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O currículo cultural da Educação Física: a educação comparada sobre as perspectivas contemporâneas em torno do currículo
Fabio Richard Oechsler; Adolfo Ramos Lamar; Carolaine Tormena
Fabio Richard Oechsler; Adolfo Ramos Lamar; Carolaine Tormena
O currículo cultural da Educação Física: a educação comparada sobre as perspectivas contemporâneas em torno do currículo
The cultural curriculum of Fhysical Education: comparative education about the perspectives of its authors
El currículo cultural de Educación Física: educación comparada sobre las perspectivas de sus autores
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 16, núm. 35, e18344, 2023
Universidade Federal de Sergipe
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Resumo: Este artigo tece contribuições contemporâneas sobre o currículo cultural da Educação Física. O objetivo geral da pesquisa é analisar as principais concepções atuais do currículo cultural da Educação Física, e tem como objetivos específicos comparar e demonstrar as perspectivas dos autores em torno do currículo cultural da Educação Física e sua importância para as aulas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter bibliográfico e comparativo. Conclui-se que o currículo cultural da Educação Física rompe com os paradigmas tradicionais da área, e propõe a promoção de uma disciplina crítica, respeitada e autêntica.

Palavras-chave: Concepções, Práticas Corporais, Teorias pós-críticas.

Abstract: This article makes contemporary contributions to the cultural curriculum of Physical Education. The general objective of the research is to analyze the main current conceptions of the cultural curriculum of Physical Education, and has as specific objectives to compare and demonstrate the main perspectives of the authors around the cultural curriculum of Physical Education and its importance for the classes. It is a qualitative research, bibliographic and comparative. It is concluded that the cultural curriculum of Physical Education breaks with the traditional paradigms of the area, and proposes the promotion of a critical, respected and authentic discipline.

Keywords: Conceptions, Body Practices, Post-critical theories.

Resumen: Este artículo hace aportes contemporáneos al currículo cultural de la Educación Física. El objetivo general de la investigación es analizar las principales concepciones actuales del currículo cultural de Educación Física, y tiene como objetivos específicos comparar y evidenciar las principales perspectivas de los autores en torno al currículo cultural de Educación Física y su importancia para las clases. Es una investigación cualitativa, bibliográfica y comparativa. Se concluye que el currículo cultural de la Educación Física rompe con los paradigmas tradicionales del área, y propone la promoción de una disciplina crítica, respetada y auténtica.

Palabras clave: Concepciones, Practicas corporales, Teorías poscríticas.

Carátula del artículo

Artigos

O currículo cultural da Educação Física: a educação comparada sobre as perspectivas contemporâneas em torno do currículo

The cultural curriculum of Fhysical Education: comparative education about the perspectives of its authors

El currículo cultural de Educación Física: educación comparada sobre las perspectivas de sus autores

Fabio Richard Oechsler1
Fundação Universidade Regional de Blumenau, Brasil
Adolfo Ramos Lamar1
Fundação Universidade Regional de Blumenau, Brasil
Carolaine Tormena1
Fundação Universidade Regional de Blumenau, Brasil
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 16, núm. 35, e18344, 2023
Universidade Federal de Sergipe

Recepción: 02 Noviembre 2022

Aprobación: 02 Marzo 2023

Publicación: 18 Mayo 2023

INTRODUÇÃO

A Educação Física se encontra nos currículos pelas escolas do Brasil há cerca de dois séculos. Sua inserção curricular ocorreu com a reforma de Couto Ferraz, em 1851. Desde aquele tempo, o componente curricular atravessou diversas mudanças em seus métodos de ensino. Inicialmente, nas décadas de 50 até 70, as metodologias eram em torno da ginástica e do ensino esportivo. Posteriormente, na década de 80, iniciou-se o movimento renovador, no qual surgiram propostas de ensino diferentes das antecessoras, como a desenvolvimentista, psicomotora, crítico-superada e crítico-emancipatória. No decorrer do desenvolvimento do componente curricular Educação Física, ocorreram mudanças significativas no seu cerne epistemológico. O exercício físico, como objeto de estudo, concedeu espaço ao movimento e à cultura corporal.

