A segurança do paciente no contexto das flebites notificadas em um hospital universitário
Patient safety in the context of phlebitis reported in a university hospital
La seguridad del paciente en el contexto de las flebitis notificadas en un hospital universitario
A segurança do paciente no contexto das flebites notificadas em um hospital universitário
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 9, núm. 2, pp. 109-115, 2019
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepção: 15 Maio 2018
Aprovação: 19 Setembro 2018
Resumo: Justificativa e objetivos: A flebite pode levar à necessidade de intervenções assistenciais de maior complexidade, como a utilização de antibioticoterapia ou até uma intervenção cirúrgica, além de prolongar a internação do paciente e aumentar o custo e risco de infecções. O presente estudo visa descrever as flebites notificadas em um hospital universitário e assim contribuir com possíveis ações de melhoria na qualidade do cuidado e na segurança do paciente. Métodos: Estudo observacional de caráter retrospectivo desenvolvido em três unidades de internação de um hospital universitário do município de Vitória, ES, Brasil. No período de junho a agosto de 2017 foram analisados os prontuários de 76 pacientes, a partir das notificações de flebite registradas por um software eletrônico. Também foram coletadas informações sobre as condições sociodemográficas e clínicas dos pacientes e as relacionadas aos registros de enfermagem. Os dados foram tabulados em planilha do Microsoft Office Excel 2007 e analisados pelo programa de estatística Statistical Package for the Social Sciences 22 (SPSS 22). Resultados: Identificou-se que 56,4% das flebites ocorreram em homens, faixa etária entre 41 e 65 anos (42,3%) e 46,1% dos pacientes fizeram uso de antibióticos. Houve registro da conduta adotada em 59,2% dos casos, e as mais realizadas foram compressas de gelo (44,7%) e elevação do membro (34,2%). Conclusão: O conhecimento acerca das características das flebites notificadas propicia o entendimento e a minimização deste evento adverso, a fim de estabelecer as condutas de prevenção e diminuição do risco e da incidência.
Palavras-chave: Flebite, Segurança do Paciente, Cateterismo Periférico, Cuidados de Enfermagem.
Abstract: Background and objectives: Phlebitis may lead to the need for more complex care interventions such as the use of antibiotic therapy or even a surgical intervention, in addition to prolonging patient hospitalization and increasing the cost and risk of infections. Thus, aim of the present study is to describe phlebitis cases reported in a university hospital, thereby contributing with possible actions for improving the quality of care and patient safety. Methods: A retrospective observational study, developed in three hospitalization units of a university hospital in the city of Vitória, ES, Brazil. From June to August 2017, the charts of 76 patients were analyzed from phlebitis reports recorded by an electronic software. Information on the sociodemographic and clinical conditions of patients and related to the nursing records was collected. Data was tabulated in a Microsoft Office Excel 2007 worksheet and analyzed by the statistical program Statistical Package for Social Sciences 22 (SPSS 22). Results: It was identified that 56.4% phlebitis cases occurred in men aged between 41 and 65 years (42.3%) and 46.1% of patients used antibiotics. In 59.2% of cases, the adopted conduct was reported, and ice packs (44.7%) and limb elevations (34.2%) were the most performed. Conclusion: Knowledge about the characteristics of notified cases of phlebitis facilitates the understanding and minimization of this adverse event in order to establish conducts of prevention and reduction of risk and incidence.
Keywords: Phlebitis, Patient safety, Peripheral catheterization, Nursing care.
