Resumo: Justificativa e Objetivo: Esse estudo tem como objetivo avaliar o conhecimento dos agentes comunitários de saúde sobre a busca ativa do sintomático respiratório, uma vez que é necessário compreender o entendimento desse ator sobre a temática, pois o mesmo tem um papel essencial no controle da tuberculose. Método: A investigação seguiu a trajetória descritiva, adotando um estudo de abordagem qualitativa. Participaram do estudo 12 agentes do município de Belém. Resultado: Em relação ao conhecimento sobre a sintomatologia da doença, os agentes identificam a tosse como principal sintoma, porém ainda têm profissionais que demonstram certa insegurança sobre a característica da tosse, bem como a periodicidade da mesma. O conhecimento sobre abordagem do sintomático respiratório é limitado, por existir um aprendizado distorcido da real finalidade da busca, o que reflete na atuação desse profissional. O estudo evidenciou que os agentes comunitários de saúde do Município de Belém apresentam fragilidades no conhecimento sobre a busca ativa do sintomático respiratório e a real finalidade da busca. Conclusão: Assim, essa fragilidade não permite o avanço no contexto da incorporação da busca ativa na rotina da visita domiciliar desses profissionais, podendo ser um dos fatores responsáveis pela condição epidemiológica do alto índice de mortalidade por tuberculose no município.
Palavras-chave:Agentes Comunitários de SaúdeAgentes Comunitários de Saúde,ConhecimentoConhecimento,TuberculoseTuberculose.
Abstract: Background and Objectives: To evaluate the knowledge of the community health agents on the active search of the respiratory symptomatic, as it is necessary to understand the knowledge of this actor on the subject, seeing that it plays an essential role in the control of tuberculosis. Methods: The research followed the descriptive trajectory with a qualitative approach, with the participation of 12 agents of the municipality of Belém. Results: In relation to the knowledge about the symptomatology of disease, the agents identify cough as the main symptom, but there are still professionals that shows some insecurity about the characteristic of the cough, as well as its periodicity. The knowledge about respiratory symptomatic approach is limited, because there is a distorted learning of the real purpose of the search, which reflects in that professional's performance. The study evidenced that the community health agents of the municipality of Belém showed fragilities in the knowledge about the active search of RS and the real purpose of the search. Conclusion: Thus, this fragility does not allow progress in the context of the incorporation of the active search in the routine of the home visit of these professionals, and may be one of the factors responsible for the epidemiological condition of high mortality rate due to tuberculosis in the Municipality.
Keywords: Community Health Agents, Knowledge and Tuberculosis.
Resumen: Justificación y Objetivo: Este estudio tiene como objetivo evaluar el conocimiento de los agentes comunitarios de salud sobre la búsqueda activa del sintomático respiratorio, ya que es necesario comprender el entendimiento de ese actor sobre la temática, pues el mismo tiene un papel esencial en el control de la tuberculosis. Método: La investigación siguió la trayectoria descriptiva, adoptando un estudio de abordaje cualitativo. Participaron del estudio 12 agentes del municipio de Belém.Resultado: En relación al conocimiento sobre la sintomatología de la enfermedad, los agentes identifican la tos como principal síntoma, pero todavía tienen profesionales que demuestran cierta inseguridad sobre la característica de la tos, así como la periodicidad de la misma. El conocimiento sobre el abordaje del sintomático respiratorio es limitado, por existir un aprendizaje distorsionado de la real finalidad de la búsqueda, lo que refleja en la actuación de ese profesional. El estudio evidenció que los agentes comunitarios de salud del Municipio de Belén presentan fragilidades en el conocimiento sobre la búsqueda activa del sintomático respiratorio y la real finalidad de la búsqueda.Conclusión: Así, esa fragilidad no permite el avance en el contexto de la incorporación de la búsqueda activa en la rutina de la visita domiciliar de esos profesionales, pudiendo ser uno de los factores responsables por la condición epidemiológica del alto índice de mortalidad por tuberculosis en el municipio.
Palabras clave: Agentes Comunitarios de Salud, Conocimiento, La tuberculosis.
