Resumo: Justificativa e Objetivos: Lesões por pressão (LPP) representam um sério problema de saúde que gera grande desconforto, sofrimento e impacto na morbimortalidade de indivíduos internados, o que requer a elaboração de estratégias profiláticas mais direcionadas e adequadas para esse público. Desse modo, o objetivo geral do presente estudo foi descrever o perfil epidemiológico de pacientes internados e as características clínicas das lesões por pressão em uma instituição de referência em saúde na cidade de Manaus/AM. Métodos: Trata-se de um estudo descritivo, em que 24 pacientes, com 49 LPP, foram avaliados por questionários contendo dados demográficos e clínicos. Após aplicação dos questionários, foi obtida a avaliação dimensional das LPP, por meio de imagem fotográfica analisada no software ImageProPlus. A análise estatística foi realizada pelo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Resultados: A maioria dos indivíduos com LPP encontrava-se internada na Clínica Médica (62,5%), sendo constituída por homens (79,2%) com faixa etária entre 5 e 59 anos (54,2%). Grande parte dos pacientes evidenciou apenas uma LPP (54,2%), localizada em membros inferiores (28,6%), relacionadas com patologias neurológicas (41,7%) e maior tempo de internação (66,7%). Os estágios 3 e 4 de lesão foram os mais frequentes. Conclusão: A observação de LPP permite inferir a real necessidade da elaboração de projetos que atuem na profilaxia da gênese e/ou agravamento das lesões, sobretudo em uma população masculina, internada na clínica médica e com estágios mais graves de lesão.
Palavras-chave:Perfil EpidemiológicoPerfil Epidemiológico,Lesão por PressãoLesão por Pressão,HospitalizaçãoHospitalização.
Abstract: Background and Objectives: Pressure injuries (PI) represent a serious health problem that generates great discomfort, suffering and impact on the morbidity and mortality of hospitalized individuals, which requires the elaboration of more targeted and appropriate prophylactic strategies for this public. Thus, the general objective of the present study was to describe the epidemiological profile of hospitalized patients and the clinical characteristics of pressure lesions in a health reference institution in the city of Manaus/AM. Methods: This was an descriptive study, in which 24 patients, with 49 LP patients, were evaluated by questionnaires containing demographic and clinical data. After the application of the questionnaires, the dimensional evaluation of the LPP was obtained, through a photographic image analyzed in the ImageProPlus software. Statistical analysis was performed by the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Results: The majority of individuals with PI were hospitalized in the Medical Clinic (62.5%), and were men (79.2%) with ages ranging from 5 to 59 years (54.2%). Most of the patients showed only a PI (54.2%), located in lower limbs (28.6%), related to neurological pathologies (41.7%) and longer hospitalization time (66.7%). Stages 3 and 4 of injury were the most frequent. Conclusion: PI observation allows us to infer the real need for the elaboration of projects that act in the prophylaxis of the genesis and / or aggravation of the lesions, especially in a male population, hospitalized in the medical clinic and with more severe stages of injury.
Keywords: Epidemiological Profile, Pressure Injury, Hospitalization.
Resumen: Justificación y Objetivos: Las lesiones por presión (LPP) representan un serio problema de salud que genera gran incomodidad, sufrimiento e impacto en la morbimortalidad de individuos internados, lo que requiere la elaboración de estrategias profilácticas más adecuadas para ese público. De este modo, el objetivo general del estudio fue describir el perfil epidemiológico de pacientes internados y las características clínicas de las lesiones por presión en una institución de salud en la ciudad de Manaus/AM. Métodos: Se trata de estudio descriptivo, en el que 24 pacientes, con 49 LPP, fueron evaluados por cuestionarios que contenían datos demográficos y clínicos. Después de la aplicación de los cuestionarios, se obtuvo la evaluación dimensional de las LPP, por medio de imagen analizada en el software ImageProPlus. El análisis estadístico fue realizado por el Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Resultados: La mayoría de los individuos con LPP se encontraba internada en la Clínica Médica (62,5%), constituida por hombres (79,2%) con rango de edad entre 5 y 59 años (54,2%). La mayoría de los pacientes evidenció sólo una LPP (54,2%), ubicada en miembros inferiores (28,6%), relacionadas con patologías neurológicas (41,7%) y mayor tiempo de internación (66,7%). Las etapas 3 y 4 de lesión fueron las más frecuentes. Conclusiones: La observación de LPP permite inferir la real necesidad de elaboración de proyectos que actúen en la profilaxis de la génesis o agravamiento de las lesiones, sobre todo en una población masculina, internada en la clínica médica y con etapas más graves de lesión.
