Resumo: Justificativa e Objetivos: As abordagens baseadas no saber da população se constituem em uma importante ferramenta para orientar o desenvolvimento de estratégias adequadas e efetivas para controlar e prevenir os surtos de dengue. O objetivo do estudo foi identificar as percepções sobre conhecimento, ocorrência e ações de controle da dengue dos moradores do município de Ponta Porã, no estado de Mato Grosso do Sul, fronteira Brasil/Paraguai. Método: Foi realizado um estudo quali-quantitativo no período de novembro a dezembro de 2016 em amostra populacional de residentes na área urbana do município. Para a coleta de dados foram entrevistados 383 moradores, cuja análise do conteúdo se fez pela técnica do Discurso do Sujeito Coletivo. Resultados: Os discursos revelam coerência entre as informações disseminadas pelas campanhas de controle da dengue e o conhecimento da população sobre a doença. Observou-se responsabilização da própria população pela ocorrência da dengue. Os entrevistados demonstraram insatisfação com as ações de controle da dengue desenvolvidas pelo poder público municipal, principalmente com a intensidade, regularidade e continuidade delas. Conclusões: A maioria dos entrevistados sabe o que é dengue, conhece sua forma de transmissão e como se dá o seu controle..
Palavras-chave:DengueDengue,Prevenção de doençasPrevenção de doenças,Participação da comunidadeParticipação da comunidade,Áreas de fronteiraÁreas de fronteira.
Abstract: Background and Objectives: Approaches based on knowledge of the population constitute an important tool for guiding the development of appropriate and effective strategies to control and prevent outbreaks of dengue. The objective of this study was to identify the perceptions about knowledge, occurrence and control activities of dengue fever of residents of the municipality of Ponta Porã, Mato Grosso do Sul state, Brazil/Paraguay border. Method: A qualitative-quantitative study was conducted from November to December 2016 in a population sample of residents in the urban area of the city. For the data collection, 383 residents were interviewed, whose content analysis was done using the Collective Subject Discourse technique. Results: The speeches reveal coherence between the information disseminated by dengue control campaigns and the knowledge of the population about the disease. Observed accountability of the own population on the occurrence of dengue. The interviewees showed dissatisfaction with the actions of dengue control developed by the municipal public power, mainly with the intensity, regularity and continuity of them. Conclusions: Most of the interviewees know what dengue is, knows its form of transmission and how it gives its control.
Keywords: Dengue, Disease prevention, Community participation, Border Areas.
Resumen: Justificación y objetivos: Los enfoques basados en el conocimiento de la población se constituyen en una importante herramienta para orientar el desarrollo de estrategias adecuadas y efectivas para controlar y prevenir los brotes de dengue. El objetivo del estudio fue identificar las percepciones sobre conocimiento, ocurrencia y acciones de control de la dengue de los habitantes del municipio de Ponta Porã, en el estado de Mato Grosoo do Sul, frontera Brasil/Paraguay. Métodos: Fue realizado un estudio quali-cuantitativo en el periodo de noviembre a diciembre de 2016 en muestra poblacional de residentes en el área urbana del municipio. Para la recolección de datos fueron entrevistados 383 habitantes, cuyo análisis del contenido se hizo por la técnica del Discurso del Sujeto Colectivo. Resultados: Los discursos revelan coherencia entre las informaciones disseminadas por las campañas de control del dengue y el conocimiento de la población sobre la enfermedad. Se observó responsabilización de la propia población por la ocurrencia de la dengue. Los entrevistados demostraron insatisfacción con las acciones de control del dengue desarrolladas por el poder público municipal, principalmente con la intensidad, regularidad y continuidad de las mismas. Conclusiones: La mayoría de los entrevistados sabe lo que es el dengue, conoce su forma de transmisión y cómo se da su control.
Palabras clave: Dengue, Prevención de enfermedades, Participación de la comunidad, Áreas Fronterizas.
Percepções sobre dengue dos moradores de um município brasileiro de fronteira
Perceptions on dengue among residents of a brazilian border municipality
Percepciones sobre el dengue de los habitantes de un municipio brasileño de frontera

Recepção: 22 Setembro 2017
Aprovação: 27 Março 2018
Com cerca de três bilhões de pessoas em risco de contrair a infecção, a dengue é considerada hoje a doença viral transmitida por vetores mais importante do mundo, com estimativa de 390 milhões de infecções (96 milhões sintomáticas) e 20 mil mortes anualmente1. Em 2016, foram notificados mais de 2,38 milhões de casos da doença no continente americano2. No Brasil, a dengue ocorre de forma continuada desde 1986, intercalando-se com surtos epidêmicos. Entre 2010 e 2016, foram notificados mais de 7,5 milhões de casos, destacando as recentes epidemias de 2015 e 2016, com 1,6 e 1,5 milhões de casos, respectivamente3. Sobre a magnitude da doença nas fronteiras brasileiras, no período de 2007 a 2009, a dengue foi, entre as doenças de notificação compulsória, a segunda mais expressiva nessas localidades, ficando atrás apenas da malária4.
