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Prescrição de antimicrobianos para idosos hospitalizados: análise do benefício e associação com implementação de limitação de esforço terapêutico e cuidados paliativos
Thamara Graziela Flores; Giovana Stelo Costa; Renata Oliveira;
Thamara Graziela Flores; Giovana Stelo Costa; Renata Oliveira; Fabio Lopes Pedro; Ivana Beatrice Mânica da Cruz; Melissa Agostini Lampert
Prescrição de antimicrobianos para idosos hospitalizados: análise do benefício e associação com implementação de limitação de esforço terapêutico e cuidados paliativos
Prescription of antimicrobials for hospitalized elderly: benefit analysis and association with implementation of therapeutic effort limitation and palliative care
Prescripción de antimicrobianos para ancianos hospitalizados: análisis del beneficio y asociación con implementación de limitación de esfuerzo terapéutico y cuidados paliativos
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 9, núm. 4, pp. 292-298, 2019
Universidade de Santa Cruz do Sul
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Resumo: Justificativa e Objetivos: Muitos avanços ocorreram em prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas, porém elas ainda são as principais causas de hospitalização e morte em idosos. O objetivo deste trabalho foi verificar o benefício do uso de antimicrobianos e sua associação com a implementação de outras medidas terapêuticas e com a indicação de cuidados paliativos nas duas últimas semanas de vida de idosos em internação hospitalar, a fim de subsidiar o desenvolvimento de modelos racionais de prescrição para este grupo. Métodos: Foi desenvolvido um estudo retrospectivo realizado pela análise de prontuários dos idosos participantes do estudo epidemiológico do tipo coorte “Desenvolvimento de uma linha de cuidados para o idoso no Hospital Universitário de Santa Maria” que apresentaram óbito como desfecho. Resultados: Dos 97 indivíduos avaliados, 89,7% (n = 87) fizeram uso de antibiótico nas duas últimas semanas de vida. Entre aqueles que utilizaram antibacteriano, 38,9% apresentaram sinais clínicos de melhora após o início do tratamento (n = 28). Assim, foi possível afirmar que não houve associação entre o alívio dos sintomas e o uso de antibacteriano (p = 0,377). Entre aqueles que se beneficiaram da antibioticoterapia, 46,4% foram indicados para infecção respiratória e 14,3% para infecção do trato urinário. Não foi encontrada dependência entre o uso de antibacteriano e as outras medidas terapêuticas adotadas (p = 0,057), nem com a indicação de cuidado paliativo (p = 0,065). Conclusão: Observou-se pouca evidência de benefício no uso de antibacteriano no grupo estudado, o que sinaliza a necessidade de uma adequação de plano de cuidado diferenciada para esse perfil de pacientes.

Palavras-chave:IdososIdosos,AntimicrobianosAntimicrobianos,HospitalizaçãoHospitalização,Cuidado paliativoCuidado paliativo.

Abstract: Background and objectives: Many advances have occurred in the prevention, diagnosis and treatment of infectious diseases, but they are still the main causes of hospitalization and death in older adults. The objective of this study was to verify the benefit of antimicrobial use and its association with the implementation of other therapeutic measures and with the indication of palliative care in the last two weeks of life of hospitalized older adults, in order to subsidize the development of rational models for this group. Methods: A retrospective study was carried out by analyzing the medical records of the older adult participants of the cohort epidemiological study “Development of a Care Line for Older Adults at the University Hospital of Santa Maria”, which presented death as an outcome. Results: Of the 97 individuals evaluated, 89.7% (n = 87) used antibiotics in the last two weeks of life. Among those who used antibacterial agents, 38.9% presented clinical signs of improvement after treatment initiation (n=28). Thus, it was possible to affirm that there was no association between symptom relief and antibacterial use (p = 0.377). Among those who benefited from antibiotic therapy, 46.4% were indicated for respiratory infection and 14.3% for urinary tract infection. We found no dependence between the use of antibacterial drugs and the other therapeutic measures adopted (p = 0.057), nor with the indication of palliative care (p = 0.065). Conclusion: There was little evidence of benefit in the use of antibiotics in the studied group, which indicates the need for a different care plan adequacy for this patient profile.