Os saberes dos agentes comunitários de saúde de um município da Amazônia sobre a busca ativa do sintomático respiratório
The knowledge of the community health agents of an Amazônia municipality on the active search of respiratory symptomatic
Los saberes de los agentes comunitarios de salud de un municipio de la Amazonia sobre la búsqueda activa del sintomático respiratorio

Recepção: 27 Julho 2017
Aprovação: 03 Abril 2018
A tuberculose (TB), embora seja potencialmente prevenível e curável, ainda hoje, é vista como um sério problema de saúde pública nos países em desenvolvimento, associada às condições de pobreza e de iniquidade social. Sendo que o Brasil ocupa a 18ª posição em carga de TB de um grupo de 22 países que concentram cerca de 80% dos casos da doença, representando 0,9% dos casos estimados no mundo e 33% dos estimados para as Américas.1,2 Os indicadores epidemiológicos da TB no Brasil vêm apresentando resultados positivos, no entanto ainda assim a doença é um desafio para saúde pública, principalmente para região amazônica com destaque para o Estado Pará, pois Belém foi considerada a 5° capital com maior coeficiente de mortalidade para TB3.
Essa situação epidemiológica do Pará pode ter uma relação com a falta de saneamento básico e o nível de pobreza, já a capital paraense tem um índice de vulnerabilidade para pobreza de 33, 3% e um saneamento inadequado de 48,5%, além de apresentar um dos piores indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ocupando a 24º posição. Ressalta-se que as doenças infectocontagiosas têm aumento significativo nos países em desenvolvimento, este quadro afeta a vida de pessoas com menor condição socioeconômica.3-5
Desta maneira, para compreender essa situação da TB no Município de Belém é necessário fazer uma relação com o crescimento urbano que ocorreu de forma diferenciada nas terras altas e baixas, as primeiras concentrando investimentos públicos e a população de maior renda e as últimas, ocupações precárias e informais, muitas próximas ao Centro, mas sujeitas a alagamentos. Grande parte da população ocupa estes espaços de cotas inferiores, tradicionalmente conhecidos como “baixadas”, áreas que passam periodicamente por inundações e alagamentos. Estudos alertam para maior risco de TB relacionado às condições de moradia, e como Belém apresenta alto índice de moradias impróprias, segundo IBGE, pode ter uma relação com a situação epidemiológica da cidade.6,7
Desta forma, para o controle mais efetivo da TB é necessário o fortalecimento da Atenção Primária em Saúde (APS), uma vez que tem um papel fundamental na busca ativa do sintomático respiratório (SR), o qual é definido como todo portador de tosse com ou sem expectoração há pelo menos três semanas, proporcionando a interrupção da cadeia de transmissão da doença precocemente, todavia estudos apontam que apenas 52,4% afirmam que "sempre" identificavam um suspeito de TB. Assim percebe-se que busca ativa não faz parte em sua plenitude na rotina da APS7.
Outro fator contribui para não adesão da busca ativa do SR, especificamente no município de Belém é a baixa cobertura pela Estratégia Saúde da Família (ESF), pois em 2016 havia uma cobertura de 24,2%. Sabe-se que a ESF é a principal modalidade da APS responsável pelo controle da TB, devendo trabalhar em lócus, ou seja, a mesma tem uma área adstrita, facilitando a intensificação da busca ativa do SR de acordo com os grupos de vulnerabilidade.8,9
E o principal ator responsável por essa busca do SR e mapeamento dos grupos de vulnerabilidade para TB é o Agente Comunitário de Saúde (ACS), ações essas que estão previstas no Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), então espera-se que o mesmo seja capaz de identificar, por meio de visitas domiciliares (VD), os indivíduos que apresentam os sintomas compatíveis com a TB e encaminhá-los aos serviços de saúde para investigação da doença. Porém, alguns estudos evidenciam a inabilidade desse ator na identificação e manejo dos SRs e distorção de informações sobre os sintomas e tratamento da doença.10,11
Assim, a incorporação da busca ativa de SR no controle de TB no âmbito do PACS requer, fundamentalmente, a compreensão do contexto no qual ocorre a intervenção, uma vez que contextos diversos e processos específicos de implantação influem nos resultados. Desta forma, é necessário assumir um conjunto de ações, tanto no âmbito externo como no âmbito interno, de modo a avançar para uma nova lógica de trabalho.