As ações de combate à dengue são realizadas no Brasil de acordo com as diretrizes do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), em vigor desde 20025. Entre os municípios prioritários para o PNCD, estão os de fronteira internacional, por serem considerados receptivos à introdução de novos sorotipos da doença. O programa possui dez componentes compreendendo ações operacionais de vigilância integrada, entomológica e sobre o meio ambiente; de assistência aos pacientes; de educação em saúde, comunicação e mobilização social; capacitação dos profissionais; sustentação político-social e monitoramento e avaliação. No entanto, a eficácia dessas intervenções depende da continuidade, da cobertura e, principalmente, da adoção de medidas preventivas pela população.
As atitudes da população na prevenção da dengue são influenciadas pelas percepções individuais e coletivas sobre o risco da doença, mediadas pelas experiências da vida cotidiana; por elementos da cultura6. Decorre daí que, ao se pensar uma intervenção em educação em saúde, deve-se levar em conta o conhecimento prévio e a perspectiva das pessoas sobre o tema. As abordagens baseadas no saber da população se constituem em uma importante ferramenta para orientar o desenvolvimento de estratégias adequadas e efetivas para controlar e prevenir os surtos de dengue7.
Considerando que nos municípios fronteiriços as práticas culturais, particulares de cada território, se misturam no uso dos territórios fronteiriços, as proposições de intervenções educativas se constituem num desafio maior nessas localidades. Por essas motivações e pela mobilidade frequente de transfronteiriços é importante a implementação ou implantação de estratégias de vigilância e controle de forma diferenciada.
Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi identificar as percepções das pessoas sobre conhecimento, ocorrência e ações de controle da dengue numa localidade de fronteira, adotando para estudo o município de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, Brasil, na fronteira com o Paraguai. A escolha, para efeitos de reflexão, deu-se em razão do contato direto do seu território com o limite internacional e por ser um município prioritário para o Programa de Controle da Dengue no Mato Grosso do Sul.
Trata-se de um estudo quali-quantitativo, de caráter descritivo e exploratório, realizado no período de novembro a dezembro de 2016 em amostra populacional de residentes na área urbana do município de Ponta Porã, situado ao sul do estado de Mato Grosso do Sul, na fronteira do Brasil com o Paraguai.
O município, com área de 5.330,448 km², conta com uma população estimada de 88.164 habitantes, 80% dos quais residem na zona urbana8. A sede é separada por uma rua (a Avenida Internacional) da cidade de Pedro Juan Caballero (capital do departamento de Amambay), no Paraguai.
Para o cálculo do tamanho da amostra, levou-se em consideração a população urbana de Ponta Porã, uma incidência de 50% de dengue, um erro amostral de 5% e um intervalo de confiança de 95%, resultando em amostra mínima de 383 participantes. Esse total foi distribuído de maneira proporcional à população registrada em cada um dos cinco setores censitários do município utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A técnica de amostragem foi a sistemática dividindo-se o número de domicílios de cada setor pelo número de sujeitos da amostra de cada setor, sendo o valor obtido considerado o intervalo entre as residências. Foi feito um sorteio entre o número 1 e o valor de intervalo obtido em cada setor, para o estabelecimento do início casual das residências, com vistas à manutenção da aleatoriedade.
Dois entrevistadores treinados sobre o assunto em questão realizaram as entrevistas nas residências selecionadas, utilizando um roteiro semiestruturado composto de duas partes: a primeira abordando questões sobre o perfil dos moradores (idade, sexo e escolaridade) e a segunda com perguntas norteadoras (destacadas, nos resultados, como título das tabelas) que abordavam o conhecimento sobre a dengue, a prática e hábitos de prevenção e a avaliação das ações de controle desenvolvidas pelo poder público. Para as questões norteadoras foram admitidas mais de uma resposta por entrevistado. Em cada residência foi entrevistada apenas uma pessoa. Os critérios de inclusão foram: com idade maior ou igual a dezoito anos, de ambos os sexos e aceitar a participar do estudo. O tempo médio da duração da entrevista foi de quinze minutos. As entrevistas foram gravadas, em sua totalidade, como estratégia de deixar os entrevistados mais à vontade para responder e agilizar a coleta de dados e, transcritas integralmente para posterior análise.
