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Tendência temporal da hanseníase em Aracaju, Sergipe, Brasil
Temporal trend of leprosy in Aracaju, Sergipe, Brazil
Tendencia temporal de la lepra en Aracaju, Sergipe, Brasil
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 9, núm. 1, pp. 67-74, 2019
Universidade de Santa Cruz do Sul


Recepção: 16 Abril 2018

Aprovação: 01 Novembro 2018

DOI: https://doi.org/10.17058/reci.v9i1.11957

Resumo: Justificativa e Objetivos: A hanseníase é uma doença infectocontagiosa crônica, com potencial incapacitante que mantém altas taxas de incidência mesmo com tratamento eficaz e gratuito. Desta forma, este estudo objetiva analisar os dados epidemiológicos e operacionais da hanseníase em Aracaju-SE, a fim de diagnosticar a tendência da endemia e orientar o aprimoramento de políticas públicas que visem à sua eliminação. Métodos: Trata-se de um estudo ecológico, tipo série temporal, que analisou indicadores epidemiológicos e operacionais da Hanseníase no município de Aracaju, capital do estado de Sergipe,de 2003 a 2017. Resultados: Entre 2003 e 2017, a taxa de detecção da hanseníase manteve-se decrescente, com tendência anual de queda de 8,63% na população geral e 9,32% em menores de 15 anos. Durante este período, houve tendência a aumento do diagnóstico e tratamento da hanseníase pela Atenção Primária. A cura dos casos manteve-se estável e a proporção de contatos examinados apresentou um significativo incremento, saindo de 20,6%, em 2003, para 82,9%, em 2017. Identifica-se também uma tendência progressiva da queda na detecção das formas paucibacilares em detrimento das multibacilares. Conclusão: Há uma tendência de redução da detecção da hanseníase em Aracaju em todas as faixas etárias, porém, a região ainda é considerada de alta endemicidade. É possível perceber o crescimento do papel da Atenção Primária entre 2003 e 2017, além do aumento significativo do exame dos contatos, ferramenta importante no diagnóstico e tratamento precoce. Embora os indicadores de saúde tenham mostrado melhorias, esse avanço permanece insuficiente para adequado controle da doença.

Palavras-chave: Epidemiologia, Indicadores de Saúde, Hanseníase, Saúde Pública.

Abstract: Background and Objectives: Leprosy is a chronic infectious disease that has a disabling potential and maintains high incidence rates even with effective and free treatment. Thus, this study aims to analyze the epidemiological and operational data of leprosy in the city of Aracaju, Sergipe, Brazil, in order to diagnose the endemic disease trend and guide the improvement of public policies aimed at its elimination. Methods: This is an ecological and time series study that analyzed the epidemiological and operational indicators of leprosy in the municipality of Aracaju, capital of the state of Sergipe, from 2003 to 2017. Results: Between 2003 and 2017, detection rate of leprosy remained decreasing, with an annual decline of 8.63% in the general population and 9.32% in children under 15 years. During this period, there was a trend to increase the diagnosis and treatment of leprosy by Primary Care. The cure of the cases remained stable and the proportion of contacts examined showed significant increase, rising from 20.6% in 2003 to 82.9% in 2017. There is also a progressive trend to decrease the detection rate of paucibacillary forms due to multibacillary forms. Conclusion: There is a trend to reduce the detection of leprosy in Aracaju in all age groups, but the region is still considered to be highly endemic. It is possible to perceive the growth of the Primary Care role between 2003 and 2017, in addition to the significant increase in the examination of contacts as an important tool in the diagnosis and early treatment. Although health indicators have shown improvements, this progress remains insufficient for adequate control of the disease.

Keywords: Epidemiology, Health Status Indicators, Leprosy, Public Health.

