do sistema prisional (Barcinski & Cunico, 2014; Banks, 2003), evidenciando o controle vivido no corpo (Barcinski & Cunico, 2014; Foucault, 1999). Outro processo que dificulta a reinserção social é a estigmatização (Banks, 2003), fator que pode impossibilitar o reconhecimento de outras características e atributos de sua personalidade.

Atualmente, as diferentes formas de restrições e punições materializam-se através de uma série de frustações, que podem conduzir à destruição da psique humana. É nesse contexto que as “dores do aprisionamento” referidas por Sykes (1958) relatam as privações e frustrações como ameaças profundas à personalidade do prisioneiro ou ao senso de valor pessoal e autoestima. Essas dores reportam sobre a privação da liberdade que pode levar a solidão, e condenação moral; a privação de bens e serviços que podem levar ao sentimento de fracasso e ataque a autoimagem; a dor das frustrações do desejo sexual a qual pode promover ansiedade, sentimento de culpa e ataque a autoimagem; a privação da autonomia que podem levar a um ataque a autoimagem e sentimento de fraqueza e, por fim, a privação da segurança podendo causar desconfiança (Sykes, 1958).

Acrescida a essas dores, Voorhis (2013) cita fatores de risco preditivos para o comportamento ofensor em detentas, correlacionando os fatores sensíveis ao gênero, como a situação social de pobreza e a falta de segurança na habitação, nível educacional precário, problemas de saúde mental, relações íntimas disfuncionais, pouca autoconfiança, estresse parental, raiva, em síntese, um percurso que abrange a baixa auto eficácia em correlação com a baixa autoestima e, por fim, personalidade antissocial. O comportamento de autolesão (Marzano et al., 2011) e a culpabilidade (Banks, 2003) também são citados como um sentimento presente nas detentas.

Enquanto estratégias de enfrentamento, o mecanismo da resiliência surge como resposta a “mortificação do eu”, ou seja, como alternativa de adaptação e /ou superação das situações de estresse, vividas na prisão. A busca por adaptações e os efeitos sofridos pelo aprisionamento em relação a valores e normas é denominado como subcultura do presídio (Banks, 2003). Nesse âmbito, a dinâmica social e a hierarquia são aspectos-chave das culturas prisionais (Montimer, 2017). Essa abordagem clarifica uma certa reedição das formas de relações afetivas e sexuais vividas na prisão feminina, pelas quais são construídas novas relações filiais, maternais ou fraternais, levando à formação de uma pseudofamília (Banks, 2003), na qual algumas mulheres, visando adquirir privilégios e poder, socialmente atribuídos aos homens, se portam como eles e outras assumem uma “homossexualidade situacional” (Barcinski & Cunico, 2014).

REFLEXÕES SOBRE COMPORTAMENTO AGRESSIVO, AUTOESTIMA E IMAGEM DO CORPO

Mulheres detentas advêm de um contexto histórico de violência, no qual a maioria delas foi exposta a pelo menos um tipo de trauma na infância ou na idade adulta. Nesse contexto, traumas interpessoais induzem a sentimentos negativos como raiva medo e culpa, influenciando nos relacionamentos sociais. As “dores do aprisionamento” na cultura da prisão induzem a afetos negativos e um quadro de estresse (Sykes, 1974). Banks (2003) cita as drogas e sua abstinência. Esses fatores induzem a dificuldades com a autoimagem, com o expressar e descarregar emoções, com a incapacidade de resolver problemas interpessoais, levando a cognições negativas (Smeijsters et al., 2011). Essa natureza multifatorial do comportamento agressivo ressalta a teoria das frustações, dos instintos, a bioquímica e a teoria da aprendizagem social (Myers, 2014). Em síntese, ressalta uma agressividade reativa a situações de sofrimento (Santos, 2006).

A autoestima é a representação pessoal dos sentimentos gerais e comuns de autovalor (Hutz & Zanon, 2011). Essa definição do “self” em mulheres detentas, perpassa pelo seu histórico levando a problemas de autoestima, podendo induzir a formas variadas de luto e raiva (Gibbons, 1997). A insegurança nas relações de apego é citada por Pylvänäinen & Lappalainen (2018), como fator de atitudes disfuncionais em relação ao self e baixa autoestima. Segundo Gibbons (1997) a baixa autoestima é marcada por circunstâncias da vida fora da prisão e pelo próprio ambiente prisional. Projetos que visam mudança comportamental devem buscar melhorar a autoestima, regular a raiva e desenvolver um comportamento social (Smeijsters et al., 2011).