Para exploração dos dados coletados foi utilizada a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) que é uma proposta de organização e tabulação de dados qualitativos de natureza verbal, obtidos de depoimentos9. O procedimento metodológico básico exige que se identifique nos depoimentos dos entrevistados as ideias centrais (IC) a respeito da questão estabelecida. O discurso dos entrevistados pode conter uma ou mais IC. Para cada IC formada são atribuídas expressões chave para que, então, seja possível agrupar as expressões chave de sentido semelhante em categorias de respostas. Com o material das expressões chave das IC constroem-se discursos-síntese, na primeira pessoa do singular, que são os DSCs9.
A análise dos discursos foi feita com o auxílio do software DSCsoft (versão aprimorada do Qualiquantisoft) desenvolvido na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) por Lefèvre e Lefèvre em parceria com Sales & Paschoal Informática.10
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética vinculado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, com o Protocolo de número 1.804.168, atendendo às Diretrizes e Normas de Pesquisa estabelecidas pela Resolução nº. 466/12, do Conselho Nacional de Saúde.
Do total de 383 indivíduos pesquisados, 62% tinham idade entre 18 e 44 anos, a maioria mulheres (62,9%). Esse perfil de entrevistados também tem sido encontrado em outros estudos sobre conhecimento da população a respeito da dengue.11,12 Em relação à escolaridade, verificou-se que 51,4% dos entrevistados apresentaram formação escolar acima do nível fundamental completo e que 17 indivíduos não tinham qualquer instrução.
Os resultados dos questionamentos realizados junto aos entrevistados terão suas ideias centrais e a proporção obtida para cada uma delas apresentadas na forma de tabelas. A IC mais compartilhada para cada questão formulada, ou seja, aquela com grande intensidade e alta amplitude, será apresentada na forma de DSC. No entanto, a discussão refere-se a todos os discursos encontrados.
Na tabela 1 são apresentadas as seis IC formadas para a pergunta 1: "O que é dengue para você?" e a proporção obtida para cada uma delas. Os entrevistados demonstraram saber o que é dengue. A maioria reconhece a dengue, simplesmente ou de forma qualificada, como uma doença (74,8%). Aqueles que a qualificam o fazem associando ao seu vetor (IC prevalente), ou seja, ao mosquito Aedes aegypti; à sensação causada, aquela provocada no corpo, e/ou temor de sua fatalidade; e à falta de cuidados.

“. DSC A: A dengue é uma doença transmitida por um mosquito”
A dengue é uma doença transmitida pelo mosquito, aquele pernilongo. É transmitida através da picada do mosquito Aedes aegypti. O mosquito pica a pessoa e a pessoa fica doente. É transmitida pela picada do mosquito fêmea, onde o agente dela é um vírus.
Cabe destacar que em 2016, Ponta Porã passou por uma epidemia de dengue, com uma incidência de 3403,1 casos/100 mil habitantes e oito mortes confirmadas, o que correspondeu a 42% de todas as ocorridas em Mato Grosso do Sul.13É possível que a maioria dos entrevistados que associou a dengue a uma doença ruim, perigosa e que pode matar teve sua resposta influenciada por uma experiência recente com a doença, uma vez que esta pesquisa foi realizada logo após o pico da epidemia. Experiências com a doença podem aumentar a percepção de risco da população, e consequentemente promover ações preventivas.14
Outra IC formada que merece atenção é a C: é um mosquito. Destaca-se aqui que, ao definir a doença, os entrevistados confundiram a dengue com o seu vetor. Esse imaginário social é um dos efeitos indesejáveis das mensagens educativas demasiadamente sintéticas emitidas pelas autoridades sanitárias, onde a questão da dengue é reduzida quase que exclusivamente ao enfrentamento ao mosquito, desconsiderando as determinações socioculturais envolvidas no processo.15
Apenas um percentual muito pequeno do grupo (3,1%) não soube dizer o que é dengue. Esse achado pode ser reflexo do perfil da população entrevistada, onde 38,7% possui apenas o Ensino Fundamental incompleto e 4,4% não possui nenhum grau de instrução. Essa perspectiva, de certa forma, expressa que as mensagens das campanhas educativas não estão sendo absorvidas por uma parcela da população.
Na tabela 2, estão as ideias centrais referentes às atitudes dos entrevistados sobre o que eles têm feito para prevenir a dengue.

