Caracterização das infecções relacionadas à assistência à saúde em um hospital de ensino

Characterization of healthcare-associated infections in a teaching hospital

Caracterización de las infecciones asociadas a la atención sanitaria en un hospital de enseñanza

Josni Tauffer
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Sabrina de Kássia Menegusso Carmello
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Manoela Cristina Berticelli
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Bruna Tais Zack
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Maria Julia Navarro Kassim
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Débora Cristina Ignásio Alves
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Andrea Monastier Costa
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

Caracterização das infecções relacionadas à assistência à saúde em um hospital de ensino

Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 9, núm. 3, pp. 248-253, 2019

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepção: 20 Dezembro 2018

Aprovação: 25 Fevereiro 2019

Resumo: Justificativa e objetivos: caracterizar as principais Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) de um hospital público de ensino. Métodos: estudo epidemiológico, descritivo, retrospectivo, transversal e quantitativo realizado por meio de análise de documentos internos do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) referente às infecções de corrente sanguínea, infecções de sítio cirúrgico e pneumonia hospitalar identificadas em pacientes admitidos na instituição entre maio 2017 e maio 2018. Resultados: foram notificados 846 casos de IRAS no período do estudo. Deste total, foram analisados 582 prontuários, dos quais 298 (51,21%) do sexo masculino e 284 (48,79%) do sexo feminino. Dentre as infecções mais prevalentes, 197 (23,28%) eram do sítio cirúrgico, 183 (21,63%) de pneumonia associada a ventilação mecânica e 164 (19,38%) eram infecção primária de corrente sanguínea. Os microrganismos predominantes encontrados após análise microbiológica foram: Acinetobacterspp. em 33 (21%) infecções, seguido do gênero Pseudomonas spp. em 30 (19,1%) e Enterobacter spp. em 17 (10,8%). As especialidades médicas com maior prevalência de IRAS, foram a neurologia com 218 (25,76%) infecções, clínica geral com 157 (18,55%) e pediatria com 154 (18,20%). Conclusão: as infecções de sitio cirúrgico, pneumonia associada a ventilação mecânica e infecção primária de corrente sanguínea foram prevalentes. O apoio laboratorial foi um grande aliado na identificação do microrganismo patogênico, e os de maior incidência nas IRAS foram Acinetobacter spp., Pseudomonas spp. e Enterobacter spp. com. Na análise por especialidade, a neurologia teve significativa predominância nas infecções relacionadas a assistência.

Palavras-chave: Infectologia, Epidemiologia, Controle de infecções.

Abstract: Background and objectives: to characterize the main Healthcare-Associated Infections (HAIs) in a public teaching hospital. Methods: this is a descriptive, retrospective, cross-sectional, quantitative epidemiological study. It was performed through analysis of internal documents of the Hospital Infection Control Service (Portuguese acronym: SCIH) on bloodstream infections, surgical site infections and hospital pneumonia in patients admitted to the institution between May 2017 and May 2018. Results: during the study period, were reported 846 cases of HAI. Out of that total, 582 were analyzed, of which 298 (51.21%) were men and 284 (48.79%) were women. Among the most prevalent infections, 197 (23.28%) were surgical site infections, 183 (21.63%) were ventilator-associated pneumonia, and 164 (19.38%) were primary bloodstream infections. The predominant microorganisms found after microbiological analysis were: Acinetobacter spp. in 33 (21%) infections, followed by Pseudomonas spp. in 30 (19.1%) and Enterobacter spp. in 17 (10.8%). Regarding medical specialties with higher prevalence of HAIs, there were 218 (25.76%) infections in neurology, 157 (18.55%) in general practice and 154 (18.20%) in pediatrics. Conclusion: surgical site infections, mechanical ventilator-associated pneumonia and primary bloodstream infection were prevalent. Laboratory support was fundamental in the identification of pathogenic microorganisms, and those of higher incidence among all HAIs were Acinetobacter spp., Pseudomonas spp. and Enterobacter spp. In the analysis by specialty, neurology had a significant predominance in healthcare-associated infections.