Palabras clave: Perfil Epidemiológico, Lesión por Presión, Hospitalización.
Vigilância das síndromes neurológicas notificadas em um hospital federal em um contexto de epidemia de Zika, chikungunya e dengue
Surveillance of neurological syndromes reported at a federal hospital in a context of Zika, chikungunya and dengue epidemics.
Vigilancia de los síndromes neurológicos notificados en um hospital federal en un contexto de epidemia de Zika, chikungunya y dengue.

Recepção: 14 Maio 2018
Aprovação: 19 Julho 2018
A circulação simultânea dos vírus da dengue (DENV), Zika (ZIKV) e chikungunya (CHIKV) no Brasil tem sido motivo de preocupação entre as instâncias de Vigilância em Saúde e na sociedade em geral. Estas arboviroses podem ser transmitidas pelo mesmo vetor (mosquito Aedes aegypti) e têm sua distribuição favorecida por diversos fatores, como a urbanização desordenada, desmatamentos e migrações populacionais. Não há vacina disponível e nem tratamento específico. Os sinais e sintomas podem ser semelhantes (febre, mialgia/ artralgia e exantema, dentre outros), sendo fundamental a identificação precoce dos sinais de gravidade e a instituição de tratamento adequado para o paciente.1,2
A ocorrência de manifestações neurológicas associadas à dengue foi descrita inicialmente em 1976, podendo surgir em vigência de doença aguda ou como manifestação pós-infecciosa, consequência de reações imunológicas. Dentre as manifestações neurológicas já descritas encontram-se: síndrome de Guillain Barré (SGB), encefalite, mielite, meningite asséptica, mononeuropatias e polineuropatias. A febre de chikungunya pode apresentar um quadro clínico muito semelhante ao da dengue, sendo a artralgia o sintoma mais importante e debilitante (com potencial cronificação do quadro articular por vários anos. A doença pode evoluir com gravidade, especialmente quando acomete crianças, idosos, gestantes, pacientes com comorbidades, e aqueles em uso de alguns medicamentos e nos grupos com formas atípicas da doença, inclusive neurológicas1.
A febre pelo ZIKV tem sido associada ao aumento do número de casos de SGB e à ocorrência de microcefalia em recém-nascidos de mães com quadro sugestivo de infecção pelo ZIKV na gestação. A Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a febre pelo ZIKV como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, em 01/02/2016, recomendando a realização de pesquisas que possam estabelecer a associação entre a doença e as síndromes neurológicas descritas, assim como a presença de cofatores3.
Neste cenário, é fundamental que os serviços de saúde se organizem de forma a promover assistência adequada ao paciente, com profissionais capacitados, principalmente no que diz respeito ao diagnóstico precoce das formas graves. Além disso, a notificação dos casos suspeitos deve ser feita à instância de Vigilância Epidemiológica (VE) local, conforme recomendações do Ministério da Saúde. Os casos de óbito com suspeita de alguma das três doenças, os casos graves de dengue, a ocorrência de suspeita de febre pelo ZIKV em gestantes e os casos de microcefalia/malformação do sistema nervoso central (SNC) em que haja possibilidade de infecção congênita pelo ZIKV devem ser informados imediatamente à VE. Fora destas situações, a febre de chikungunya e pelo ZIKV, além da dengue são agravos de notificação compulsória semanal. O Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE) é um hospital geral, de ensino, referência para doenças infecto-parasitárias e para VE em âmbito hospitalar no Estado do Rio de Janeiro4. Em 2012 ocorreu a vinda do antigo Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião (IEISS) para a área física do HFSE, o qual era referência estadual para atendimento de emergência para doenças infectocontagiosas e contava com um laboratório de referência para líquido cefalorraquidiano (LCR), que foi absorvido pelo HFSE4.
Considerando a relevância do tema, este estudo tem como objetivo descrever o perfil clínico-epidemiológico dos pacientes notificados no HFSE com síndromes neurológicas potencialmente associadas aos arbovírus DENV, CHIKV e ZIKV, nos anos de 2015 e 2016.
Estudo clínico-epidemiológico observacional, com análise de bases de dados secundários do HFSE e coleta de dados em prontuários clínicos e nas fichas de investigação epidemiológica do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do HFSE. Os instrumentos para a notificação e investigação epidemiológica dos casos suspeitos identificados através da busca ativa ou notificados espontaneamente pelos setores de atendimento são padronizados pelo SINAN, cujo responsável técnico no HFSE é o Serviço de Epidemiologia.
