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O saber e o fazer de acadêmicos de enfermagem frente a acidentes com instrumentos perfurocortantes
Pamela Juliana Gatelli; Natyele Rippel Silveira; Cynthia Borges de Moura;
Pamela Juliana Gatelli; Natyele Rippel Silveira; Cynthia Borges de Moura; Helder Ferreira
O saber e o fazer de acadêmicos de enfermagem frente a acidentes com instrumentos perfurocortantes
The knowing and doing of nursing academic facing accidents with sharp instruments
El saber y el hacer de estudiantes de enfermería adelante accidente con instrumentos punzantes
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 7, núm. 4, pp. 208-214, 2017
Universidade de Santa Cruz do Sul
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Resumo: Justificativas e Objetivos: Os ferimentos causados por acidentes com instrumentos perfurocortantes representam atualmente um grave problema nas instituições de saúde, logo, a pesquisa teve como objetivo verificar se o que os acadêmicos de enfermagem dizem saber sobre as práticas corretas em caso de acidentes com instrumentos perfurocortantes, corresponde ou não ao que eles dizem que fariam caso o acidente acontecesse. Métodos: Participaram da pesquisa 88 discentes de dois campi de uma universidade estadual do estado do Paraná. A coleta de dados foi realizada por meio de um instrumento composto de oito situações que descreviam acidentes hipotéticos com instrumentos perfurocortantes na prática de enfermagem. Cada situação era seguida de três alternativas: uma correta, uma parcialmente correta e outra incorreta. Em cada uma o aluno era solicitado a indicar qual conduta o profissional deveria tomar; assim como avaliar o que o profissional realmente faria na situação descrita. Resultados: Observou-se discrepância entre o que os acadêmicos dizem “saber” sobre as práticas corretas em casos de acidentes e o que eles dizem sobre o “fazer” frente ao acidente. Conclusão: Conclui-se que intervenções e estratégias por parte das instituições de ensino precisam ser desenvolvidas a fim de minimizar tais diferenças, reforçar os riscos envolvidos nos acidentes com materiais biológicos, e enfatizar a importância de medidas preventivas.

Palavras-chave: Riscos ocupacionais, Acidentes de trabalho, Saúde do trabalhador, Ferimentos penetrantes, Equipe de enfermagem.

Abstract: Backgrounds and Objectives: Injuries caused by accidents with sharps instruments represent a serious problem in health institutions, the present work aimed was to verify if what the nursing academics say they know about the correct practices in the case of accidents with sharp instruments, corresponds or not to what they say they would do in case the accident happened. Methods: The sample was composed of eighty-eight students of two campus of a university in Paraná state. Data collection was made by an instrument composed of eight situations describing hypothetical accidents with sharp instruments in nursing practice. Each situation was followed by three alternatives: one correct, another half correct, and the other one incorrect. For each description the student was asked to indicate which action the professional should take, and evaluate what the professional would probably do in the real situation. Results: It was observed a discrepancy between what the students say to "know" about the right practices in accidents and what they say to "do" facing an accident. Conclusion: The conclusion was that educational interventions and strategies in nursing schools need to be developed to minimize such differences, increase the perceptions about the risks involved in accidents with biological materials and emphasize the importance of preventive measures.

Keywords: Occupational risks, Accidents, Occupational, Occupational Health, Wounds, Penetrating, Nursing Team.

Resumen: Justificaciones y Objetivos: Las lesiones causadas por accidentes con instrumentos afilados actualmente plantean un grave problema en las instituciones de salud, por lo que la investigación fue verificar si lo que los académicos de enfermería dicen saber sobre las prácticas correctas en caso de accidentes con instrumentos punzocortantes, corresponde o no a lo que ellos dicen que harían caso el accidente ocurrir. Métodos: Los participantes fueron ochenta y ocho estudiantes de los dos campus de la Universidad del Estado de Paraná. La recolección de datos se realizó por medio de un instrumento que consta de ocho situaciones hipotéticas que describen los accidentes con instrumentos afilados en la práctica de enfermería. Cada situación fue seguido por tres alternativas: correctas, parcialmente correctas e incorrectas uno. En cada uno de los estudiantes se les pidió que indicaran qué conducta profesional debe tomar; y para evaluar lo que el profesional se hace realmente en la situación descrita. Resultados: Se há observado discrepancia entre lo que los académicos dicen "saber" acerca de las prácticas adecuadas en casos de accidentes y lo que dicen de "hacer" frente del accidente. Conclusiónes: Se concluye que las intervenciones y estrategias de las instituciones educativas deben ser desarrollados con el fin de reducir al mínimo tales diferencias, fortalecer los riesgos involucrados en accidentes con materiales biológicos, y hacer hincapié en la importancia de las medidas preventivas.

