Relação entre o estado nutricional, nutrição precoce, hiperglicemia e desfecho clínico de pacientes internados em uma unidade de terapia intensiva

Relationship between nutritional status, early nutrition, hyperglycemia and clinical breakdown of injured patients in a unit of intensive therapy

Relación entre el estado nutricional, nutrición precoce, hiperglicemia y desempeño clínico de pacientes internados en una unidad de terapia intensiva

Maiara de Queiroz Fischer
Universidade de Santa Cruz do Sul, Brasil
Fabiana Assmann Poll
Universidade de Santa Cruz do Sul, Brasil

Relação entre o estado nutricional, nutrição precoce, hiperglicemia e desfecho clínico de pacientes internados em uma unidade de terapia intensiva

Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 9, núm. 1, pp. 1-7, 2019

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepção: 06 Março 2018

Aprovação: 26 Outubro 2018

Resumo: Justificativa e Objetivos: A oferta de nutrientes no momento certo, pode minimizar os efeitos do catabolismo exacerbado, melhorando a evolução clínica do paciente. Por isso, o objetivo deste estudo foi avaliar e relacionar o estado nutricional, nutrição precoce e hiperglicemia com o desfecho clínico de pacientes críticos internados em uma unidade de terapia intensiva. Métodos: Trata-se de um estudo de coorte prospectivo, com pacientes críticos de um hospital do interior do estado do Rio Grande do Sul, de ambos os sexos, com idade superior a 20 anos. Foram coletadas informações como, doença (s) de base, diagnóstico principal, idade, sexo, data de internação, tipo e tempo de terapia nutricional instituída, via de administração da dieta, avaliação da glicemia, aplicação de insulina, complicações clínicas, dias de internação e o desfecho clínico. A glicemia e a via de dieta foram acompanhadas durante 72 horas de internação. Resultados: Participaram do estudo 66 pacientes, com média de 64,08±16,11 anos, 59,1% eram do sexo masculino, houve predomínio de sobrepeso (59,1%) e 48,5% internaram por algum evento cardiovascular. Nas 24 horas de internação 15,2% dos indivíduos eram hiperglicêmicos, seguido de 21,2% nas 48 horas e 19,7% nas 72 horas. Verificamos associação entre o desfecho clínico dos pacientes e a nutrição precoce em até 48 horas (p=0,004), assim como, infecção (p=0,036) e os tipos de vias alimentares utilizadas nas primeiras 48 horas (p=0,002) e em até 72 horas (p=0,001). Conclusão: A terapia nutricional precoce influencia diretamente no desfecho clínico de pacientes críticos, apresentando-se como um risco à vida.

Palavras-chave: Hiperglicemia, Estado nutricional, Terapia nutricional, Unidades de terapia intensiva.

Abstract: Background and Objectives: The availability of nutrients at the right moment can minimize the effects of exacerbated catabolism, improving the clinical evolution of the patient. Therefore, the objective of this study was to evaluate and correlate nutritional status, early nutrition and hyperglycemia with the clinical outcome of critically ill patients hospitalized in an intensive care unit. Methods: This is a prospective cohort study with critically ill patients of a hospital in the state of Rio Grande do Sul, Brazil, of both sexes, aged over 20 years. Data were collected, such as basic disease (s), main diagnosis, age, sex, date of hospitalization, type and time of nutritional therapy instituted, route of administration of the diet, glycemic evaluation, insulin application, clinical complications, hospitalization and clinical outcome. The glycemia and the dietary route were monitored during 72 hours of hospitalization. Results: Sixty-six patients participated in the study, with an average of 64.08 ± 16.11 years, 59.1% were male, overweight was predominant (59.1%) and 48.5% were hospitalized for some cardiovascular event. At 24 hours of hospitalization, 15.2% of the people were hyperglycemic, followed by 21.2% at 48 hours and 19.7% at 72 hours. We found an association between the clinical outcome of the patients and the early nutrition in up to 48 hours (p = 0.004), as well as infection (p = 0.036) and types of food routes used in the first 48 hours (p = 0.002) 72 hours (p = 0.001). Conclusion: Early nutritional therapy directly influences the clinical outcome of critically ill patients, presenting a life-threatening condition.