Resumen: Justificación y Objetivos: La lepra es una enfermedad infectocontagiosa crónica, con potencial discapacitante y que mantiene altas tasas de detección incluso con tratamiento eficaz y gratuito. De esta forma, este estudio objetiva analizar los datos epidemiológicos y operativos de lepra en la ciudad de Aracaju, Sergipe, Brasil, a fin de diagnosticar la tendencia de la endemia y orientar el perfeccionamiento de políticas públicas que apunten a su eliminación. Métodos: Se trata de un estudio ecológico, tipo serie temporal, que analizó indicadores epidemiológicos y operativos de la lepra en el municipio de Aracaju, capital del estado de Sergipe, entre 2003 y 2017. Resultados: Entre 2003 y 2017, la detección de la lepra se mantuvo decreciente, con una tendencia anual de caída del 8,63% en la población general y el 9,32% en los menores de 15 años. Durante ese período, hubo una tendencia al aumento del diagnóstico y tratamiento de la lepra por la Atención Primaria; la cura de los casos se mantuvo estable; y la proporción de contactos examinados presentó un significativo incremento saliendo del 20,6%, en 2003, al 82,9%, en 2017. Se identifica también una tendencia progresiva a la caída en la detección de las formas paucibacilares en detrimento de las multibacilares. Conclusión: Hay una tendencia a reducir la detección de la lepra para Aracaju en todas las edades, pero la región todavía se considera de alta endemicidad. Es posible percibir el crecimiento del papel de la Atención Primaria entre 2003 y 2017, además del aumento significativo del examen de los contactos, una herramienta importante en el diagnóstico y tratamiento precoz. Aunque los indicadores de salud han mostrado mejoras, este avance sigue siendo insuficiente para un adecuado control de la enfermedad.

Palabras clave: Epidemiología, Indicadores de Salud, Lepra, Salud Pública.

INTRODUÇÃO

A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, granulomatosa, causada pelo Mycobacterium leprae, parasita intracelular que infecta primariamente os macrófagos e as células de Schwann. A doença possui alta infectividade, embora sua patogenicidade seja baixa. O homem é a única fonte de infecção. Sua transmissão e contágio ocorrem por via inalatória por meio de pessoas infectadas pelas formas multibacilares.1,2 A doença apresenta um espectro clínico variável relacionado à resposta do hospedeiro, à carga bacilar e ao tempo de detecção da doença. Ela possui um período de incubação que pode variar, em média, de 2 a 7 anos, mas pode ter períodos mais longos, de 10 anos. Por isso, é pouco frequente em menores de 15 anos de idade, aumentando a incidência em áreas com maior prevalência e presença de focos familiares.1

O diagnóstico da hanseníase é eminentemente clínico e epidemiológico; as lesões compreendem desde formas com características benignas e auto-resolutivas até manifestações graves que cursam com alterações anatômicas e lesões neurológicas permanentes. Embora os principais sítios de manifestações clínicas sejam pele e nervos, comporta-se como uma doença sistêmica, uma vez que pode comprometer articulações, olhos, testículos, gânglios e outros órgãos.1,2

O tratamento da hanseníase é essencialmente ambulatorial e está baseado na classificação operacional (paucibacilar ou multibacilar). A poliquimioterapia utilizada para a hanseníase tem sido utilizada há mais de 30 anos, possuindo altas taxas de cura, baixa ocorrência de recidiva e rara resistência às drogas. Embora curável, ainda persistem mitos e equívocos relacionados à doença, tornando-a estigmatizante e discriminatória, gerando marginalização, exclusão social e negação de direitos de pessoas afetadas por esta enfermidade.1,3,4

Atualmente, os cinco principais países que abrigam mais de 80% dos novos casos de hanseníase detectados anualmente estão situados em regiões (sub)tropicais: Índia, Brasil, Indonésia, Bangladesh e Etiópia.5 Em 2017, foram notificados 210.671 novos casos em 150 países, e a taxa de detecção global de novos casos foi de 2,77 por 100.000 habitantes. Os três países com maiores cargas – Índia, Brasil e Indonésia – foram responsáveis por 80,2% da carga global. Com cerca de 25 mil casos novos (CN) anuais, o Brasil contribuiu com 92,3% dos CN na região das Américas.6