Palabras clave: Riesgos laborales, Accidentes de trabajo, Salud Laboral, Heridas penetrantes, Grupo de enfermería.

Carátula del artículo

O saber e o fazer de acadêmicos de enfermagem frente a acidentes com instrumentos perfurocortantes

The knowing and doing of nursing academic facing accidents with sharp instruments

El saber y el hacer de estudiantes de enfermería adelante accidente con instrumentos punzantes

Pamela Juliana Gatelli
Universidade Estadual do Oeste do ParanáBrasil
Natyele Rippel Silveira
Universidade Federal de FlorianópolisBrasil
Cynthia Borges de Moura
Universidade Estadual do Oeste do ParanáBrasil
Helder Ferreira
Universidade Estadual do Oeste do ParanáBrasil
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 7, núm. 4, pp. 208-214, 2017
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 08 Febrero 2017

Aprobación: 05 Junio 2017

INTRODUÇÃO

Os ferimentos causados por acidentes com instrumentos perfurocortantes representam atualmente um grave problema nas instituições de saúde, tanto pela frequência com que ocorrem, como pela grave repercussão que podem ter sobre a saúde dos trabalhadores.1,2Os profissionais de enfermagem são os mais expostos a tais riscos, porém mostram desconhecer a relação saúde-doença no ambiente laboral, e não raro, mostram despreparo para reconhecer e se defender dos potenciais danos que este ambiente pode causar a sua saúde.3-5

Os riscos ocupacionais relacionados aos agentes biológicos distribuem-se amplamente na estrutura de uma unidade de saúde, e são proporcionais aos contatos mais intensos e diretos com os pacientes, principalmente, aqueles que envolvem sangue, secreções e outros fluídos corporais.6,7 Afirmam ainda que, as consequências de uma exposição ocupacional a patógenos veiculados pelo sangue vão além do comprometimento físico a curto ou longo prazo, e podem afetar outros aspectos da saúde do profissional. O acidente pode ter repercussões psicossociais, levando a mudanças nas relações sociais, familiares e de trabalho. As reações psicossomáticas pós-profilaxia, também são aspectos preocupantes8.

Os acidentes de trabalho mais frequentes entre trabalhadores de enfermagem, estão os ocasionados por material perfurocortante. Os acidentes ocasionados por agulhas são responsáveis por 80 a 90 % das transmissões de doenças infecciosas entre trabalhadores de saúde.2,9 O risco de transmissão de infecção através de uma agulha contaminada é de um em três para Hepatite B, um em trinta para Hepatite C e um em trezentos para HIV.10

A prevenção de acidentes de trabalho é a medida que pode, mais significativamente, diminuir essa exposição ocupacional aos riscos biológicos inerentes ao trabalho.. Estes autores afirmam que os acidentes com perfurocortantes podem ser evitados, mas para isso há a necessidade de, não apenas promover periodicamente treinamento em serviço com o objetivo de diminuir a sua frequência, mas também permitir que os trabalhadores consigam decodificar a organização do trabalho em que estão inseridos, encontrando soluções para o trabalho diário com mais segurança.