Keywords: Infectious diseases, Epidemiology, Infection control.

Resumen: Antecedentes y objetivos: caracterizar las principales Infecciones Asociadas a la Atención Sanitaria (IAAS) de un hospital público de enseñanza. Métodos: este es un estudio epidemiológico descriptivo, retrospectivo, transversal y cuantitativo realizado a través del análisis de documentos internos del Servicio de Control de Infecciones Hospitalarias (SCIH) con respecto a las infecciones del torrente sanguíneo, las infecciones del sitio quirúrgico y la neumonía hospitalaria en pacientes ingresados en la institución desde mayo de 2017 hasta mayo de 2018. Resultados: durante el período de estudio, hubo notificación de un total de 846 casos de IAAS, de los cuales se analizaron 582; 298 (51,21%) hombres y 284 (48.79%) mujeres. Entre las infecciones más prevalentes, 197 (23.28%) fueron infecciones del sitio quirúrgico, 183 (21.63%) fueron neumonía asociada al ventilador y 164 (19.38%) fueron infecciones primarias del torrente sanguíneo. Los microorganismos predominantes encontrados después del análisis microbiológico fueron: Acinetobacter spp. en 33 (21%) infecciones, seguido del Pseudomonas spp. en 30 (19,1%) y Enterobacter spp. en 17 (10,8%). En cuanto a las especialidades médicas con mayor prevalencia de IAAS, hubo 218 (25,76%) infecciones en neurología, 157 (18,55%) en la práctica general y 154 (18,20%) en pediatría. Conclusión: las infecciones del sitio quirúrgico, la neumonía asociada al ventilador mecánico y la infección primaria del torrente sanguíneo fueron prevalentes. Entre estas, el apoyo de laboratorio fue fundamental en la identificación de microorganismos patógenos, y los de mayor incidencia entre todas las HAI fueron Acinetobacter spp., Pseudomonas spp. y Enterobacter spp. En el análisis por especialidad, la neurología tuvo un predominio significativo en las infecciones asociadas a la atención sanitaria.

Palabras clave: Enfermedades infecciosas, Epidemiología, Control de infecciones.

INTRODUÇÃO

As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são eventos adversos que contribuem para aumentar a morbimortalidade, o tempo de internação e os custos hospitalares. As principais IRAS que acometem pacientes hospitalizados são as Infecções de Trato Urinário (ITU), as Infecções Primárias de Corrente Sanguínea (IPCS), as Infecções de Sítio Cirúrgico (ISC) e as Pneumonias Hospitalares (PH).1

Os fatores de risco associados às IRAS são inerentes à gravidade do paciente, à permanência prolongada em internação, ao uso de ventilação mecânica, de drogas vasoativas e ao uso frequente e prolongado de dispositivos.2

No cenário mundial, a incidência das IRAS em países subdesenvolvidos pode ser até 20 vezes maior em relação aos países desenvolvidos.3 Estudos descrevem taxas de ocorrência de IRAS de 15,5% em países em desenvolvimento, enquanto em países da Europa e Estados Unidos da América estas são de 4,5 e 7,1%.4

No Brasil, a taxa de IRAS é de 14%, porém a avaliação da magnitude das IRAS no Brasil é incipiente e localizada nas grandes capitais, onde o controle e prevenção das infecções são discutidos mais efetivamente em congressos, com expertises concentradas nos grandes centros.5

As IRAS são um problema de saúde pública e compõem a estratégia da Worth Health Organization5para a máxima redução possível de sua incidência e gravidade. A realização deste estudo justifica-se pela instituição de inquérito ser um hospital universitário de ensino, que atende pacientes de maior gravidade, submetidos a procedimentos complexos e invasivos e com grande fluxo de profissionais e estudantes, o que contribui para o aumento das IRAS. O objetivo precípuo deste estudo foi revelar os indicadores com a finalidade nortear ações de controle e redução das IRAS.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo, retrospectivo, transversal e quantitativo, realizado no período de maio 2017 a maio 2018 em um hospital público de ensino, localizado no interior do Paraná – PR.

