
Recepção: 05 Outubro 2017
Aprovação: 25 Janeiro 2018
DOI: https://doi.org/10.17058/reci.v8i3.11190
Resumo: Justificativa e objetivo: A via de transmissão predominante em casos de HIV/aids pediátrica continua sendo a transmissão vertical. Sendo a infecção pelo HIV uma doença crônica e controlável, o acompanhamento do tratamento da mãe e seu filho são fundamentais. O objetivo foi verificar o perfil de gestantes portadoras do HIV atendidas em um Hospital público da região central do Rio Grande do Sul, e o momento em que ocorreu o diagnóstico da infecção. Métodos: Foi realizado um estudo descritivo, do tipo transversal, retrospectivo, com 46 gestantes recebendo terapia antirretroviral (TARV) para o HIV durante o período de janeiro a dezembro de 2015 junto a sua Unidade dispensadora de medicamentos. Os dados foram obtidos através da consulta no Sistema de Controle Logístico de Medicamentos, junto à farmácia hospitalar, e através de consulta em prontuários clínicos. Resultados:A média da idade no período da gestação foi de 29 anos (± 5,9), apenas 24% teve o diagnóstico fora de período gestacional, e a maioria (69,6%) sabia ser portadora do HIV antes da gestação atual, sendo que apenas 11,6% estavam esperando o primeiro filho. A maioria das gestantes recebeu TARV por mais de seis meses de gestação (60,9%). O pré-natal não foi realizado adequadamente em 19,6% destas gestantes resultando em TARV insatisfatória. Conclusão:Sendo o HIV uma infecção silenciosa, a gestação torna-se um momento oportuno para diagnóstico desta infecção. É necessária maior sensibilização quanto à importância de um pré-natal precoce e de adesão a TARV, buscando minimizar os riscos da transmissão vertical do HIV.
Palavras-chave: Gestantes, HIV, AIDS, Terapia Antiretroviral, Transmissão Vertical de Doença Infecciosa.
Abstract: Background and objectives: The predominant transmission route in cases of HIV/pediatric aids continues to be vertical transmission. Since HIV infection is a chronic and controllable disease, monitoring the treatment of the mother and her child is fundamental. The objective was to verify the profile of HIV-positive pregnant women attended at a public hospital in the central region of Rio Grande do Sul, and when it was made the diagnosis. Methods: A descriptive, cross-sectional, retrospective study was carried out with 46 pregnant women undergoing antiretroviral treatment (ART) for HIV during the period from January to December 2015. Data were obtained through the consultation in the Logistic Control System of Medications, in the hospital pharmacy, and in the medical records. Results: The mean age of the gestation period was 29 years old (± 5,9). Only 24% had the diagnosis outside the gestational period, and the majority (69,6%) knew to be HIV positive before the current gestation, with only 11, 6% expecting the first child. The majority of pregnant women received ART for more than 6 months of gestation (60.9%). Prenatal care was not adequately performed in 19.6%, and these pregnant women were not adequately treated. Conclusion: Since HIV is a silent infection, gestation becomes an opportune moment for the diagnosis of this infection. However, greater awareness of the importance of early prenatal care and adherence to ART is needed, in order to minimize the risk of vertical transmission of HIV.
Keywords: Pregnant Women, HIV, AIDS, Antiretroviral Therapy, Infectious Disease Transmission, Vertical.
Resumen: Justificación y objetivos: La vía de transmisión predominante en casos de HIV/sida pediátrica sigue siendo la transmisión vertical. Siendo la infección por el VIH una enfermedad crónica y controlable, el seguimiento del tratamiento de la madre y su hijo son fundamentales. El objetivo fue verificar el perfil de gestantes portadoras del VIH atendidas en un Hospital público de la región central de Rio Grande do Sul, y cuando se realizó el diagnóstico. Métodos: Se realizó un estudio descriptivo, en sección transversal, retrospectivo de 46 mujeres embarazadas que reciben terapia antirretroviral (HAART) para el VIH durante el período de enero a diciembre 2015. Los datos se obtuvieron mediante la consulta del Sistema de Gestión Logística de medicamentos en la farmacia hospitalaria y por medio de consultas en los registros clínicos. Resultados: El promedio de edad en el período de gestación fue de 29 años, sólo el 24% tuvo el diagnóstico fuera del período gestacional, y la mayoría (69,6%) sabía ser portadora del VIH antes de la gestación actual, siendo que sólo 11, 6% estaba embarazada del primer hijo. La mayoría de las mujeres embarazadas recibieron HAART durante más de seis meses de embarazo (60,9%). El prenatal no fue realizado adecuadamente en el 19,6%, quedando estas gestantes sin HAART. Conclusión: Siendo el VIH una infección silenciosa, la gestación se convierte en un momento oportuno para el diagnóstico de esta infección. Sin embargo, es necesaria una mayor concientización en cuanto a la importancia de un pre-natal precoz y de adhesión a HAART.