Keywords: Older adult, Antimicrobials, Hospitalization, Palliative care.

Resumen: Justificación y Objetivos: Ocurrieron muchos avances en la prevención, diagnóstico y tratamiento de las enfermedades infecciosas, pero todavía son las principales causas de hospitalización y muerte en ancianos. El presente trabajo tuvo como objetivo verificar el beneficio del uso de antimicrobianos y su asociación con la implementación de otras medidas terapéuticas y con la indicación de cuidados paliativos en las dos últimas semanas de vida de ancianos en internación hospitalaria con el fin de fomentar el desarrollo de modelos racionales de prescripción para este grupo. Métodos: Se desarrolló un estudio retrospectivo realizado por el análisis de historiales de los ancianos participantes del estudio epidemiológico del tipo cohorte “Desarrollo de una línea de cuidados para el anciano en el Hospital Universitario de Santa María”, que presentaron muerte como desenlace. Resultados: De los 97 individuos evaluados, el 89,7% (n = 87) hicieron uso de antibiótico en las dos últimas semanas de vida. Entre los que utilizaron el antibacteriano, el 38,9% presentó signos clínicos de mejora después del inicio del tratamiento (n = 28). Así fue posible afirmar que no hubo asociación entre el alivio de los síntomas y el uso de antibacteriano (p = 0,377). Entre los que se beneficiaron de la antibioticoterapia, el 46,4% fue indicado para infección respiratoria y el 14,3% para infección del tracto urinario. No se encontró dependencia entre el uso de antibacteriano y las otras medidas terapéuticas adoptadas (p = 0,057), ni con la indicación de cuidado paliativo (p = 0,065). Conclusión: Se observó poca evidencia de beneficio en el uso de antibacteriano en el grupo estudiado, lo que señala la necesidad de una adecuación del plan de cuidado diferenciada para ese perfil de pacientes.

Palabras clave: Ancianos, Antimicrobianos, Hospitalización, Cuidado paliativo.

Carátula del artículo

Prescrição de antimicrobianos para idosos hospitalizados: análise do benefício e associação com implementação de limitação de esforço terapêutico e cuidados paliativos

Prescription of antimicrobials for hospitalized elderly: benefit analysis and association with implementation of therapeutic effort limitation and palliative care

Prescripción de antimicrobianos para ancianos hospitalizados: análisis del beneficio y asociación con implementación de limitación de esfuerzo terapéutico y cuidados paliativos

Thamara Graziela Flores
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Giovana Stelo Costa
Universidade Federal de Santa Maria , Brasil
Renata Oliveira
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Fabio Lopes Pedro
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Ivana Beatrice Mânica da Cruz
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Melissa Agostini Lampert
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 9, núm. 4, pp. 292-298, 2019
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepção: 02 Janeiro 2019

Aprovação: 10 Setembro 2019

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional é uma realidade enfrentada em países desenvolvidos e em desenvolvimento. No Brasil, o número de idosos já superou a marca dos 30,2 milhões em 2017. Sabe-se que essa realidade está intimamente relacionada a avanços na área da saúde e a mudança de hábitos da sociedade em relação aos seus serviços, já que atualmente nota-se maior consumo de serviços de saúde, internações hospitalares mais frequentes e maior tempo de internação – mesmo que nem sempre estejam acompanhados de incrementos na qualidade de vida – devido às doenças crônicas.3,4

Nesse contexto, mundialmente, há preocupação quanto ao uso racional de medicamentos, com destaque para a utilização de antimicrobianos, que correspondem à classe de medicamentos mais prescrita aos idosos e que influenciam não apenas o paciente em tratamento, mas todo o ecossistema em que este está inserido, gerando resistência microbiana, bem como efeitos adversos quando usados inadequadamente.5