A imagem corporal definida como uma representação interna da própria aparência física de um indivíduo (Caldwell, 2016) se constrói pelas possibilidades criadas na existência social, evidenciando sua característica integrativa, influenciada por estruturas fisiológicas, emocionais e socioculturais (Barros, 2005). Segundo Schilder (1999), “a imagem corporal, em seu resultado final, é uma unidade. Mas essa unidade não é rígida, e sim, passível de transformações” (Schilder, 1999, p. 125 cit. por Barros, 2005, p. 552). Sendo socialmente construída, deve ser analisada dentro de seu contexto cultural (Grogan, 1999). Remetendo-se para a cultura do presídio, onde há pouca atividade física, as relações sociais são restritas e as memórias corporais traumáticas, surgiram incógnitas sobre a construção da imagem corporal das detentas neste espaço. Segundo Andrade et al. (2018), essas mulheres podem apresentar outros padrões de referência para a construção do corpo adequado e desejável, podendo levar a riscos na saúde mental e corporal.

A DANÇA EM CONTEXTO PRISIONAL EM BUSCA DA CURA

A perspectiva de pensarmos a prisão como uma instituição educativa avança em relação à lógica restritiva e violenta que trata as detentas em uma dimensão saneadora, de cura. Em uma linha de transversalidade das práticas sociais prisionais, pensa-se, conforme Onofre (2016, p. 48), que:

a escola, as oficinas de trabalho, as oficinas de artesanato, [...] as oficinas de jogos dramáticos, os cultos religiosos, as atividades de lazer, [...] as rodas de leitura, as discussões de documentários, entre tantas outras atividades que acontecem no interior da prisão se constituem em práticas que educam, uma vez que nelas se estabelece o convívio, as aprendizagens e o respeito pelo outro.

Nesse diapasão de transversalidade, a área das terapias artísticas e criativas tem desenvolvido intervenções e programas em contexto prisional procurando intervir em problemas centrais como a autoimagem, o expressar e descarregar emoções, cognições negativas, consciência corporal, competência social, agressividade e autoconhecimento (Batcup, 2013; Koch et al., 2015; Smeijsters et al., 2011). Neste intuito, a cocriação advinda das artes busca afetar e impactar o Eu central e a sua autoconsciência (Smeijsters, et al., 2011). Batcup (2013), nos seus estudos, refere-se ao importante papel da dança na forma de pensar e encontrar saída para dilemas existenciais, realçando a dança/movimento como terapia transformadora ou comunicante de fatos não possíveis de descrever em palavras, como a dor emocional, conflitos e traumas. Meekums & Daniel (2011) destacam as psicoterapias artístico-expressivas como promotoras da alfabetização emocional e na qualidade de vida. Seibel (2008) reporta a necessidade de criar segurança e possibilitar a confiança no processo do grupo. Smeijsters et al. (2011) descreve que a dança/movimento terapia procura atuar em problemas centrais como a autoimagem e emoção. No trabalho sobre a agressão, a expressividade pela dança/movimento terapia é realçada pelo poder de liberar emoções e pela possibilidade de regulação da raiva e agressão (Smeijsters et al., 2011). Montimer (2017) destaca que o papel da arte e da dança dentro das prisões é proporcionar experiências de aprendizagem positiva e reabilitadora, visando estimular a tomada de decisão. Os relacionamentos na aula de dança são citados devido ao trabalho em grupo, por ajudar nas relações positivas, na interação social e no sentimento de significância e pertença (Montimer, 2017). A arte na prisão encontra na criatividade, elementos saudáveis dentro de si mesmo, dando forma a expressão e cognições positivas. Nesse contexto, o poder criativo e expressivo das artes é apontado como possibilidade de cura e reabilitação.

Diante do valor terapêutico advindo da dança/movimento terapia, o movimento autêntico procura facilitar a entrada do indivíduo no mundo interior da sua psique pelo movimento natural e criativo, seguindo os recursos instintivos da natureza humana nos níveis intrapessoal, interpessoal e transpessoal (Stromsted, 2009).

Nesse aspecto, a dança envolve o corpo, a emoção e a mente, num processo culturalmente mediado, em que sua intervenção apresenta um poder de cura pelos benefícios positivos em situações de estresse e/ou dor proveniente da sensação de controle que proporciona (Stromsted, 2009). O controle pelo domínio do movimento da dança pode despertar a sensação de autodomínio, o que contribui para uma autopercepção positiva, uma imagem corporal e autoestima positiva. Milliken (2002) fala sobre oportunidades físicas contribuindo para o controle de impulsos, autorregulação e liberação apropriada de tensão e interação grupal.