Diante da importância do ACS na busca ativa do SR e do contexto da TB no Município de Belém, esse estudo tem como objetivo avaliar o conhecimento ACS sobre a busca ativa do SR, uma vez que é necessário compreender o entendimento desse ator sobre a temática, pois o mesmo tem um papel essencial no controle da TB, já que tem uma representatividade perante a comunidade, podendo impactar para melhoria epidemiológica da TB no Município.
Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa, a técnica utilizada para a coleta de dados foi o diário e entrevista semiestruturada. O diário de campo tem por objetivo registrar em tempo real atitudes, fatos e fenômenos percebidos no local de atuação. Para o diário de campo realizou-se uma observação participativa que visa buscar os fundamentos na análise do meio onde vivem os atores sociais. Desta forma, o pesquisador deve interagir com o contexto do estudo, ou seja, deve estabelecer uma relação direta com grupos ou pessoas, acompanhá-los em situações informais ou formais interrogando-os sobre os atos e seus significados por meio de um constante diálogo.11,12
Participaram 12 ACSs do Município de Belém, por meio de amostra aleatória, sendo que a escolha foi de três ACSs de cada ESF distribuídas em quatro distritos administrativos do Município. É importante informar que o Município de Belém é composto por oito distritos administrativos, no entanto o estudo alcançou por meio da técnica de saturação em quatro distritos. O estudo ocorreu no segundo semestre de 2016, sendo realizado com os ACSs que assinaram o termo de consentimento livre esclarecido. O estudo foi previamente autorizado pelo parecer do Comitê de Ética do Instituto de Ciência e Saúde da Universidade Federal do Pará sob o protocolo 1.844.738 . Esse estudo respeitou os princípios éticos de acordo com resolução 466/12 (CNS/MS).
A coleta de dados foi realizada em dois momentos, o primeiro por meio do acompanhamento do ACS durante as VD, totalizando 57 visitas. Utilizou-se observação participativa com foco no tipo de abordagem que o ACS realizava na VD. Essa observação foi por meio de um fluxograma, o mesmo foi constituído por observação de alguma pergunta relacionada ao SR (tosse, febre ou perda de peso) pelo ACS, conforme a figura 1.
No segundo momento foi realizada uma entrevista semiestrutura, no qual tivemos a preocupação de realizá-la em local fechado com a presença apenas do pesquisador e do participante. Para manter o anonimato, identificou-se os discursos e as entrevistas utilizando-se códigos alfanuméricos, os quais foram compostos da letra E de “Entrevista” e o número sequencial.
Adotamos roteiro prévio sobre a temática, sendo que mesmo era dividido em dois eixos, o primeiro contendo os dados sociodemográficos, a fim de traçar o perfil dos participantes, e o segundo era composto de perguntas específicas sobre o SR, como: “Você recebeu algum tipo de treinamento de tuberculose? O que achou desse treinamento e quanto tempo faz?”; “você sabe descrever quais são os sintomas da tuberculose? Dentre esses sintomas quais você considera mais importante?”, “Para você o que é busca ativa do sintomático respiratório? E que momento você realiza essa busca?”; “Para você quais são as principais dificuldades para controle da tuberculose?”
Ressalta-se que as entrevistas foram gravadas e posteriormente realizadas transcrições literais dos dados coletados. Análise de dados foi realizada de acordo com análise de conteúdo proposta por Bardin.13 No qual, foram realizados recortes dos discursos dos participantes, a fim de alcançar o núcleo de compreensão, que foram organizados e agregados em categorias temáticas, que permitiram uma descrição das características pertinentes do conteúdo.

Para caracterização dos participantes foi analisado o perfil sociodemográfico com informações que julgamos ter relação com o processo de atuação desses profissionais. Tais informações foram obtidas através das entrevistas, as quais foram agrupadas permitindo elaborar o perfil dos participantes, relacionado ao sexo, idade, escolaridade e tempo de serviço. Esses elementos estão expressos no quadro abaixo.

Majoritariamente os participantes eram do sexo feminino. Todavia, não foi possível verificar o envolvimento das mulheres ACSs na busca ativa do SR, bem como dos poucos homens participantes, assim pode-se afirmar que a busca ativa do SR não sofre influência de gênero. O tempo médio de serviço é de 4 anos, em relação à escolaridade 7 (58,2%) tinham ensino superior completo ou incompleto.
