Doenças Crônicas Não Transmissíveis: perfil da mortalidade no município de Natal-RN no período de 2000 a 2014

Chronic non-communicable diseases: mortality profile in Natal-RN in the period 2000-2014

Enfermedades Crónicas no Transmisibles: perfil de la mortalidade em el município de Natal/RN em el período 2000 a 2014

Marilane Vilela Marques
Secretaria Municipal de Saúde do NatalBrasil
Ana Edimilda Amador
Universidade Federal do Rio Grande do NorteBrasil
Aryelly Dayane Silva Nunes
Universidade Federal do Rio Grande do NorteBrasil
Isabelle Ribeiro Barbosa
Universidade Federal do Rio Grande do NorteBrasil

Doenças Crônicas Não Transmissíveis: perfil da mortalidade no município de Natal-RN no período de 2000 a 2014

Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 7, núm. 4, pp. 246-253, 2017

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 19 Octubre 2016

Aprobación: 09 Agosto 2017

Resumo: Justificativa e objetivos: Como consequência da transição demográfica e epidemiológica, atualmente as Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) são responsáveis pela maior carga de morbidade e mortalidade no mundo, evidenciando a necessidade de monitorar sua ocorrência. O objetivo desse estudo foi analisar a tendência temporal e descrever o perfil da mortalidade por DCNT no município de Natal-RN. Métodos: Foram analisados os óbitos ocorridos no período de 2000 a 2014, oriundos decorrentes das Neoplasias, Doenças do Aparelho Circulatório, Doenças do Aparelho Respiratório e Diabetes Mellitus. A partir dos dados do VIGITEL foram avaliados os principais fatores associados a estas causas. A tendência foi analisada pelo método de regressão linear simples. Resultados: Foram registrados 34.618 óbitos por DCNT, 49% do sexo masculino e 51% do feminino; as Neoplasias foram responsáveis por 32,4% dos óbitos; as Doenças do Aparelho Circulatório por 49,8%; as Doenças do Aparelho Respiratório por 6,9% e o Diabetes Mellitus por 10,9% dos óbitos. Foi observada tendência de redução da mortalidade pelo conjunto dessas causas; A população acima de 50 anos foi responsável por 88% dos óbitos. Houve redução na prevalência do Tabagismo e sedentarismo, porém aumento de sobrepeso e obesidade. Conclusões: As DCNT representam uma importante causa de morte em indivíduos acima de 50 anos no município de Natal, destacando-se as taxas de mortalidade por Diabetes em mulheres.

Palavras-chave: Mortalidade, Doença Crônica, Vigilância Epidemiológica.

Abstract: Background and objectives: As a consequence of the demographic and epidemiological transition, chronic noncommunicable diseases (NCDs) are responsible for the greater burden of morbidity and mortality in the world, evidencing the need to monitor their occurrence. The objective of this study was to analyze the temporal trend and to describe the mortality profile by NCDs in the city of Natal-RN. Methods: We analyzed deaths registered in the period from 2000 to 2014 from Neoplasms, Circulatory System Diseases, Respiratory and Diabetes Mellitus. From the VIGITEL data, the main factors associated with these causes were evaluated. The trend was analyzed using the simple linear regression method. Results: There were 34,618 deaths due to NCDs, 49% of males and 51% of females; Neoplasms were responsible for 32.4% of the deaths; Circulatory System Diseases by 49.8%; Respiratory System diseases by 6.9% and Diabetes Mellitus for 10.9% of deaths. A trend of mortality reduction was observed for all these causes; The population over 50 years was responsible for 88% of deaths. There was a reduction in the prevalence of smoking and sedentary lifestyle, but an increase in overweight and obesity. Conclusions: NCDs represent an important cause of death in individuals over 50 years of age in the city of Natal, with a high mortality rate due to diabetes in women.

Keywords: Mortality, Chronic disease, Epidemiological surveillance.