Keywords: Hyperglycemia, Nutritional status, Nutritional therapy, Intensive care units.

Resumen: Justificativa y objetivos: La oferta de nutrientes en el momento adecuado, puede minimizar los efectos del catabolismo exacerbado, mejorando la evolución clínica del paciente. Por eso, el objetivo de este estudio fue evaluar y relacionar el estado nutricional, nutrición precoz e hiperglucemia con el desenlace clínico de pacientes críticos internados en una unidad de terapia intensiva. Métodos: Se trata de un estudio de cohorte prospectivo, con pacientes críticos de un hospital del interior del estado de Rio Grande do Sul, de ambos sexos, con edad superior a 20 años. En el presente estudio se analizaron los resultados obtenidos en el análisis de los resultados de la evaluación de la glucosa en el momento de la evaluación de la glucemia, la aplicación de la insulina, las complicaciones clínicas, los días de la terapia de la dieta, la internación y el desenlace clínico. La glucosa y la vía de la dieta fueron acompañadas durante 72 horas de internación. Resultados: Participaron del estudio 66 pacientes, con promedio de 64,08 ± 16,11 años, 59,1% eran del sexo masculino, hubo predominio de sobrepeso (59,1%) y 48,5% internaron por algún evento cardiovascular. En las 24 horas de internación el 15,2% de los individuos eran hiperglucémicos, seguido del 21,2% en las 48 horas y el 19,7% en las 72 horas. Se observó una asociación entre el desenlace clínico de los pacientes y la nutrición precoz en hasta 48 horas (p = 0,004), así como infección (p = 0,036) y los tipos de vias alimentarias utilizadas en las primeras 48 horas (p = 0,002) 72 horas (p = 0,001). Conclusiones: La terapia nutricional precoz influye directamente en el desenlace clínico de pacientes críticos, presentándose como un riesgo a la vida.

Palabras clave: Hiperglicemia, Estado nutricional, Terapia nutricional, Unidades de cuidados intensivos.

INTRODUÇÃO

O paciente grave refere-se à situação em que é exigida a internação em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), devido a um acelerado processo patológico que apresenta risco à vida.¹ A liberação de hormônios de estresse, o uso de medicações, como corticoides e catecolaminas, e a liberação de citocinas inflamatórias, como nos casos de sepse ou trauma cirúrgico, colaboram para o surgimento de hiperglicemia, mesmo na ausência de história prévia de diabetes mellitus (DM), decorrente da resistência à insulina e a lipólise acentuada, que implica diretamente no aumento da morbidade, tempo de permanência hospitalar, maior taxa de admissão à UTI, maiores custos e mortalidade.²,³

Após a agressão, o paciente está exposto a uma série de alterações hormonais, com o objetivo de manter a estabilidade hemodinâmica, podendo implicar em outras consequências, como a intolerância à glicose e o catabolismo proteico elevado. A oferta de nutrientes no momento certo, embora não possa reverter a proteólise, a gliconeogênese e a lipólise associadas ao estresse, pode minimizar os efeitos do catabolismo exacerbado, melhorando a evolução clínica do paciente.4,5 Dessa forma, recomenda-se que a terapia nutricional (TN) deva ser iniciada em até 48 horas de admissão na UTI, denominando-se precoce, presumindo que os pacientes estejam hemodinamicamente estáveis.6

Portanto o objetivo do presente estudo foi identificar e relacionar o estado nutricional, nutrição precoce e hiperglicemia com o desfecho clínico de pacientes críticos internados em uma UTI.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de coorte prospectivo, com todos os pacientes críticos internados em uma UTI de um hospital de ensino do interior do estado do Rio Grande do Sul, de ambos os sexos, com idade superior a 20 anos, no período de março a maio de 2017, com permanência mínima de 48 horas na UTI. Foram excluídos do estudo pacientes portadores de diabetes mellitus tipo 1 ou 2.

Foram coletadas as informações pertinentes a pesquisa, por meio dos prontuários dos pacientes, tais como doença(s) de base, diagnóstico principal, idade, sexo, data de internação, tempo de início da TN, via de administração da dieta (durante 72h de internação), tipo de dieta ou fórmula recebida, avaliação da glicemia inicial e monitoramento (durante 72h de internação), aplicação de insulina (foi registrado o tipo, assim como a dose prescrita, caso fosse necessário), presença de infecções, dias de internação hospitalar e na UTI e o desfecho clínico (alta ou óbito). Para fins de análise dos dados utilizaram-se como parâmetros os dias de internação hospitalar e o desfecho na UTI foi utilizado somente no caso de impossibilidade de obter o desfecho da internação hospitalar geral.