“. DSC A: Não deixando água parada”
Cuidar água parada, né? Principalmente isso. Eu evito tudo que possa acumular água parada. Não deixo potinhos com água, latinhas, plásticos...Cuido tudo! Deixo tudo seco. Se dá alguma garoa já saio para ver se não tem um balde ou uma tampinha que ficaram cheios de água. Coloco as garrafas de cabeça para baixo, não deixo acumular água. Lavo as vasilhas dos cachorros e coloco água limpa. É não deixar água parada mesmo!
As três IC mais compartilhadas entre os entrevistados para essa questão associam a prevenção da dengue ao controle do seu vetor. É possível que a explicação para essa atitude seja a mesma dada na questão anterior, quando a população confundiu a doença com seu vetor: campanhas educativas focadas no controle de criadouros do vetor. No senso comum, prevenir a doença passou a ser entendido como prevenir-se do mosquito.16
Uma análise do conteúdo de materiais impressos sobre dengue revelou que a maioria (88%) focava no controle físico, por meio do manejo de recipientes ou possíveis criadouros.17 De acordo com os autores, esse tipo de repasse de informação meramente de cunho biológico contribui para uma visão reducionista da doença pela população, na qual os criadouros determinam a presença do vetor que, por sua vez, determina a ocorrência da doença.
Nota-se que em apenas 3,9% das respostas dos entrevistados o repelente aparece como uma forma de se prevenir da dengue. Ressalta-se que nos materiais de campanhas utilizados, são escassas essas informações sobre proteção individual e domiciliar contra a picada do mosquito. Medidas socioambientais coletivas devem ser sempre intensificadas e complementadas por medidas de proteção individual. Diante disso, destaca-se a necessidade de orientar a população sobre tais medidas.
A percepção da população quanto a existência de dengue em Ponta Porã permitiu revelar sete Ideias Centrais (Tabela 3).

“. DSC A: Por falta de cuidados da população com ambiente onde vive”
É porque as pessoas não cuidam, né? O povo é muito relaxado. As pessoas não cuidam direito das suas próprias casas; não cuidam do seu quintal, deixam água parada e ainda jogam lixo também no quintal dos outros. Vai largando só na mão das autoridades. É muito comodismo. Muitas pessoas sabem como se prevenir, mas não colocam em prática. Cada um tem que fazer sua parte.
Tendo em vista as várias ideias sobre a existência de dengue em Ponta Porã, percebe-se que a população reconhece a própria negligência no combate à doença. Aspectos como falta de zelo com o ambiente que a rodeia, comodismo, falta de comprometimento e não correspondência frente às mensagens educativas são imperativos do entendimento dos entrevistados para julgar a persistência da doença.
O DSC A demonstra a dualidade do saber fazer e do não fazer. O descuido com o entorno onde vive é atribuído pelos entrevistados não ao desconhecimento das medidas preventivas ou consequências da doença, mas a falta de engajamento da população no seu combate. A aquisição de saber instituído não resulta, necessariamente, em comportamento preventivo.18
Um dos fatores que pode ser apontado como responsável pelo não engajamento efetivo da população são as ações de controle do vetor da dengue conduzidas de maneira vertical, cabendo ao município o papel de reprodutor de práticas prescritas nos manuais oficiais.16 Os saberes e fazeres locais não são incorporados nas estratégias de controle, ou seja, as especificidades de cada localidade não são consideradas no planejamento das atividades, situação que ganha contornos específicos em áreas de fronteiras.
As cidades fronteiriças, de alguma maneira, integram-se de forma natural e criam uma espécie de terceiro espaço, no qual se gera uma nova sociedade, com valores e traços culturais, étnicos, linguagens peculiares e próprias dessa localidade, apresentando uma identidade diferente do restante do país.19 Conhecer e considerar as especificidades dessas regiões é importante para subsidiar a discussão e formulação de ações de prevenção e controle da dengue mais adequadas, e consequentemente estimular a participação popular no controle do vetor.
A segunda IC mais compartilhada entre a população estudada associa a existência de dengue em Ponta Porã com a ineficiência e descaso do poder público (20,4% das respostas). O lixo na cidade, a falta de limpeza das ruas e dos terrenos baldios e o descuido com os espaços públicos foram identificados como falha da atuação da prefeitura.