Contrastando-se sua alta frequência com sua significativa subnotificação, percebe-se que na prática, pouca atenção é dispensada aos acidentes com materiais perfurocortantes. As principais causas destes acidentes relacionam- se a não observação de normas, imperícia, condições laborais inadequadas, instruções incorretas ou insuficientes, falhas de supervisão e orientação, falta ou inadequação no uso de equipamentos de proteção individual.11

Em um estudo com objetivo de reconhecer as repercussões do acidente com perfurocortantes para o trabalhador de enfermagem, observaram que apenas depois de passar pelo “susto” do acidente é que os profissionais mencionaram a necessidade de redobrar o cuidado, adotar uma postura mais precavida, ter mais cuidado e atenção ao manipular materiais perfurocortantes para não se machucar ou não sofrer outro acidente.12

Apesar dos inúmeros estudos sobre o comportamento dos profissionais de saúde, ainda não se identificou claramente os motivos pelos quais rotinas aparentemente óbvias não são seguidas, ou seja, porque o discurso do profissional é correto, mas suas atitudes não são. Os indivíduos demonstram conhecer as regras de prevenção, mas o conhecimento sozinho não parece ser um fator determinante para a emissão consistente de um comportamento mais seguro no trabalho. Dependendo da situação e da sua percepção sobre ela, parece que o que o profissional sabe que deve ser feito, não tem força suficiente para produzir correspondência com o que ele realmente faz.13

Essa relação entre o comportamento verbal e o não verbal de um indivíduo chama-se correspondência verbal. Ao se examinar a correspondência verbal, está se investigando se o que o indivíduo diz é coerente com o que ele faz.14 No presente estudo, considerou-se que ao avaliar o que o profissional faria, o acadêmico estaria, de certa forma, relatando sua própria conduta. Segundo De Rose (1997), levar as pessoas a falarem de uma terceira pessoa pode facilitar a auto-exposição desejada, verificando a ocorrência ou não de correspondência entre o dizer e o fazer.15

Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi verificar se o que os acadêmicos de enfermagem dizem saber sobre as práticas corretas em caso de acidentes com instrumentos perfurocortantes, corresponde ou não ao que eles dizem que fariam caso o acidente acontecesse.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo do tipo qualitativo e quantitativo, realizado no período de 2011 a 2012. Os dados foram coletados no período de agosto a dezembro de em 2011, junto aos acadêmicos do curso de graduação em enfermagem distribuídos em dois campi (dois cursos) localizados em diferentes municípios de uma Universidade Estadual do Paraná. Foram incluídos no estudo acadêmicos do segundo ao quinto ano de curso e que aceitaram participar do estudo. A amostra do Campus 1 (GRUPO 1) com 44 discentes e a amostra do Campus 2 (GRUPO 2) com 44 discentes, totalizando 88 acadêmicos.

O instrumento de coleta de dados foi elaborado a partir de um estudo anterior que coletou situações reais de acidentes com perfurocortantes, as descrições foram rearranjadas em oito situações de forma a compor quatro categorias:16

1. Procedimento correto/contaminado (o procedimento descrito foi realizado corretamente, porém, ocorrendo acidente potencial contaminação biológica do profissional que o realizava);

2. Procedimento incorreto/contaminado (procedimento descrito foi realizado incorretamente, ocorrendo então acidente com potencial contaminação biológica do profissional que o realizava);

3. Procedimento correto/não contaminado (o procedimento descrito foi realizado corretamente, ocorrendo um acidente sem potencial contaminação biológica do profissional que o realizava);

4. Procedimento incorreto/não contaminado (o procedimento descrito foi realizado incorretamente, ocorrendo um acidente sem potencial contaminação biológica do profissional que o realizava).

Cada categoria continha duas descrições de acidente, seguida de três alternativas de conduta do profissional: uma correta, uma parcialmente correta e outra incorreta. O aluno era solicitado a: 1) indicar qual a conduta o profissional deveria tomar; e 2) avaliar o que o profissional realmente faria na situação descrita. Esta metodologia foi baseada em pesquisa previa16

Foi realizada comparação estatística, utilizando o teste estatístico t, com nível de significância de 5 %, entre as duas situações categorizadas como similares, para determinar se estavam mensurando o mesmo constructo. A análise revelou que não houve diferenças estatisticamente significativas entre as respostas às situações, evidenciando-se a homogeneidade da forma final do instrumento. Para a apresentação dos dados foi utilizado estatística descritiva.

Os alunos foram abordados em sala de aula, receberam explicações sobre a pesquisa e após leitura e assinatura voluntaria do Termo de Consentimento de Livre e Esclarecido, foi realizada a aplicação coletiva do instrumento de coleta de dados. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Parecer 031/2011 de 31 de março de 2011.