Nas metodologias das décadas passadas, havia imensa preocupação com as competências físicas. Nesse movimento, tais competências foram substituídas pelo desenvolvimento das atribuições do comportamento e pelo raciocínio pedagógico da cultura corporal, atribuindo ênfase à psicologia do desenvolvimento e ao princípio da ação comunicativa. “A entrada mais decisiva das ciências sociais e humanas na área da EF, processo que tem vários determinantes, permitiu ou fez surgir uma análise crítica do paradigma da aptidão física” (Bracht, 1999, p. 77).

Atualmente, o campo da Educação Física discute sobre outros ramos teóricos voltados para os estudos culturais e para o multiculturalismo crítico – concepções que englobam toda a Educação básica – e privilegia processos democráticos para a concessão dos conteúdos de ensino, prezando as experiências críticas em relação às práticas corporais, e desenvolve os conhecimentos dos estudantes por meio do enfrentamento das diferentes representações e demonstrações. Esse ponto de vista curricular, mais conhecido como cultural, destaca que as vivências escolares são abertas e que os debates pressupõem práticas corporais de diversos âmbitos sociais.

Neira (2020) expõe que o currículo cultural (CC) da Educação física é um campo de propagação de sentidos, de construção de identidades direcionadas para a investigação, compreensão, indagação e comunicação através das culturas. “O CC se baseia nas teorias pós-críticas, concebe o movimento humano como linguagem e toma o corpo como um texto passível de leitura e escritura, o que implica a produção, a comunicação e a negociação de sentidos” (Nunes, 2018, p. 21). Hoje, determinados movimentos culturais e corporais passam por diversas ressignificações e ressignificados, com manifestações variadas. Da mesma forma, esportes que antigamente eram considerados adequados, hoje podem ser considerados não tão adequados em decorrência dos avanços deste currículo cultural e das reflexões em torno da Educação Física.

O currículo cultural de Educação Física foi pensado como um ensino sensível à contribuição das culturas que habitam o currículo podem oferecer umas às outras. Diferentemente do que trazem as perspectivas desenvolvimentista, psicomotora, esportivista, da saúde e crítica, a diversidade de culturas é um aspecto positivo e para a garantia dessa ação o currículo cultural adota princípios ético-políticos e procedimentos didáticos bem específicos (Neves & Neira, 2019, p. 109).

Os debates que cercam o currículo cultural da Educação Física são bem recentes. Somente no século XX se iniciaram as discussões sobre a temática, apoiadas em teorizações pós-críticas, onde o movimento passou a ser objeto de estudo através da cultura corporal do movimento. Diferente das metodologias anteriores, como a esportivista, desenvolvimentista e a psicomotora, a diversidade cultural está associada a um ponto de vista positivo que, para assegurar esse ato, o currículo cultural se apoia em concepções ético-políticos e procedimentos didáticos intrínsecos. “De muitas formas, a perspectiva cultural da Educação Física traz para o interior da cultura escolar as diversas produções sistematizadas nas mais variadas formas de expressão corporal, o que realça seu foco na diversidade” (Neira et al, 2012, p. 10). Diante disso, a Educação Física cultural, em vez de esconder as desigualdades a fim de não serem percebidas, proporciona o conflito e concebe espaço para que os estudantes expressem e investiguem os sentimentos e manifestações que surgem nos períodos de divergência. O princípio do trabalho pedagógico é a prática corporal contextualizada, isto é, a ocorrência social das brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas. A prática corporal é uma manifestação daquilo que está interiorizado nos estudantes; é uma das formas de expressão do seu ser.

Com isso, é imprescindível buscar contribuições contemporâneas em torno do currículo cultural da Educação Física. Como consequência, o problema da presente pesquisa é: quais são as principais concepções atuais do currículo cultural da Educação Física? Para auxiliar no discorrer da pesquisa, elencou-se como objetivo geral analisar as principais concepções atuais do currículo cultural da Educação Física, e como objetivos específicos comparar as perspectivas dos autores em torno do currículo cultural da Educação Física e demonstrar a importância do currículo cultural para as aulas de Educação Física atualmente.