Resumen: Justificación y objetivos: La flebitis puede llevar a la necesidad de intervenciones asistenciales de mayor complejidad, como la utilización de antibioticoterapia o hasta una intervención quirúrgica, además de prolongar la internación del paciente y aumentar el costo y riesgo de infecciones. De esta forma, el presente estudio pretende describir los casos de flebitis notificados en un hospital universitario y así contribuir con posibles acciones de mejora en la calidad del cuidado y en la seguridad del paciente. Métodos: Estudio observacional retrospectivo, desarrollado en tres unidades de internación de un hospital universitario del municipio de Vitória, ES, Brasil. En el período de junio a agosto de 2017, se analizaron los prontuarios de 76 pacientes, a partir de las notificaciones de flebitis registradas por un software electrónico. También se recolectó información sobre las condiciones sociodemográficas y clínicas de los pacientes y relacionada a los registros de enfermería. Los datos fueron tabulados en la hoja de cálculo de Microsoft Office Excel 2007 y analizados por el programa estadístico Statistical Package for the Social Sciences 22 (SPSS 22). Resultados: Se identificó que 56,4% de las flebitis ocurrieron en hombres, grupo de edad entre 41 y 65 años (42,3%) y 46,1% de los pacientes hicieron uso de antibióticos. Se registró la conducta adoptada en el 59,2% de los casos, y las más realizadas fueron compresas de hielo (44,7%) y elevación del miembro (34,2%). Conclusiones: El conocimiento acerca de las características de las flebitis notificadas propicia el entendimiento y la minimización de este evento adverso, a fin de establecer las conductas de prevención y disminución del riesgo y de la incidencia.
Palabras clave: Flebitis, Seguridad del paciente, Cateterismo periférico, Atención de enfermería.
INTRODUÇÃO
O atual contexto competitivo impulsiona as instituições de saúde a se preocuparem cada vez mais com a qualidade dos cuidados. Nesta perspectiva, um dos pilares da qualidade é a segurança do paciente, que almeja a redução ao mínimo possível do risco de dano desnecessário relacionado à assistência em saúde.1,2
No ambiente hospitalar, o enfermeiro tem papel fundamental na implementação da terapia intravenosa para administração de soluções ou medicamentos no sistema circulatório., já que aproximadamente 80% dos pacientes hospitalizados a recebem em algum momento durante sua internação.. Existem algumas complicações locais associadas ao uso de acesso venoso periférico (AVP), tais como hematoma, trombose, tromboflebite, infiltração, flebite, extravasamento, infecção local e espasmo venoso.. Dentre elas, a flebite é uma das mais frequentes, cerca de 20% a 70% dos pacientes a desenvolvem.4,6
A flebite consiste no processo inflamatório da camada interna das veias e suas manifestações clínicas são dor, edema, hiperemia e calor.. Pode surgir também cordão fibroso palpável, aumento da temperatura basal e infecção local e sistêmica, com secreção purulenta no sítio de inserção do cateter.3,8 A técnica asséptica e habilidade do profissional que instala a terapia intravenosa, osmolaridade dos medicamentos e fluidos, tempo de permanência, tipo e localização do cateter, idade, sexo e fragilidade capilar são fatores contribuintes para o desenvolvimento deste evento adverso que resulta em danos à saúde.3,9
Dentre outras formas, a flebite pode ser classificada em: mecânica, onde a causa está relacionada à punção ou manipulação inadequada do cateter ou, ainda, ao calibre inapropriado para a veia; química, relacionada ao pH e osmolaridade dos fármacos ou à velocidade de infusão (muito rápida); bacteriana, relacionada com a contaminação do cateter no momento da punção venosa ou do sistema de terapia intravenosa na manipulação; e pós-infusional, quando o processo inflamatório na veia manifesta-se de 48 a 96 horas após a retirada do cateter..
Estudos publicados sobre a incidência deste evento adverso demonstram grande variação nas taxas (de 1,3% a 61,2%) em âmbito nacional.10 Uma pesquisa realizada em um hospital do Distrito Federal identificou flebite em 55,6% dos AVPs.. No Reino Unido, a incidência de flebite apresenta taxas variando de 20% a 80%, e no Irã, 69%.11 Neste contexto, a Infusion Nurses Society (INS) preconiza o monitoramento das taxas de flebite, e sua incidência deve ser de até 5% na população.12 Deste modo, o enfermeiro deve atentar-se a qual medicamento está sendo infundido, anotar e observar a data da punção e avaliar os cuidados com o AVP, pois estes, dentre outros, são motivos que podem influenciar no surgimento da flebite.. Tais cuidados têm como foco principal a contribuição para a qualidade do cuidado em saúde, subsidiada pelo Programa Nacional de Segurança do Paciente.13
A flebite pode demandar intervenções assistenciais de maior complexidade, como a utilização de antibioticoterapia ou até uma intervenção cirúrgica, além de prolongar a internação do paciente e aumentar o custo e o risco de infecções. Ademais, o paciente passará por um momento de estresse pela interrupção na terapêutica e realização de novos AVPs.14
O estudo sobre a flebite é relevante por oferecer, a partir de seus resultados, melhoria da qualidade do cuidado prestado. O objetivo do presente estudo é descrever as flebites notificadas em um hospital universitário, contribuindo com possíveis ações de melhoria na qualidade do cuidado e na segurança do paciente.