Resumen: Justificación y objetivos: Como consecuencia de la transición demográfica y epidemiológica, actualmente las Enfermedades crónicas no transmisibles son responsables de la mayor carga de morbilidad y mortalidad en el mundo, evidenciando la necesidad de monitorear su ocurrencia. El objetivo de este estudio fue analizar la tendencia temporal y describir el perfil de la mortalidad por estas enfermedades en el municipio de Natal-RN. Métodos: Se analizaron las muertes ocurridas en el período de 2000 a 2014, provenientes de las neoplasias, enfermedades del aparato circulatorio, enfermedades del aparato respiratorio y Diabetes mellitus. A partir de los datos del VIGITEL se evaluaron los principales factores asociados a estas causas. La tendencia fue analizada por el método de regresión lineal. Resultados: Fueran registradas 34.618 muertes por ECNT, 49% del sexo masculino y 51% del femenino; las Neoplasias fueron responsables del 32,4% de las muertes; las Enfermedades del aparato circulatorio por el 49,8%; las Enfermedades del Aparato Respiratorio por el 6,9% y el Diabetes Mellitus por el 10,9% de las muertes. Se observó una tendencia de reducción de la mortalidad por el conjunto de estas causas; La población de más de 50 años fue responsable del 88% de las muertes. Hubo reducción en la prevalencia del tabaquismo y sedentarismo, pero aumento de sobrepeso y obesidad. Conclusiones: Las ECNT representan una importante causa de muerte en individuos mayores de 50 años en el municipio de Natal, destacándose las tasas de mortalidad por Diabetes en mujeres.

Palabras clave: Mortalidad, Enfermedad Crónica, Vigilancia Epidemiológica.

INTRODUÇÃO

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) têm sido a causa mais comum de morte e incapacidade em todo o mundo nas últimas três décadas, em função dos processos de transição epidemiológica, demográfica e nutricional, que resultaram na redução progressiva da mortalidade e morbidade por doenças transmissíveis e o aumento por doenças como o Diabetes mellitus, as Doenças cardiovasculares, o Câncer, as Doenças respiratórias e as causas externas1.

Anualmente, as DCNT respondem por 36 milhões, ou 63%, das mortes em todo o mundo. Os principais fatores de risco que estão associados a estas doenças são hipertensão arterial, tabagismo, uso de álcool, inatividade física, dieta inadequada, obesidade e hipercolesterolemia2.

Cerca de 80% das mortes por DCNT ocorrem em países de baixa ou média renda, onde 29% são de pessoas com menos de 60 anos, enquanto nos países de renda alta apenas 13% são mortes precoces3. Sua preponderância como causa de mortalidade em todo o mundo e o compartilhamento de fatores de risco entre essas doenças crônicas nortearam a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) que, no ano de 2011, discutiu e deliberou o compromisso denominado “25 x 25”, que significa reduzir em 25% a mortalidade precoce (por definição abaixo dos 70 anos) em decorrência de doenças crônicas não transmissíveis até o ano de 2025 em comparação ao ano de 20104.

No Brasil, as DCNT são igualmente relevantes, tendo sido responsáveis, em 2011, por 72,7% do total de mortes, com destaque para as doenças do aparelho circulatório (30,4% dos óbitos), as neoplasias (16,4%), o diabetes (5,3%) e as doenças respiratórias (6,0%)5.

Como resposta ao desafio das DCNT, o Ministério da Saúde do Brasil tem implementado importantes políticas de enfrentamento dessas doenças, com destaque para a Organização da Vigilância de DCNT, cujo objetivo é conhecer a distribuição, a magnitude e a tendência das doenças crônicas e agravos e seus fatores de risco, além de apoiar as políticas públicas de promoção à saúde6.

Apesar da gravidade das DCNT e do aumento de sua incidência, grande parte dessas doenças poderiam ser evitadas. Os fatores de risco de DCNT passaram a ser monitorados no Brasil a partir de 2006, por meio do Sistema Nacional de Vigilância de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL). O inquérito é realizado anualmente em todas as 26 capitais dos estados brasileiros e no Distrito Federal com enfoque na população adulta (≥ 18 anos)7. As maiores prevalências de tabagismo, consumo de alimentos ultraprocessados, consumo irregular de verduras e frutas além do consumo de álcool estão fortemente associados às baixas condições socioeconômicas no Brasil8.

Globalmente, as DCNT têm gerado elevado número de mortes prematuras, perda de qualidade de vida, alto grau de limitação das pessoas em suas atividades de trabalho e de lazer, além de ocasionar impactos econômicos negativos para as famílias, as comunidades e a sociedade em geral, resultando no agravamento de iniquidades sociais e pobreza.9,10

O Plano nacional de enfrentamento de DCNT foi publicado em 2011, apresentando como objetivo promover o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas efetivas, integradas, sustentáveis e baseadas em evidências para a prevenção e o controle das DCNT e seus fatores de risco e fortalecer os serviços de saúde voltados às doenças crônicas6. O município do Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte e município mais populoso do estado, não dispõe de um plano de ações estratégicas para o enfrentamento das DCNT.

