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Perfil fenotípico de resistência à colistina e tigeciclina em um hospital público no Brasil
Roseneide Campos Deglmann; Débora de Oliveira; Paulo Henrique Condeixa de França
Roseneide Campos Deglmann; Débora de Oliveira; Paulo Henrique Condeixa de França
Perfil fenotípico de resistência à colistina e tigeciclina em um hospital público no Brasil
Phenotypical profile of colistine and tigecycline resistance in a public health in Brazil.
Perfil fenotípico de resistencia a la colistina y tigeciclina en un hospital público de Brasil
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 9, núm. 4, pp. 281-286, 2019
Universidade de Santa Cruz do Sul
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Resumo: Justificativa e objetivos: Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) causadas por bacilos Gram negativos multirresistentes (BGN-MDR) são consideradas um problema de saúde pública e um impacto nas taxas de mortalidade nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI). O objetivo deste estudo foi verificar o perfil fenotípico de resistência à colistina e à tigeciclina, consideradas como último recurso terapêutico aos BGN-MDR. Métodos: Os dados foram coletados nas fichas de busca ativa do serviço de controle de infecções e prontuários médicos de pacientes internados em duas UTIs de um hospital público de Joinville, entre janeiro de 2016 e junho de 2017. Resultados: Ocorreram 256 IRAS por BGN, acometendo principalmente o gênero masculino (62%), com mediana de idade de 65 anos. Entre os BGN, 37% expressaram MDR; sendo as espécies mais frequentes: Klebsiella pneumoniae e (47%), Acinetobacter baumannii (23%) e Stenotrophomonas maltophilia (11%). A resistência de BGN-MDR à colistina e tigeciclina foi de 5% e de 12%, respectivamente; 5% dos isolados foram resistentes aos dois antibióticos. A taxa de óbito entre os pacientes com IRAS por BGN-MDR resistentes à colistina foi mais alta (60%) que aquelas à tigeciclina (45%). Conclusão: K. pneumoniae e A. baumannii produtores de carbapenemases, resistentes a colistina e tigeciclina prevaleceram entre os BGN-MDR, e estiveram associadas a maioria dos óbitos. Essas observações, junto com o alto uso de carbapenêmicos na terapia empírica, mostra a necessidade do uso racional de antimicrobianos.

Palavras-chave:Resistência Microbiana a MedicamentosResistência Microbiana a Medicamentos,ColistinaColistina,Infecção HospitalarInfecção Hospitalar,EnterobacteriaceaeEnterobacteriaceae,CarbapenêmicosCarbapenêmicos.

Abstract: Background and objectives: Healthcare-associated Infections (HAIs) caused by multidrug-resistant Gram-negative bacilli (GNB-MDR) are considered a public health problem and have an impact on mortality rates in Intensive Care Units (ICU). The aim of this study was to verify the phenotypic profile of resistance to colistin and tigecycline, considered as the last antimicrobial choice to treat BGN-MDR infections. Methods: Data were collected on the active search records of the infection control service and medical records of patients admitted to two ICUs at a public hospital in Joinville between January 2016 and June 2017. Results: There were 256 HAIs caused by GNB, mainly affecting males (62%), with a median age of 65 years. Among GNBs, 37% expressed MDR; the most frequent species were: Klebsiella pneumoniae (47%), Acinetobacter baumannii (23%) and Stenotrophomonas maltophilia (11%). The resistance of GNB-MDR to colistin and tigecycline was 5% and 12%, respectively; 5% of the isolates were resistant to both antibiotics. The death rate among patients with HAIs caused by colistin-resistant GNB-MDR was higher (60%) than those to tigecycline (45%). Conclusion: Carbapenemase-producing .. pneumoniae and A. baumannii, resistant to colistin and tigecycline, prevailed among GNB-MDRs, and were associated with most deaths. These observations, coupled with the high use of carbapenems in empirical therapy, show the need for rational use of antimicrobials.

Keywords: Drug Resistance, Colistin, Cross Infection, Enterobacteriaceae, Carbapenems.