O critério estabelecido para definição de hiperglicemia foram mensurações >180mg/dL, de acordo com o que é proposto pela American Diabetes Association (ADA), cujo o início de insulina é indicado para valores acima de 180 mg/dL, com metas entre 140 e 180 mg/dL e pela American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN), que recomenda uma concentração alvo de glicose no sangue de 140-180 mg/dL.7,8 Destacamos que se trata do parâmetro já utilizado na rotina do hospital em questão, cujo manejo é uso de insulina, conforme protocolo clínico.

Para avaliação da glicemia, foi utilizado um glicosímetro (Accu-Check® Performa, Roche, São Paulo, Brasil), em que a glicemia era medida de acordo com a prescrição médica. No presente estudo, se a glicemia estivesse >180mg/dL em duas mensurações consecutivas, era considerado o início da administração de insulina, assim como considerado hiperglicemia em cada dia avaliado.

O estado nutricional foi identificado pela aferição de peso e estatura, através de fórmulas de predição. A estimativa da estatura foi calculada a partir da medida da altura do joelho e para a estimativa do peso foi utilizado a circunferência do braço (CB) e a medida da altura do joelho de acordo o que propõe Chumlea et al.9O estado nutricional foi classificado por meio do índice de massa corporal (IMC), e os pontos de corte adotados foram os preconizados pela World Health Organization (WHO) para adultos.10Para os pacientes com idade superior a 60 anos os pontos de corte foram os recomendados por Lipschitz.11

As análises estatísticas foram realizadas com o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0. As variáveis foram analisadas utilizando-se os testes de frequência descritiva. O teste Qui quadrado foi empregado para avaliar a associação entre as variáveis, sendo considerada significância estatística quando p<0,05.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC (CAAE 62837316.8.0000.5343, parecer nº 1.876.510). Devido a impossibilidade em o paciente consentir a sua participação no estudo, os mesmos tiveram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado por um familiar responsável.

RESULTADOS

No período avaliado, 263 pacientes deram entrada na UTI adulto de um hospital de ensino do interior do estado, desses foram excluídos pacientes com idade inferior a 20 anos, portadores de diabetes mellitus tipo 1 ou 2 e que permaneceram menos de 48 horas internado. Dessa forma, participaram do estudo 66 pacientes, com média de 64,08±16,11 anos, 59,1% (n=39) eram do sexo masculino, houve predomínio de sobrepeso identificado pelo IMC 59,1% (n=39) e de eutrofia quando classificado pela CB 53,0% (n=35). Em relação ao motivo de internação, 48,5% (n=32) apresentavam algum tipo de evento cardiovascular, seguido das doenças pulmonares 15,2% (n=10) e gastrointestinais 13,6% (n=9). A média de comorbidades associadas foi de 2,68±0,21. A mediana em que os pacientes ficaram internados na UTI foi de 4 dias e a média de internação hospitalar foi de 10 dias (Tabela 1).

Tabela 1
Características biológicas, nutricionais, relacionadas as doenças e período de internação de pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI)
Características biológicas, nutricionais, relacionadas as doenças e período de internação de pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI)
Valores expressos como média±DP ou número de paciente e frequências (%) de acordo com as características analisadas. DP= desvio-padrão; IMC: Índice de massa corporal; CB: Circunferência do braço; UTI: Unidade de terapia intensiva.

No presente estudo a glicemia foi avaliada durante as primeiras 72 horas de internação, divididos em três momentos (primeiro, segundo e terceiro dia), assim, observamos que a hiperglicemia estava presente em 15,2% (n=10) dos casos nas primeiras 24 horas de internação, em 21,2% (n=14) nas 48 horas e 19,7% (n=13) nas 72 horas.