Um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), era o de eliminar a hanseníase até o fim de 2015. Isso significa que os países deveriam registrar taxa de detecção da doença menor que 10 casos para cada 100 mil habitantes.7 O Brasil não conseguiu atingir a meta, sendo as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste consideradas as mais endêmicas.8 Como quase todos os países atingiram a meta global, a estratégia mais recente indica uma mudança da “eliminação da hanseníase como um problema de saúde pública” para a redução da carga da doença, medida como redução das incapacidades de Grau 2 entre CN. A Estratégia Global para a hanseníase 2016-2020, “Acelerando rumo a um mundo livre da hanseníase”, foi adotada pela maioria dos países nos quais a hanseníase é endêmica.6

Sergipe é um estado considerado de alta endemicidade para a hanseníase, com coeficiente de detecção de novos casos em 2016 de 13,7/100.000 habitantes. É o 5º estado de maior endemicidade na região Nordeste.9

É uma doença de notificação compulsória e investigação obrigatória. A análise dos indicadores de monitoramento do progresso da eliminação da hanseníase, enquanto problema de saúde pública, medem a magnitude ou transcendência do problema de saúde pública.1,4 Desta forma, este estudo objetiva analisar os dados epidemiológicos e operacionais da doença em Aracaju, a fim de identificar a tendência da endemia e orientar o aprimoramento de políticas públicas que visem à sua eliminação.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico, tipo série temporal, que analisou indicadores epidemiológicos e operacionais da hanseníase no município de Aracaju, capital do estado de Sergipe, Brasil, no período de 2003 a 2017.

Foram incluídos, neste trabalho, os casos confirmados de hanseníase residentes no município de Aracaju, estado de Sergipe, e notificados no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN), entre janeiro de 2003 e dezembro de 2017.

Os dados foram tabulados com a utilização do programa desenvolvido pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) para tabulação dos bancos de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) (Tab para Windows - TabWin); importado para o programa Excel® 2016, no qual foi realizada a análise descritiva dos dados. Os dados populacionais foram obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base nas estimativas populacionais para os anos intercensitários.

Foram selecionados para análise, os indicadores epidemiológicos (Indicadores de Monitoramento do Progresso da Eliminação da Hanseníase enquanto problema de saúde pública): 1) Taxa de detecção anual de CN de hanseníase por 100 mil habitantes; 2) Taxa de detecção anual de casos novos de hanseníase na população de zero a 14 anos por 100 mil habitantes; 3) Taxa de CN de hanseníase com Grau 2 de incapacidade física no momento do diagnóstico por 100 mil habitantes; 4) Proporção de casos de hanseníase com Grau 2 de incapacidade física no momento do diagnóstico entre os CN detectados e avaliados no ano; 5) Proporção de casos de hanseníase curados com Grau 2 de incapacidade física entre os casos avaliados no momento da alta por cura no ano; 6) Proporção de casos de hanseníase, segundo sexo entre o total de CN; 7) Proporção de casos segundo a classificação operacional entre o total de CN.

Também foram selecionados indicadores operacionais (indicadores para avaliar a qualidade dos serviços de hanseníase), como: 1) Proporção de cura de hanseníase entre os CN diagnosticados; 2) Proporção de contatos examinados de CN de hanseníase diagnosticados; 3) Proporção de CN de hanseníase com grau de incapacidade física avaliado no diagnóstico; 4) Proporção de casos curados no ano com grau de incapacidade física avaliado entre os CN de hanseníase. Para avaliação dos indicadores, foram utilizados os “parâmetros das diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema de saúde pública”.10

Na análise de tendência relativa à série temporal de 2003 a 2017, foram utilizados modelos de regressão linear de Prais-Winsten para quantificar as variações anuais das taxas de detecção de hanseníase com os respectivos intervalos de confiança de 95%. Foi calculada a Variação Percentual Anual (Annual Percentage Change - APC). As tendências foram consideradas estacionárias quando o coeficiente de regressão não foi significativamente diferente de zero (p > 0,05), ascendentes quando o coeficiente foi positivo e descendentes quando o coeficiente foi negativo, com o uso do software STATA 14.0.