Para análise, foram utilizadas como instrumento as planilhas do Microsoft Office Excel. do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH), desenvolvidas e alimentadas pelos residentes de Enfermagem em Vigilância em Saúde e Controle de Infecções. Para busca das infecções, foram levantados os dados quantitativos das IRAS, infecções por topografia e sexo.

Os prontuários analisados foram de pacientes oriundos das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Geral, Pediátrica e Neonatal, Pronto Socorro, unidades clínicas, cirúrgicas, maternidade e pediatria.

A coleta de dados ocorreu após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o CAEE nº 50066815.8.0000.0107 e parecer nº 1.447.806.

RESULTADOS

De acordo com a análise de 582 prontuários, 298 (51,21%) eram do sexo masculino e 284 (48,79) do sexo feminino. Dentro do período analisado, foram identificadas 846 IRAS. Desse total, podemos destacar as infecções que mais acometeram os pacientes, a saber: 197 (23,28%) ISC, seguidas por 183 (21,63%) casos de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV), 164 (19,38%) IPCS, 83 (9,81%) casos de pneumonia, 74 (8,74%) de ITU, 60 (7,09%) de traqueobronquite, e 62 (7,32%) Infecções de Acesso Vascular (IAV), popularmente denominadas como flebites. Neste estudo, as seguintes foram classificadas como outras infecções: gastroenterite; conjuntivite; derrame pleural; endonefrite; otite e mastite, que corresponderam a 23 (2,71%) infecções.

Analisando as três topografias prevalentes, obtemos um total de 544 IRAS, definidas por meio dos critérios diagnósticos de IRAS. Os dados evidenciam um predomínio das ISC com 197 casos, dos quais 119 infecções definidas clinicamente (60,40%) e 78 (39,60%) definidas por critérios microbiológicos. A PAV é segunda infecção mais prevalente, totalizando 104 (56,83%) definidas clinicamente e 79 (43,17%) definidas por critérios microbiológicos. As IPCS, sejam periféricas ou centrais, totalizaram 164 (100%) dos casos definidos por critérios microbiológicos conforme tabela 1.

Tabela 1
Caracterização das IRAS de acordo com os critérios definidores. Cascavel, 2018
Caracterização das IRAS de acordo com os critérios definidores. Cascavel, 2018

Pela análise por critério microbiológico, foi possível identificar 157 microrganismos diferentes, sendo 131 (83,4%) bactérias gram-negativas e 26 (16,5%) gram-positivas, e na divisão por gêneros, foi possível identificar 13 gêneros diferentes. O gênero Acinetobacter spp. foi identificado em 33 (21%) das infecções definidas microbiologicamente, seguido do gênero Pseudomonas spp. com 30 (19,1%). O gênero Klebsiella spp. configurou 26 (16,56%) infecções, seguido de Staphylococcus spp. com 21 (13,3%), Enterobacter spp. 17 (10,8%). Os demais gêneros somados configuraram 30 (19,1%) das infecções definidas com apoio microbiológico, e foi possível identificar Candida; Klebsiella; Morganella; Achromobacter; Citrobacter; Escherichia; Proteus; Serratia; Enterococcu. spp. Conforme a tabela 3, as especialidades com maior prevalência de IRAS foram: neurologia com 218 (25,76%), clínica geral com 157 (18,55%) e pediatria com 154 (18,20%) casos. Os pacientes neurológicos apresentaram o maior número de casos de PAV, 70 (32,11%), enquanto os pacientes internados pela clínica geral concentraram o maior número de IPCS, 47 (29,93%). Na pediatria, predominou a PAV, com 35 (22,72%) das infecções, e entre ISC e IPCS, os índices não apresentaram grande variação.

Tabela 2
Infecções conforme especialidade
Infecções conforme especialidade

DISCUSSÃO

Do total das IRAS, quando observado quando ao sexo dos indivíduos, não houve prevalência significativa. Conforme a análise do estudo, o método microbiológico teve leve predominância na identificação das IRAS, demonstrando a importância do apoio laboratorial para a qualidade do rastreio das infecções. O critério microbiológico de IRAS pode ser utilizado como suporte para auxiliar os dados clínicos, que são um dos parâmetros definidores das topografias.