Ao associar-se as variáveis do estudo com o desfecho clínico dos pacientes, considerando alta ou óbito, observou-se que houve diferença com o uso de nutrição precoce em até 48 horas de internação (p=0,004), infecção (p=0,036), com os tipos de vias alimentares utilizadas nas primeiras 48 horas (p=0,002) e em até 72 horas (p=0,001). Não houve diferença entre o desfecho clínico com o estado nutricional através do IMC (p=0,655) e com a hiperglicemia nos três momentos avaliados (p=0,174; p=0,427 e p=0,499), respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2
Relação entre o desfecho clínico com as variáveis qualitativas dos pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva
Relação entre o desfecho clínico com as variáveis qualitativas dos pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva
p: nível de significância de acordo com o teste qui quadrado ou *teste exato de Fisher para p<0,05. IMC: Índice de massa corporal; NPO: Nada por via oral; VO: Via oral; SNE: Sonda nasoentérica; NPT: Nutrição parenteral total

Em relação às vias de dieta utilizadas nos três momentos de avaliação (em até 24, 48 e 72 horas de internação), verificou-se que houve associação com o estado nutricional através do IMC (p=0,027; p=0,046; p=0,014), com a classificação da CB (p=0,008; p=0,013; p=0,001), e com os diferentes tipos de diagnóstico (p=0,020; p=0,003; p=0,038), respectivamente (Tabela 3).

Tabela 3
Relação entre os tipos de via de dieta recebida durante os três momentos de avaliação com as demais variáveis qualitativas
Relação entre os tipos de via de dieta recebida durante os três momentos de avaliação com as demais variáveis qualitativas
p: nível de significância de acordo com o teste qui quadrado ou *teste exato de Fisher para p<0,05. IMC: Índice de massa corporal; CB: Circunferência do Braço; NPO: Nada por via oral; VO: Via oral; SNE: Sonda nasoentérica; NPT: Nutrição parenteral total

p: nível de significância de acordo com o teste qui quadrado ou *teste exato de Fisher para p<0,05. IMC: Índice de massa corporal; CB: Circunferência do Braço; NPO: Nada por via oral; VO: Via oral; SNE: Sonda nasoentérica; NPT: Nutrição parenteral total.

Houve associação entre os tipos de vias alimentares nos três dias de avaliação com os pacientes que tinham ou adquiriram alguma infecção ao longo do período avaliado (p=0,015; p=0,004; p=0,006), respectivamente (Tabela 3).

Verificou-se associação entre o uso de nutrição precoce e os tipos de via de dieta no segundo (p=0,031) e terceiro dia de avaliação (p=0,001). Não houve associação estatística entre o uso de dieta especializada (p=0,275; p=0,619; p=0,909) e as diferentes vias de alimentação, assim como os pacientes com hiperglicemia e os tipos de via de dieta nos seus respectivos dias (p=0,905; p=0,230; p=0,084).

DISCUSSÃO

No presente estudo acompanhamos a glicemia e a via de dieta utilizada pelo paciente durante as primeiras 72 horas de internação, divididos em três momentos (primeiro, segundo e terceiro dia), desse modo, podemos observar que as primeiras 24 horas de internação foram as que menos influenciaram na hiperglicemia (15,2% dos casos), nesse período 74,2% dos pacientes ainda permaneciam em nada por via oral (NPO), nas 48 horas 21,2% da amostra estava hiperglicêmica e 93,9% já haviam iniciado com algum tipo de via alimentar, nas 72 horas 19,7% dos pacientes eram hiperglicêmicos e somente 6,1% ainda não havia iniciado com algum tipo de suporte nutricional. O hospital em questão possui um protocolo para o tratamento de hiperglicemia cujo manejo é realizado através da administração de insulina endovenosa quando se faz necessário, certamente os pacientes classificados com hiperglicemia nesse estudo fizeram uso dessa terapia.