O estudo segue a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 466/2012, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe, registrado com o CAAE 82017718.8.0000.5546, sob Parecer 2.484.967/2018.

RESULTADOS

No período do estudo, foram notificados 2526 casos de hanseníase em Aracaju, sendo 2249 CN. Destes, 1.100 (48,9%) eram do sexo masculino e 1149 (51,1%) eram do sexo feminino, essa proporção manteve tendência estacionária (p > 0,05) para ambos os sexos durante o período estudado.

A taxa de detecção de CN da hanseníase em Aracaju manteve-se decrescente na população geral, com tendência de queda anual de 8,63%, partindo de 48,6/100 mil habitantes (hiperendêmico) para 14,9/100 mil habitantes (alta endemicidade). Em menores de 15 anos, também foi significativa a queda da taxa de detecção que saiu de 10,5/100 mil habitantes (hiperendêmico) para 3,9/100 mil habitantes (alta endemicidade), tendo uma tendência de queda anual igual a 9,32% (Figura 1).

A taxa de CN de hanseníase com Grau 2 de incapacidade física no momento do diagnóstico foi, em média, 1,61/100 mil habitantes, apresentando tendência estacionária ao longo do tempo.


Figura 1
Evolução temporal por indicadores de monitoramento do progresso da eliminação da hanseníase enquanto problema de saúde pública em Aracaju, Sergipe, 2003 a 2017

A) Taxa de detecção de hanseníase (por 100.000 habitantes) na população geral, em menores de 15 anos, em pacientes com grau de incapacidade 2 e linhas de tendências; B) Descrição da análise de tendência. APC = Annual Percent Change. IC95% = Intervalo de Confiança de 95%. Dados foram considerados significativos quando p < 0.05.

As taxas de detecção foram similares em ambos os sexos, apresentando, no período avaliado, queda significativa (p < 0,001) nas taxas de detecção tanto em homens (APC = -8,11) quanto em mulheres (APC = 9,09) (Figura 2).


Figura 2
Taxa de detecção de hanseníase por sexo em Aracaju, Sergipe, Nordeste do Brasil, 2003-2017

A) Taxa de detecção de hanseníase (por 100.000 habitantes) por sexo e linhas de tendências; B) Descrição da análise de tendência; APC = Annual Percent Change. IC95% = Intervalo de Confiança de 95%. Dados foram considerados significativos quando p < 0.05.

Verifica-se que houve, durante o período, significativa tendência à descentralização do diagnóstico e tratamento da hanseníase para a Atenção Primária em Aracaju, sendo, em média, 58,89% dos CN notificados nesse nível de atenção à saúde (p < 0,005) (Figura 3).


Figura 3
Tipo de Unidade de Saúde de Diagnóstico dos casos novos de hanseníase em Aracaju, Sergipe, Nordeste do Brasil, 2003-2017

A) Distribuição percentual por local de diagnóstico (Atenção Especializada e Atenção Primária) e linhas de tendências; B) Descrição da análise de tendência; APC = Annual Percent Change. IC95% = Intervalo de Confiança de 95%. Dados foram considerados significativos quando p < 0.05.

A proporção de desfechos (cura e abandono) entre os CN e a proporção de recidivas entre os casos diagnosticados, manteve-se estável ao longo do período avaliado, apresentando pequena variação anual, assim como a proporção de avaliação do grau de incapacidade física (AGI), tanto no diagnóstico como na cura. A proporção de contatos examinados apresentou significativo incremento (APC = 10,38), saltando de 20,6% em 2003, para 82,9% em 2017 (p < 0,01) (Tabela 1).