O combate ao Aedes aegypti está relacionado com os cuidados com o meio ambiente urbano e é de responsabilidade de todos, da população, das autoridades e não somente da área de saúde. As pesquisas mostram que, mesmo sob condições ótimas de controle vetorial, a transmissão pode ser restaurada se a participação plena dos diversos atores sociais envolvidos, desde os tomadores de decisão até as comunidades afetadas, não se manter.20
Nota-se uma tendência, não menos importante, de imputar a culpa no outro, manifestada através da responsabilização do vizinho e do Paraguai, como mostram as IC C e E. Essa transferência de responsabilidade também já foi identificada em outro estudo21. A população entrevistada tende a reproduzir o que Valla considera como um dos efeitos mais perniciosos da inoperância ou ineficiência dos serviços públicos no Brasil: a culpabilização da vítima.22 De acordo com o autor, o governo individualiza a questão do combate ao vetor culpando diretamente o mosquito transmissor e indiretamente a população pela doença. Nas áreas de fronteira, a vizinhança internacional é mais um elemento susceptível da imputação de responsabilidade pela população e pelo poder público para o insucesso no controle da doença.
Quando indagados se estão satisfeitos com as ações de controle da dengue realizadas pelo poder público municipal, as variáveis Sim (49,6%) e Não (47,9%) praticamente se equivalem nas respostas dos entrevistados, apesar da IC mais prevalente avaliar negativamente as ações (34,3%) (Tabela 4).

“. DSC A: Não. Porque falta intensificar as ações de controle e prevenção”
Não. Porque não está tão bom como a gente espera. Eu acho que precisa fazer mais. Eles estão fazendo apenas 20% do que tem que fazer. Tem que ter mais pessoas indo nas casas, cuidando, olhando, orientando. Os agentes tem que ir mais nas casas; informar mais as pessoas. É preciso investir mais em campanhas de orientação e divulgação em todos os bairros e não só em alguns. Eu acho que poderia ser melhor. Orientar mais a população para limpar os terrenos. Muito pouco está sendo feito.
Em geral, as várias IC apresentadas demonstraram que a população reconhece que existe um trabalho de combate à doença sendo realizado pelo poder público. Porém, fica evidente o descontentamento com a intensidade, regularidade e continuidade desse trabalho. Nesse sentido vislumbra-se a insatisfação com as campanhas sazonais e o entendimento de que o risco de contrair a doença ocorre o ano todo.
No Brasil, a educação em saúde na prevenção da dengue ainda é de cunho campanhista, pontual e descontínuo. Tal fato não favorece a adoção de comportamentos preventivos, na medida em que estabelece uma ruptura na comunicação continuada entre profissionais de saúde e comunidade.23
O silêncio sazonal impõe-se como um desafio a ser enfrentado. Destaca-se aqui a importância da Estratégia Saúde da Família, principalmente na figura do Agente Comunitário de Saúde, em se trabalhar a problemática da dengue de forma contínua. Uma intervenção adequada na época de baixa transmissão pode ajudar a manter a infestação de mosquitos abaixo de um limiar crítico durante períodos de alta transmissão.24
Outro aspecto importante foi a valorização do trabalho técnico e educativo dos agentes de controle da dengue, como mostra a IC C, igual ao registrado em outro estudo sobre a percepção dos usuários da atenção básica sobre dengue.25 Mesmo sem a continuidade desejada pela população, as ações desses agentes produzem impactos positivos que permanecem nos (in)conscientes dos moradores locais. São ações pontuais, mas de grande visibilidade e de resultados instantâneos.
A avaliação do grau de satisfação da população estudada com as ações de controle da dengue desenvolvidas pelo poder público municipal constitui-se em um importante indicador a ser considerado no planejamento das ações.
A partir da análise do DSC dos entrevistados é possível concluir que a maioria sabe o que é a dengue, conhece sua forma de transmissão e como se dá o seu controle. No entanto, percebe-se uma reprodução das campanhas populares da televisão, cujo pano de fundo é atemorizar, culpabilizar e responsabilizar a população.
Os entrevistados reconheceram a própria negligência no combate à dengue como principal motivação para sua ocorrência, sem descartar a ineficiência e descaso do poder público. Demonstraram insatisfação com as ações de controle da dengue desenvolvidas pelo poder público municipal, principalmente com a intensidade, regularidade e continuidade delas.
Os resultados sugerem a necessidade de ajustes nas práticas de comunicação, educação e mobilização social. Faz-se necessário o estabelecimento do diálogo, com utilização de técnicas e linguagens adequadas, para que a população possa se apoderar de informações confiáveis e que façam sentido para sua realidade. É preciso superar as campanhas episódicas de informação, em lugar da formação. Considerando que trata-se de um município de fronteira, onde a hibridização cultural é uma realidade, é extremamente importante que os agentes das práticas conheçam e considerem os valores e crenças dessa população fronteiriça.
Por fim, as práticas de comunicação, educação e mobilização social devem estar vinculadas a um conjunto de ações intersetoriais. As melhorias na infraestrutura urbana podem reduzir o risco de dengue.