MÉTODOS
Estudo observacional retrospectivo, realizado em três unidades de internação de pacientes adultos de um hospital universitário do município de Vitória, Espírito Santo, referência em alta complexidade em cardiologia, oftalmologia, cirurgia geral, nefrologia, entre outros no estado.
O referido hospital possui um setor de gestão de riscos que trabalha com protocolos de segurança do paciente, como a execução de atividades relacionadas aos cuidados com AVP e monitoramento da ocorrência de flebite. Este monitoramento é feito a partir de notificações eletrônicas registradas diariamente por qualquer profissional atuante na instituição em um software de incidentes em saúde e queixas técnicas, dentre os quais, o evento adverso flebite.
Os dados da pesquisa foram coletados através das notificações de flebite encaminhadas por este software no período de janeiro a dezembro de 2016, totalizando 93 notificações. Para amenizar a repetição de notificações, foi considerada apenas a primeira flebite notificada por paciente, obtendo-se um total de 78 pacientes. Como os prontuários relacionados ao momento da ocorrência de flebite de dois pacientes não foram disponibilizados, foi feita a avaliação de registros de flebite e conduta adotada do total de 76 pacientes.
Após a fase de consulta às notificações, os prontuários foram analisados no período de junho a agosto de 2017. Foram coletados os dados sobre as condições sociodemográficas (sexo e faixa etária) e clínicas (tempo de internação, setor, diagnóstico inicial, comorbidades e medicações em uso) dos pacientes e as relacionadas aos registros de Enfermagem (presença de registro da conduta, conduta adotada e presença de registro da flebite em instrumento de avaliação diária de enfermagem). As medicações foram agrupadas em classes medicamentosas, a saber: antibióticos, eletrólitos, componentes da terapia nutricional, antieméticos, analgésicos, opióides, antifúngicos, corticoides, antiarrítmicos, drogas vasoativas, diuréticos de alça, ansiolíticos, antivirais, antiepiléticos e outros. O agrupamento dos diagnósticos iniciais foi realizado em: doença cardiovascular, infecciosa, do aparelho digestivo, crônica e outros.
Os dados foram tabulados em planilha do Microsoft Office Excel 2007 e analisados pelo programa de estatística Statistical Package for the Social Sciences 22 (SPSS 22). Foram realizadas análises univariada e bivariada. A univariada foi apresentada por valores de média, desvio padrão e porcentagens. Na bivariada, foi utilizado o teste qui-quadrado para verificar a associação entre registro e setor de internação, considerando nível de significância de 5%.
O presente estudo é parte integrante do projeto “A Segurança do Paciente em um Hospital de Ensino” e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo com parecer nº 1.789.822, CAAE nº 56111716.2.0000.5060.
RESULTADOS
A partir das notificações de flebite analisadas, observou-se que a maioria das flebites ocorreu em homens (56,4%) na faixa etária entre 41 e 65 anos (42,3%), média de idade de 54,4 anos (±18,4) (Tabela 1).