De modo complementar, as manifestações neurológicas foram levantadas a partir do instrumento padronizado pela VE municipal do Rio de Janeiro durante a epidemia de febre pelo ZIKV, uma vez que até então as fichas de investigação existentes não contemplavam o mesmo. O instrumento do SINAN acrescido pela coleta complementar gerou um banco de dados local em formato de planilha eletrônica, incluído na rotina de coleta de dados e digitação da VE do HFSE4. Foi executada a rotina de duplicidades da base de dados e foram analisadas a completitude e consistência das informações. Os prontuários clínicos foram posteriormente revistos no Serviço de Documentação e Estatísticas Médicas para qualificar o preenchimento do instrumento de investigação epidemiológica, o qual foi inicialmente realizado durante a rotina de investigação do caso notificado.
Para fins deste estudo, foram incluídos todos os casos notificados no HFSE nos anos de 2015 e 2016, e que atendessem aos seguintes critérios:
a) casos notificados de síndrome neurológica (encefalite, meningoencefalite, paralisia flácida aguda, mielite, encefalomielite disseminada aguda, SGB) de origem indeterminada e registro de infecção viral prévia até 60 dias antes do início do quadro neurológico, confirmados laboratorialmente ou não;
b) casos notificados de síndrome neurológica sem registro de infecção viral prévia 60 dias antes do início do quadro neurológico, mas que tenham confirmação laboratorial para DENV, CHIKV e ZIKV em líquor, soro ou urina.
Nos anos de 2015 e 2016, foram notificados no HFSE 240 casos suspeitos de febre pelo ZIKV, que foram detectados durante a busca ativa nos serviços de internação/ atendimento emergencial e no laboratório de análise de LCR, processo este que faz parte da rotina de VE do hospital4. Desses casos, 72 preencheram os critérios de inclusão para notificação quadro neurológico potencialmente associado a infecção por arbovírus, dos quais 44 foram atendidos e internados no HFSE e 28 resultaram de demanda externa para realização de exame de LCR, por ser o hospital referência para esse procedimento. Para a complementação das informações contidas nas fichas de notificação/ investigação e qualificação da base de dados foram revistos os prontuários e registros de solicitação de exames desses pacientes. Dentre os 44 casos internados, foram revistos 39 prontuários clínicos (perda de 5); para os 28 casos restantes, havia apenas o registro de atendimento no laboratório de LCR.
As variáveis analisadas foram: sexo, idade, raça/cor de pele autorreferida, escolaridade, município de residência, sinais e sintomas, diagnóstico sindrômico do quadro neurológico, local/tempo de internação, evolução do paciente, confirmação do diagnóstico de arbovirose. A confirmação laboratorial da arbovirose considerou a detecção do RNA viral e/ou anticorpos IgM positivos no líquor como evidência de infeção viral recente,5,6 e a presença de RNA no soro e/ou urina, ou de anticorpos IgM no soro como evidência de infeção sistêmica6.
Além disso, considerou-se como provável quadro neurológico associado a arbovirose aquele em que não foi possível a confirmação laboratorial, mas que apresentou quadro clínico compatível com infecção pelos DENV, CHIKV ou ZIKV. Dessa forma, a classificação etiológica final dos casos incluídos foi: arbovirose confirmada laboratorialmente, arbovirose provável (critério clínico-epidemiológico), arbovirose descartada e caso em investigação. A classificação da forma neurológica baseou-se na presença de sinais e sintomas, na avaliação neurológica (alteração de força, sensibilidade, reflexos, progressão), resultados de punção lombar, exames de imagem e eletroneuromiografia.
A análise estatística foi descritiva, utilizando-se o software Statistical Package for the Social Sciences .SPSS) v.18.0, com apresentação dos dados como frequências simples, proporções e mediana.
Este estudo faz parte da pesquisa “Vigilância epidemiológica e perfil clínico-epidemiológico dos agravos de notificação compulsória atendidos no Hospital Federal dos Servidores do Estado desde a implantação do Serviço de Epidemiologia”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do HFSE em 14/07/2014, conforme número do parecer circunstanciado 000.534. Estudo apoiado pelos programas Pesquisa Produtividade e Iniciação Científica da Universidade Estácio de Sá.