Resumen: Justificación y objetivos: Las Infección nosocomial (IHs) causadas por bacilos Gram negativos multirresistentes (BGN-MDR) se consideran un problema de salud pública y un impacto en las tasas de mortalidad en las Unidades de Terapia Intensiva (UTI). El objetivo de este estudio fue verificar el perfil fenotípico de resistencia a la colistina ya la tigeciclina, consideradas como último recurso terapéutico a los BGN-MDR. Métodos: Los datos fueron recolectados en las fichas de búsqueda activa del servicio de control de infecciones y prontuarios médicos de pacientes internados en dos UTIs de un hospital público de Joinville, entre enero de 2016 y junio de 2017. Resultados: Ocurrieron 256 IHs por BGN, que afectan principalmente al género masculino (62%), con mediana de edad de 65 años. Entre los BGN, el 37% expresó MDR; siendo las especies más frecuentes: Klebsiella pneumoniae (47%), Acinetobacter baumannii (23%) y Stenotrophomonas maltophilia (11%). La resistencia de BGN-MDR a la colistina y tigeciclina fue del 5% y del 12%, respectivamente; 5% de los aislados fueron resistentes a los dos antibióticos. La tasa de muerte entre los pacientes con IH causadas por los BGN-MDR resistentes la colistina fue más alta (60%) que aquellas a tigeciclina (45%). Conclusión: K. pneumoniae y A. baumannii productoras de carbapenemases, resistentes la colistina y la tigeciclina, fueron más frecuentes entre los BGN-MDR y su asociación estuvo presente en la mayoría de las muertes. Estas observaciones, junto con el alto uso de carbapenems en la terapia empírica, muestran la necesidad de un uso racional de los antimicrobianos.

Palabras clave: Farmacorresistência Microbiana, Colistina, Infección Hospitalaria, Enterobacteriaceae, Carbapenémicos.

Carátula del artículo

Perfil fenotípico de resistência à colistina e tigeciclina em um hospital público no Brasil

Phenotypical profile of colistine and tigecycline resistance in a public health in Brazil.

Perfil fenotípico de resistencia a la colistina y tigeciclina en un hospital público de Brasil

Roseneide Campos Deglmann
Universidade da Região de Joinville, Brasil
Débora de Oliveira
Universidade da Região de Joinville, Brasil
Paulo Henrique Condeixa de França
Universidade da Região de Joinville, Brasil
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 9, núm. 4, pp. 281-286, 2019
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepção: 25 Maio 2019

Aprovação: 26 Setembro 2019

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece que as Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) têm um forte impacto na morbidade e mortalidade dos pacientes, na sua qualidade de vida e nos custos dos serviços de assistência. Além disso, aponta que cerca de 7% dos pacientes hospitalizados nos países desenvolvidos e 10% nos países em desenvolvimento adquirem pelo menos um episódio de IRAS durante a internação, chegando a uma taxa de óbito de 10%.1 Dados do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) mostraram que anualmente, 4,5 milhões de pessoas adquirem IRAS nos hospitais da Europa, levando a um acréscimo de 16 milhões de dias na internação e aproximadamente 37.000 óbitos/ano.2 Um estudo multicêntrico nos Estados Unidos (EUA) estimou que estas infecções acometem mais de 1,7 milhões de pessoas /ano, as quais estão associadas a 99.000 mortes anual.1

No Brasil, cerca de 720 mil pessoas por ano são infectadas nos hospitais; destas, 20% evoluem para óbito como decorrência das IRAS. Estas infecções apresentam maior frequência nas UTIs, com taxas que variam entre 5% a 35%, com uma mortalidade associada de 9% a 38%, chegando a atingir 60% como causa direta do óbito, a depender da população atingida.3,4

Dentro dessa realidade, cabe ressaltar o aumento da resistência antimicrobiana, principalmente dos bacilos Gram negativos multirresistentes (BGN-MDR), sendo estes os patógenos mais comuns de infecções, como pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV), infecções do trato urinário (ITU), infecções primárias da corrente sanguínea (IPCS) e sítio cirúrgico.5 Estudos brasileiros têm apontado que entre os principais BGN-MDR envolvidos nas IRAS estão Acinetobacter baumannii, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter sp, Pseudomonas aeruginosa . Escherichia coli. Sabe-se ainda que o tratamento dessas infecções é dificultado pela escassez de alternativas, especialmente no que diz respeito ao uso de novos antimicrobianos, evidenciando-se, desse modo, um grave panorama para a saúde pública.6,7