O processo criativo por via da improvisação permite a redescoberta de si mesmo como um ser humano mais positivo (Milliken, 2002), capaz de promover mudanças na capacidade de respostas diferentes do indivíduo advindas da expressão de novos padrões de movimentos.

Estudos relatam o poder da dança em favorecer o comportamento pró-social (Santos, 2006), no qual seu trabalho em grupo de forma interativa, cooperativa, imitativa ou sincrônica aumenta as possibilidades de relacionamentos com outras pessoas, promovendo tolerância, apoio entre os pares e atitudes sem julgamentos (Pylvänäinena & Lappalainenb, 2018). Assim, a arte na prisão pode ajudar a desenvolver potencial, senso de autoestima, reconhecimento e pertencimento ao grupo. A diminuição de comportamentos agressivos é um efeito citado por Santos (2006), ao relatar sobre a dança terapia integrativa e sua influência na transformação de relações interpessoais, devido à característica multimodal da dança. Sobre a violência, Milliken (2002) relata que o processo criativo da dança é promotor de transformação ou mesmo cura pela possibilidade de expressão de sentimentos, como raiva e frustação, possibilitando a sua diminuição. Seibel (2008) defende o trabalho com movimento autêntico em contexto prisional, devido à necessidade de criar confiança em si mesmo e no outro, de modo a diminuir a hostilidade.

A dança criativa enquanto uma forma de movimentos sem modelos predefinidos é defendida por Lewis e Scannell (1995) como uma influência mais positiva na imagem corporal, devido a esta se transformar constantemente diante de novos estímulos que induzem a mudança de percepção corporal, de autoconceito e de autoestima. Koch et al. (2014) relata sobre a cura pela dança/ movimento terapia na saúde psicológica e na qualidade de vida de mulheres, abordando fatores como aumento do bem-estar, do humor positivo, afeto e imagem corporal, defendendo intervenções efetivas pela dança/movimento terapia, como um método de tratamento eficaz em contextos de prevenção.

Em contexto prisional, Batcup (2013) refere-se em seu estudo sobre a psicoterapia do movimento de dança, com efeitos positivos na autoestima, aborda também sobre a redução da ansiedade e da depressão. A autora destaca o crescimento da capacidade de pensar, estimulada pela dança, como um fator que contribui para mudança comportamental e reconstrução de um Eu menos patológico. Em virtude do exposto, este estudo apresentou como objetivo geral verificar os efeitos de uma intervenção de Dança Criativa e Movimento Expressivo na Imagem do Corpo, na Autoestima e nos Comportamentos agressivos de mulheres presidiárias.

METODOLOGIA

O presente estudo foi aprovado pela comissão de Ética para Investigação Científica nas áreas da Saúde Humana e Bem-estar pela Universidade de Évora, com número de registro 18135, em dezembro de 2018, sendo concluída em junho de 2020. A pesquisa foi realizada com uma amostra de 20 mulheres do Presídio Feminino do Estado de Sergipe /Brasil – PREFEM -, sendo as participantes alocadas de forma aleatória em um grupo experimental o qual participou da intervenção e um grupo controle que permaneceu com sua rotina habitual, subdividindo-se cada grupo com 10 mulheres.

O enfoque da investigação apresentou uma abordagem quase-experimental, de metodologia quantitativa com análise estatística descritiva e uma análise de conteúdo qualitativa. Os instrumentos para os dados qualitativos foram o Questionário de Imagem Corporal (QIC) de Bruchon-Schweitzer (na versão portuguesa feita por Santos, 2006), a Rosenberg Self-Esteen Scale – RSES (na versão traduzida e adaptada para o Brasil por Dini, Quaresma e Ferreira, 2004) e o Questionário de Agressividade de Buss-Perry (AQ) (na versão portuguesa de Cunha & Gonçalves, 2012). A coleta perdurou por seis meses, com testes aplicados na pré-intervenção, pós-intervenção e follow-up.

Os dados foram analisados por uma estatística descritiva sendo utilizadas as médias e desvios padrão. Para o tratamento estatístico, os dados foram analisados pelo programa SPSS 25 (IBM SPSS Statistics). Para todos os testes estatísticos realizados, foi usado um nível de significância de 5% (p˂0.05).

Tendo a amostra um número de integrantes menor que 30, foi aplicado o teste de normalidade de Shapiro-Wilk. Os dados encontrados respeitaram a normalidade e homogeneidade para testes paramétricos. Assim, para a comparação dos dados entre grupos e entre os vários momentos de avaliação, foi utilizado o teste paramétrico de análise fatorial (de variância) ANOVA TWO WAY para medidas repetidas, aos testes intragrupos e intergrupos. Foi realizada também uma Análise Delta Percentual, em que os pontos de medida t1 e t2 e depois t1 e t3 foram calculados em diferenças de média percentual, a fim de verificar a magnitude das diferenças encontradas intragrupos.