Quanto às características de internação, a maior parte dos pacientes notificados esteve internada por mais de 21 dias (47,4%) e entre oito e 20 dias (42,3%), e o tempo médio de internação foi de 25,6 dias (±19,6). Entre os setores incluídos na pesquisa em 2017, as clínicas médicas do 4º e 2º andar apresentaram 43,6% e 34,6%, respectivamente, de casos notificados. Com relação ao diagnóstico inicial, predominaram pacientes portadores de doença cardiovascular (24,4%) e doenças infecciosas (20,5%). Outra variável analisada foi a presença de comorbidades nos pacientes que desenvolveram flebite. A maioria dos pacientes não possuía nenhuma comorbidade (47,4%) e, dentre os que possuíam, o maior percentual apresentou uma ou duas comorbidades (20,5% e 19,2%, respectivamente), como asma, bronquite, rinite, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca, acidente vascular encefálico, entre outros. Além destes, houve pacientes que apresentaram três (10,3%) e até quatro ou mais comorbidades (2,6%). As que mais se destacaram foram Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) (35,9%), Diabetes Mellitus (14,1%) e dislipidemia (7,7%) (Tabela 2).

Quanto aos fluidos administrados por terapia intravenosa no momento da ocorrência da flebite, ressalta-se o uso de antibióticos (46,1%), seguidos de antieméticos (25%), analgésicos não opioides (20%), opioides (19,7%), eletrólitos (17,1%) e outros (14,5%) (Tabela 3).

As condutas adotadas foram analisadas de acordo com a presença de registro na anotação de Enfermagem, e a maioria delas foi registrada (59,2%). Apareceram as seguintes: realização de compressa de gelo (44,7%), troca do acesso (34,2%) e elevação do membro (2,6%). Outra variável considerada foi a presença de registro em instrumento de avaliação diária de Enfermagem (60,5%) (Tabela 4).

Na tabela 5, pode-se observar que houve associação significativa (p=0,028) entre o registro da flebite e o setor de ocorrência. Apesar do menor número de flebites notificadas, o Centro de Terapia Intensiva (CTI) teve a maior percentagem de registro de flebite (82,4%) em comparação com outros setores.

DISCUSSÃO
Buscando na literatura, um estudo realizado em um hospital do Vale do Paraíba verificou que 54,2% das flebites ocorreram em homens e 45,8% em mulheres.15 Por outro lado, em pesquisa realizada em um hospital universitário no município de Porto Alegre, foi encontrada maior proporção de flebite no sexo feminino (64,9%). Os autores afirmam que a relação entre sexo e flebite é variável..
A idade encontrada nesta amostra é semelhante à do estudo realizado em Porto Alegre, no qual a maioria dos pacientes que desenvolveram flebite era de faixa etária entre 41 e 65 anos (47,4%). Outros autores não associaram flebite com sexo, cor da pele e idade.3,13 A média de idade foi semelhante à encontrada em outra pesquisa realizada em Porto Alegre, que apontou a média de idade de 59,9 anos (± 19,7).17 Por outro lado, um estudo realizado na cidade Rio Branco, no Acre, encontrou média de 46,1 anos (±17,6), demonstrando variações na literatura científica.14 A faixa etária mais acometida é de pacientes com idade superior a 60 anos, pois os idosos possuem grau elevado de fragilidade capilar e a túnica íntima do vaso com maior tendência a desenvolver processos inflamatórios.6,18Isso evidencia a necessidade de maior atenção da equipe de assistência com os idosos em uso de AVPs, já que a idade é considerada fator predisponente para a ocorrência de flebite.
Quanto às características de internação, os dados descritivos encontrados nessa pesquisa foram semelhantes ao de um estudo que certificou associação significativa entre casos de flebite e o tempo de internação maior que 18 dias. Já um estudo realizado em um hospital público de Sergipe, descreveu maior ocorrência de casos de flebite em pacientes com tempo de internação entre 8 a 15 dias (40,3%).3,11 A média de tempo de internação de 25,6 dias (±19,6) calculada foi maior do que a encontrada em estudo realizado no Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília, que foi de 17,86 dias (±14,37).. Levando em consideração que o consumo de cateteres intravenosos aumenta conforme o tempo de permanência hospitalar, quanto maior o tempo de internação, maior o risco de flebite e outras complicações.19
Quanto ao diagnóstico inicial, os dados destacaram os casos de flebite em pacientes portadores de doença cardiovascular (24,4%), em consonância com os conhecimentos de uma pesquisa onde o perfil clínico dos pacientes evidenciou a maior notoriedade dos portadoras de doença cardiovascular.11Isso configura uma proporção aumentada de doenças cardiovasculares nos serviços de saúde, chamando a atenção para mais um fator de alerta no cuidado com o paciente portador de AVP.