A hiperglicemia é algo comum que ocorre não somente com pacientes diabéticos, mas também em pacientes criticamente doentes sem diagnóstico de DM prévio ou com hiperglicemia induzida pelo estresse que pode se resolver espontaneamente após a dissipação da doença aguda. E o manejo da hiperglicemia merece atenção especial na terapia do cuidado do paciente.12

Podemos atribuir a baixa prevalência de hiperglicemia ao fato de não ser uma amostra composta por diabéticos, por uma adequada prescrição da TN a partir da avaliação nutricional, além de uma apropriada aplicação do protocolo de insulina instituído no hospital e também na possibilidade de o atendimento não ser feito na fase aguda, quando o estresse metabólico está acentuado. O estudo de Umpierrez et al. (2002), ao avaliar 2030 pacientes adultos em um hospital de ensino comunitário no centro de Atlanta observou que a hiperglicemia esteve presente em 38% dos pacientes internados no hospital, dos quais 26% tinham história conhecida de DM e 12% não tinham história de DM antes da admissão.13

Verificou-se majoritariamente que o motivo de internação foi de origem cardiovascular, que pode se justificar pela instituição ser um centro de referência em alta complexidade cardiovascular e que pode estar relacionada as altas taxas de sobrepeso (59,1%), nesses pacientes a média associada a algum tipo de comorbidade foi de 2,68±0,21.

Ao analisar o desfecho clínico com base na alta hospitalar ou óbito com as demais variáveis qualitativas observou-se influência do uso de nutrição precoce em até 48 horas de internação (p=0,004), sendo que em 93,9% dos casos foi iniciada de forma precoce, dos pacientes que tiveram alta hospitalar, 100,0% haviam iniciado a terapia nutricional, o índice de mortalidade foi de 27,3% na amostra e destes 22,2% ainda não haviam iniciado com nenhum tipo de suporte nutricional, dado semelhante ao encontrado por Muñoz et al. (2016), que ao avaliar 89 pacientes internados em uma UTI adulta mista do Hospital Ernesto Dornelles de Porto Alegre encontraram 87,2% pacientes com algum tipo de terapia nutricional estabelecida nas primeiras 48 horas de internação e uma mortalidade de 19,1%.14

Outro estudo que avaliou 126 pacientes internados por ≥7 dias, recebendo nutrição enteral preferencial, averiguou que 55% dos pacientes receberam dieta (até 48 horas após a internação na UTI), porém não encontraram associação entre a oferta energética e proteica superior e inferior a 60% do estimado no sétimo dia de internação com tempo de internação, mortalidade na UTI e hospitalar.15 Já em uma meta-análise, observou-se que o início da TN em até 24 horas diminuiu significativamente a mortalidade.16

Ressaltamos que houve diferença entre o desfecho clínico e a via de terapia nutricional recebida em 48 horas de internação (p=0,002), sendo que nos indivíduos que vieram a óbito 38,9% ainda estavam em NPO, 38,9% utilizavam sonda nasoentérica (SNE), 16,7% se alimentavam via oral (VO) e 5,6% utilizava nutrição parenteral total (NPT). Do mesmo modo, percebemos significância entre o desfecho clínico e os que iniciaram com a via de terapia nutricional em 72 horas (p=0,001), dessa forma 50,0% dos pacientes que vieram a óbito utilizavam SNE, 22,2% ainda permaneciam em NPO, 22,2% se alimentavam VO e 5,6% utilizava NPT, relacionando à gravidade de cada caso.

A nutrição precoce é constantemente indicada após a estabilização hemodinâmica, antecedendo à resposta hipermetabólica e hipercatabólica que inicia nas primeiras 72 horas após a lesão inicial, isso fundamenta-se em que a depleção nutricional está relacionada a piores desfechos e se estabelecida a oferta precocemente, menor a probabilidade de extremos no balanço energético. Se o paciente estiver consciente sem alterações na deglutição, a VO, será preferível. No caso de sua impossibilidade, está indicada a via enteral, mas se o tubo digestório não poder ser utilizado ou sem a obtenção da meta calórica/proteica desejada, ou ainda estando contraindicada, a via parenteral deve ser utilizada. 6,17

Tratando-se da relação entre desfecho (alta ou óbito) e infecção, 10,4 % dos pacientes que receberam alta adquiriram algum tipo de infecção e ao avaliar a mortalidade 33,3% da amostra apresentou infecção (p=0,036). O que difere do estudo de Lima et al., que encontrou 66,2% de infecção e 40,8% de mortalidade em pacientes críticos com tempo de hospitalização superior a 24 horas na UTI.18Já Pinto et al., não encontrou associação estatística entre infecção e as 24 horas da sobrevida ou não sobrevida dos pacientes em tratamento intensivo (p= 0,077).19