No estudo ora realizado, foram encontradas 197 ISC, sendo 119 (60,4%) definidas clinicamente e 78 (39,6%) definidas por meio de culturas, enquanto as PAV representaram 183 (21,63%) das infecções, sendo 104 (56,8%) definidas clinicamente e 79 (43,1%) com apoio microbiológico. Os índices podem estar relacionados com o perfil da instituição, por ser referência em traumatologia e outras especialidades cirúrgicas. As duas infecções têm se destacado dentre os demais sítios de infecção, considerando a alta morbimortalidade e os acentuados custos atribuídos ao tratamento.

As ISC são definidas por um processo infeccioso que pode acometer tecidos, órgãos e cavidade após manipulação por procedimento cirúrgico. São consideradas complicações intrínsecas ao ato cirúrgico e exigem amplo empenho dos controladores de infecção para mantê-las sob controle. Caracterizam-se, ainda, como um dos parâmetros de controle da qualidade do serviço prestado por uma instituição hospitalar e uma das principais topografias das IRAS, ocupando a terceira posição dentre as infecções nos serviços de saúde e correspondendo por 14 a 16% das infecções em pacientes hospitalizados.6,7

Em um estudo realizado em um hospital de ensino em Rio Branco (Acre), foram realizados 2.203 procedimentos anestésico-cirúrgicos e 81 pacientes apresentaram ISC, sendo que em 59 (72,84%) pacientes, as infecções ocorreram em cirurgias potencialmente contaminadas.8 Outros estudos corroboram com os dados supracitados, já que 88% das infecções são de sitio cirúrgico e classificadas tanto de órgão e cavidade quanto superficiais.9

Outro estudo realizado em um hospital de grande porte em Belo Horizonte, evidenciou que dos 16.882 procedimentos cirúrgicos, 11.897 (70,5%) foram realizados em pacientes do sexo feminino. Durante o período do estudo, foram diagnosticadas 568 ISC, com incidência global de 3,4% [IC 95% = 3,1 – 3,6] dentre todos os procedimentos.10

Dentre as IRAS, uma das mais frequentes em pacientes hospitalizados é a PAV, que pode acometer até 67% dos pacientes submetidos a intubação orotraqueal e em ventilação mecânica.11,12

A PAV é um tipo de pneumonia que ocorre somente em pacientes que estão ou estiveram em ventilação mecânica nas últimas 48 horas de internamento hospitalar.13Como observado no presente estudo, a PAV foi a segunda IRAS mais prevalente, totalizando 183 notificações, das quais 104 (56,83%) foram definidas clinicamente, e as outras 79 (43,17%) definidas microbiologicamente.

Dados evidenciam que a taxa geral de PAV é de 13,6 por 1.000 dias ventiladores, e que a metade dos pacientes internados em unidades de terapia intensiva sofre tratamento terapêutico por antibiótico devido a este agravo. Estima-se que a média de tempo necessário para desenvolver a PAV desde o início da ventilação mecânica é de cinco a sete dias, e expressa uma taxa de mortalidade entre 24% e 76%.13

Em um estudo durante 11 anos com 515 pacientes sugestivos a PAV, pelo menos um patógeno foi isolado em 372 (76%) pacientes, e os organismos gram-negativos predominaram, representando 89% dos isolados. O gênero de bactérias mais frequentemente cultivado foi o Acinetobacter spp., 206 (30,4%), dado que, comparado significativamente, corrobora com os achados do presente estudo.12