Com relação às comorbidades, os pacientes com flebite eram portadores, principalmente, de HAS e DM. Estudos citam que outras doenças associadas, como a DM, contribuem para o desenvolvimento de flebite e encontraram associação significativa em pacientes com diagnóstico de DM devido a alterações no sistema circulatório causadas por esta comorbidade.16, 20-22 Para atenuar a ocorrência de flebite nesses pacientes, sugere-se a realização da identificação prévia de portadores de comorbidades como a DM, alertando a equipe sobre a maior atenção aos cuidados de prevenção de flebite. A educação em saúde também pode ser realizada com esses pacientes para oferecer conhecimento sobre os sinais de alerta da ocorrência de flebite, e assim facilitar a identificação precoce do evento adverso e minimizar as complicações.
Ao analisar a utilização dos medicamentos na terapia intravenosa, os resultados desta pesquisa mostraram destaque da classe dos antibióticos entre as medicações, o que corrobora um estudo realizado em Aracaju, Sergipe, onde foi identificada associação de flebite ao uso de antibióticos (54,4%).11 Outros autores, em um estudo realizado no município de Porto Alegre, identificaram que 51% dos pacientes que desenvolveram flebite receberam antibioticoterapia.10 Outros estudos demonstram a associação com outras infusões, tais como analgésicos, eletrólitos e antitérmicos.15 Uma equipe capacitada tanto para a prescrição adequada de medicamentos, quanto para os cuidados na sua administração, é essencial no processo de prevenção de flebites.
Contudo, o uso antibióticos nesse processo é de suma importância. Achados literários demonstram que a utilização de medicamentos antimicrobianos representa aumento do risco de flebite química, devido aos cuidados inadequados com a administração e as propriedades farmacêuticas destes fármacos.11,23A utilização de drogas com extremo de pH e vesicantes ou irritantes está associada com a ocorrência de flebite, de forma que, quanto mais ácido o pH de um medicamento, maior o risco de flebite química.14,17
Uma pesquisa realizada em uma unidade clínica e cirúrgica de um hospital universitário de Porto Alegre avaliou a significância estatística da ocorrência de flebite com a análise individual do uso de medicamentos. A amoxicilina + ácido clavulânico se destacou, mas também apareceram o cloridrato de tramadol e a anfotericina. Todos esses medicamentos foram apontados nos dados do presente estudo,17 o que demonstra a importância dos cuidados com diluição e administração de medicamentos com pH mais ácido, em decorrência do aumento do risco de flebite química. Os antibióticos mais utilizados variam de acordo com as características dos pacientes e dos microorganismos mais prevalentes em cada instituição. Dessa forma, o maior uso de meropenem e vancomicina nos pacientes desse estudo pode demonstrar a complexidade clínica desses usuários, e demonstra a evidente necessidade de implantar protocolos no serviço para a utilização racional de antimicrobianos, considerando a preocupação com a resistência bacteriana e a maior ocorrência de flebites com o uso destes fármacos. Outros medicamentos, como amiodarona e sacarato de hidróxido de ferro, também presentes, aparecem com resultados relevantes na literatura científica.10
A partir das análises realizadas, é importante salientar que a ocorrência deste incidente é frequentemente associada ao uso de algumas drogas. Porém, há cuidados específicos imprescindíveis no preparo e administração dos medicamentos para prevenir complicações locais como a flebite, assim como a avaliação contínua do cateter intravenoso.11,24
No referido hospital, os cuidados preconizados com o AVP e as ações de contingência realizadas pela equipe de enfermagem nos casos de flebite são padronizadas e documentadas, por isso, tais medidas foram adotadas como variáveis na avaliação do registro. Entretanto, ao avaliar a conduta e registro de enfermagem nessa pesquisa, foi identificado que cerca de 40% das condutas não foram registradas. Em estudo semelhante, foi verificado o preenchimento das anotações de enfermagem e observou-se que 37,5% delas estavam incompletas.15 Avaliando não conformidades nos processos, autores reafirmam a necessidade de uma participação comprometida da equipe de enfermagem no registro, pois este é utilizado como meio comunicativo e, quando necessário, para fins legais, o que torna preocupante a baixa aderência, tanto do ponto de vista assistencial quanto do jurídico.7,19
Diante dessa situação, a atuação do enfermeiro como líder da equipe de enfermagem é importante para a construção e organização de uma assistência de qualidade, e também na educação continuada dos técnicos e auxiliares, que são responsáveis por muitos procedimentos de enfermagem, incluindo as punções venosas, em sua maioria, e os registros.15,25
Quanto à associação de registro e setor, os resultados desta pesquisa mostram que o setor com maior percentual de registro é o CTI. Levando em conta o perfil da área, esta variável se justifica pelo fato do paciente crítico ter acompanhamento mais próximo e maior número de cuidados e registros. Além disso, segundo a Resolução da Diretoria Colegiada Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010, em unidades de terapia intensiva, existe um número mínimo de profissionais para cada leito, reforçando que a necessidade de atenção neste setor é maior..