RESULTADOS

A maioria dos participantes situava-se na faixa etária de 20 a 21 anos (44,32 %) e eram do sexo feminino (88,64 %). Quanto ao período do curso dos participantes, embora tenha ocorrido uma distribuição relativamente uniforme, houve uma maior participação dos alunos do 2º ano (38,64 %), conforme se pode observar na tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos participantes da pesquisa

Os dados sobre acidentes com perfurocortantes coletados junto aos acadêmicos dos dois grupos de alunos foram agrupados em uma única amostra porque a análise estatística de comparação entre os grupos não mostrou diferenças significativas entre itens comparados (p<0,05).

Os dados então foram tabulados de acordo com a frequência e percentual de respostas em cada categoria.

Tabela 2
Comparação entre o saber e o fazer frente a situações acidentais com instrumentos perfurocortantes para as quatro categorias consideradas no estudo

Considerado as respostas dos participantes às situações que descreviam acidentes em que o profissional executava um procedimento correto com a ocorrência de um acidente com possível contaminação biológica – Categoria Procedimento Correto/Contaminado, um total de 79 % dos participantes da pesquisa indicou a conduta correta como aquela que o profissional da situação deveria tomar, mostrando o conhecimento dos procedimentos por parte dos participantes (Tabela 2). Porém, 31% indicou que ele realmente tomaria a conduta correta, sendo que o maior percentual (51%) acredita que o profissional optaria pela conduta errada.

A primeira situação referente a esta categoria descreve “... o profissional ao realizar um procedimento de punção venosa, na retirada da agulha, lesionou a pele superficialmente (arranhando-se) sem sangramento”. Assim, hipotetiza-se que, no momento de indicar o que eles achavam que o profissional realmente faria, possivelmente a maioria apontou a alternativa errada, pelo fato da lesão ter sido superficial e sem sangramento, assinalando a alternativa que descrevia não ser necessária a comunicação ao supervisor e nem a realização da abertura do protocolo, apenas os cuidados imediatos com o local da lesão.

Na segunda situação desta categoria, a descrição ocorre da seguinte forma: “...ao realizar um procedimento de punção venosa em jugular para administração de medicação de um paciente portador de hepatite B confirmada, perfura-se ao final do procedimento...”. Pode-se hipotetizar que a grande maioria avaliou que o profissional não acharia necessário comunicar o acidente (conduta errada), pelo fato de estar com a sua carteira de vacinação em dia.

Nas respostas dos participantes às situações que descreviam acidentes em que o profissional executava um procedimento de forma incorreta com a ocorrência de um acidente com possível contaminação biológica – Categoria Procedimento Incorreto/Contaminado, verifica-se que 74 % indicou a conduta correta como aquela que o profissional da situação deveria tomar, no entanto o maior percentual, 43 % considerou que o mesmo optaria pela conduta parcialmente correta. Apenas 34 % indicaram que ele realmente faria a conduta correta.

A primeira situação referente a essa categoria descreve: “...o profissional ao realizar teste de Hemoglicoteste (HGT) em vários pacientes de uma mesma enfermaria com uma única bandeja, ao final de todos os testes, descartando as agulhas perfura-se, sem conseguir identificar de qual paciente era a agulha”. No momento de indicar o que eles achavam que o profissional realmente faria, possivelmente optaram pela questão meio certa pelo déficit de conhecimento a respeito das condutas pós acidente. Essa opção apontava que o profissional só daria início a medicação preventiva depois que fosse confirmada a contaminação, quando o ideal é iniciar a medicação preventiva mesmo não sendo possível identificar a fonte contaminadora.

Na segunda situação referente a esta categoria a descrição ocorre da seguinte forma: “...ao realizar um procedimento de injeção intramuscular (IM), perfurou-se ao reencapar a agulha para descarte”. É provável que os estudantes tenham optado pela opção meio certa pelo fato de o procedimento ter sido realizado incorretamente, pois o reencape de agulha não é um procedimento correto. Sendo assim o profissional não comunicaria, provavelmente, por medo de ser advertido.

Nas respostas dos participantes às situações que descreviam acidentes em que o profissional executava um procedimento de forma correta com a ocorrência de um acidente não ocorrendo a potencial contaminação biológica do profissional que o realizava – Categoria Procedimento Correto/Não Contaminado, observa-se, diferentemente das outras categorias, 40 % indicou a conduta meio certa como aquela que o profissional da situação deveria tomar, e não a correta como ocorrido nas outras categorias. Relacionado à questão do que eles acham que o profissional realmente faria, 56 % indicou a conduta certa.