Palabras clave: Mujeres Embarazadas, VIH, AIDS, Terapia Antirretroviral, Transmisión Vertical de Enfermedad Infecciosa.
INTRODUÇÃO
A taxa de detecção de gestantes portadoras do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) no Brasil vem apresentando predisposição a aumento nos últimos dez anos. Em 2006 a taxa observada foi de 2,1 casos/mil nascidos vivos, a qual passou para 2,7 em 2015, indicando um aumento de 28,6%. No período de 2000 até junho de 2016, foram notificadas 99.804 gestantes infectadas com HIV, sendo 30,8% dos casos nas regiões Sul do país, onde o Rio Grande do sul foi responsável pela notificação de 18,2% do total de casos do país1.
Durante a gestação há o risco de transmissão vertical da infecção para o concepto, caso não haja ações de prevenção e tratamento adequado. A transmissão vertical do HIV pode ocorrer em três períodos: intraútero, intraparto e após o parto através do aleitamento materno. A maioria dos casos de transmissão vertical ocorre durante o trabalho de parto ou durante o próprio parto (65 a 60%) e o restante (35 a 40%) no período intraútero, principalmente nas últimas semanas de gestação, em estudos realizados com mães que não amamentaram seus bebês2.
Para o controle e queda das taxas de transmissão vertical, foram implementadas medidas de saúde pública, como inclusão de exames para o diagnóstico do HIV no Pré-natal e instituição de Terapia Antirretroviral (TARV) para gestantes soropositivas3.
A Rede Cegonha que foi instituída pelo Sistema Único de Saúde (SUS), compreende desde a confirmação da gravidez, passando pelo pré-natal, parto e pós-parto, até a atenção infantil, conforme a Portaria do Ministério da Saúde, nº 1.459, de 24 de junho de 2011, e tem como objetivo assegurar uma assistência adequada, segura e de qualidade a todas as brasileiras. Recomenda-se que todas as gestantes devam se submeter à realização de teste rápido para HIV durante a primeira consulta, ou no primeiro trimestre de gestação. As gestantes com resultados reagentes para o HIV deverão ser conduzidas para o seguimento ao pré-natal em serviços de atenção especializada em Infecções Sexualmente Transmissíveis/Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (IST/aids) de referência. Nestes casos, a realização do teste de Carga Viral (CV) do HIV está indicada nos fluxogramas dos manuais do Ministério da Saúde como teste confirmatório, sendo imediatamente introduzida a TARV. Vale ressaltar que o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o tratamento da infecção pelo HIV, é revisado sistematicamente, acompanhando o progresso das pesquisas relacionadas aos fármacos utilizados4.
Outro fator importante para evitar a infecção do Recém-nascido (RN) de mãe soropositiva para o HIV é a via de parto. Esta escolha é orientada através do nível da CV materna realizada a partir da 34ª semana e avaliação obstétrica. Isto porque a taxa de transmissão vertical do HIV para o RN é inferior a 1% em gestantes em uso de Antirretrovirais (ARV) que mantêm níveis de CV abaixo de 1.000 cópias/mL, sendo, portanto, muito baixa quando a CV estiver indetectável5.
Para verificar a adesão da gestante portadora do HIV a TARV, e conseguir chegar a níveis indetectáveis do vírus até o momento do parto, esta deverá ser acompanhada clínica e laboratorialmente, através da realização de pelo menos três exames de CV durante a gestação: na primeira consulta do pré-natal, para estabelecer o grau da viremia; entre quatro e oito semanas após a introdução do esquema ARV, para avaliar a resposta ao tratamento; e a partir da 34ª semana, para indicação da via de parto5.
O parto cesáreo é indicado quando a CV for superior a 1000 cópias/mL ou se não existirem exames recentes de CV. Vale ressaltar que o uso de ARV injetável é indicado e deve ser administrado pelo menos três horas antes da cesariana eletiva, até o clampeamento do cordão umbilical para as gestantes nestas condições, objetivando evitar a transmissão vertical5.