Diante desse contexto emergiram os seguintes eixos temáticos: o conhecimento do ACS do Município de Belém-PA sobre a busca ativa do SR; os fatores que influenciam no controle da TB na ótica do ACS e a percepção do ACS sobre o seu papel na busca ativa do SR.
Eixo 1: O conhecimento do ACS do Município de Belém-PA sobre a busca ativa do SR.
Destaca-se que o conhecimento dos ACS sobre a busca ativa do SR é limitado: 83,3% dos participantes não sabiam fazer uma definição correta sobre a finalidade da busca ativa, os mesmos relacionavam com a busca de paciente faltoso ao tratamento ou as buscas de contatos de controle. Outro dado relevante é que 58,3% dos participantes apresentaram dúvidas sobre a característica e periodicidade da tosse que é o principal sintoma da TB pulmonar.
Em relação ao conhecimento sobre a sintomatologia da TB, os ACSs identificaram a tosse como principal sintoma, porém ainda tem ACS que demonstra certa insegurança sobre as caraterísticas da tosse, se era seca ou com secreção, além do período da tosse, pois teve participante que afirmou que o período da tosse teria que ser por mais de meses, fazendo associação com a febre, para poder chegar a suspeita de TB, elucidado no quadro 1 no foco do eixo temático de sintomantologia da TB
O conhecimento sobre abordagem do SR é limitado, pois existe um aprendizado distorcido da real finalidade da busca, podendo ser inferido pelas respostas dos participantes, já que os mesmos fazem uma relação com a busca de paciente faltoso ao tratamento ou a busca de contatos controle. Essa forma de pensamento reflete na busca ativa do SR durante as visitas domiciliares desse profissional, pois foi perceptivo que esse pensamento não faz parte da rotina dos ACSs, apesar deles reconhecerem a importância da busca para uma detecção precoce e o seu papel nesse processo. Conforme o quadro 1 no foco do eixo temático busca ativa.

Eixo 2: Os fatores que influenciam no controle da TB na ótica do ACS.
Os ACSs elencaram algumas barreiras que dificultam o controle da TB, entre elas, a falta da continuidade de capacitações, pois segundo os participantes tinham mais de um ano que não recebiam nenhum tipo de treinamento a respeito da temática, e que seria de extrema importância para a atualização, conforme o eixo temático eixo capacitação permanente no quadro 2.
Para os ACSs, o profissional que tem que se responsabilizar por essas capacitações são os enfermeiros, no entanto há uma alta rotatividade desses profissionais, que dificultam o andamento dos programas, em especial o programa de controle da TB. Para os ACSs, o profissional que tem que se responsabilizar por essas capacitações são os enfermeiros, no entanto há uma alta rotatividade desses profissionais, que dificultam o andamento dos programas, em especial o programa de controle da TB. Outro fator destacado como problemática pelos ACS foi o déficit de profissionais para atuarem nas áreas, e sendo constatada essa baixa cobertura, já que todas as ESFs visitadas estavam com áreas descobertas, conforme o quadro 2.

Eixo 3: A percepção do ACS sobre o seu papel na busca ativa do SR.
Existe o entendimento por parte dos ACSs entrevistados, que o mesmo é a ponte entre comunidade e a ESF, desta forma, reconhece a necessidade a partir dos problemas encontrados. Esse método para busca ativa do SR é essencial, pois a TB é uma patologia circundada por diversos determinantes sociais, sendo que esses determinantes são relacionados às condições socioeconômicas e culturais. Podendo ser evidenciado com depoimentos do quadro 4.

O ACS no contexto de atuação da equipe de saúde da ESF no controle da TB são responsáveis, principalmente pela busca ativa do SR, no entanto ainda há uma fragilidade na incorporação desta ação no seu contexto de trabalho em decorrência de uma VD superficial, que muitas das vezes não conseguem fazer uma identificação precoce dos casos de TB.