Tabela 1
Tendência dos Indicadores para avaliar a qualidade do atendimento à hanseníase em Aracaju, 2003 a 2017

CN = casos novos; AGI = Avaliação do Grau de Incapacidade.

Quanto à distribuição proporcional dos CN de hanseníase por classificação operacional, identifica-se uma tendência progressiva da queda na prevalência das formas paucibacilares (PB) em detrimento as multibacilares (MB). A proporção de casos com incapacidade física (grau II) entre os CN detectados e avaliados no ano manteve-se com tendência estacionária durante o período, tanto no momento do diagnóstico como na cura (proporção de curados no ano com incapacidades físicas). A distribuição proporcional dos casos por sexo tem permanecido constante ao longo do período (Tabela 2).

Tabela 2
Tendência dos Indicadores para avaliar a qualidade do atendimento à hanseníase em Aracaju, 2003 a 2017

DISCUSSÃO

As últimas duas décadas marcaram o sucesso na redução da carga global da hanseníase, tendo como um dos marcos a introdução da poliquimioterapia como tratamento padrão recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)11. No Brasil, a hanseníase encontra-se em diversas pactuações do SUS, porém, o país, mesmo mantendo taxas de detecção decrescentes, ainda possui alta endemicidade para a doença, registrando entre 2012 e 2016, uma taxa de detecção média de CN de 14,97/100 mil habitantes.9

Entre as características que influenciam na dificuldade de eliminação da hanseníase, está o seu tempo de incubação muito longo e sintomas e sinais precoces sutis. Muitas vezes, quando o tratamento é iniciado, o paciente pode já ter infectado outras pessoas que possam desenvolver doença muito tarde. Portanto, o impacto do tratamento na redução das taxas de detecção seria gradual.5 A situação epidemiológica da hanseníase deve ser analisada de forma ampla, com a utilização de indicadores que consigam retratar de forma objetiva o cenário real da localidade estudada, para que além de comparar com outras localidades, seja possível identificar fragilidades das políticas adotadas e embasar o planejamento de novas ações.

O município de Aracaju apresentou, durante essa série histórica de 15 anos, uma queda significativa na taxa de detecção dos CN de hanseníase, partindo de uma situação epidemiológica classificada como hiperendêmica (> 40,00 casos/100 mil habitantes) para uma de alta endemicidade (20,00 a 39,99 casos/100 mil habitantes), com uma taxa semelhante à média nacional dos últimos anos.10 Esse padrão de mudança tem sido observado de forma heterogênea tanto em estudos no Brasil, como em outros países endêmicos. A análise dos indicadores por macrorregião mostrou que as regiões Centro-Oeste (37,27/100 mil hab.), Norte (34,26/100 mil hab.) e Nordeste (23,42/100 mil hab) exibiram as maiores taxas médias de detecção geral em período recente analisado (2012-2016), enquanto as menores foram registradas nas regiões Sul (3,75 por 100 mil habitantes) e Sudeste (5,31 por 100 mil habitantes).9

Estudo de tendência, realizado em 692 municípios de alta carga para hanseníase dos estados de Mato Grosso, Tocantins, Rondônia, Pará e Maranhão, demonstrou, apesar das altas taxas, uma tendência global de diminuição da taxa de detecção de CN tanto na população geral (APC = -6,2%), quanto em menores de 15 anos (APC = -5,65).12

Nos 22 países prioritários para a hanseníase, a OMS, estudando a tendência de detecção de CN, identifica que a redução da detecção tem ocorrido de forma gradual ou mesmo tem havido estabilização na última década. Quando esse declínio é muito acentuado, deve-se ficar alerta para que isso não possa ser consequência da precariedade do diagnóstico e da notificação de casos.6