O cuidado de enfermagem na Terapia Intravenosa (TIV) é fundamental para a prevenção e mitigação dos eventos adversos. Intervenções como higienização das mãos, antissepsia do local de inserção, avaliação contínua do AVP, lavagem dos AVPs antes e após infusão de medicamentos, identificação precoce de fatores de risco e cuidados específicos no preparo, administração e na vigilância da ação medicamentosa são fatores que influenciam na ocorrência de flebites, o que ressalta a importância desses cuidados.16
Uma das limitações do estudo é o caráter observacional descritivo, que não permitiu o acompanhamento da ocorrência das flebites notificadas, apenas a identificação pós-flebite. Outro ponto limitador foi a análise das notificações voluntárias, o que restringiu a coleta de informações referentes ao tipo de cateter, local, tempo de permanência e grau da flebite, pois estas não estavam presentes na notificação e, frequentemente, ausentes nos registros dos prontuários. Outro aspecto crítico foi a integralidade dos registros acerca da ocorrência da flebite, que em alguns casos, estavam incompletos ou ausentes.
Um ponto positivo foi a instituição implantar um meio para notificação de eventos adversos e uma tecnologia gerencial de monitoramento de indicadores pela enfermagem, dentre eles a flebite, que possibilita o acompanhamento e avaliação dos processos de trabalho existentes e a investigação de queixas técnicas relacionadas à terapia intravenosa. Assim, é viabilizado o aprimoramento das práticas e o empenho na promoção de medidas para prevenção da flebite, com base na caracterização dos casos notificados na própria instituição.
O presente estudo descreveu algumas características das flebites notificadas em um hospital universitário, especialmente a sua ocorrência em pacientes utilizando antibióticos. Outro destaque foi a ausência de registro da conduta adotada após a detecção da flebite em alguns casos. O conhecimento das características das flebites notificadas na instituição é essencial para estabelecer as condutas de prevenção e diminuição do risco e da incidência, otimizar o tempo e os custos na ocorrência deste evento adverso, e fomentar a reavaliação de alguns aspectos relacionados à conduta da equipe responsável pela assistência, principalmente no registro das medidas de prevenção e contingência adotadas, ressaltando a magnitude de um registro completo.
Considerando a existência da padronização de cuidados com o AVP, medidas de contingência e protocolos, o serviço deve investir no estímulo da equipe de Enfermagem e dos profissionais que prestam assistência, através de eventos de sensibilização e capacitações, para que estes foquem seus olhares e condutas para a melhoria da qualidade do cuidado e coloquem a segurança do paciente em todas as etapas da oferta do cuidado.
É proposta ainda a realização de novas pesquisas de acompanhamento da ocorrência de flebite a partir dos aspectos descritos no estudo, a fim de promover melhorias na assistência e propiciar o entendimento e a minimização desse evento adverso que compromete a segurança dos pacientes durante sua hospitalização.
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