A presente pesquisa também irá comparar as concepções contemporâneas em torno do currículo cultural. O campo de estudo da educação comparada tem uma larga tradição na área da educação, mas ainda suscita debates quanto às suas propostas, objetos de estudo, questões teóricas e metodológicas. Pode-se dizer que a Educação Comparada é um valioso recurso analítico, visto que, por meio dela, desenvolve-se o espaço de análise e de entendimento da realidade de um determinado país, principalmente aspectos voltados para políticas públicas e de educação. A Educação Comparada pode se constituir na comparação de diferentes circunstâncias que acontecem em um mesmo local, sendo a instituição escolar em si a estância mínima de comparação, ou seja, de um ponto de vista espacial. Ela é a unidade de análise que concebe a fronteira mais exclusiva da comparação (Bonitatibus, 1989).

A Educação Comparada está associada a estudos que se relacionam com aspectos culturais. Atualmente, percebe-se uma atenção renovada para temas e perspectivas que se relacionam com a pesquisa em educação. O levantamento teórico e cultural da Educação Comparada mostra que o seu principal objetivo não só é só analisar as perceptivas dos autores, mas também interpretar os processos educacionais.

METODOLOGIA

O trabalho se caracteriza por ser uma pesquisa qualitativa comparativa de caráter bibliográfico. Minayo (2010) ressalta que a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Aprofunda-se no significado das ações e relações humanas, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. A pesquisa bibliográfica ou de fontes secundárias propõe o levantamento de toda a bibliografia já publicada, sobre a forma de revistas e artigos científicos, que tem por finalidade colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi descrito sobre o assunto ao qual está sendo pesquisado (Marconi; Lakatos, 2005). Nos próximos tópicos, serão apresentados conceitos atuais em torno do currículo cultural, e também serão realizadas comparações entre essas concepções.

As discussões de análise partem de um viés comparativo sobre a Educação Comparada. No campo educacional, tal método evidencia a necessidade e importância dos estudos comparativos, enaltecendo as diferentes posições em torno das inúmeras relações existentes: políticas, sociais, econômicas e culturais.

Franco (2000, p. 198) relata a importância de realizar estudos dos variados espaços culturais nos estudos por meio da Educação Comparada:

Quando se reconstrói a história dos países e de seus povos, ou quando se desenvolve um processo de intercâmbio intercultural ou um projeto de cooperação internacional, a atitude de comparação está sempre presente, mesmo que não seja algo consciente ou que não se revele de modo explícito. O próprio processo de conhecimento do outro e de si próprio, nesta troca entre realidades culturais diversas, implica um confronto que vai além do mero conhecimento do outro. Implica a comparação de si próprio com aquilo que se vê no outro.

Desta forma, percebe-se que a Educação Comparada, ao pesquisar os aspectos educacionais, não se caracteriza apenas por verificar as semelhanças e diferenças, mas procura entender e encontrar significado, especialmente sobre as perspectivas educacionais, analisando os diferentes entendimentos culturais e políticos.

O CURRÍCULO CULTURAL DA EDUCAÇÃO FÍSICA

O conceito de currículo pode estar associado à ideia de organização inicial ou não de experiências, momentos de aprendizagens elaborados por professores ou instituições de ensino, de modo a transferir firmemente um processo educativo. “O currículo inclui tudo o que se relaciona à cultura escolar (a organização dos tempos, as atividades de ensino, os espaços da aula, os objetivos, as falas, os materiais didáticos etc.)” (Neira & Nunes, 2006. p. 237).

Dessa forma, o currículo cultural da Educação Física se constitui com base nas teorias pós-críticas do currículo. De acordo com Silva (1999), tal teoria se firmou a partir de um conjunto de intelectuais que abordam as análises e propostas no âmbito de estudos sobre o currículo no Brasil. Santos (2016) retrata que, na pedagogia pós-crítica, a tematização entende o conjunto dos exercícios de ensino que provocam uma leitura mais “desestabilizadora” da prática corporal, e a problematização o cabo condutor dos acontecimentos didáticos.