A primeira situação referente a essa categoria descreve: “...durante a realização de procedimento de diluição de um antibiótico perfura-se com a agulha, fazia uso de equipamentos de uso individual (EPI´s) e a segunda situação desta categoria descreve: ...ao realizar um procedimento de punção arterial, usando EPI’S, suja-se de sangue ao retirar a agulha do local da punção”.

Os resultados obtidos nessa categoria nos remetem a duas hipóteses: a primeira seria a falta de atenção na análise da descrição da situação respondendo-a de forma desatenta já que a grande maioria não sabia ao certo o que o profissional deveria fazer, no entanto a grande maioria acredita que o que ele realmente faria seria optar pela conduta correta. A segunda hipótese é que por se tratar de situação que cita o material biológico mesmo o profissional não estando sujeito a sua contaminação, os participantes podem ter generalizado com o contexto das outras situações, “pecando pelo excesso”.

Nas respostas dos participantes às situações que descreviam acidentes em que o profissional executava um procedimento de forma incorreta com a ocorrência de um acidente não ocorrendo a potencial contaminação biológica do profissional que o realizava – Categoria Procedimento Incorreto/Não Contaminado, observa-se que 82 % indicou a conduta correta como aquela que o profissional da situação deveria tomar, no entanto, muitos participantes da pesquisa ao avaliar o que o profissional realmente faria, indicou a conduta errada (37 %).

A primeira situação referente a essa categoria descreve: “... em atendimento a uma parada cardiorrespiratória na urgência da administração de medicamentos quebrou a ampola sem auxílio do algodão”.

A segunda situação referente a essa categoria: “... RM após o término da aspiração de um medicamento deixa a seringa e a agulha utilizadas no procedimento ao lado da bandeja em cima da bancada. Outra pessoa que estava ao lado de R.M perfura-se com a agulha deixada por RM”.

Em ambas as situações, hipotetiza-se que as escolhas sobre a conduta que o profissional realmente deveria tomar foram, na grande maioria erradas, a fim de atribuir responsabilidade a outrem, uma vez que os procedimentos foram realizados incorretamente por negligência do profissional.

DISCUSSÃO

Os resultados mostram que para as quatro condições colocadas aos estudantes, não houve correspondência entre o dizer e o fazer. Com exceção da categoria procedimento correto/não contaminado, os acadêmicos mostraram saber o que deveria ser feito frente ao acidente com instrumento perfurocortante. Ou seja, apresentaram conhecimento a respeito dos procedimentos de segurança e de profilaxia. Porém, quando questionados a respeito do que o profissional faria frente aos acidentes descritos, muitos optaram pela conduta errada e meio certa, principalmente nas categorias de procedimento correto/contaminado e Procedimento incorreto/não contaminado, mostrando inconsistência entre o dizer e o provável fazer. Pode-se especular que tal inconsistência possa ter resultado de uma avaliação das consequências, a qual pode ter gerado respostas de esquiva do enfrentamento do prejuízo, tanto para sua saúde (no caso do material contaminado), quanto para sua carreira profissional (no caso da execução incorreta do procedimento).

Na categoria de procedimento correto/não contaminado, os acadêmicos não souberam com precisão a conduta certa a ser adotada, tanto que optaram pela conduta meia certa frente ao acidente, mas na hora de indicar o que o profissional realmente faria, escolheram a alternativa correta. Dado que da mesma forma indica inconsistência entre o saber e o fazer. A experiência de passar por um acidente envolvendo material biológico potencialmente contaminado é algo extremamente individual e, provavelmente, cada profissional adotará comportamentos e condutas diferenciadas considerando-se um mesmo tipo de acidente, nas mesmas condições.7,17 Em um estudo sobre o dizer e fazer na prática de exercícios físicos em portadores de diabetes mellitus, com o objetivo de identificar as variáveis que interferem na prática de exercícios como parte do tratamento da doença, encontraram casos em que o participante não apresentava nenhuma correspondência verbal, ou seja, o que ele dizia fazer em relação ao exercício físico não era o que ele realmente fazia na prática.14