Nos Estados Unidos, um estudo verificou que aproximadamente 1,4 milhão de idosos residem em instituição de longa permanência, com 6% a 10% utilizando antibacteriano repetidamente, sendo mais de 50% com pelo menos uma prescrição de antibacteriano por ano, estimando-se que 25% a 75% das prescrições não atendem diretrizes clínicas apropriadamente.6

Segundo Faria e Ferreira (2015), a suspeita de infecção de trato urinário (ITU) foi a mais prevalente com terapia antibiótica inadequada, responsável por 30% a 56% dos antibacterianos prescritos, sendo um terço dessas prescrições para bacteriúria assintomática.6 Ademais, destaca-se que não existem estudos claros sobre efeitos adversos da prescrição de antimicrobianos nesta população e que possíveis consequências incluem reações adversas, interações medicamentosas e infecção por Clostridium difficile. Além do surgimento de organismos multirresistentes (um problema crescente de saúde pública) e a carga imposta pela avaliação e tratamento de infecções suspeitas em pacientes no final da vida.7

Ao priorizar qualidade de vida, com o alívio de sintomas, vê-se como importante a definição do papel desempenhado pelos antimicrobianos, ou seja, quando utilizados em contexto de implementação de cuidados paliativos, incluindo desde as fases precoces do adoecimento até a fase final de vida.7

Há muito tempo estuda-se sobre cuidados paliativos e seu conceito tem sido modificado ao longo dos anos, objetivando uma inserção precoce da abordagem de qualidade de vida como parte dos tratamentos propostos. Assim, atualmente, é buscada a potencialização dos cuidados paliativos quando, no processo de adoecimento de um indivíduo, verifica-se a condição de saúde com prognóstico de vida limitado, com necessidade de priorizar alívio de sintomas e conforto, com orientação à pessoa e não às doenças presentes, com total concentração no indivíduo, que pode ser prestado de forma exclusiva ou concomitante ao tratamento curativo, dependendo da fase de adoecimento em que o indivíduo se encontra, além das medidas terapêuticas necessárias.8

Destaca-se que de forma concomitante à implementação de cuidados paliativos sempre deve ocorrer a adequação das medidas terapêuticas, evitando a manutenção de medidas fúteis, podendo estar entre elas tanto o uso de antibacteriano quanto a utilização de nutrição parenteral ou enteral, drogas vasoativas, terapia renal substitutiva, ventilação mecânica invasiva e internação em unidade de terapia intensiva.9

Com base na necessidade de conhecer aspectos relacionados ao envelhecimento populacional, diferenças no padrão de adoecimento e cuidados na prescrição de medicamentos, este estudo buscou elucidar o quanto pacientes idosos se beneficiam com o uso de antimicrobianos na fase final de vida e verificar o quanto essa utilização está associada à implementação de outras medidas terapêuticas ou à indicação de cuidados paliativos.

MÉTODOS

Foi desenvolvido um estudo retrospectivo através da análise de prontuários dos idosos participantes do estudo epidemiológico do tipo coorte denominado “Desenvolvimento de uma linha de cuidados para o idoso no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM)”, CAAE nº 48212915.50000.5346, seguindo os princípios éticos da Resolução CNS 466/12, no qual os pacientes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Teve como objetivo a abordagem de aspectos clínicos e epidemiológicos de pacientes com 60 anos ou mais de idade, internados no HUSM, em Santa Maria-RS, no período de outubro de 2015 a maio de 2016, sendo composto por um total de 493 idosos. E apresentou óbito como desfecho.