Apesar das evidências de que o desejo da mulher de proteger a saúde de seu filho e de se manter saudável leva à melhor adesão a TARV durante a gravidez, diferentes estudos demonstram que apenas cerca de 70% das grávidas em tratamento e sem exposição prévia aos ARVs atingem supressão viral próxima ao parto. A principal causa para a não supressão viral nesse grupo é a adesão insuficiente, que costuma se agravar após o parto. Para o sucesso das políticas atuais de tratamento e acompanhamento de gestantes infectadas pelo HIV durante o pré-natal e após o parto, a equipe de saúde deve estar atenta aos aspectos individuais e dinâmicos que podem afetar a adesão6.
A adesão a TARV se caracteriza por ser um processo amplo que abrange aspectos físicos, psicológicos, sociais, culturais e comportamentais, requerendo decisões compartilhadas e corresponsabilização entre a pessoa que vive com o HIV, a equipe de saúde e a rede social.. Portanto, a adesão a TARV engloba não só a ingestão correta dos medicamentos, mas o comparecimento nas consultas com a equipe de saúde, visando proporcionar uma atenção integral ao paciente e a realização dos exames solicitados pela equipe médica para o acompanhamento do tratamento5 .
A dispensação dos medicamentos ARVs ocorre nas farmácias das unidades de saúde que prestam assistência aos pacientes portadores do HIV, chamadas Unidades Dispensadoras de Medicamentos (UDMs), sendo a aquisição destes medicamentos centralizada pelo Ministério da Saúde. Estudo mostra que para se obter sucesso na redução da CV, é necessário ingerir pelo menos 95% das doses de ARV prescritas e dispensadas8.Neste contexto, a adesão ao tratamento durante a gestação é a medida mais importante para prevenir a infecção no RN, sendo importante conhecer o perfil de gestantes soropositivas que são encaminhadas para receber a TARV, em uma UDM localizada em um hospital público que é referência para o tratamento do HIV/aids, no centro do estado do Rio Grande do Sul5.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo transversal, retrospectivo, utilizando amostra de conveniência, abrangendo 46 gestantes, portadoras do HIV, em qualquer faixa etária, que foram orientadas a retirar a TARV, no período de janeiro a dezembro de 2015 na UDM a qual estão vinculadas. Esta UDM é referência na dispensação de ARV para 31 dos 32 municípios do Rio Grande do Sul que compõe a 4ª Coordenadoria Regional da Saúde (4ªCRS- RS), sendo uma das 55 UDMs do estado do Rio Grande do Sul9, podendo dispensar para outras regiões, se o paciente preferir estabelecer seu vínculo nesta unidade. Atualmente, no ano de 2018, 1964 portadores do HIV recebem ARVs na UDM, alvo do estudo.
Os dados foram coletados por meio do prontuário clínico, e consulta ao Sistema de Controle Logístico de Medicamentos. Foi avaliada a idade, o momento em que foi realizado o diagnóstico da infecção pelo HIV (durante gestação anterior, na gestação atual ou fora de período gestacional), filhos antes da gestação atual, período que a gestante iniciou o tratamento (na gestação atual, em qual mês de gestação iniciou a TARV, ou se já recebia a medicação antes da gestação) e nível da CV anterior ao parto. A análise dos dados foi realizada através de estatística descritiva.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, RS, seguindo a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), conforme parecer circunstanciado número 1.181.428 com CAAE 47638515.3.0000.5346.
RESULTADOS
A média da idade das pacientes na gestação em que foi realizado o estudo era de 29 anos (±5,9 anos), com idade mínima de 17 anos e máxima de 45 anos. No momento do diagnóstico do HIV a média de idade foi de 24 anos (±6,6 anos).
Em relação ao número de filhos, 5 gestantes (11,6%) estavam esperando o primeiro filho, 14 (30,43%) já tinham um filho e 27 (58,7%) tinham dois ou mais filhos de gestações anteriores.
Um total de 11 (24%) gestantes tiveram o diagnóstico da infecção pelo HIV quando não estavam gestantes. Entre as mulheres que tiveram o diagnóstico da infecção durante o período gestacional, a maioria (69,6%) sabia ser portadora do HIV há pelo menos um ano, antes da gestação atual. Enquanto que, 30,4% das gestantes tiveram o diagnóstico durante a gestação atual. Foi considerada como gestação atual mulheres que engravidaram entre o final de 2014 e durante o ano de 2015.
No grupo analisado, 56,52% das mulheres, devido alterações ocorridas nas diretrizes nacionais para tratamento do HIV, já haviam recebido TARV em momentos anteriores de suas vidas. Verificou-se que 87% das gestantes estudadas receberam ARVs, porém houve variação em relação a idade gestacional que se encontravam, no momento que compareceram a UDM para iniciar ou reiniciar a TARV (Tabela 1).