Para a análise de conteúdo, os dados foram recolhidos em um testemunho gravado em vídeo com o grupo experimental após a intervenção, de forma individual e consensual, com posterior categorização dos relatos. A análise constou de procedimentos sistemáticos e objetivos para a descrição dos conteúdos dos relatos (Bardin, 1996, cit. por Freitas & Janissek, 2000) e, posteriormente, foi estabelecido categorias e subcategorias.

Intervenção

A intervenção teve como objetivo geral promover a melhoria da imagem corporal, da autoestima e uma diminuição dos comportamentos agressivos, numa população com características específicas advindas de experiências traumáticas. Os objetivos específicos foram divididos em uma dimensão intrapessoal nos aspectos corporal (enriquecimento e reconhecimento de experiencias corporais positivas, emocional (promoção de estados emocionais positivos, promoção da autoestima) e comportamental (diminuição da impulsividade e diminuição da agressividade). Na dimensão interpessoal, o aspecto emocional buscou a promoção da confiança, tomada de perspectiva do outro, estimular o desejo de pertença e despertar para sentimentos de comunhão. Em relação à disposição pré-social, a intervenção buscou o desenvolvimento de atitudes pró-sociais e a promoção da integração com pares.

A intervenção ocorreu em uma sala dentro do presídio, mediante 24 sessões de 80 minutos, durante 12 semanas. As sessões foram norteadas pelos objetivos específicos da intervenção, utilizando da dança criativa e movimentos expressivos como recurso da psicomotricidade, no intuito de promover uma intervenção na imagem do corpo, na autoestima e na externalização de emoções.

As sessões foram guiadas por temáticas norteadoras, organizadas em 6 blocos temáticos. O primeiro bloco (individual), com o tema no meu corpo (Eu sou); o segundo bloco (individual) apresentou o tema no meu corpo (Eu expresso); o terceiro bloco (díades) apresentou o tema na relação com o outro (Eu encontro); o quarto bloco (díades) apresentou o tema na relação com o outro (Eu partilho); o quinto bloco (grupo) apresentou o tema Eu Dionísio (desencontros) com os subtemas: desencontros, fogo, pulsação vibrante, euforia, catarse e provocação. O sexto bloco (grupo) apresentou o tema Eu Apolo (sintonia) e subtemas: ritmo, coordenação e memória; ritmo e sincronia; ritmo e cooperação. Por fim, a última sessão apresentou o subtema: revelação, como um feedback individual, no intuito de registrar um testemunho final sobre a intervenção geral.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados sobre a variável imagem corporal pelo Questionário de Imagem do Corpo (QIC) e da Análise Delta Percentual podem ser verificados na tabela 1.

Tabela 1
Resultados das diferenças intragrupos e intergrupos do QIC- Questionário de Imagem do Corpo e Análise Delta Percentual
Subescala Grupos Momento da intervençãoM Δ% Pós / Follow up FP-valor a
QIC Pré interveção(M ± DP)Pós intervençãoM ± DP)Follow up (M ± DP)
DIM 1GE 23.60 ± 3.06 24.70 ± 2.7524.53 ± 3.720.05% / 0.06%0.1930.825
GC25.30 ± 2.9025.40±2.9525.41 ± 3.800.00% / 0.01%
DIM 2GE27.30 ± 3.6528.60 ± 5.1227.94 ± 7.270.04% / 0.02%1.7290.192
GC26.10 ± 4.5327.50 ± 5.6430.25 ± 3.830.07% / 0,18%
DIM 3GE 17.50 ± 2.5018.20 ± 2.2518.04 ± 1.900.06% / 0.04%1.8990.164
GC17.10 ± 2.9617.50 ±2.8319.03 ± 2.920.02% / 0,12%
DIM 4GE8.90 ± 2.378.20 ± 2.348.80 ± 1.540.05% / 0.05%0.5800.565
GC7.50 ± 2.799.50 ± 3.179.35 ± 2.960.43% / 0.54%
IC TotalGE77.30 ± 7.3979.70 ± 7.0879.31 ± 9.930.03% / 0.03%3.5760.038
GC76.00 ± 4.9279.90 ± 7.8684.04 ± 8270.05% / 0,10%
Nota: DIM 1- Dimensão 1 corpo fechado / acessível, DIM 2- Dimensão 2 insatisfações / satisfação, DIM 3 Dimensão 3 corpo passivo / ativo, DIM 4 – Dimensão corpo tenso/ sereno, ICT – Imagem corporal somatório total das dimensões 1, 2, 3 e 4.GE – Grupo Experimental; GC – Grupo Controlo, M – Média, D - Desvio Padrão, M Δ% - Média Análise Delta percentual no momento pós intervenção e follow-up em relação aos valores do pré- intervenção, ( a) p-valor calculado através do Anova Fatorial, F -análise fatorial.