Na identificação das IRAS com o critério microbiológico, o Acinetobacter spp. foi o agente etiológico mais frequentemente notificado, contabilizando 30 (19,10%) dos 78 casos totais. O Acinetobacter spp pode ser transmitido através de contaminação cruzada ou ambientes colonizados como: fômites, cortinas, grades de cama, mesas, pias, portas, sondas para alimentação, equipamentos médicos, contaminação de equipamentos de suporte respiratório, dispositivos de sucção e dispositivos usados para acesso intravascular.14 Este microrganismo tem sido considerado um preocupante agente bacteriano, principalmente nos países em desenvolvimento. Algumas características desta bactéria são a sua capacidade de causar infecções oportunistas, por desenvolver resistência antimicrobiana e sobreviver com sucesso sob condições ambientais adversas.15

Detecção em tempo hábil, controle efetivo da disseminação e prevenção do estabelecimento de cepas endêmicas são medidas fundamentais para controlar possíveis surtos identificados no ambiente de saúde por Acinetobacter spp. Medidas práticas gerais e específicas para controlar estas infecções são apontadas de acordo com seus graus de evidência a nível mundial e no Brasil. Em 2017, a ANVISA publicou as Medidas de Prevenção de IRAS para ajudar a reduzir a incidência de IRAS em serviços de saúde, disponibilizando um instrumento de apoio para a prevenir e reduzir as principais IRAS, como as pneumonias, ITU, IPCS e ISC, e contribuindo para reduzir os riscos nos serviços de saúde do Brasil.16

Atualmente, a Pseudomonas spp. está entre o grupo de bactérias mais isoladas nas hemoculturas e amostras do trato respiratório em pacientes hospitalizados, possui grande importância em nível de notificação das IRAS e é um dos principais agentes de infecção relacionado à assistência em estabelecimentos de saúde brasileiros.17 É considerado o patógeno mais comum nas UTIs, está presente na maioria dos casos de PAV, e tem como consequência o aumento dos custos hospitalares, a incidência de morbidades e mortalidade, e faz parte de uma realidade desafiadora para os hospitais de países em desenvolvimento, como o Brasil.3 Neste estudo, este microrganismo apareceu em segundo lugar entre os patógenos causadores de IRAS.

Além disso, estudos a nível mundial têm relatado a problemática da endemicidade de infecções por Pseudomonas spp. multirresistente. A frequência do microrganismo resistente aos antibióticos é alta e um fator preocupante dentro das instituições hospitalares, pois os microrganismos adquirem resistência a quase todos antimicrobianos disponíveis para tratamento.18 Outro estudo corrobora com os dados apresentados no presente estudo, ao afirmar que o microrganismo tem grande associação com os altos índices de IRAS, o agravante da capacidade de resistência aos antibióticos, e alta capacidade de colonização de vias aéreas em pacientes com outras patologias de base, como por exemplo, fibrose cística.19

Os microrganismos Staphylococcus spp. e Enterobacter spp., quando calculados, não expressaram diferença significativa em incidência para as IRAS analisadas no estudo.

A infecção pelo patógeno Staphylococcus spp. oferece potencial risco para as desenvolvimento de IRAS. Dados de um estudo multicêntrico de dois anos apresentaram que entre 858 microrganismos isolados, 224 eram Staphylococcus spp. e 210 (94%) foram encontrados isolados em corrente sanguínea.20 Em estudo realizado no oeste do Paraná, os funcionários que manipulam os alimentos de uma instituição hospitalar foram submetidos a pesquisa microbiológica em mucosa nasal, e foi revelado que 48% apresentaram colonização para S. aureus.21Outro estudo realizado em um hospital escola no estado do Rio de Janeiro, identificou que 82,9% dos estetoscópios da equipe multiprofissional apresentaram contaminação bacteriana sendo que 21,9% eram Staphylococcus spp.,22Este microrganismo é comum na microbiota humana, e pode evoluir para septicemia grave, muitas vezes causada por pneumonia, que tem alta mortalidade.