Os estudos sobre mortalidade decorrentes das DCNT no Brasil são utilizados para descrição dos padrões de distribuição através das séries temporais e podem informar sobre os efeitos das modificações nos determinantes da doença, assim como a necessidade de produzir intervenções que sejam susceptíveis de afetar a frequência desses agravos nos anos que se seguem, contribuindo para a formulação de estratégias de controle e a organização dos serviços de saúde. Por este motivo, faz-se imprescindível conhecer a distribuição, a magnitude, a tendência das DCNT e os possíveis fatores de risco para a população do município de Natal-RN.

O objetivo desse estudo foi analisar a tendência temporal e descrever o perfil da mortalidade por DCNT no município de Natal-RN.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo ecológico, utilizando dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (MS) sobre os óbitos ocorridos em residentes na cidade de Natal, entre 2000 e 2014, cuja causa básica esteve relacionada aos seguintes capítulos da 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10): Neoplasias (Capítulo II), Doenças do Aparelho Circulatório (Capítulo IX), Doenças do Aparelho Respiratório (subgrupos de causa CID-10 J30-J98) e Diabetes Mellitus (subgrupos de causa CID-10 E10-E14).

Foram calculadas as Taxas de Mortalidade Padronizada (TMP) para os quatro principais grupos de causas para cada ano considerado no estudo. As taxas foram padronizadas utilizando o método direto de padronização, sendo a população padrão a população estimada para o Brasil no ano de 2014.11

Foi calculada a tendência temporal da mortalidade por grupos de causas no período de 2000 a 2012, utilizando o método da Regressão linear simples, com significância de 95%. Para a análise de tendência não foi possível se obter as TMP para os anos 2013 e 2014, visto Departamento de Informática do SUS (DATASUS) não disponibilizar a população estratificada por idade para o município do Natal/RN. Para a realização desta análise utilizou-se a ferramenta Microsoft Excel 2010. Também foi apresentado o perfil dos óbitos de acordo com as variáveis sexo e faixa etária.

Foi analisada a prevalência dos fatores de risco e proteção para as DCNT para o município de Natal-RN com seus respectivos intervalos de confiança a 95%. Esses dados foram coletados do Inquérito Telefônico VIGITEL realizado nos anos 2006 e 2012. As variáveis coletadas foram relativas aos hábitos de realização de atividades físicas, hábitos alimentares, tabagismo e a referência de diagnóstico médico de presença de alguma DCNT.

Essa pesquisa utilizou dados secundários disponíveis em sites oficiais do Ministério da Saúde do Brasil, sem identificação de sujeitos, sendo dispensado de apreciação em comitê de ética em pesquisa, em conformidade com a Resolução 466∕2012 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

De acordo com os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, no período de 2000 a 2014, foram registrados 34.618 óbitos por DCNT em residentes do município do Natal-RN, referente aos grupos de causas das Doenças Aparelho Circulatório (DAC), Doenças do Aparelho Respiratório (DAR), Diabetes e Neoplasias. Com média de 2.308 óbitos anuais, esses grupos de causas foram responsáveis por mais de 50% dos óbitos registrados no período. De acordo com a Figura 1, pode-se observar a tendência de redução da mortalidade proporcional pelas DCNT ao longo da série analisada (Figura 1).

Número de óbitos anuais e proporção de óbitos p elas quatro principais DCNT. Natal-RN, 2000-2014
Figura 1
Número de óbitos anuais e proporção de óbitos p elas quatro principais DCNT. Natal-RN, 2000-2014

As Doenças do Aparelho Circulatório representaram 49,8% do total de óbitos; as Neoplasias foram responsáveis 32,4% dos óbitos; os óbitos por Diabetes Mellitus corresponderam a 10,9% do total e os óbitos por Doenças do Aparelho Respiratório representaram 6,9%.

Conforme apresenta a tabela 1, a frequência da mortalidade por Neoplasias se mantém semelhante para ambos os sexos. No período, ocorreram 5.500 óbitos (49%) em indivíduos sexo masculino, enquanto que 5.701 (51%) do sexo feminino.