Entre os 72 casos notificados com síndrome neurológica potencialmente associada a infecção por arbovírus incluídos no estudo, 44 (61,1%) eram do sexo masculino; a idade variou de 5 meses a 91 anos (mediana = 37 anos), sendo que a faixa etária de crianças e adolescentes foi responsável por 23,6% dos casos. Não havia informação de raça/cor para 24 pacientes (33,4%); 25 (34,7%) eram não brancos (raça negra/parda). Quase metade dos pacientes (34; 47,2%) eram residentes do município do Rio de Janeiro e 23 (31,9%) residiam na Baixada Fluminense. Em relação à escolaridade, não havia informação para 38 pacientes (52,7%) (Tabela 1).

Dentre os principais sinais e sintomas apresentados pelos pacientes notificados, os mais frequentes foram febre (59,7%), exantema (43,1%), artralgia (27,8%) e mialgia (25%) (Figura 1).

A SGB (34,7%) e a meningoencefalite (31,9%) foram as síndromes neurológicas mais frequentes (Figura 2).

Do total de 72 casos, 44 foram internados no HFSE, dos quais 17 (38,6%) no serviço de Doenças Infecto-Parasitárias (DIP) e 16 (36,4%) no serviço de Neurologia; o tempo de permanência variou de 3 a 179 dias, com mediana de 23 dias. Os 28 casos restantes representaram pacientes internados em outras unidades hospitalares com análise do LCR realizada no laboratório de referência no HFSE.
Foram classificados como associados a arboviroses 39 casos (54,1%), dos quais 14 pelo critério laboratorial (6 CHIKV, 4 DENV, 3 ZIKV, 1 DENV+ CHIKV) e 25 por critério clínico-epidemiológico (Figura 3). Foi possível descartar arbovirose em 19 casos (26,4%), e 14 casos (19,4%) permaneceram em investigação até a conclusão deste estudo.
Nos 25 pacientes classificados como arbovirose confirmada por critério clínico-epidemiológico (portanto, possivelmente Zika no contexto da epidemia então vigente), alguns fatores impossibilitaram o fechamento dos casos em tempo oportuno: ausência de exame confirmatório ou coleta não oportuna; e a não liberação de resultados de exames coletados. Pelos mesmos motivos, 14 casos permaneceram em investigação.

A tabela 2 apresenta a distribuição detalhada dos casos segundo a síndrome neurológica e a classificação etiológica. Entre os 39 casos confirmados e/ou possivelmente associados as arboviroses, as formas neurológicas mais frequentes foram a SGB (21 casos; 53,8%) e as meningoencefalites (11 casos; 28,2%). Entretanto, considerando apenas os 14 casos laboratorialmente confirmados, a contribuição das meningoencefalites cresceu para 57,1% (8 casos), ultrapassando a SGB (5 casos; 35,7%).

Entre os 39 casos confirmados laboratorialmente ou por critério clínico-epidemiológico, a mediana entre o início dos sintomas e quadro neurológico foi de 7 dias, sendo o mínimo de 4 dias e o máximo de 89 dias, e 2º quartil de 58 dias.
Considerando a evolução dos 44 casos internados no HFSE, 20 pacientes tiveram um desfecho desfavorável: 1 paciente internado evoluiu com óbito (SGB possivelmente associada a febre pelo ZIKV) e 19 tiveram alta hospitalar com registro de algum tipo de sequela.
O presente estudo incluiu casos que foram notificados pela VE do HFSE, durante epidemia em andamento, com a coleta de informações complementada por revisão retrospectiva dos registros e prontuários, para qualificação dos dados incluídos na análise. Neste contexto, no total de 72 casos notificados, a prevalência de pacientes do sexo masculino (61,1%) em nosso estudo foi maior do que a relatada por outros autores.6,13,14
Estudo baiano também realizado a partir de dados da VE envolveu 138 casos de SGB e outras manifestações neurológicas com histórico de infecção prévia pelos vírus DENV, CHIKV ou ZIKV, notificados ao Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (CIEVS) da Bahia em 2015; destes, 56,1% eram do sexo masculino.13Dados do relatório descritivo do município do Rio de Janeiro de 2016 informam que 184 casos suspeitos foram notificados, sendo 51,9% do sexo masculino.14
Recente estudo multicêntrico no Rio de Janeiro também utilizou esta abordagem metodológica de coleta de dados durante a evolução da epidemia de novembro 2015 a junho 2016, descrevendo uma série de casos que desenvolveram um quadro neurológico associado a uma suspeita de infecção por Zika cujas amostras foram encaminhadas para laboratório de referência para Flavivírus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). De um total de 35 casos de síndrome neurológica oriundos de 11 hospitais, em que a investigação de arbovirose foi solicitada, 50% eram do sexo masculino6.