A análise das taxas de detecção de CN de hanseníase em crianças menores de 15 anos, objetiva além de verificar a tendência da endemia, medir a força da transmissão recente da hanseníase.10 A reprodução do M. leprae ocorre por divisão binária, e seu crescimento é lento, assim, a hanseníase possui normalmente um longo período de incubação, sendo menos frequente em menores de 15 anos de idade.2 Ao longo dos 15 anos analisados, verifica-se a tendência decrescente da taxa de detecção de CN de hanseníase em menores de 15 anos em Aracaju, com uma APC = -9,32 %, mas mantendo-se no parâmetro ainda considerado alto. Diferente do estudo anterior, onde demonstrava uma grande variação nas taxas de detecção de hanseníase em menores de 15 anos em Aracaju, o estudo atual demonstra uma consistente redução dessa taxa, apresentando inclusive uma velocidade anual de redução maior do que na população em geral.13 Desta forma, apesar de ainda ser classificada também por esse indicador como uma área de detecção alta, a sua tendência decrescente pode ser interpretada como uma queda na transmissão recente da hanseníase.

No período entre 2001 a 2016, a média da taxa de detecção de hanseníase em menores de 15 anos no Brasil foi de 5,77 por 100 mil habitantes, considerada muito alta. No entanto, houve uma tendência decrescente dessa taxa, com APC de -5% sendo que, em 2016, a taxa de detecção foi de 2,71 por 100 mil habitantes, classificada como alta.5 Em velocidades diferentes, a queda da taxa de detecção de CN de hanseníase, em menores de 15 anos, tem sido verificada em outras regiões do país. Na região Nordeste, observou-se tendência decrescente nos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Sergipe, enquanto no Rio Grande do Norte, na Alagoas e na Bahia demonstraram tendência estacionária do indicador..5,15, 16 Estudo em municípios hiperendêmicos brasileiros também tem demonstrado tendência anual decrescente (-3,6%), havendo variações entre os estados envolvidos, como uma queda maior nos municípios de Mato Grosso (-5.9%) e tendência estacionária nos municípios dos estados de Rondônia e Tocantins.12 A tendência decrescente também tem sido identificada em estados de baixa endemia, como nos municípios prioritários do Paraná.14 A taxa de detecção da hanseníase, em menores de 15 anos, expressa a força de transmissão recente da doença. Sendo assim, é fundamental acompanhar a tendência desta endemia de forma complementar à detecção na população em geral.10,11

A taxa de detecção dos CN para ambos os sexos apresentou significativa tendência decrescente ao longo do período estudado. A caracterização da doença por sexo permite indicar diferenças de acesso em termos da capacidade de alcance do programa e da capacidade da população em utilizar os serviços de saúde. Além disso, é possível identificar variações na carga de hanseníase entre os grupos populacionais e também discutir se estão ligadas a processos socioeconômicos, como a diferença de acesso e oportunidades.6,10 No período do estudo, houve discreto predomínio no sexo feminino (51,1%), havendo tendência estacionária na proporção de casos entre os sexos. No Brasil, os dados demonstram que 55,6% dos CN ocorreram no sexo masculino.9,15 Mundialmente, apenas 39,3% do total de novos casos são mulheres, o que tem trazido a preocupação da OMS em compreender se essa menor proporção possa está ocorrendo por questões de acesso aos seerviços pelas mulheres em algumas localidades.6,11