Outros pesquisadores em uma análise da relação entre o dizer e o fazer do professor, objetivando estudar a correspondência entre o que o professor diz sobre sua atuação em sala de aula diante de um determinado comportamento-problema do aluno e o que ele realmente faz em sua pratica como educador, descreveram situações de não correspondência ocorridas. Este estudo apontou grande numero de casos (mais que 50 %) em que não houve correspondência entre o relato verbal e o comportamento não verbal do professor.18 Esse distanciamento entre o que os sujeitos dizem e fazem explica-se pelo fato de que o comportamento verbal instruído é como o comportamento não-verbal instruído, relativamente insensível a suas consequências, ou seja, menos sistematicamente acompanhado pelo comportamento não-verbal correspondente. Em outras palavras, se nos disserem o que temos que dizer, o que faremos não decorre necessariamente do que dissemos, mesmo quando falamos exatamente o que disseram para dizer.19

Outros autores consideram importante prever as circunstâncias nas quais o fornecimento de um antecedente verbal, sob a forma de uma instrução ou regra, será capaz de controlar ou não a emissão de uma determinada resposta. Desta maneira, se o comportamento verbal de uma pessoa, ou seja, o que ela diz fazer em relação a suas atitudes, puder controlar seu comportamento não-verbal, ou seja, o que ela realmente faz em suas atitudes, ela poderá também fazer com que o comportamento verbal de outro indivíduo controle o seu comportamento não-verbal.20

Aplicando esta análise ao contexto desse estudo, conclui-se que as instituições de ensino precisam testar diferentes estratégias para melhorar o seguimento das instruções e regras de conduta frente a um acidente com instrumento perfurocortante. A formação profissional deve garantir que, o que é ensinado não fique apenas no discurso do enfermeiro, mas que corresponda a sua prática profissional, buscando medidas pedagógicas que aumentem a adesão de estudantes e profissionais às medidas de prevenção de acidentes laborais.

A dissonância entre a teoria (retórica) e a prática (real) na enfermagem não é uma discussão nova, no entanto ela continua merecendo consideração. A aparência e o real nem sempre se correspondem; isso pode relacionar-se ao fato de que o processo de trabalho em saúde costuma ser unidirecional – sujeito/objeto, enquanto a comunicação plena exige multidirecionalidade entre os sujeitos.21

Considerando os grandes prejuízos que um acidente com instrumento perfurocortante pode trazer para a vida do indivíduo, considerando-se ainda o resultado da presente pesquisa que mostrou a falta de correspondência entre o saber e o provável fazer dos estudantes, conclui-se que intervenções e estratégias por parte das instituições de ensino para minimizar tais diferenças são de suma importância.

Tais estratégias podem se configurar como conteúdo obrigatório dentro das disciplinas que envolvem os cuidados fundamentais com os pacientes, reforçando os diferentes riscos à saúde do trabalhador envolvidos na manipulação de materiais biológicos, além da importância da utilização adequada das medidas preventivas incluindo as precauções padrão estabelecidas pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária.22-24

O presente estudo ressalta a necessidade de ênfase permanente ao longo da formação do estudante quanto aos riscos e condutas preventivas de acidentes ocupacionais, uso de equipamentos de proteção individual e coletiva, importância da notificação imediata e acompanhamento sorológico completo, bem como o suprimento da estrutura das instituições em termos de recursos humanos e materiais.25 Ações estas com implicações diretas na diminuição dos índices de acidentes e/ou doenças ocupacionais.

Afinal, fazer enfermagem significa, demonstrar disposição para cuidar de outras pessoas por meio da valorização dos aspectos humanos, sendo imprescindível para isso que o profissional assuma quanto uma atitude ética, na relação interpessoal do cuidado, quanto uma atitude estética, percebida como o sentimento de valorização dessa relação com vistas a harmonizar o pensar e o fazer no cuidado de enfermagem.21

Material suplementario
REFERÊNCIAS
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Notas
Tabela 1
Caracterização dos participantes da pesquisa

Tabela 2
Comparação entre o saber e o fazer frente a situações acidentais com instrumentos perfurocortantes para as quatro categorias consideradas no estudo

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