Para a maioria das 46 gestantes selecionadas no estudo, o tempo de terapia ARV recebida até o momento do parto, foi superior a seis meses (n=29). Entre as gestantes que iniciaram a TARV a partir do 4º mês de gestação 17,4% receberam tratamento por pelo menos três meses antes do momento do parto. Desta forma 19,5% das gestantes ficaram sem administração ideal da TARV, recebendo a ARVs por menos de três meses (n=3) ou não recebendo TARV (n=6).
Uma vez que o nível da CV é fator determinante para o risco de transmissão vertical, este foi determinado próximo ao momento do parto. Entre as gestantes que já recebiam TARV antes da gestação (n=26), todas apresentaram CV inferior a 50 cópias/mL no momento do parto. Entre as 14 mulheres que iniciaram a TARV na gestação atual, em diferentes momentos da gestação, 12 conseguiram baixar a quantidade de vírus circulante para valores inferior a 1000 cópias virais/mL de plasma. Entre as seis gestantes que não realizaram TARV durante a gestação, três eram pacientes com diagnóstico recente da infecção, duas já sabiam da sua condição de portadora do HIV devido gestação anterior, e uma teve o diagnóstico fora da gestação há 10 anos. O nível da CV determinado próximo ao parto destas gestantes foi variado (Tabela 2).

DISCUSSÃO
O perfil das gestantes soropositivas do presente estudo, em relação à faixa etária, condiz com os dados nacionais. Desde 2000, a maioria das gestantes com resultado sorológico positivo para o HIV encontrava-se na faixa etária entre 20 e 24 anos1. Nesta faixa etária, a mulher está na fase reprodutiva, e a existência da condição de HIV positivo, não impede o desejo de engravidar.10
Sendo o planejamento reprodutivo um direito de todo indivíduo, durante o pré-natal, parto e puerpério, devem ser transmitidas informações sobre estratégias para redução da transmissão vertical do HIV. Em gestações planejadas, com intervenções realizadas adequadamente durante o pré-natal, o parto e a amamentação, o risco de transmissão vertical do HIV é reduzido a menos de 2%.5
Os motivos que levam as mulheres sabidamente soropositivas a engravidar variam desde a necessidade/desejo da mulher ser mãe, desejo do parceiro ser pai, conhecimento e confiança na eficiência da TARV para evitar a transmissão vertical, bem como o uso incorreto de contraceptivos que leva a uma gravidez indesejada.11,12 Desta forma o fato da maioria das gestantes já terem conhecimento da infecção pelo HIV previamente a esta gestação, não é inesperado.
Estes resultados também refletem a implantação dos testes rápidos para gestantes desde 2009, de acordo com a autorização conferida pelo Artigo 45 do Decreto n° 6860, de 27 de maio de 2009, tornando o pré-natal uma oportunidade para o diagnóstico da infecção pelo HIV. Contudo, apesar de estudo brasileiro relatar que a cobertura de triagem entre mulheres que fizeram testes de pré-natal foi estimada em 80%, em forma global, estima-se que a triagem do HIV consiga atingir apenas 58,3% dos casos esperados de grávidas portadoras do HIV. A probabilidade de que não seja realizado pelo menos um teste de HIV durante a gestação está relacionada com a baixa escolaridade, início tardio do pré-natal, acompanhamento da gestação em local público, e idade materna inferior a 20 anos.3,13
No presente estudo, entre as gestantes que já tinham o diagnóstico da infecção pelo HIV, grande parte já recebia TARV, pois desde 2013, o Ministério d Saúde no Brasil recomenda o início imediato da TARV para todas as pessoas vivendo com HIV e/ou aids, independentemente dos critérios de imunodeficiência ou carga viral. Resultados semelhantes foram encontrados em estudo anterior, onde 73,9% das gestantes já tinham o diagnóstico do HIV antes da gravidez, e 67,7% já realizavam tratamento com ARV antes da gestação.14
Uma vez que a maioria das gestantes já se encontrava em TARV, o tratamento abrangeu os nove meses da gestação, apresentando estas gestantes CV inferior a 50 cópias/mL próximo ao parto. O nível inicial da CV, o tempo de TARV e a adesão ao tratamento são extremamente importantes para que se obtenha próximo ao parto CV em valores menores que 1.000 cópias virais /mL ou que fique em níveis indetectáveis, fator crucial para que não ocorra a transmissão vertical do HIV5. Felizmente, ao ser analisada a adesão de gestantes ao tratamento, é possível verificar que historicamente houve aumento no número de gestantes que aderiram a TARV, passando de 60,7% até 2004, para 73% entre 2005 a 20118. Uma melhor adesão, não só a TARV como aos cuidados durante o pré-natal, parto e puerpério pode ser conseguido a partir da conscientização materna sobre a importância dos procedimentos solicitados para a saúde do seu filho, pois desta forma a gestante passa a participar ativamente no processo de saúde da criança7 .