O controle efetivo da hanseníase requer uma abordagem integrada, que ofereça maior equidade e acessibilidade, melhor custo-efetividade e sustentabilidade a longo prazo. Isto implica que as atividades de eliminação da hanseníase devem ser implementadas pelos serviços primários de saúde, integrado com uma rede de referência. A integração não apenas melhora a acessibilidade ao tratamento, mas também reduz o estigma e a discriminação enfrentados pelas pessoas afetado pela hanseníase.11 No Brasil, a implantação das Normas Operacionais Básicas do SUS (NOB-SUS 91, em especial das NOB-SUS 93 e 96), além de promover uma integração de ações entre as três esferas de governo, desencadeou um processo de descentralização intenso, transferindo para os estados e, principalmente, para os municípios, um conjunto de responsabilidades e recursos para a operacionalização do SUS, antes concentradas no nível federal. O atendimento às pessoas com hanseníase foi, durante muito tempo, prestado sob a forma de programa verticalizado e centralizado. A descentralização das ações de controle da hanseníase e a integração delas aos serviços de Atenção Primária foram fortalecidas com a Norma Operacional de Assistência à Saúde de 2001 que descreve que as ações de controle da hanseníase devem ser desenvolvidas pelos serviços de Atenção Primária no país.17 Identifica-se, neste estudo, que nos últimos anos há uma tendência progressiva de descentralização do diagnóstico e tratamento da hanseníase para as equipes da APS em Aracaju, onde foram registrados 58,89% dos casos. Estudo anterior comparando alguns indicadores epidemiológicos e operacionais, demonstrou que a descentralização das ações de controle da hanseníase em Aracaju, levou de imediato ao aumento da taxa de detecção geral, além da melhoria de alguns indicadores operacionais (maior proporção de avaliação do grau de incapacidade, maior proporção de contatos examinados).18

A qualidade do cuidado ofertado pelos serviços de saúde à pessoa com hanseníase pode ser avaliada por diversos indicadores, entre eles a análise da cura e do abandono das coortes de CN.10 A proporção de cura manteve ao longo da série temporal, com média de 91%, sendo considerada, pelos parâmetros do Ministério da Saúde, como bom. E de forma complementar, o abandono manteve-se abaixo de 10%.

Não existe proteção específica para a hanseníase, por isso é fundamental o desenvolvimento de ações para reduzir a carga da doença. Dentre essas ações, estão o diagnóstico oportuno, o tratamento até a cura e o exame dos contatos. Como estratégia de detecção precoce e controle da hanseníase, está o exame dos contatos intradomiciliares no momento do diagnóstico (ou pouco tempo depois), sendo, portanto, um indicador operacional muito importante para a detecção da doença.5,1 Em Aracaju, houve uma tendência crescente da realização dos exames de contatos entre 2003 e 2017, saindo de um indicador considerado precário para regular, mas ainda não atingindo o ideal (90% ou mais dos contatos examinados). No período de 2012 a 2016, 77% dos contatos dos CN de hanseníase diagnosticados no país foram avaliados, e, entre as regiões, o Nordeste obteve percentual mais baixo (71,8%). Em relação ao percentual de exame de contatos por estado, observou-se que os Rondônia, Amapá, Sergipe, Alagoas e Mato Grosso apresentaram maiores percentuais de contatos examinados, entre os contatos dos CN registrados.9

Entre as doenças infecciosas, a hanseníase é considerada uma das principais causas de incapacidades físicas, em razão do seu potencial de causar lesões neurais. Esse alto potencial incapacitante está diretamente relacionado às características imunogênicas do Mycobacterium leprae.4 A avaliação do grau de incapacidade física (GIF) deve ser realizada no momento do diagnóstico e do final do tratamento. Desta forma, a avaliação da proporção dos casos com G2I identificados no momento do diagnóstico colabora para avaliação da efetividade das atividades de detecção oportuna.10 Em Aracaju, a AGI foi realizada em 84,6% dos casos no momento do diagnóstico. Já no momento da cura, ela foi realizada em apenas 63,2%, considerado precário para o parâmetro do Ministério da Saúde.