Ao final do século 20, com o aumento de BGN-MDR, incluindo as produtoras de carbapenemases, retornou-se ao uso da colistina e a ampliação da prescrição da tigeciclina, como únicas alternativas terapêuticas para as infecções causadas por essas bactérias.8 Nota-se, entretanto, que em 2016, na China foi registrado o primeiro gene que confere resistência à colistina, mediado por plasmídeo, em E. coli, denominado mcr-1 .mobile colistin resistance gene).9 Desde então, diversas publicações apontaram a presença do gene mcr-1 em vários continentes, inclusive no Brasil.10-12

Um estudo de Bartolleti et al (2016), realizado no Brasil, relata que a tigeciclina foi um dos agentes não-betalactâmicos mais ativo contra isolados de K. pneumoniae resistentes à colistina. No entanto, encontraram isolados de P. aeruginosa, Proteus spp., Providencia spp. e Morganella spp., produtores de bomba de efluxo Resistance-nodulation-division (RND), o que lhes conferiu resistência também à tigeciclina.8

Além dos aspectos acima referidos, há que se destacar também as dimensões econômicas e assistenciais envolvidas. Sabe-se, por exemplo, que essas infecções aumentam o tempo de internação, o número de procedimentos diagnósticos e terapêuticos, podendo triplicar os gastos dos serviços assistenciais, conforme o perfil de atendimento hospitalar.3,4 O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estimou que, a cada ano nos EUA, pelo menos 2 milhões de pessoas desenvolvem IRAS por bactérias MDR e 23.000 óbitos/ano estão associados diretamente, com um custo aproximado de 20 bilhões de dólares anuais.13 Na Europa, conforme dados de 2007, estimou-se que as IRAS por bactérias MDR causaram cerca de 25.000 óbitos, anualmente, e geraram um custo total de 1.555 milhões de euros/ano.2

O objetivo deste estudo foi avaliar o perfil fenotípico de BGN-MDR frente à colistina e tigecilcina em pacientes com IRAS, internados em duas UTIs de um hospital público, situado no note de Santa Catarina. A elucidação da resistência de BGN-MDR a esses dois antimicrobianos pode contribuir com os dados epidemiológicos de isolados de IRAS nas UTIs brasileiras, e auxiliar para que melhorem a qualidade da assistência prestada.

MÉTODOS

O estudo foi realizado entre janeiro de 2016 e junho de 2017 no Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, em Joinville, Santa Catarina, num hospital público com 242 leitos, sendo 20 leitos de UTIs Geral e Cardíaca. As informações foram coletadas nas fichas de busca ativa do Serviço de Controle de Infecções e dos prontuários médicos. Todos os pacientes, com idade igual ou maior que 18 anos, com IRAS adquiridas na UTI, após 72 horas de internação foram incluídos no estudo. As IRAS foram definidas de acordo com os critérios da National Healthcare Safety Network.14 As variáveis estudadas foram: idade, gênero, tipos de IRAS: pneumonia associada ou não ao suporte ventilatório (PAV); infecção primária da corrente sanguínea relacionada ao cateter vascular central (IPCS-CVC) e infecção do trato urinário associada ao cateter vesical (ITU-CV); tempo de internação nas UTIs, microrganismos isolados e perfil de suscetibilidade aos antimicrobianos.

Para determinar o perfil fenotípico adotou-se as recomendações do Center Laboratory Standars Institute (CLSI); já para a identificação da resistência à colistina e à tigeciclina, a referência foi a NOTA TÉCNICA Nº 01/2013 da ANVISA.15-17 Na definição de BGN-MDR adotou-se os critérios propostos por Magiorakos et al.18

Os dados foram plotados em tabela Microsoft Office. Excel e, posteriormente, analisados de modo descritivo. O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa, da Universidade da Região de Joinville (Univille), conforme o Parecer nº 1599756 e do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, pelo Parecer nº 1613535.