Segundo Martins (2019), o currículo necessita ser uma possibilidade de produção de conhecimentos concorrido e negociado por meio de uma profunda ligação de poder e de forças assimétricas que procuram legitimar variadas identidades e contrair outras discussões que explicitam os debates em torno dos currículos escolares. Com as teorias pós-críticas gradativamente mais presentes na educação, os conflitos de poder que transcorrem as relações sociais transpassam assuntos econômicos, e aparece, a partir disso, o multiculturalismo, proveniente das lutas sociais pela igualdade, cativando forças no confronto das diferenças culturais.

Nos últimos anos, os debates em torno de um currículo comum para todos vêm ganhando força. Isso significa que os campos dominantes da sociedade veem sua soberania sendo questionada, e movem-se para efetuar novos movimentos na iniciativa de assegurar o alastramento de seus valores e ideais por meio dos currículos escolares. “A existência de um currículo comum desvaloriza as diferenças presentes em cada escola. A imposição de um currículo elaborado externamente desconsidera a cultura da comunidade escolar” (Martins, 2019, p. 109).

A Educação Física atualmente vem sendo influenciada por teorias pós-críticas, apresentadas pelas perspectivas crítico-superadora e crítico-emancipatória, as quais foram desenvolvidas na década de 1990. Tais perspectivas recomendam ações reflexivas e dialógicas sobre a elaboração das práticas corporais. Isso significa que todo o movimento do corpo deve ser previamente delineado por um pensamento reflexivo. Por que agir de tal forma? Por que se expressar corporalmente dessa forma e não de outra? A dialogicidade envolve um diálogo entre o corpo e a mente, isto é, um movimento de equilíbrio e bem-estar entre o controlador do corpo e o corpo controlado, em claro intento epistemológico de conhecer, inclusive, os limites do próprio corpo.

Na procura de práticas curriculares que se afastam de características de homogeneização de identidades, e no intuito de se aproximar daqueles que contribuem com a formação de indivíduos humanitários, em prol do direito das diferenças, o currículo cultural da Educação Física se mostra como oportunidade de comunicação com os princípios das teorias pós-críticas. Baseado em estudos culturais e no multiculturalismo crítico, o currículo cultural justifica que os currículos escolares de Educação Física aceitam os saberes praticados pelos variados grupos sociais e se posicionem em benefício dos menos privilegiados.

Para isso, a escolha dos conteúdos propostos em aula não pode ser definida de forma aleatória, pois precisam levar em consideração o contexto no qual os estudantes estão inseridos e as realidades por eles vivenciadas. Isso significa que as práticas corporais que estão presentes no currículo da escola necessitam de, além de uma ação observadora, também de análise e organização a fim de que os exercícios propostos tenham coerência com a realidade dos estudantes e promovam experiências significativas que verdadeiramente trabalhem na formação da comunidade escolar.

O currículo cultural da Educação Física tem por característica a valorização dos conhecimentos de grupos menos favorecidos perante a sociedade, os quais são visíveis pela maneira que expressam a sua cultura corporal. Além disto, o currículo cultural também está baseado na reflexão, nas indagações, experimentações, transformações e pontos de vistas de práticas corporais. Compreende-se que os esportes, as lutas, danças – e outros – são formas de se expressar através da linguagem corporal, isto é, são formas de valorizar o movimento que é repleto de significado, que pode ser transportado de geração em geração. Martins (2019, p. 119) ressalta que “o currículo cultural deseja promover aos estudantes o acesso a formas mais elaboradas de compreender e produzir o próprio repertório cultural corporal, assim como de outros grupos sociais”. Em outras palavras, o currículo cultural é um excelente instrumento para a formação integral e, sobretudo, corporal, dos estudantes.

Neira (2019) comenta que a Educação Física cultural enriquece a relação com variados conteúdos, e não somente os legitimados presentes nos currículos tradicionais. Declara, ainda, que um determinado tema é autêntico quando provém da sociedade, em que se estabelece um meio para que as práticas corporais peculiares a todos os grupos sociais, apesar da origem, tornam-se objeto de estudo.

A tematização dos conteúdos e a problematização dos conceitos pretendem mergulhar os estudantes profundamente na realidade. “Constata-se que a pedagogia cultural desatualiza o presente e coleta o vulgar e o trivial para examiná-los de outros ângulos, questionando tudo o que é dito a fim de ultrapassar visões estereotipadas” (Neira, 2020, p. 839). A Educação Física Cultural abre um universo para caracterizar os saberes que tradicionalmente foram negados, conduz também para discussões com diversos significados cedidos pelas práticas corporais e a quem participa.