Não houve diferença entre o desfecho clínico com o estado nutricional através do IMC (p=0,655), apesar de um número elevado de pacientes acima do peso, que corrobora com um estudo que comparou a morbimortalidade entre pacientes adultos obesos e não obesos internados em uma UTI e constataram que a presença de obesidade influenciou no tempo médio de permanência na UTI, mas não na taxa de mortalidade.20

A hiperglicemia nos três momentos avaliados não teve influência com o desfecho hospitalar, como já justificado anteriormente, não encontramos uma alta prevalência de hiperglicemia, mesmo descrito na literatura que a hiperglicemia associa-se ao aumento da mortalidade em pacientes hospitalizados, é importante em que se mantenha uma pequena variabilidade glicêmica entre 140 - 180 mg/dL, já a hipoglicemia deve ser tratada corrigindo rapidamente glicemias <70 mg/dL, evitando assim hipoglicemias graves com maior repercussão clínica.8

As vias de dieta utilizadas nos três momentos de avaliação (em até 24, 48 e 72 horas de internação), apresentaram diferença com o estado nutricional tanto quando avaliado pelo IMC (p=0,027; p=0,046; p=0,014), como pela classificação da CB (p=0,008; p=0,013; p=0,001), sendo que o NPO e a VO associaram-se em maior prevalência com sobrepeso (quando avaliado pelo IMC) e eutrofia (quando avaliado pela CB), a SNE associou-se com eutrofia em ambas classificações e a NPT associou-se com baixo peso (quando avaliado pelo IMC) e desnutrição grave (quando avaliado pela CB).

Já os diferentes tipos de diagnósticos tiveram associação com as vias utilizadas (p=0,020; p=0,003; p=0,038), respectivamente, dessa forma prevaleceu para NPO, doenças cardiovasculares; VO, doenças cardiovasculares; SNE doenças pulmonares e NPT doenças de outras causas conhecidas.

Houve diferença significativa entre os tipos de vias com os pacientes que tinham ou adquiriram alguma infecção (p=0,015; p=0,004; p=0,006), respectivamente considerando também um pior desfecho clínico para o paciente.

Verificou-se associação entre o uso de nutrição precoce e os tipos de via de dieta no segundo (p=0,031) e terceiro dia (p=0,001). Não houve associação entre o uso de dieta especializada (p=0,275; p=0,619; p=0,909) e as diferentes vias de alimentação, assim como os pacientes com hiperglicemia e os tipos de via de dieta nos seus respectivos dias (p=0,905; p=0,230; p=0,084).

Para diabéticos ou pacientes com hiperglicemia e que necessitam de nutrição enteral, há no mercado fórmulas específicas para DM, desenvolvidas com o intuito de amenizar a glicemia (pós-prandial), possuem composição específica, com menos carboidratos e/ou carboidratos de baixo índice glicêmico de digestibilidade lenta e com mais ácidos graxos monoinsaturados, porém nesse estudo não observamos melhora em sua utilização, talvez pelo baixo número de pacientes que a utilizaram e sendo necessário mais estudos para indicar seu uso, já que a American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN) não faz uma recomendação até o momento.8,21

Uma das limitações deste estudo foi a não verificação de quais pacientes utilizaram realmente insulina, foram registrados o tipo e a dose prescrita, mas não se sabe ao certo em quais pacientes ela foi aplicada, já que é utilizada se necessário e não é registrada no sistema virtual do hospital. Outra limitação foi a carência de indicadores de gravidade, já que a gravidade da doença gera um acelerado processo metabólico e a utilização desses indicadores é de grande valia em uma UTI.

Conclui-se que a TN precoce influência diretamente no desfecho clínico de pacientes críticos, apresentando-se como um risco à vida, em nossa amostra tivemos valores baixos de indivíduos com jejum prolongado, podendo relacionar-se com uma possível instabilidade hemodinâmica. Houve um índice baixo de pacientes hiperglicêmicos em todos os momentos avaliados. A hiperglicemia e o estado nutricional identificado pelo IMC não foi associado com o aumento da mortalidade. Diante disso, ressalta-se a importância do cuidado ao paciente crítico através de profissionais de saúde das diversas áreas, capacitados para tal cuidado.

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