Os dados encontrados apresentaram um indicativo significativo sobre a dimensão 1 do corpo fechado e acessível, no tocante ao aumento das médias delta percentual do Grupo Experimental de 0.05% no momento pós-intervenção e de 0.06% no momento follow-up, em relação aos dados do momentos pré-intervenção. Não foram encontradas diferenças significativas pelo Questionário de Imagem do Corpo e também nenhum aumento de média com diferenças significativas entre os grupos nas dimensões 2, 3 e 4. Sobre a imagem corporal total, encontrou-se um valor significativo (p =0.04) referente ao GC entre os momentos pré-intervenção e follow-up.

Sobre a variável autoestima, os resultados da Rosenberg Self-Esteen Scale (RSES) e da Análise Delta Percentual podem ser verificados na tabela 2.

Tabela 2
Resultados das diferenças intragrupos e intergrupos da Rosenberg Self-Esteen Scale-RSES e Análise Delta Percentual
SubescalaGrupos Momento da intervençãoM Δ% Pós / Follow upFp-valor a
RSESPré intervenção(M ± DP)Pós intervenção(M ± DP)Follow up (M ± DP)
GE 21.40 ± 5.03 18.10 ± 3.8721.12 ± 5.07 -0.13% / 0.00%0.9560.394
GC19.30 ± 4.93 20 ± 7.6417.38 ± 6.670.03% / -0.10%
Nota: GE – Grupo Experimental, GC – Grupo Controlo; M – Média; DP - Desvio Padrão, M Δ% - Média. Análise Delta percentual no momento pós-intervenção e follow-up em relação aos valores do pré- intervenção, (a) p-valor calculado através do Anova Fatorial, F - análise fatorial.

Os dados encontrados intragrupos e intergrupos não foram significativos em nenhum momento da intervenção pelos dados da Escala de Rosenberg e pela Análise Delta percentual. Porém percebe-se pelas médias encontradas um escore indicativo de baixa autoestima nesta população à mostra, devido ao score da escala se apresentar entre 10 e 40 pontos, em que valores abaixo de 32 pontos reportam-se sobre uma média e baixa autoestima.

Os resultados sobre a variável agressividade pelo Questionário de Agressividade de Buss & Perry e pela Análise Delta Percentual podem ser verificados na tabela 3.

Tabela 3
Resultados das diferenças intra-grupos e inter-grupos do Questionário de Agressividade de Buss-Perry- AQ e Análise Delta Percentual
SubescalaGrupos Momento da intervençãoM Δ% Pós / Follow upFp-valor a
AQ PréIntervenção (M ± DP) PósIntervenção (M ± DP) Follow up (M ± DP)
AgFGE 25.60 ± 9.45 26.80 ± 4.44 26.40 ± 5.520.13% / 0.17%1.300.28
GC 25.90 ± 9.08 19.60 ± 11.41 20.57 ± 9.95 -0.21% /-0.20%
AgVGE 14.80 ± 5.51 14.80 ± 1.2213.64 ± 3.61 0.19% / 0.12%0.220.80
GC16.80 ± 5.16 15.60 ± 6.3816.39 ± 5,25 -0.03% / 0.03%
AgRGE 21.10 ± 4.20 20.10 ± 3.8420.57 ± 4.33-0.01% / 0.00%0.730.48
GC19.30 ± 5.57 17.20 ± 9.6018.15 ± 8.02 -0.13% /-0.08%
AgHGE30.90 ± 5.19 25.90 ± 6.1029.48 ± 5.76-0.15% / -0.032.740.07
GC27.10 ± 5.82 25.60 ± 1.,9327.06 ± 10.02-0.06% / -0.00
Ag TotalGE102.10 ± 21.98 87.60 ± 8.1991.00 ± 14.41-0.10% /-0.06%3.520.04
GC89.10 ± 22.2778.00 ± 34.9983.00 ± 29.82-0.12% /-0.07%
Nota: AgF- Agressividade Física, AgV- Agressividade Verbal, AgR- Agressividade Raiva, AgH- Agressividade hostilidade, AgT- Agressividade Total somatório total das agressividades, GE – Grupo Experimental; GC – Grupo Controlo, M – Média, D - Desvio Padrão, M Δ% - Média Análise Delta percentual no momento pós intervenção e follow-up em relação aos valores do pré-intervenção, (a) p-valor calculado através do Anova Fatorial, F -análise fatorial.