No que se refere à mortalidade por diabetes mellitus, no período estudado ocorreram 3.783 óbitos, sendo 1.595 (42%) óbitos de homens e 2.187 (58%) de mulheres. Observa-se a predominância de óbitos em indivíduos do sexo feminino em todos os anos analisados.

Para a mortalidade por doenças do aparelho circulatório, este grupo de causas foi responsável pelo maior número de óbitos no período estudado que (n=17.232), 8.755 (51%) acometeram o sexo masculino e 8.476 o sexo feminino (49%).

No que se refere às Doenças do Aparelho Respiratório, foi registrado um total de 2.402 óbitos, sendo 50% para o sexo masculino e 50% para o feminino.

Tabela 1
Número absoluto e relativo de óbitos por Doenças Crônicas não Transmissíveis por sexo no período de 2000 a 2014 em Natal/RN
AnoNeoplasiaDAC*DiabetesDAR**Total óbitos DCNT por sexoTotal Óbitos DCNT%
MascFemMascFemMascFemMascFemMascFemMascFem
20002682735685138710086771009963197251%49%
200128632258751478111576110081008201650%50%
200231233855052383133948410391078211749%51%
2003300358541549871098310110111117212848%52%
200434133859659286121979911201150227049%51%
200540234361355797145958212071127233452%48%
200636838251052084136718310331121215448%52%
2007359398525591115163846410831216229947%53%
2008351373619536115181747711591167232650%50%
2009414412527556106137687111151176229149%51%
2010416375560568105166597311401182232249%51%
2011438420670601148170698313251274259951%49%
2012408457696633127186808413111360267149%51%
2013420464613630151154947612781324260249%51%
2014417448580593126175859012081306251448%52%
Total5500570187558476159521871196120517046175693461549%51%
* DCNT Doenças Crônicas Não Transmissíveis DAC Doenças Aparelho Circulatório DAR Doenças do Aparelho Respiratório

As TMP por neoplasia e diabetes apresentaram tendência de aumento em Natal, entre 2000 e 2012. No primeiro ano, a TMP por Neoplasia era de 95,93 óbitos para cada 100.000 habitantes, passando para 107,73 em 2012, um aumento de 12,30%; a taxa de mortalidade padronizada por diabetes cresceu 18,96%, passando de 32,84 para 39,07 óbitos por 100.000 habitantes em 2012.

Por outro lado, as taxas por DAC e DAR reduziram no período (2000-2012). O primeiro grupo de causas decresceu 13,94%, passando de 192,42 para 165,61 07 óbitos por 100.000 habitantes. O segundo grupo teve um decréscimo de 29,09%, registrando no ano 2000 a taxa de 28,70 óbitos por 100.000 habitantes, e de 20,41 óbitos por 100.000 habitantes em 2012. Para o conjunto das quatro principais DCNT, a cidade de Natal teve uma TMP de 349,98 óbitos por 100.000 habitantes no ano 2000, passando para 332,82 no ano 2012, o que perfaz uma redução de 4,90% (Figura 2).

A análise de tendência temporal demonstrou significância estatística no comportamento das mortalidades por DAC, DAR e na taxa geral, das quatro principais DCNT analisadas neste estudo. Apresentaram tendência de redução significativa (p<0,05), sendo uma redução média anual de 3,64 óbitos por 100.000 habitantes nas TMP por DAC, de 0,9 óbitos por 100.000 habitantes por DAR e uma redução anual de 0,97 óbitos por 100.000 para o conjunto das DCNT.

Taxa de Mortalidade padronizada (TMP) por DCNT no período de 2000 a 2012 em Natal-RN
Figura 2
Taxa de Mortalidade padronizada (TMP) por DCNT no período de 2000 a 2012 em Natal-RN

Quanto à faixa etária dos óbitos por DCNT em Natal/RN, observou-se que a maior carga de mortalidade está concentrada nas faixas etárias de 50 anos ou mais. A carga de óbitos para essa faixa etária correspondeu a 89% para as Doenças do aparelho circulatório, 82% para as neoplasias, 94% para o diabetes mellitus e 69% para as doenças crônicas respiratórias (Tabela 2).