Essa fragilidade perpassa pelo conhecimento da sintomatologia da doença, pois sabe-se que o principal sintoma da TB é a tosse, logo é esperado que o ACS seja capaz de identificar por meio de VD, os indivíduos que apresentam tosse por 3 semanas ou mais.14-16 No entanto, apesar dos ACSs reconhecerem a tosse como principal sintoma, os mesmos apresentaram dificuldades a respeito da periodicidade e a característica da tosse. Assim, essa dificuldade de classificar a tosse pode interferir na abordagem do SR durante a VD desse profissional. Esse desconhecimento sobre a sintomatologia clássica da TB pode ser um dos motivos da ineficácia da busca ativa do SR no município de Belém, além dos ACS não saberem a finalidade dessa ação, pois, os ACSs têm uma ideia distorcida do conceito de busca ativa, podendo ser evidenciado no foco busca ativa do SR, no qual os mesmos fazem uma associação com o controle de contato de TB e com abandono de tratamento, ambas as situações não têm uma relação com definição da busca ativa do SR.
Logo, essa indefinição do conceito contribui para um aumento da detecção de caso por meio da busca passiva, que compreende a investigação de TB em indivíduos que procuraram o serviço de saúde devido à tosse. Essa busca passiva ocorre principalmente pela falta de planejamento gerencial referente às atividades de busca ativa do SR.17-19Para que haja mudança nesse contexto é necessário o enfoque na educação permanente, que visa trabalhar com os problemas que emergem da equipe e da comunidade.
Todavia, estudos realizados sobre capacitação dos ACSs apontam que este profissional tem responsabilidades básicas com a comunidade, de forma que precisa ser elaborado um plano de educação permanente que contemple o contexto de trabalho deste profissional, ou seja, na identificação de sinais e situações de risco, como prestar orientações às famílias e para a comunidade, e realizar encaminhamentos à equipe dos casos e situações identificadas que necessitam de acompanhamento.20
A TB é uma doença que necessita constantemente ser trabalhada com os ACS, por ser uma doença que tem ligação forte como os determinantes sociais.21 Por consequência, uma das principais barreiras destacadas pelo ACS foi à periodicidade de capacitações que abordam a TB, podendo ser constatado no quadro 3, pois a maioria relatou que tinha mais de ano que não recebiam capacitação sobre a temática. Destaca-se ainda que a capacitação insuficiente repercute na limitação do conhecimento sobre o manejo no controle da TB, para que as equipes estejam em consonância com os protocolos que são lançados pelo MS.
Somado a descontinuidade das capacitações, destaca-se a forma como a TB vem sendo abordada, pois pelos depoimentos ficou evidente que ainda é aos moldes do modelo biomédico, com enfoque para a doença não fazendo uma relação com os determinantes sociais. Porém, ressalta-se que esse modelo reducionista não tem tido muito êxito, uma vez que o treinamento e/ou preparo das equipes não tem sido capaz de atender a ação proposta. Essa forma de capacitar não repercute nas ações dos ACSs nas VDs, pois foi perceptivo que durante o acompanhamento desses profissionais, os mesmos não realizavam a busca ativa.
Desta maneira, é necessário romper esse modelo de capacitação tradicional, por meio da compreensão que a TB apresenta diversos determinantes sociais que são relevantes e precisam fazer parte do plano de educação em saúde, para que os ACSs sejam capazes de dialogar com esses determinantes e incluí-los na sua atuação. Porém, essa ruptura exige uma capacitação permanente, com enfoque nos problemas que emergem do usuário/família/comunidade para que ações possam ser resolutivas.22
Contudo, a eficácia do processo construtivo da educação permanente exige que haja uma integração da equipe de saúde, todavia essa integração de acordo com os relatos não ocorre na maioria das ESF visitadas. Essa ausência de integração gera a desmotivação do trabalhador e compromete a qualidade de suas ações na comunidade, visto que a integração da equipe proporciona a prática de um trabalho interdisciplinar. Desta forma, o trabalho em equipe é reconhecido como um facilitador do processo de trabalho, sendo fundamental para as orientações e cuidados ofertados aos usuários.23
Essa integração comprometida pode também estar relacionada à alta rotatividade dos profissionais, visto que o vínculo da equipe é interrompido constantemente, repercutindo no trabalho desenvolvido, principalmente quando se trata da TB, pois as intervenções precisam de um conhecimento apurado dos determinantes sociais existentes na área, que tem uma relação direta ou indireta com a TB.