Quanto à agressividade física, verbal e raiva, os dados encontrados pelo Questionário de Agressividade e pela Análise Delta Percentual não foram significativos intragrupos e nem intergrupos. Porém, a agressividade hostilidade apresentou uma diminuição das médias no momento pós-intervenção e follow up do grupo experimental e um valor de p = 0.07, como um possível indicativo de significância. Na agressividade total, foi encontrada uma diminuição das médias nos dois grupos e o valor entre grupos foi significativo (p = 0.04), entretanto a análise ANOVA Fatorial não identificou o momento significativo.

Em geral, estudos reportam para os efeitos positivos sobre o uso da arte da dança, enquanto terapia que estimula respostas emocionais positivas em detentos (Batcup, 2013; Mansueto, 2019; Meekums & Daniel, 2011; Miras-Ruiz, 2018). Em relação à imagem do corpo, a dança é vista como um influenciador positivo para a sua construção, no entanto o impacto da intervenção depende de tempos mais longos. Segundo Lewis & Scannel (1995), intervenções com mais de 5 anos apresentam um efeito mais positivo. Esse fator pode ter contribuído para a não significância da imagem corporal total no presente estudo. Contudo, imagem corporal total pré-intervenção apresentou uma média acima de 70 pontos, sendo indicativo de uma imagem corporal satisfatória, fator ratificado também em pesquisas mais atuais (Andrade et al., 2018; Barbosa et al., 2019; Mota et al., 2022).

Esses dados clarificam que o referencial de corpo ideal de mulheres detentas construído dentro da cultura do presídio contradiz o corpo belo e esguio (Andrade, et al., 2018; Grogan, 1999), instigado pela destituição da identidade pessoal dentro de uma instituição total, com consequente mortificação do seu Eu individualizado (Montimer, 2017; Mota et al., 2022). Outro ponto relevante reporta sobre o caráter androcêntrico do sistema prisional, sendo este um espaço masculinizante dos corpos femininos (Barcinski & Cunico, 2014; Mota et al., 2022).

Acerca da autoestima, o potencial das artes é citado como adequado para estimular a autoestima em contexto prisional (Voorhis, 2013). Embora os dados encontrados no presente estudo não apresentarem efeitos positivos, as médias encontradas validaram dados da literatura que apontam baixa autoestima em contexto prisional (Gibbons, 1997; Voorhis, 2013), ratificado em estudos atuais (Torkaman et al., 2020) e confirmando que históricos de vitimização, violência sexual, estigmatização e traumas são indicativos de baixa autoestima (Bernstein, 2019; Torkaman et al., 2020).

Quanto à agressividade total, os dados apresentaram uma indefinição quanto ao seu momento significativo (p= 0.04), todavia estudos indicam efeitos positivos das terapias com dança e movimento autêntico na diminuição da agressividade, raiva, tensão e reincidências (Milliken, 2002; Smeijsters et al., 2011). As médias encontradas da agressividade geral pré-intervenção foram altas, fator relevante em contexto prisional, no qual é de se esperar comportamentos agressivos como reativo ao sofrimento (Montimer, 2017; Santos, 2008; Smeijsters et al., 2011; Voorhis, 2013). Porém, o presente estudo encontrou uma significativa diminuição nas médias pós intervenção na hostilidade, ratificando um efeito positivo nas respostas emocionais negativas relacionadas à agressividade, vindo a enfatizar programas de reabilitação pela dança (Mansueto, 2019).

A análise de conteúdo foi norteada pelos objetivos específicos da intervenção, sendo estes trabalhados em forma de dimensões, cada uma apresentando suas respectivas categorias criadas e sua abordagem em percentagem.

No tocante à imagem do corpo, destacou-se a dimensão “enriquecimento e reconhecimento de experiências corporais” com 100% das falas através da categoria “bem-estar/ satisfação”, referindo-se ao contentamento e a uma qualidade de vida pela prática da dança. Nas categorias “expressão de emoções” e “novas experiências corporais”, referenciadas em 25% das falas, reportou-se respectivamente à capacidade de autoexpressão pela dança e seus efeitos positivos em relação ao corpo, atitude, e ao gosto despertado pela prática da dança. Ainda no tocante ao corpo, na dimensão “vivência de experiências corporais positivas”, a categoria mais referenciada foi a “mudança” com 75%, englobando os efeitos de autotransformação percebidos e revelados nas subcategorias “corpo ativo” (37.5%) e “criatividade” (37.5%).