Tabela 2
Mortalidade por DCNT por faixa etária no período de 2000 a 2014 em Natal/RN
DCNTFAIXAS ETÁRIAS
<1 a 910 a 2930 a 4950 a 6970 +Total
Neoplasia1%3%13%39%43%11201
DAC0%1%9%29%60%17232
Diabetes Mellitus0%1%5%31%63%3783
DAR2%2%6%21%68%2402
TOTAL1%2%10%32%56%34618
* DCNT Doenças Crônicas Não Transmissíveis DAC Doenças Aparelho Circulatório DAR Doenças do Aparelho Respiratório

A análise da primeira e da mais recente pesquisa VIGITEL (ano 2006 e ano 2012), realizada pelo Ministério da Saúde nas capitais brasileiras sobre os fatores de risco e proteção para as DCNT, demonstrou que a capital do estado do Rio Grande do Norte apresentou uma redução na prevalência do Tabagismo e do sedentarismo, além de uma considerável melhora da qualidade dos hábitos alimentares. Porém, apresentou aumento na prevalência de Sobrepeso (Índice de Massa Corporal ≥25 kg/m.) e de Obesidade (Índice de Massa Corporal ≥30 kg/m.). A prevalência dos fatores de risco e proteção e o respectivo intervalo de confiança estão listados na Tabela 3.

Tabela 3
Prevalência de fatores de risco e proteção para doenças crônicas resultantes do inquérito telefônico VIGITEL. Natal-RN, 2006 e 2012
FATORES DE RISCO E PROTEÇÃOAno 2006Ano 2012Variação
%IC95%%IC95%%
Fumantes Atuais13,311,2-15,49,77,6-11,7-27,1
Consumo abusivo de bebidas alcoólicas15,513,3-17,818,315,8-20,818,1
Excesso de peso43,140,2-45,951,648,5-54,719,7
Obesidade13,111,1-15,120,818,3-23,358,8
Consumo de frutas e hortaliças22,120,3-23,936,533,6 - 39,365,2
Consumo de carnes com excesso de gordura34,832,7 - 36,926,923,9 - 29,8-22,7
Consumo de leite c∕ teor integral de gordura52,750,5-54,944,040,9 - 47,1-16,5
Prática recomendada de atividade física16,414,7-18,035,032,1 - 37,9113,4
Inatividade física35,133,0-37,218,215,8 - 20,6-48,1
Diagnóstico médico de hipertensão arterial22,620,7-24,424,822,3 - 27,39,7
Diagnóstico médico de diabetes4,53,6-5,486,4 - 9,577,8

DISCUSSÃO

Na caracterização geral da mortalidade por DCNT no município de Natal, observou-se que esses grupos de causas são responsáveis por mais da metade dos óbitos que ocorreram no município, embora apresentem ao longo dos últimos 15 anos uma tênue redução das taxas de mortalidade por DAC e DAR e manutenção das taxas de mortalidade por neoplasias e diabetes.

Esses resultados são corroborados pelos achados do estudo de Malta e colaboradores sobre a mortalidade por DCNT no Brasil e suas regiões entre 2000 e 2011.. Os autores observaram redução importante na mortalidade para todos os grupos de doenças, sendo maior entre as doenças cardiovasculares e as doenças respiratórias crônicas, e menor queda para as neoplasias e o diabetes. Duncan e colaboradores apresentaram que as taxas de mortalidade padronizadas por DCNT no Brasil mostraram diminuição de 31% entre 1991 e 2010, o que corresponde a uma redução anual em torno de 2%.12De forma geral, as taxas de mortalidade por DCNT no município de Natal são comparáveis às taxas para o Brasil (463 óbitos por 100.000 habitantes).13

Com esses números podemos perceber que o Brasil vem respondendo ao desafio representado pelas DCNT. O Plano de Enfrentamento das DCNT prioriza a redução da exposição da população aos fatores de risco e o incentivo aos fatores protetores, visando ampliar medidas de proteção da saúde, seja na criação de espaços para a prática de atividade física – a exemplo do Programa Academia da Saúde –, seja com medidas de proibição à propaganda do cigarro e criação de ambientes livres de fumo, entre outras, além do apoio a estilos de vidas saudáveis, pela melhoria da qualidade de vida e bem-estar da população.14 A prevenção e controle das DCNT e seus fatores de risco são fundamentais para evitar um crescimento epidêmico dessas doenças e suas consequências para a qualidade de vida e o sistema de saúde no país6.