Um percentual pequeno de gestantes recebeu a terapia medicamentosa por menos de três meses antes do parto. Embora não tenha sido possível verificar o motivo do início tardio da TARV, sabe-se que inúmeros fatores podem dificultar o início da TARV durante a gestação, tais como aceitar a gestação não planejada, considerando sua condição clínica15, bem como tempo para assimilar e aceitar o diagnóstico da infecção pelo HIV.16
Esta apresentação tardia da gestante aos cuidados de saúde (mais 28 semanas de gestação, aproximadamente sete meses) é uma situação crítica, visto que a transmissão intraútero parece ser maior no último trimestre da gestação. Ressalta-se ainda o pouco tempo disponível para indetectar a CV materna até o parto sendo necessário utilizar um esquema TARV potente e que garanta uma queda rápida da CV.17 Em um estudo realizado em um serviço de referência no estado de Alagoas, Brasil, em relação à transmissão vertical do HIV, verificou-se que a prevalência chegou a 6,6%. Dentre os fatores relacionados à taxa encontrada foi citado a não realização da profilaxia com ARV durante a gestação em 75% destas gestantes e a não realização do pré-natal em 40%.18
Observa-se que entre as seis gestantes que não realizaram TARV, duas apresentaram-se com elevada CV antes do parto (78.273 e 1.259 cópias/mL). Um aumento na CV e níveis de linfócitos CD4. inferiores a 200/mm³ são os principais responsáveis pela transmissão vertical.19,20Sabe-se há muito tempo que as mães que apresentam viremia detectável e statusclínico comprometido têm risco de duas a três vezes maior de transmitir a doença ao seu concepto.
Mulheres que apresentam CV maior que 10.000 cópias/mL constituem um fator de risco independente para transmissão vertical, não sendo constatando casos de transmissão perinatal em mulheres com CV plasmática menor que 1.000 cópias/mL.21Desta forma, considerando a probabilidade de transmissão intraútero, o nível da CV e o tempo de tratamento com ARVs durante a gestação, associam-se como fatores determinantes na probabilidade de TV do HIV.22
Concluindo, o presente estudo evidencia que o perfil das gestantes portadoras do HIV estudadas não difere em âmbito nacional, e confirma a triagem sorológica para o HIV durante a gestação como um momento oportuno para diagnóstico desta infecção, muitas vezes silenciosa. Porém, para que isto ocorra de forma satisfatória é necessário fácil acesso aos serviços de saúde, suporte social e financeiro, principalmente para o deslocamento aos serviços de referência para o acompanhamento do pré-natal de alto risco, tornando-se estes fatores limitantes para atingir um tratamento eficiente.7,23 Apesar da necessidade de manutenção de vínculo com a Atenção Básica, as gestantes diagnosticadas com HIV, a partir de qualquer metodologia de testagem, precisam ser encaminhadas para o seguimento pré-natal de alto risco ou Serviços de Atenção Especializada, de acordo a situação clínica, pois haverá necessidade de consultas mais frequentes e acompanhamento de uma equipe multiprofissional.5,23
Uma vez iniciada a TARV, o farmacêutico ao acolher e orientar a paciente no momento da dispensação dos medicamentos na UDM, tem a oportunidade de contribuir de forma significativa com a equipe de saúde. Uma boa adesão ao tratamento pode ser facilitada através do manejo de possíveis efeitos adversos relacionados aos ARVs e sensibilização desta gestante sobre a importância da adesão a TARV para evitar a transmissão vertical do HIV.24
Não menos importante é o apoio emocional para com esta gestante, tanto da equipe de saúde quanto dos parceiros. Ações neste sentido são fundamentais para que o autocuidado seja estimulado. Deve-se ainda ressaltar que a prática do não-aleitamento é extremamente importante para a redução da transmissão vertical do HIV. Esta prática recebe o apoio das Coordenações de aids do Ministério da Saúde, através da disponibilização de formula láctea até os 12 meses de vida para os RNs de mãe soropositva para HIV.22 Desta forma, o cuidado deve se estender após a gestação, para que no final mantenha-se uma mãe e bebê saudáveis, culminando com melhor qualidade de vida para todos os envolvidos.
As informações apresentadas no presente estudo são fundamentadas em dados secundários. Um contado direto com as gestantes contribuiria para uma melhor definição do perfil destas mulheres, permitindo aperfeiçoar a atenção ao paciente.
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