RESULTADOS

No período do estudo, 1.545 pacientes foram internados nas UTIs sendo que destes, 275 desenvolveram um ou mais episódio de IRAS, totalizando em 478 (31%) casos de IRAS. Deste conjunto, 21% (101/478) foram diagnosticadas apenas por critérios clínicos, sem confirmação pela cultura; já em 79% (377/478) dos casos houve a confirmação pela cultura microbiológica.

No que diz respeito ao perfil dos pacientes, os homens foram os mais acometidos – 62% (171/275), já as mulheres representaram 38% (104/275) dos casos. A mediana de idade foi 65 anos e a mediana de tempo de permanência na UTI foi 23 dias.

Das 478 IRAS identificadas, em 377 houve crescimento de microrganismos, sendo de maior frequência os BGNs (68%;256/377), seguidos pelos cocos Gram positivos (18%; 67/377), fungos (12%;47/377) e outros (2%; 7/377). Entre os BGNs, K. pneumoniae predominou em 26% (66/256) dos isolados, P. aeruginosa (20%;52/256) e .. baumannii (13%;33/256); e em menor percentagem foram E. coli e complexo Enterobacter cloacae, ambas com (8%;20/256), Proteus mirabilis (6%;15/256), Serratia marcescens (5%;13/256), Enterobacter aerogenes e Stenotrophomonas maltophilia, ambas (4%;10/256), Burkolderia cepacia (2%;7/256), e outras (4%; 10/256).

Do total de 256 BGN associados às IRAS, 37% (95/256) atenderam aos critérios para MDR. Dos 95 patógenos com perfil fenotípico de MDR, as espécies com maior frequência foram: K. pneumoniae – 47% (45/95), seguida da A. baumannii com 23% (22/92) e S. maltophilia – 11% (10/95). Em contrapartida, índices menores foram observados nas espécies de P. aeruginosa (8%; 8/95), Complexo B. cepacia (7%;7/95), Complexo E. cloacae (2%;2/95) e E. aerogenes (1%;1/95).

Entre os BGN-MDR, 67% (64/95) dos isolados foram resistentes aos carbapenêmicos, com maior predominância K. pneumoniae 48% (31/64) e .. baumannii 34% (22/64), seguidas pelas P. aeruginosa 13% (08/64), Complexo E. cloacae 3% (2/64) e E. aerogenes 2%(1/64).

A frequência dos BGN-MDR foi maior em PAV (57%), depois ITU-CV (24%) e IPCS-CVC (19%). Os BGN-MDR com resistência fenotípica à colistina (5%) prevaleceram nas ITU e nas IPCS. Já dos 12% dos BGN-MDR expressando resistência fenotípica à tigeciclina, 64% derivaram das PAV e 36% das ITU e, 5% desses isolados foram resistentes a todos os antimicrobianos testados, conforme detalhado na Tabela 1.

Tabela 1
Frequência de BGN-MDR e o perfil de resistência à colisitina e/ou tigeciclina de acordo com a IRAS

IRAS: Infecção Relacionada à Assistência à Saúde; BGN: Bacilos Gram Negativos; MDR: Multirresistente; PAV: Pneumonia associada a Ventilação Mecânica; ITU: Infecção do Trato Urinário; IPCS: Infecção Primária da Corrente Sanguínea.

A resistência fenotípica à colistina ou tigecilcina nos isolados de BGN-MDR, .. pneumoniae demonstrou maior resistência, 80% e 45,5%, respectivamente; já 45,5% dos isolados de .. baumannii foram resistentes à tigeciclina. A resistência para ambos antibióticos foi observada em .. pneumoniae (80%) e E. aerogenes (20%), como detalhado na tabela 2.

Tabela 2
Distribuição das espécies bacterianas expressando um perfil fenotípico resistente a colistina e/ou tigeciclina.

Tabela 2 – Distribuição das espécies bacterianas expressando um perfil fenotípico resistente a colistina e/ou tigeciclina.

Quanto ao uso prévio de antimicrobianos antes do diagnóstico das IRAS observou-se que dos 05 pacientes com isolados resistentes à polimixina e tigeciclina, 01 paciente com infecção por .. pneumoniae não utilizou antimicrobianos e 04 pacientes receberam terapia empírica. Desses, 03 pacientes com K. pneumoniae foram tratados com monoterapia (02 casos carbapenêmicos e 01 caso ampicilina/sulbactam) e 01 paciente com isolado de E. aerogenes recebeu terapia combinada (carbapenêmicos + ampicilina/sulbactam). Nenhum paciente recebeu terapia empírica com polimixina ou tigeciclina.