A Enterobacter spp., por sua característica não fermentadora, possui alta resistência a múltiplos fármacos, o que representa um grande desafio para os controles de infecção. O fato desse microrganismo produzir B-lactamases, enzimas responsáveis pela resistência antimicrobiana de espectro estendido (ESBLs), torna difícil o manejo de infecções por Enterobacteriaceae. Outros mecanismos de resistência também estão surgindo, com as consequências de resistência a múltiplos fármacos e ameaça do surgimento de espécies resistentes.20

No estudo ora apresentado, podemos destacar o alto índice de PAV em pacientes neurológicos, sendo 70 (32,11%) das IRAS na especialidade de neurologia. Este dado corrobora com estudo sobre as complicações fisiológicas em pacientes acometidos por problemas neurológicos, que destacou as complicações respiratórias como as de maior importância na saúde destes pacientes. Também ressaltou a necessidade de adotar medidas como desmame da sedação e manutenção nos parâmetros ventilatórios a fim de proporcionar a extubação precoce e monitorização das funções cerebrais, com o objetivo de minimizar os possíveis efeitos negativos ao paciente.23

Embora a incidência de IPCS relacionada a cateter seja mais baixa que as outras IRAS, ela tem sua importância por causar considerável morbimortalidade e elevação dos custos hospitalares.1 Nesse estudo, houve 164 (19,38%) casos de IPCS, uma notável significância quando comparado aos países desenvolvidos, cuja a taxa oscila entre 5% e 8%.. Em estudo que analisou as IPCS entre 2009 e 2013 em 29 hospitais, foram relatados 384 casos de IPCS com uma taxa de 1,26/1.000 cateter dia. Dentre essas 29 unidades de saúde, as caracterizadas como hospitais públicos foram responsáveis por 368 (95,8%) casos deste agravo, e 200 (72,9%) ocorreram em UTIs, demonstrando significativamente que o ambiente crítico é propício ao desenvolvimento deste agravo.24

Na especialidade de clínica geral, as IRAs que mais acometeram os pacientes foram as ISC, totalizando 47 (29,93%) infecções. O maior número de internações para cirurgias eletivas ocorreu na especialidade de cirurgia geral/clínica geral, onde cerca de 29,40% foram procedimentos eletivos e 70,60% foram procedimentos de urgência, configurando assim, o resultado de maior prevalência para ISC.

A distribuição das infecções na especialidade pediátrica manteve-se linear, sem grande predominância. A topografia que mais se destacou foi a PAV, com 35 (22,72%) das infecções nesta especialidade. O determinante na incidência de infecções em crianças é a lenta maturação de seu sistema imunológico, que muitas vezes, já está prejudicado por doenças pré-existentes, internação prolongada, procedimentos e utilização de imunossupressores.25

Dentro das especialidades, a neurologia totalizou 218 (25,76%) das IRAS, e a topografia PAV correspondeu a 70 (32,11%) das infecções nesta especialidade. Isto pode estar relacionado com o perfil do paciente neurológico, que permanece por maior tempo internado e dependente de suporte ventilatório, e com a dificuldade de implementar protocolos para desmame de sedação precoce, dentre outras medidas.

Uma fragilidade encontrada nesse estudo foi a subnotificação dos casos, pois grande parte das infecções pode ser prevenida por meio de programas focados na educação permanente e capacitação dos profissionais de saúde, adesão às recomendações durante a realização de procedimentos, vigilância epidemiológica das IRAS e avaliação dos seus resultados. Estas medidas colocam o profissional à frente das discussões e facilitam o entendimento, para promoção da vigilância e contribuição direta na prevenção de IRAS.

Neste estudo, as IRAS acometeram ambos os sexos. Dentre as infecções prevalentes, as três de maior destaque foram as ISC, PAV e IPCS. Com relação ao perfil microbiano encontrado, as bactérias gram-negativas Acinetobacter, Pseudomonas, Staphylococcus e Enterobacter spp. foram as mais prevalentes. O aparecimento destes agentes pode estar associado ao meio em que vivem, pela complexidade da instituição de inquérito e sua característica educacional, que trazem grande fluxo de profissionais e alta rotatividade de pacientes.

A especialidade mais acometida por IRAS foi a neurologia, pois normalmente são pacientes de complexidade e muitas vezes com prognóstico crítico, fatores de grande influência para o desenvolvimento de agravantes.

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