Em relação à autoestima, evidenciou-se na dimensão “promoção de estados emocionais positivos”, a categoria “transformação” sendo referenciada em 100%, seguida das categorias “liberdade” com 25% e “força de vontade” com 12.5%. Na dimensão específica “promoção da autoestima”, destacou-se a categoria “cognição positiva” sendo referenciada em 50% e a categoria “autoestima elevada” em 37.5%.

Acerca do comportamento agressivo, abordada na dimensão “diminuição da impulsividade e da agressividade”, as categorias “autocontrole”, “controle da agressividade” e “diminuição da raiva e estresse” foram referenciadas respectivamente em 50%, 50%, e 25% nos relatos das detentas. Destacou-se, também, na dimensão “promoção da confiança”, as categorias “capacidade”, retratada em 37.5%, “autocontrole”, referenciada em 12.5%, e o “autoconhecimento”, com 12.5%.

Ainda em relação à agressividade, destacou-se sobre as relações sociais, a dimensão “estimular o desejo de pertença” através da categoria “sentimento de pertença”, referida em 62.5%. Destacou-se, também, a dimensão “despertar para o sentimento de comunhão”, por meio da categoria “consideração” que foi referida em 37.5%., a dimensão “desenvolvimento de atitudes pró-sociais”, através da categoria “interação relacional”, sendo referida em 37.5%, e a dimensão “promoção da integração com pares”, mediante a categoria “interação social”, sendo referida em 50%.

Sobre o enriquecimento e reconhecimento de experiências corporais, as categorias bem-estar/satisfação e descoberta ratificaram a necessidade de intervenções com infratores que desenvolvam o bem-estar e processos de mudança (Mansueto, 2019; Meekums & Daniel, 2011; Voorhis, 2013). Dados percebidos nos seguintes relatos: “Então estes três meses foi muito bom para mim” (T6); “A dança foi mais que uma dança, foi um aprendizado” (T1); “E estou até triste porque já tá chegando à temporada” (T4).

Em relação à vivência de experiências corporais positivas, as categorias de mudança (corpo ativo e criatividade), do aspecto cognitivo e evocação de memória citadas, evidenciaram a autotransformação via mudança interior e a entrada do indivíduo no mundo da psique humana (Bernstein, 2019; Colace, 2020; Milliken, 2012; Stromsted, 2009). Relatado nas falas: “Antes da dança entrar na minha vida aqui na prisão, eu era sedentária, uma pessoa que só vegetava, porque tudo aqui virava rotina” (T8); “Aprendi coisas novas, danças novas que eu nem conhecia que existia esse tipo de dança, de levar sua mente para outro lugar, de ser, pensar de ser um pouco livre” (T6); “Tinha perda de memória, depois da dança eu consegui ter lembranças” (T1).

No tocante à promoção de estados emocionais positivos, transformação e liberdade foram categorias que remeteram ao mundo da simbolização, pois comunicam o estado interior (Bernstein, 2019; Colace, 2020; Victoria, 2012), percebidas em frases como: “Faz-me sentir menos presa e me sentir muito bem” (T2); “Antes de participar da dança corporal, eu era ignorante” (T4); “E também eu era tímida, eu andava que nem um homem e isso eu tinha vergonha, então a partir de um momento, eu fui mudando aos poucos e me sinto uma mulher” (T3).

Especificamente, sobre a promoção da autoestima, destacou-se as categorias cognição positiva e autoestima elevada, favorecendo as mudanças comportamentais, pela autoconfiança promovida e a sensação de autodomínio (Bernstein, 2019; Smeijsters et al., 2011), percebida nas frases: “Porque a dança fez a gente ver que a gente pode, a gente pode sim fazer algo mais, coisa novas” (T6); “Levantava minha autoestima, me senti uma pessoa de bem com a vida, com harmonia” (T7); “Deixou minha autoestima lá em cima, tenho mais vontade de me arrumar, de ajeitar meus cabelos, de criar” (T8).

Quanto à diminuição da impulsividade e agressividade, a categoria autocontrole e controle da agressividade ratificaram os efeitos na redução da raiva, do estresse e controle de impulsos (Batcup, 2013; Koch et al., 2015; Mansueto, 2019; Smeijsters et al., 2011), percebida nas frases: “Antes da dança eu era (...) agressiva, nervosa, sem paciência nenhuma” (T1); “Eu era ignorante, lá dentro com as minhas colegas de cela” (T3); “Eu era uma pessoa muito agressiva, com as minhas companheiras de cela” (T4).