Em relação ao desfecho clínico dos pacientes com IRAS por BGN-MDR, a alta hospitalar ocorreu em 38% (36/95) e óbito 62% (59/95). Pode-se observar ainda, que a taxa de óbito entre os pacientes com IRAS causadas pelos BGN-MDR resistentes à colistina foi mais alta 60% (3/5), que aquelas resistentes a tigeciclina 45% (5/11). Ressalte-se que entre os 05 pacientes que desenvolveram IRAS por BGN pan-resistentes foram a óbito 80% (4/5), desses, 03 casos tiveram associados .. pneumoniae e 01 caso E. aerogenes.

DISCUSSÃO

A prevalência de IRAS nas UTIs, identificadas na pesquisa aqui relatada, foi de 31%, similar, a outros estudos brasileiros que relatam taxas variando entre 5% a 51,2%, com mortalidade associada de 9% a 38% e como causa direta de até 60%, dependendo da população acometida.3,4,19

Os homens foram os mais afetados – 60%, com mediana de idade de 65 anos e mediana de tempo de permanência na UTI de 23 dias. Barrasa-Villar et al. (2017) relataram em seu estudo que a idade, gênero, tempo de permanência na UTI, uso de dispositivos invasivos, gravidade e comorbidade dos pacientes estão associados com o aumento da mortalidade por bactérias MDR.7

Os dados obtidos neste estudo demonstram ainda que dos BGN isolados, 37% foram BGN-MDR e, destes, as espécies K. pneumonia (47%) e A. baumannii (23%) apresentaram resistência a maioria dos antimicrobianos testados, incluindo os carbapenêmicos. Resultados superiores a estes foram observados numa UTI de um hospital terciário da região norte, do Brasil, onde 84% dos isolados de K pneumoniae foram classificadas como MDR, incluindo os carbapenêmicos. Também constatou que 100% destes isolados foram produtoras de ESBL e carbapenemases, portadoras de KPC.19Segundo o relatório de vigilância do ECDC, as taxas de resistência aos carbapenêmicos registradas em 2018, quando comparadas ao ano de 2016, evidenciam uma elevação nas espécies de A. baumannii (68% vs 64%) e Klebsiella spp. (11% vs 8%).20

Comparando-se os dados do relatório do ECDC com aquele publicado pela ANVISA em 2017, podem ser observadas as diferenças nas taxas de resistência aos carbapenêmicos foi maior em A. baumannii (85%) e P. aeruginosa (42,9%), já entre as enterobactérias a prevalência foi de K. pneumoniae (46,8%), a Enterobacter spp. (18,2%) e E. coli (9,9%).21

Atualmente, os órgãos governamentais de saúde no mundo e no Brasil alertam sobre o crescimento de infecções por BGN-MDR, com predominância de P. aeruginosa, A. baumannii e K. pneumoniae. Este cenário revela-se grave, sobretudo se for considerado que a maioria das infecções causadas por estes patógenos são severas e as opções terapêuticas são limitadas, restando quase sempre somente a colistina e/ou tigeciclina como última escolha.22

Vale registrar que o estudo aqui relatado identificou também taxas de resistência à colistina (5%) e à tigeciclina (12%). Outra pesquisa desenvolvida no mesmo hospital, encontrou no período de 2010 – 2013, 139 isolados clínicos de A.baumannii resistentes aos carbapenêmicos (CRAb); e entre 2010 e 2011, todas as CRAb foram sensíveis à tigeciclina e colistina. Já em 2013, foram identificados os primeiros isolados de CRAb resistentes à tigeciclina (5,7%), mas ainda 100% sensíveis à colistina.23 Cotejados os dados destas pesquisas pode-se concluir que as taxas de CRAb foram de 23%, no entanto, a resistência à tigeciclina aumentou para 9% e para colistina permaneceram 100% sensíveis. Situação diferente se observou para as enterobactérias que expressaram resistência à colistina e tigeciclina, principalmente quando se trata da K. pneumoniae onde pode-se verificar uma resistência de 80% e 45,5%, respectivamente. Bartolleti et al (2016), encontraram nos hospitais de São Paulo, uma taxa de resistência à colistina de 27,1% em .. pneumoniae, com resistência aos carbapenêmicos e produtoras de KPC.8