Dentre as DCNT, as Doenças do Aparelho Circulatório representaram a principal causa de óbitos. No Brasil, dentre as doenças cardiovasculares, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) e a Doença Coronariana Aguda (DCA) são as mais evidentes6. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde 2013, 4,2% (6,1 milhões) de pessoas de 18 anos ou mais de idade tiveram algum diagnóstico médico de alguma doença cardíaca. Em relação à proporção de indivíduos que referiram diagnóstico de hipertensão arterial, o percentual foi de 21,4%, com menores taxas nas Regiões Norte (14,5%) e Nordeste (19,4%) e as maiores prevalências na Região Sudeste 23,3%.15

Apesar da redução progressiva da mortalidade por Doenças do Aparelho Circulatório, suas taxas continuam elevadas e podem ser decorrentes da alta prevalência e do controle inadequado dos fatores de risco na população estudada. No município de Natal, a prevalência do diagnóstico médico de hipertensão aumentou 10% em menos de uma década, assim como outros fatores de risco, como a obesidade e o sobrepeso. Sabe-se que o controle dos fatores de risco é responsável por pelo menos 50% na redução da mortalidade por Doenças Cardiovasculares (DCV).16

Da mesma forma, as desigualdades sociais e a baixa escolaridade são condições adicionais associadas com maior mortalidade por DCV. Metade da mortalidade por DCV antes dos 65 anos pode ser atribuída à pobreza. A alimentação inadequada, a inatividade física, o consumo de álcool e tabagismo são outros importantes fatores de risco para as DCV e mais prevalentes nas classes sociais menos favorecidas da população.17

O diabetes causou 4,9 milhões de mortes no mundo em 2014. No Brasil, essa enfermidade foi responsável por 5,3% dos óbitos ocorridos em 2011, com taxa de mortalidade de 33,7 óbitos a cada 100 mil habitantes, resultado semelhante ao encontrado no presente estudo.18A alimentação da população adulta brasileira é inadequada, marcada por baixo consumo de frutas e hortaliças e consumo excessivo de gorduras, além do consumo elevado de bebidas alcoólicas e açucaradas. A prática de atividade física é baixa, prevalecendo os hábitos sedentários. Como consequência, o excesso de peso e a obesidade atingem níveis alarmantes, assim como aumentam as prevalências de doenças crônicas, tais como diabetes.14 Todavia, em contraponto a esses dados, os resultados do presente estudo mostraram uma melhora nos hábitos alimentares e na redução do sedentarismo no município de Natal. Essa, talvez, seja uma das hipóteses para a redução da mortalidade pelas DCNT ao longo da série histórica observada nesse estudo. Contudo, foi observado também o aumento da prevalência do sobrepeso e da obesidade na população de Natal, que pode ser justificado, entre outros fatores, pelo aumento no consumo da bebida alcoólica e alimentos açucarados.14

Esses dados corroboram os achados do presente estudo, que mostram que os fatores de risco para o diabetes mellitus estão prevalentes na população do município de Natal, o que pode explicar a persistência das elevadas taxas de mortalidades por essa causa. Um fato que pode estar associado a esse aumento é o consumo dos alimentos que são típicos do Norte e Nordeste e que possuem alto teor energético, como a mandioca e seus subprodutos, a farinha de milho e a batata doce.19

Para o enfrentamento desse problema no Brasil, o Ministério da Saúde estabeleceu as diretrizes e metas do Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus no Sistema Único de Saúde, definindo prioridades e estabelecendo como diretrizes principais a atualização dos profissionais da rede básica, a garantia do diagnóstico e a vinculação do paciente às unidades de saúde para tratamento e acompanhamento, com o objetivo de promover a reestruturação e a ampliação do atendimento resolutivo e de qualidade para os portadores dessas patologias na rede pública de serviços de saúde6.

Outro agravo crônico que ganhou destaque como causa de morte no município de Natal foi o grupo das Neoplasias, com tendência de aumento na análise dos 15 anos da série histórica. Independente da redução da mortalidade por câncer observada nos países desenvolvidos nas últimas décadas, o número de casos e as mortes por câncer projetadas para os próximos 20-40 anos serão o dobro das atuais, e esse aumento se dará, principalmente, nas regiões mais pobres do planeta.20 Os níveis de consumo de tabaco, os padrões da dieta, e as características reprodutivas, além da prevalência das infecções relacionadas ao câncer, são padrões que têm mudado rapidamente. Como resultado desse processo, o câncer no Brasil destaca-se como a segunda causa de morte depois das doenças cardíacas e cerebrovasculares.21 Em 2013, a Pesquisa Nacional de Saúde estimou que 1,8% das pessoas de 18 anos ou mais de idade (2,7 milhões de adultos), referiram diagnóstico médico de câncer no Brasil.15