Os saberes abordados no currículo precisam ser questionados, investigados, repensados e criticados independente da cultura a que se atrelam. No currículo cultural não se deseja validar determinados significados em detrimento de outros, pois todos são passíveis de questionamentos e reelaborações. O que importa é fazer com que os estudantes possam se posicionar criticamente diante dos conhecimentos que estão sendo analisados naquele momento (Neves; Neira, 2019, p. 110).

Neira (2019) também aborda outro preceito importante no qual designa como justiça curricular. Neste conceito em que o professor se fundamenta para introduzir práticas corporais característicos a outros grupos sociais, ou seja, aqueles que pouco são reproduzidos na escola. Ao tratar deste preceito não significa que devamos abandonar o ensino dos esportes euro americanos que hegemonicamente habitam os currículos de Educação Física, mas constituir o currículo, também, com os saberes historicamente excluídos. Baseado na justiça curricular, podemos perceber que terá um equilíbrio quando tratamos dos conteúdos a serem ministrados nas aulas, no qual terá uma distribuição equilibrada das inúmeras manifestações da cultura corporal através do seu grupo social de origem predomina, pela valorização do patrimônio cultural corporal tradicionalmente excluído do currículo, a pluralidade de grupos presentes na escola e na sociedade.

A Educação Física cultural não deseja substituir o centralismo da cultura corporal predominante por um centralismo da cultura corporal dos estudantes, tampouco menosprezar a função da escola na propagação do conhecimento sistêmico. O que o currículo cultural preserva é que os conhecimentos propostos, relativos às práticas corporais e seus sujeitos, tenham a mesma dedicação que os conhecimentos dominantes. Outro ponto a ser investigado é o capital dominante, que necessita ser visto sob outras perspectivas, fundamentadas em ideais epistemológicas intrínsecas aos âmbitos inferiores.

No momento em que os professores utilizam o currículo cultural, sofrem com os preconceitos da escolarização moderna. Ainda, identificam seus saberes e auxiliam sua exposição e os inserem ao currículo. Alguns membros da comunidade escolar favorecem a execução de episódios didáticos nos quais proporcionam a fixação de técnicas corporais; com isso, os conhecimentos trabalhados por meio de uma proposta de fixação excedem a gestualidade, a ciência, a linguagem, a autenticidade do estudante, em que apenas faz valer uma verdade, introduzida pelos mais poderosos. “O currículo cultural e seus/suas artistas têm sido assim, ativistas políticos/as que persistem na luta pela afirmação das diferenças e pela construção de uma sociedade menos desigual, mais justa e democrática” (Neira, 2020, p. 296).

Reconhecendo as condutas que fogem da realidade lógica homogeneizada, que introduzem o ensino da Educação Física, o currículo cultural privilegia meios democráticos para a definição de conteúdos e ocasiões didáticas. No decorrer da sua execução diária escolar, o currículo cultural produz momentos para a valorização do direito às diferenças; sendo assim, o currículo cultural da Educação Física procura de que forma as diferenças relacionadas às práticas corporais são elaboradas. Para isto, os estudantes são requisitados a indagarem e transgredirem suas concepções hegemônicas e a seguirem para o caminho do desconhecido.

Esse atrevimento proposto pela Educação Física Cultural tem o intuito de promover nos estudantes um sentimento questionador e argumentador após os muros escolares, instigando-os a atuarem em variados espaços onde declarações preconceituosas que distanciam grupos e práticas corporais passam sem interrupções e interrogações. “O currículo cultural da Educação Física, para além de uma maneira de conduzir a prática pedagógica, é também uma forma de potencializar a própria existência e a dos outros” (Oliveira Júnior; Neira, 2020, p. 04).