Destaca-se que o Pará está acima da média nacional de cobertura de ACS que é de 66%, apresentando uma cobertura de 83%, porém essa cobertura não é uma realidade da capital do estado, Belém tem uma cobertura de 26% da população sendo assistida por esse profissional8. Essa baixa cobertura foi vivenciada durante o estudo. Em todas as ESF visitadas havia microáreas descobertas, destacando também que tinha equipes compostas apenas com dois ACSs, havendo déficit de oito ACSs.
O ACS possui um papel importante para a consolidação do SUS, não só por facilitar o acesso da população às ações e serviços de saúde, mas principalmente por ser o elo entre as equipes de saúde e a comunidade, fortalecendo as relações, facilitando o potencial diagnóstico das situações de risco e atuando como agentes de organização da comunidade, para a transformação de suas condições de saúde.24
No entanto, ausência desse profissional em decorrência da baixa cobertura é um agravante para a identificação precoce do SR, uma vez que a população não é alcançada pelas ações desenvolvidas na ESF, visto que o ACS é a ponte entre a comunidade e ESF. Sabe-se que a TB é uma doença de cunho social, e que é necessário uma busca ativa continua nos grupos de vulnerabilidades. Porém, sem a figura do ACS é inviável fazer o diagnóstico situacional das microáreas para identificação dos grupos de risco para a doença, assim ficando uma assistência à saúde negligenciada no controle da TB.
Essa situação da ausência de ACS pode ser ainda mais grave em decorrência da nova configuração da Política Nacional de Atenção Básica, uma vez que a portaria Nº 2.436, de 21 de setembro de 2017 não estabelece mais um número mínimo de ACS por estratégia saúde da família, abrindo precedentes para uma quantidade insuficiente de profissionais para atender a população local de cada município.
Na atenção à TB, o ACS tem o papel de facilitador, podendo identificar precocemente o SR, além de acompanhar o tratamento dos casos confirmados, repercutindo na melhoria dos indicadores epidemiológicos da doença. Portanto, os ACSs desse estudo reconhecem a importância do seu papel no controle da TB, além de identificar empiricamente a necessidade de desenvolver as ações de saúde a partir do problema identificado.
Esse método de compreensão da realidade, no intuito de ensejar processos de ação-reflexão-ação que apontem soluções efetivas de problemas desvelados no cotidiano.25 E o ACS por ser o membro da equipe que está diretamente na comunidade terá uma visão além dos muros da ESF, e assim conseguirá desenvolver ações mais contundentes, utilizando como ferramenta a educação em saúde.
Desta maneira, percebe-se nos discursos dos ACSs que apesar de reconhecer seu papel na identificação do SR, os mesmos não se sentem capazes de realizar a busca, conforme os diálogos do quadro 4. Busca essa que não exige muito esforço para ser realizada, pois a mesma é parte do processo de atuação desses profissionais, logo é necessário mudar essa concepção, de forma que o ACS possa realizar busca ativa do SR sempre dialogando com os problemas inerentes da sua comunidade, necessitando assim fomentar o pensamento crítico desse profissional.
O estudo evidenciou que os ACSs que participaram da pesquisa apresentam fragilidades no conhecimento sobre a busca ativa do SR. Essa fragilidade não permite o avanço no contexto da incorporação da busca ativa na rotina da VD desses profissionais, podendo ser um dos fatores responsáveis pela condição epidemiológica sobre alto índice de mortalidade por TB no município.
Sendo assim, para que haja mudança da atuação desse profissional, faz-se necessário levar em consideração as barreiras identificadas por ele, principalmente aquelas relacionadas à capacitação sobre a temática, que ocorre de forma pontual e aos moldes do modelo reducionista de repasse de informação. Esse modelo de capacitação vai de encontro com a educação permanente, que tem como lógica a problematização como ferramenta de desenvolvimento de um senso crítico e reflexivo da realidade vivenciada pelos profissionais de saúde.
Desta maneira, é necessário o fortalecimento das ESFs, não apenas no campo da educação em saúde, pois existem problemas estruturais que necessitam de mudanças de governabilidade pautados no aumento da cobertura de ACS. Esse ator social tem uma responsabilidade de desenvolver ações de promoção e prevenção, no entanto o número reduzido de profissionais inviabilizam tais ações, principalmente relacionado à busca ativa do SR, proporcionando um diagnóstico tardio, já que grande parte da população belenense é desassistida por esse profissional.