O resultado das elevadas incidências, principalmente dos cânceres relacionados às infecções, associadas à desestruturação dos sistemas de cuidado ao paciente com câncer, onde as intervenções para detecção precoce e tratamentos efetivos permanecem inacessíveis para a maioria das pessoas, resultam em elevadas taxas de mortalidade nos países pobres ou em desenvolvimento.22

As taxas de mortalidade por Neoplasias encontradas no presente estudo são corroboradas pelo estudo de Barbosa e colaboradores (2015) que analisaram as taxas de mortalidade por câncer no Brasil e o comportamento das taxas entre 1996 e 2010.21Esses autores relataram que as taxas de mortalidade por câncer no Brasil situaram-se entre 90 a 100 óbitos a cada 100 mil habitantes, porém não houve mudanças significativas na tendência das taxas de mortalidade por neoplasias ao longo da série analisada.

Nos países em desenvolvimento, principalmente nos países sul-americanos, como Brasil e Argentina, a incidência dessa patologia vem aumentando como resultado do envelhecimento e crescimento da população, assim como, da adoção de um estilo de vida contemporâneo, incluindo tabagismo, sedentarismo, dieta rica em lipídios, além de redução da natalidade e gravidez mais tardia, sendo todos esses fatores associados ao desenvolvimento do câncer.23,24

As causas de câncer são variadas, podendo ser externas ou internas ao organismo, estando ambas inter-relacionadas. As causas externas relacionam-se ao meio ambiente e aos hábitos ou costumes próprios de um ambiente social e cultural. As causas internas são, na maioria das vezes, geneticamente pré-determinadas, estão ligadas à capacidade do organismo de se defender das agressões externas. Esses fatores causais podem interagir de várias formas, aumentando a probabilidade de transformações malignas nas células normais.25

Em pesquisa realizada pela Liga Norte Riograndense Contra o Câncer (LNRCC), das 25 pacientes entrevistadas, 48% declaram como fator de risco a que tiveram expostas, a questão da hereditariedade; 40% não souberam responder; 8% declaram-se fumantes e 4%, expostas ao álcool.25

As taxas de mortalidade por doenças do aparelho respiratório reveladas pelo presente estudo foram semelhantes ao encontrado no estudo de Malta e colaboradores (2014) que avaliou a tendência da mortalidade por DCNT no Brasil5. Esses autores relataram quedas importantes nas taxas de mortalidade por doenças respiratórias crônicas no Brasil: 4,4% ao ano, com taxas que variaram de 46,2/100 mil hab. para 28,1/100 mil habitantes entre os anos 2000 e 2011.

A redução do tabagismo pode ser um dos fatores que explicam a redução das taxas de mortalidade por doenças do aparelho respiratório no Brasil, além de diminuir o risco de problemas cardiovasculares e da incidência de câncer, em especial o de pulmão.23A prevalência do tabagismo em pessoas com 18 anos no Brasil reduziu de 34,8% em 1989 para 22,4% em 2003. Uma redução ainda maior para 17,2% (21,6% de homens e 13,1% de mulheres com 15 anos de idade ou mais) foi registrada até 2009.13 Esses resultados confirmam os achados do presente estudo que mostram que na cidade de Natal a prevalência do tabagismo reduziu em 27%, seguindo a tendência observada no Brasil.

A limitação do presente estudo está relacionada à utilização de dados secundários sobre mortalidade que está sujeito à subnotificação, apesar de que nos últimos anos reconhece-se que o Sistema sobre mortalidade no Brasil obteve um ganho significativo de qualidade.

Este estudo permitiu conhecer a realidade sobre as DCNT no município do Natal/RN. Este tema coloca a necessidade de atuação sobre os condicionantes e determinantes de saúde articulando ações intersetoriais. A partir da descrição do cenário de mortalidade por DCNT no município de Natal, as políticas de saúde voltadas ao enfrentamento do problema poderão focalizar em aspectos como a observação de fatores de risco bem como da organização dos serviços de saúde necessário para reduzir as mortes consideradas evitáveis.

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