O estudo realizado pelos autores Oliveira Júnior e Neira (2020) retrata como os estudantes são provocados a pensar por meio de práticas corporais:

Os posicionamentos dos estudantes mostram que a Educação Física cultural os contagia de tal modo que passam a reconhecer e legitimar os encaminhamentos pedagógicos adotados pela proposta. De certa forma, ousamos afirmar que as significações são ampliadas, ou seja, passam a encarar as aulas de Educação Física como um momento de investigação das práticas corporais em que se recorre a variadas fontes e recursos (Oliveira Júnior & Neira, 2020, p. 05).

Com a Educação Física cultural no cotidiano escolar, os estudantes aprofundam e ressignificam os conhecimentos relacionados às práticas corporais tematizadas, sendo incentivados a desconstruírem as falas preconceituosas colocadas em propagação sobre as manifestações e seus grupos. As aulas de Educação Física também não estão apenas ligadas às vivências motoras, pois elas trabalham como mecanismos de estímulo à leitura e produção das brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas. “O currículo cultural da Educação Física, de uma maneira geral, realiza bem a tarefa a que se propõe em auxiliar os alunos a compreenderem as práticas corporais e desconstruir os discursos que as cercam e os formam” (Oliveira Júnior & Neira, 2020, p. 07).

Nunes (2018) explica que o currículo cultural não pode ser determinado, muito menos relativizado, pois ele está sempre em produção, isto é, sempre em encargo das significações que seus indivíduos (professores e discentes) realizam por intermédio do encontro que organizam com a teoria, a prática pedagógica, as maneiras de produção de sentidos e regulação das práticas corporais, da cultura escolar e da cultura mais ampla, sem, no entanto, afastar-se do que o produz.

As discussões em volta do currículo apresentam considerações relacionados às teorias pós-críticas. Autores como Neira e Nunes (2019) elucidam que o termo “pós” não significa oposição, isto é, a teoria pós-crítica não é uma forma de oposição à teoria crítica. O termo “pós” significa que fronteiras foram ultrapassadas. “Pós” é posicionar-se para frente. É pensar, raciocinar e viver além dos limites e ressurgir com outros pensamentos para a reconstrução das condições sociais presentes. As teorias pós-críticas reconhecem e utilizam o pensamento crítico em suas discussões e problemáticas. O currículo visto como pós-crítico se diferencia da teorização tradicional, pois integra as análises do poder que atravessa os relacionamentos sociais e culturais. Enquanto os currículos tradicionais objetivam a imparcialidade, são despolitizados, fundamentam-se na razão científica, a teorização crítica e pós-crítica apresentam que não há teoria neutra, natural e puramente científica. Todas estão, absolutamente, implicadas em relações de poder.

Um dos objetivos iniciais da concepção pós-crítica da Educação Física é a formação de indivíduos mais harmônicos com as preocupações do campo educacional atual, com destaque para: indivíduos solidários, sensíveis às diversas condições de diferença, indivíduos críticos, competentes para questionar determinadas relações de poder, que implementam e sustentam desigualdades, preconceito e exclusão. No currículo cultural, aparecem encaminhamentos didáticos como: mapeamento, aprofundamento, ampliação, ressignificação, registro e avaliação. São ações fundamentadas em um discurso educacional que aparece por meio das matizes pós-críticas onde se destacam os princípios pedagógicos ou ético-políticos (Bonetto, 2016).

ANÁLISE E COMPARAÇÃO DAS PERSPECTIVAS DE ALGUNS AUTORES SOBRE CURRÍCULO CULTURAL DA EDUCAÇÃO FÍSICA

O currículo caracterizado por teorias pós-críticas se confronta com os métodos tradicionais da Educação Física na medida em que se refere a todo e qualquer conhecimento como digno de representar a experiência escolar. Os autores Martins (2019) e Neira (2020) refletem sobre como as teorias pós-críticas influenciaram a elaboração do currículo cultural da Educação Física. O currículo proposto pelos dois autores acima, para além de identificar e promover diálogos entre os grupos culturais, mencionam que o currículo crítico se inquieta não apenas com os impactos dos discursos na constituição dos indivíduos, mas, especialmente, de que forma esses discursos são realizados, colocados em disseminação e a quem isso beneficia. Os autores também corroboram com a ideia de que os conteúdos propostos para as aulas devem ser construídos de forma colaborativa com os estudantes, para que as experiências propostas durante as vivências das práticas corporais sejam significativas para eles e pertencentes da realidade dos mesmos.