A taxa de detecção de CN de hanseníase com Grau 2 de incapacidade física (G2I) no momento do diagnóstico utilizado é importante para o monitoramento da tendência da detecção oportuna.10 O número de casos com G2I no momento do diagnóstico reflete diretamente, além na detecção precoce de casos, também no impacto de fatores, como a conscientização da hanseníase na comunidade, a capacidade do sistema de saúde em reconhecer a hanseníase e o acesso aos serviços.6 Diferente da tendência decrescente de detecção de CN, em Aracaju, a taxa de detecção de CN com G2I manteve-se estável com uma média de 1,61 casos/100 mil habitantes. A taxa de detecção tem apresentado grande variação entre as regiões do país, sendo maiores no Centro-Oeste (2,28/100 mil habitantes), Norte (2,24/100 mil habitantes) e Nordeste (1,44/100 mil habitantes).12 Em estudo realizado avaliando municípios de alta endemicidade, a taxa de CN com G2I chegou a 3,41 casos/100 mil habitantes.12

A hanseníase apresenta um amplo espectro de manifestações clínicas influenciadas pelo tipo de resposta imunológica. Para fins de tratamento, está disponível uma classificação operacional simplificada com base no número de lesões cutâneas: hanseníase paucibacilar (PB) com uma a cinco lesões cutâneas e pacientes multibacilares (MB) com seis ou mais lesões de pele. As formas MB estão presentes em pessoas com baixa resistência ao M. leprae e estão relacionadas à manutenção da cadeia de transmissão, pois são as principais formas infectantes.2,4 Entre 2003 e 2017, na cidade de Aracaju, a proporção de casos PB decresceu de forma significativa (61,37% para 41,1%) em detrimento ao aumento proporcional dos casos de MB. O aumento na proporção de casos MB tem sido observado no Brasil e em outros países, acompanhando a queda da detecção de hanseníase.5,6 Desta forma, a diminuição progressiva da detecção de novos casos observadas em Aracaju, associada ao aumento proporcional de forma MB, pode indicar a queda da transmissão local. É importante considerar também que, em algumas localidades, o predomínio de formas MB pode indicar deficiência na identificação das formas PB, por essas muitas vezes não serem razões para a procura do serviço de saúde, exceto na presença de reações hansênicas ou incapacidades.6,19

Uma importante limitação enfrentada nesse estudo é que apesar de trabalhar com a totalidade dos casos de hanseníase, por tratarem-se de dados secundários, as variáveis estudadas dependem do preenchimento adequado da ficha de notificação/investigação para hanseníase, além da possibilidade de haver subnotificação de casos. Além disso, a análise de alguns indicadores, como a proporção de G2I identificada tanto no diagnóstico como na cura, estão prejudicados pela grande variação anual na sua realização.

O estudo, ao apresentar o contexto epidemiológico da hanseníase em uma série histórica de 15 anos na cidade de Aracaju, identifica importantes tendências que devem ser consideradas, como a significativa tendência a redução das taxas de detecção na população em geral, em ambos os sexos e em menores de 15 anos. Também é possível perceber o crescimento do papel da Atenção Primária local nas ações de controle da endemia, incluindo a manutenção de uma boa taxa de cura e aumento do exame de contatos, ferramentas essenciais na queda da cadeia de transmissão.

Fica claro que a epidemiologia da hanseníase tem passado por transformações no município, havendo alterações tanto em aspectos clínico-epidemiológicos quanto operacionais. Para a manutenção do processo de diminuição consistente da transmissão da hanseníase, é fundamental que as ações sejam mantidas e intensificadas, pois apesar da associação entre queda de incidência e do aumento da proporção de casos MB, a presença destas formas sem diagnóstico e tratamento oportuno possibilitam a manutenção do ciclo de transmissão. Embora os indicadores epidemiológicos e operacionais tenham mostrado melhorias no controle da doença, esse avanço permanece insuficiente para a sua eliminação, aguçando a importância do fortalecimento de políticas de promoção, prevenção e diagnóstico da hanseníase.

REFERÊNCIAS

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