A faixa etária observada neste estudo foi semelhante à do município do Rio de Janeiro, que relatou 45,3% de casos na faixa de 30 a 59 anos.14O acometimento de faixa etária economicamente ativa associado à possibilidade de sequelas neurológicas tem impacto na carga de doença associada a esses agravos. O fato de 50% dos pacientes notificados em nosso estudo não residir no município do Rio de Janeiro reflete a importância do HFSE como referência para atendimento destes casos graves e para o processamento de LCR encaminhado de outras unidades de saúde4. Recentemente, considerando este perfil de atendimento, o hospital foi convidado a integrar a recém-formada rede estadual de vigilância sentinela das doenças neuroinvasivas. A implantação de unidades sentinela é recomendada pelo Ministério da Saúde e visa estabelecer uma vigilância ativa de casos e vírus a partir da estrutura local, permitindo que se identifique mais precocemente a introdução de um novo vírus ou sorotipo além de identificar a arbovirose predominante em determinado período2.
Os sinais e sintomas mais frequentes (febre, exantema e artralgia) em nosso estudo são comuns às três arboviroses investigadas. De uma forma geral, as formas neurológicas mais frequentes foram SGB e meningoencefalite. Entretanto, para os casos com infecção confirmada por arbovírus, a contribuição das meningoencefalites ultrapassou a SGB, o que é consistente com o observado em outro estudo de casos confirmados6.
Diversos estudos têm descrito a ocorrência de síndromes neurológicas potencialmente associadas a infecção por arbovírus; uma parcela dos casos com confirmação laboratorial. Alguns destes estudos evidenciaram o aumento na incidência de SGB em situações de epidemia por arbovírus.8-12 Alguns arbovírus são reconhecidamente mais neurotrópicos como os da dengue, febre do Oeste do Nilo, febre amarela e Zika. No entanto, há relato de casos associados também ao CHIKV: estudo realizado na Polinésia Francesa descreveu o aumento na frequência de síndromes neurológicas durante epidemia pelo CHIKV naquele local, entre outubro de 2014 e março de 2015; 9 casos foram diagnosticados com SGB, todos com diagnóstico laboratorial de CHIKV, e a incidência de SGB aumentou quatro a nove vezes durante esse período8. Em Porto Rico, outro estudo que descreveu o aparecimento dos primeiros casos de infecção por ZIKV em dezembro de 2015, detectou, nos primeiros sete meses de 2016, 56 casos suspeitos de SGB, dos quais 61% relacionados com flavivírus; destes 10 tiveram diagnóstico fechado de ZIKV.10
No recente estudo multicêntrico no Rio de Janeiro,6 a forma neurológica foi compatível com SGB em 7 (31,8%) e encefalite com ou sem outra alteração do SNC em 8 (36,4%); bem como febre (82%), exantema (68%) e artralgia (50%), os quais são próximos e mais elevados do que os achados deste estudo, respectivamente. No estudo baiano, a SGB foi a manifestação mais comum, com 80,7%, em frequência bem superior ao nosso estudo, seguida por meningoencefalite em 7%. Os sintomas gerais foram relatados em maior frequência do que em nosso estudo: febre - 84,2%, exantema - 66,7%, artralgia - 64,9%, mialgia - 63,2% e prurido - 57,9%.13 Dados oficiais do município do Rio de Janeiro, da Secretaria Municipal de Saúde, também mostraram resultados semelhantes ao do nosso estudo, sendo as formas neurológicas mais frequentes a SGB (58,1%) e a meningoencefalite (26,7 %).14
Em relação à classificação final do caso e ao diagnóstico etiológico, nosso estudo encontrou 14 casos confirmados de arbovirose (19,4% do total de casos estudados), sendo 6 com confirmação para CHIKV, 4 para DENV, 3 para ZIKV e 1 caso com confirmação para CHIKV e DENV simultaneamente. Além destes, 25 casos (34,7%) foram considerados como arbovirose provável. No estudo multicêntrico do Rio de Janeiro, de um total de 35 casos de síndrome neurológica oriundos de 11 hospitais, em que a investigação de arbovirose fora solicitada, em 22 casos (63%) os autores encontraram evidência de infecção recente por arbovírus, sendo 12 positivos para ZIKV e 10 negativos para este arbovírus. Entre os positivos para ZIKV, 9 tinham evidência de infecção por outro arbovírus (5 CHIKV, 3 DENV, 1 CHKV + DENV). Entre os negativos, 8 tinham evidência de CHIKV e 2 CHIKV + DENV. No estudo baiano, 57 casos (41,3%) foram classificados como provavelmente associados a arbovírus, sendo 30 classificados como casos prováveis de infecção por ZIKV, 13 por DENV, 8 por CHIKV e 6 inconclusivos. O intervalo de tempo entre a infeção viral e as manifestações neurológicas variou de 1 a 31 dias, com mediana de 10 dias. Os autores consideraram que a maioria dos casos teve um quadro clínico compatível com doença aguda por ZIKV precedendo o início do quadro neurológico, coincidindo com a introdução e propagação rápida do ZIKV e aumento dos casos de chikungunya na Bahia.13