Os autores Martins (2019), Oliveira Júnior e Neira (2020) comentam, em seus trabalhos sobre o direito das diferenças, que, no currículo cultural, em vez de ocultar as diferenças para que não sejam capazes de serem percebidas, deve-se oportunizar o confronto e estimular os estudantes para que demonstrem e investiguem os sentimentos e impressões que aparecem nos períodos de divergências.

Os docentes, por meio de intervenções dialógicas, auxiliam os estudantes a reconhecerem sinais de preconceitos associados às práticas corporais, buscando desestabilizar o posicionamento dos estudantes através da própria argumentação ou também podem recorrer a concepções que esclareçam as diferenças. Por meio do debate com o estudante, procura-se estabelecer possibilidades para desestabilizar ou desconstruir o estereótipo repetido por ele. Ao problematizar os conteúdos da cultura corporal, o currículo se modifica em um universo de crítica cultural, em que ocasiona a indagação sobre tudo que possa ser natural e indispensável. O propósito é botar em contrariedade e provocar novas compreensões sobre aquilo com que frequentemente se trata de maneira crítica.

Pelas pesquisas realizadas por Oliveira Júnior e Neira (2020), é possível identificar que o currículo é acessível ao diálogo e apresenta infinitas possibilidades. Nesta perspectiva, as aulas dão importância para as relações, nas quais se torna fundamental refletir a respeito de suas origens e suas implicações, através de questionamentos ou provocações que promovem mudanças.

O currículo trazido pelos autores em seus trabalhos é de oportunidade, que motiva divulgar todas as vozes; um currículo que transcende os obstáculos das concepções homogeneizadas propostas pelos mais beneficiados, mas um currículo que abrace as diferenças e ofereça oportunidade a todos. Por outro lado, é importante destacar que os campos teóricos que fundamentam o currículo cultural da Educação Física não têm a finalidade de mostrar uma maneira permanente e única para esclarecer a realidade, que é interrogada e contestada. O currículo, pensado com base nessa teorização, não atribui trabalhos relacionados em ideias regulatórias; ao oposto, busca compreender e problematizar a cultura e as práticas corporais.

A escola deve ser entendida como um espaço de problematizar os discursos e significados culturalmente atribuídos às pessoas e às práticas corporais, e o currículo é o que dá direção para isso. A concepção cultural não deseja partir do conhecimento local para determinar os saberes científicos. Motivados pelas concepções pós-moderno, os professores que colocam em ação a proposta compreendem que a escola necessita fazer com que os alunos tenham contato com os saberes das mais abundantes culturas, somente assim será possível desenvolverem seus pontos de vista sobre os saberes disponíveis no tecido social, criticando posicionamentos que afastam ou discriminam aqueles setores enfraquecidos econômica e politicamente. Contudo, podemos afirmar que os conceitos e critérios do currículo cultural possuem potencial político: articulação com um projeto institucional coletivo.

Através do exposto podemos perceber que o currículo cultural da educação física não tem o intuito de trocar o centralismo da cultura corporal dominante por um centralismo das culturas dominadas. O currículo cultural nada promete aos professores e alunos, mas certifica-se a intensificação da sua condição de analistas críticos das práticas corporais localizadas na paisagem social. Ele transforma o que seja ensinar, planejar, escolarizar. Podemos afirmar que representa uma experiência de emancipação, que busca por meio das aulas de educação dar um significado diferente, no qual a procura por uma educação física que transcende os muros da escola, uma educação física da diferença, que muitas vezes revoluciona a ocorrência das práticas corporais naqueles ambientes contaminados pela exclusão. Portanto, aderir ao currículo cultural da educação física é abrir mão dos princípios conservadores e hegemônicos, no qual defendemos um discernimento curricular aberto ao diálogo cultural.