A promoção da confiança foi evidenciada pelas categorias capacidade e processos de interiorização por via do autocontrole e autoconhecimento, fatores que indicaram a expressão individual e o diálogo criativo como provedor de confiança, conscientização e aprendizado (Seibel, 2008). Relatada nas falas: “Porque eu não tinha isso na minha vida de criar, por ser uma interna não tinha capacidade” (T8); “Depois da dança, comecei a controlar os meus ânimos, a controlar os meus nervos, consigo controlar todas as ações do meu corpo” (T1).

Em relação ao social, estimular o desejo de pertença e despertar para o sentimento de comunhão salientaram a categoria sentimento de pertença, atribuindo uma importância ao grupo, ratificando a construção de relações positivas e interação social (Montimer, 2017); como também na categoria consideração, destacou-se a importância dos processos relacionais e da interação grupal (Milliken, 2002). Dados percebidos nas frases: “Achei muito gratificante fazer parte desse grupo, durante esse pouco tempo” (T5); “Nós agora somos mais companheiras” (T8).

Nas dimensões desenvolvimento de atitudes pró-sociais e promoção da integração com pares, respectivamente, a categoria interação relacional destacou a dança como estimulador de interação social e da cura pelo sentimento de comunhão advinda da criação coletiva (Mansueto, 2019; Santos, 2006; Seibel, 2008) e as categorias interação social e a subcategoria mudança destacaram a estimulação da tolerância com outras pessoas (Pylvanainema & Lappalainenb, 2018; Seibel, 2008). Dados relatados nas frases: “Não costumava gostar de estar perto de pessoas” (T1); “Sou mais ousada na dança e em conversar com as pessoas, porque eu era muito envergonhada” (T3).

Esses testemunhos apresentados (T1 a T8) demostraram os efeitos significativos da intervenção, em que o movimento autêntico da dança criativa, foi capaz de interferir em comportamentos e sentimentos das detentas, gerando bem-estar físico, emocional e social.

CONCLUSÃO

No percurso desta pesquisa, diante da varredura nas produções científicas, percebeu-se uma limitação em estudos preocupados com o bem-estar e com a reabilitação de mulheres detentas. Esta realidade fez do presente estudo uma pesquisa original no que tange a uma análise quantitativa, em busca de ampliar o conhecimento, verificando os efeitos de uma intervenção pela dança criativa e movimento expressivo sobre a imagem do corpo, autoestima e comportamento agressivo desta população.

Nesse sentido, foram apontados indícios significativos em resultados que clarificam a necessidade de mais investigações sobre a temática, com metodologia quantitativa, uma amostra maior e uma duração ampliada da intervenção. Uma vez que as intervenções pela arte da dança em presídios apresentam-se baseadas em relatos de experiências, provenientes de estudos qualitativos.

Esta pesquisa atribuiu notoriedade a uma população invisível, em processo de dor psíquica e corporal, evidenciando o poder da cura através da dança pelo viés da psicomotricidade, em que programas sociais reabilitativos podem elucidar uma diminuição no comportamento agressivo e uma melhora na autoestima e imagem corporal de mulheres detentas, sendo ratificado através dos dados qualitativos.

Diante do estudo, percebeu-se, de forma geral, que a intervenção apresentou um efeito significativo em relação à análise qualitativa de todas as variáveis investigadas. E a quantitativa foi significativa, no tocante à agressividade, e apresentou uma não significância em relação à imagem do corpo total e autoestima. Entende-se que tornar o espaço prisional um campo de aprendizado, de ressignificação de existências, principalmente das mulheres, notavelmente mais vulneráveis, não é uma fantasia, ou uma ilusão. É essencial a elaboração de políticas públicas efetivas para a reintegração social das detentas, o que passa, primordialmente, por tornar as prisões espaços educativos de excelência.

Agradecimentos

Ao diretor do Departamento Penitenciário de Sergipe (DESIPE), Agenildo Machado de Freitas Júnior, pela autorização necessária para o acesso ao Presídio Feminino de Sergipe/Brasil (PREFEM); à diretora Andréa Fernanda de Andrade e vice-diretora Edjane Lima Marinho, do PREFEM.

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Notas de autor

1 Universidade de Évora, Évora, Portugal.
1 Universidade de Évora, Évora, Portugal.

meiressf@gmail.com

Información adicional

Como citar: Farias, M. S. S., & Santos, G. D. (2023). Dança e movimento expressivo numa prisão feminina – um tempo para um novo espaço interno. Revista Tempos e Espaços em Educação, 16(35), e18371. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v16i35.18371

Contribuições dos Autores: Farias, M.S.S.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Santos, M. G. D.: revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todas as autoras leram e aprovaram a versão final do manuscrito.

Aprovação Ética: Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Évora em dezembro de 2018, pelo documento 18135.

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