No município do Rio de Janeiro, dados da Secretaria Municipal de Saúde14 informam que dos 184 casos suspeitos notificados, 86 (65,6%) foram considerados relacionados a arbovirose; os critérios incluíram ausência de outros diagnósticos ao final da investigação, exames laboratoriais específicos e inespecíficos, ocorrência de quadro prévio sugestivo de arboviroses (com a maior sensibilidade possível, uma vez que parte dos casos pode cursar sem exantema e/ou febre). A identificação etiológica foi possível em 56,9% dos casos, com predomínio de predomínio de CHIKV (61,2% dos identificados), seguido de ZIKV (18,4%), DENV (12,2%) e co-infecções: CHIKV + DENV (6,1%) e ZIKV + DENV (2,0%).14 O relatório descritivo que apresenta esses dados enfatiza que após a introdução de Zika e chikungunya no município do Rio de Janeiro, a observação a partir do segundo semestre de 2015 de apresentações atípicas desses agravos levou, já no início de 2016, com que a Coordenação de VE organizasse um roteiro específico para investigação das manifestações neurológicas, uma vez que esta situação não estava prevista no fluxo do SINAN até aquele momento.14 O Serviço de Epidemiologia do HFSE faz parte dessa rede de vigilância.
Neste estudo foram incluídos 72 pacientes notificados com quadro neurológico potencialmente associados a infecção por arbovírus, sendo que 54,2% dos casos resultaram de demanda externa, não internando no HFSE, o que dificultou o acesso a informações clínicas e diagnóstico final. A ausência de algumas informações sobre pacientes não internados no HFSE pode ter contribuído para as diferenças encontradas em relação a outros estudos. Dentre os casos internados, os autores encontraram problemas de localização dos prontuários clínicos e qualidade dos registros. O retardo na liberação dos resultados dos exames e a ausência de um fluxo efetivo de registro da informação no prontuário também dificultaram o encerramento dos casos.
Estas limitações têm sido descritas por outros estudos no cenário da VE, e representam dificuldades de implementação de estratégias, agravadas pela situação de epidemia, podendo ser fonte de viés nos resultados.4,6,13,14 Um dos grandes desafios da VE envolve a coleta oportuna, continuada e qualificada de dados sobre eventos relacionados à saúde com vistas ao planejamento e implementação de medidas de controle, e a comunicação eficiente entre vários níveis hierárquicos da vigilância e assistência.
As consequências da circulação dos arbovírus DENV, CHIKV e ZIKV incluem a sobrecarga dos serviços de saúde, dificuldades no diagnóstico diferencial (incluindo a possibilidade de reação cruzada), o impacto econômico relacionado à cronicidade de sintomas e a apresentação de quadros graves, potencialmente fatais, incluindo as síndromes neurológicas1.
O presente estudo evidencia o grande desafio do diagnóstico diferencial entre as arboviroses circulantes e destaca o predomínio da SGB e das meningoencefalites entre as síndromes neurológicas notificadas no HFSE. Este achado, também encontrado em outros estudos, reforça a necessidade de que se considere e pesquise infecção por arbovírus em pacientes com quadro neurológico sugestivo e em vigência de circulação viral. Além disso, os autores destacam que é fundamental a instituição de políticas intersetoriais efetivas que priorizem a organização da rede de assistência para diagnóstico precoce e instituição de tratamento imediato das formas graves, bem como o desenvolvimento de vacinas eficazes e seguras para inclusão no calendário básico de imunização, e o fortalecimento das instâncias de VE e entomológica.
Estudo apoiado pelo Programa Pesquisa Produtividade da Universidade Estácio de Sá (UNESA/RJ) e pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Estácio de Sá (PIBIC-UNESA/RJ).