Pode-se observar, pelo ora exposto, que o currículo cultural da Educação Física atualmente está muito mais hibridizado. É possível verificar outras influências, como as teorias queer, os estudos de gênero, o pós-colonialismo e a descolonialidade. Todavia, as bases fundantes do currículo cultural são os estudos culturais e, principalmente, o multiculturalismo crítico, uma perspectiva multicultural, que aborda as diferenças e as desigualdades sociais. Esse entendimento parte de grupos que foram historicamente desacreditados, tais como aqueles anteriormente referidos. Dessa maneira, o currículo pós-crítico se transforma em uma escrita constante, onde todos os indivíduos da escola o escrevem e reproduzem. Ele não detém maneiras corretas e únicas de ensinar e avaliar, como também não há técnicas determinadas para planejar as atividades ou a definição preliminar dos conteúdos a serem ensinados. De maneira oposta, há espaço para a problematização e para o debate acerca dos conhecimentos coletivamente constituídos, das avaliações e dos planos de trabalho.

CONCLUSÃO

A partir de todo o exposto, pode-se concluir que o currículo cultural da Educação Física rompe com os paradigmas tradicionais da área, e demonstra a importância de trazer cada vez mais esse currículo para o seio escolar e promover uma disciplina crítica, respeitada e autêntica. Diante disso, o currículo cultural se apresenta como um movimento de criação de novas maneiras de se fazer Educação Física escolar, problematizando discursos, potencializando o respeito às diferenças, bem como procura dar oportunidade para os menos privilegiados.

O currículo cultural da Educação Física procura, por meio das intervenções pedagógicas, mecanismos mais democráticos perante os inúmeros grupos que estão na sociedade, para dar voz a todos os alunos, sem preconceitos a nenhum grupo. Preza pelos conhecimentos científicos populares, estimula posições críticas e contrapõe a formação de indivíduos de acordo com os pressupostos neoliberais que estabelecem identidades e grupos. Portanto, na concepção cultural, interpreta-se que a escola é um ambiente para discussões, experiências e ressignificações. Ademais, também é um espaço no qual detém de múltiplas raças, culturas e numerosas maneiras de práticas pedagógicas, onde cada um pertence a um determinado contexto cultural.

Através da elaboração de um ambiente dialógico, em que os estudantes possam demonstrar suas opiniões, o currículo cultural da Educação Física pode encorajar as crianças e os jovens a desconstruírem dos discursos preconceituosos que envolvem as brincadeiras, danças, lutas, os esportes e as ginásticas. A perspectiva adotada neste artigo comparou as concepções dos autores que defendem a inserção do currículo cultural na educação física. Ratifica-se que a Educação Comparada detém princípios interculturais, nos quais ela faz inter-relações com a sociedade e educação.

Por fim, espera-se que as discussões apresentadas neste trabalho, além de estimular a realização de futuros estudos na mesma direção, colaborem tanto para a prática pedagógica dos professores em formação, quanto para os docentes que já se encontram em exercício, com a finalidade de que a prática desses professores se torne cada vez mais comprometida com rumos democráticos e com o avanço da área da Educação Física Escolar. É importante mencionar que os campos teóricos que sustentam o currículo cultural da Educação Física não têm a finalidade de apresentar uma maneira definitiva, exclusiva e aparentemente verdadeira para esclarecer a realidade, que é questionada e contestada, sem que, no entanto, indiquem-se respostas salvacionistas.

Material suplementario
Información adicional

Como citar: Oechsler, F. R., Lamar, A. R., & Tormena, C. (2023). O currículo cultural da Educação Física: a educação comparada sobre as perspectivas contemporâneas em torno do currículo. Revista Tempos e Espaços em Educação, 16(35), e18344. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v16i35.18344

Contribuições dos Autores: Oechsler, F. R.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Lamar, A. R.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Tormena, C.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.

REFERÊNCIAS
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Bracht, V. (1999). Educação física & ciência: cenas de um casamento infeliz. Ijuí: Unijuí.
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Marconi, M. A.; Lakatos, E. M. (2005). Fundamentos de metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Atlas.
Martins, J. C. J. (2019). Educação física, currículo cultural e a educação de jovens e adultos: novas possibilidades. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
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Notas
Notas de autor
1 Fundação Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, Santa Catarina, Brasil.
1 Fundação Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, Santa Catarina, Brasil.
1 Fundação Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, Santa Catarina, Brasil.

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