Considerando o potencial das bactérias MDR, em conjunto com outros fatores inerentes ao paciente e aos serviços de cuidados à saúde, cabe destacar que neste estudo a K. pneumoniae foi a espécie com maior perfil fenotípico de resistência aos antimicrobianos, e esteve associada ao maior número de óbitos. K. pneumoniae é considerada o patógeno nosocomial mais frequente nos hospitais brasileiros, principalmente nas UTIs, alcançando notoriedade em diversos surtos, além de seu clone produtor de carbapenemase (KPC) ser endêmico no nosso país.21

Neste estudo o uso prévio de carbapenêmicos e ampicilina/sulbactam foram os antimicrobianos mais utilizados nos pacientes que adquiriram IRAS por BGN-MDR. Corroborando com estes resultados, no estudo de Nseir et al., o uso de carbapenêmicos, piperacilina/tazobactam e aminoglicosídeos foram fatores de risco para aquisição de enterobactérias produtoras de ESBL, assim como P. aeruginosa e A. baumannii MDR.24 Dados disponíveis na literatura apontam, persistentemente, para o uso inapropriado de antimicrobianos como a maior causa do aparecimento e disseminação de bactérias MDR em UTIs.6,19,25

Os dados obtidos nesta investigação, ainda que referentes a único hospital, apontam para a dimensão do problema dos BGN-MDR e a necessidade de monitoramento constante e controle nos hospitais, principalmente nas UTIs. O estudo dos fatores associados a estes BGN-MDR é fundamental para conhecer a disseminação e surgimento de novos clones, assim como também para o uso racional de antimicrobianos, devido a fragilidade atual das opções terapêuticas. Além disso, medidas de barreiras para evitar aquisição de IRAS e dados que forneçam as taxas de resistência à colistina e à tigeciclina auxiliam os clínicos e os outros profissionais de saúde na tomada de decisões da melhor opção terapêutica e, desta forma, garantir melhor segurança aos pacientes.

Destaca-se que os estudos comparativos abordando dados epidemiológicos do perfil fenotípico de resistência aos antimicrobianos ficam limitados, em decorrência de diversas padronizações dos antimicrobianos na definição de MDR, ou seja, de acordo com gênero e/ou espécies. Além disso, há poucos relatos multicêntricos no território brasileiro, com as taxas de IRAS e o perfil de resistência dos principais isolados nas UTIs. As publicações, em sua maioria, tratam de relatos de um único local ou região, representando, nesse sentido, aspectos parciais sobre a realidade das UTIs brasileiras.

Conclui-se que isolados de K. pneumoniae e A. baumannii produtores de carbapenemases, resistentes a colistina e tigeciclina prevaleceram entre os BGN-MDR, e estiveram associadas a maioria dos óbitos. Essas observações, junto com o alto uso de carbapenêmicos na terapia empírica, mostra a necessidade do uso racional de antimicrobianos e aumentar as ações de prevenção e controle das IRAS.

Material suplementar
Agradecimentos

Os autores agradecem o Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, o Fundo de Amparo à Pesquisa da Universidade da Região de Joinville (FAP / UNIVILLE) e do Fundo de Apoio à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Superior de Santa Catarina (FUMDES / SC).

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Notas
Tabela 1
Frequência de BGN-MDR e o perfil de resistência à colisitina e/ou tigeciclina de acordo com a IRAS

IRAS: Infecção Relacionada à Assistência à Saúde; BGN: Bacilos Gram Negativos; MDR: Multirresistente; PAV: Pneumonia associada a Ventilação Mecânica; ITU: Infecção do Trato Urinário; IPCS: Infecção Primária da Corrente Sanguínea.
Tabela 2
Distribuição das espécies bacterianas expressando um perfil fenotípico resistente a colistina e/ou tigeciclina.

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