Foram incluídos todos os idosos que apresentaram o desfecho de óbito para a definição da amostra, que foi constituída por 100 idosos. Foi realizada a análise por meio de um formulário que coletava das seguintes variáveis: idade, sexo, data de internação e de alta hospitalar, foco infeccioso, utilização de antibacteriano, culturas microbiológicas, patógenos identificados, classes de antibacteriano prescritos e indicação do tratamento (categorizada em cinco grupos: tratamento ou prevenção de sepse; sintomas do trato respiratório; sintomas do trato gênito-urinário; sintomas do trato-gastrointestinal; infecções da pele), problema de saúde responsável pela admissão hospitalar (categorizadas conforme CID-10), efeitos positivos do tratamento, os quais foram aferidos por escala subjetiva, na qual foi considerado “positivo” se o paciente teve qualquer melhora clínica, e outras medidas terapêuticas instituídas (intubação orotraqueal, ventilação mecânica, reanimação cardiorrespiratória, transfusão sanguínea, diálise renal, uso de drogas vasoativas, hidratação endovenosa e nutrição artificial) e indicação de cuidado paliativo.

Foi considerado prevenção de sepse quando nenhum foco infeccioso óbvio foi evidente, mas o paciente apresentou febre, leucocitose, proteína C reativa elevada e condição geral prejudicada (taquipneia, alteração do sensório, taquicardia, entre outros), então fora iniciado antibioticoterapia mesmo sem evidências de infecção em algum sítio e mesmo não sendo este o conceito padrão de sepse. Os dados referentes a efeitos positivos foram coletados a partir dos registros médicos ou de enfermagem por meio de avaliação subjetiva da equipe, como alívio de dispneia ou tosse, melhora da febre ou inapetência, capacidade de dialogar, melhora de queixas álgicas ou urinárias nos casos em que foi usado para este fim e redução dos episódios de delirium quando estes foram observados. Havendo, então, relato nas evoluções médicas ou de enfermagem de melhora em qualquer um dos sinais ou sintomas já citados, considerou-se que o paciente apresentou efeito positivo. Não havendo nenhum registro, foram classificados como “ausente ou desconhecido”.9

Com exceção dos dados de data de internação, data de saída hospitalar e patologia responsável pela admissão hospitalar, todos os dados são equivalentes às duas últimas semanas de vida do paciente.10

Foi considerado como critério de exclusão os pacientes que apresentaram prontuários incompletos (com menos de 1/3 das informações necessárias) e aqueles que fizeram uso de antibacteriano por tempo inferior a 72 horas, o que gerou a exclusão de 3 pacientes, totalizando uma amostra de 97 indivíduos.11

A análise estatística para variáveis categórica e não categórica foi realizada através do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows 17.0. A descrição das variáveis deu-se por meio das frequências absolutas e relativas, bem como média e desvio padrão, quando cabíveis. Quando realizada a associação entre as variáveis descritivas foi utilizada análise univariada com o teste de qui-quadrado ou Teste exato de Fisher, sendo considerados níveis de significância menores que 5% (p ≤ 0,05).

RESULTADOS

Foram incluídos 97 indivíduos, com predomínio de idosos jovens, visto que apenas 34% apresentavam 80 anos ou mais de idade, com média de 74,94 ± 9,269 (mediana de 73 anos, com idade mínima de 60 e máxima de 96 anos), sendo 55,7% do sexo masculino. Quanto ao plano de cuidado implementado, houve prescrição de antibacteriano para 89,7% dos indivíduos, com prescrição de 3,62 ± 1,584 medidas terapêuticas, sendo 55,7% com prescrição de no mínimo quatro medidas terapêuticas, com 67,9% sem indicação de cuidados paliativos. Quanto ao número de dias de uso de antibiótico nas duas semanas antes do óbito, foram 8,39 ± 4,723 dias (mediana de 9, mínimo de 1 e máximo de 14 dias), sendo que 50,74% utilizaram por 7 dias e 28,7% nesses 14 dias antes do óbito.

Quanto aos problemas de saúde responsáveis pela admissão hospitalar, conforme o CID-10, destacam-se as neoplasias, doenças cardiovasculares e respiratórias, conforme descrito na Tabela 1.

Tabela 1.
Problemas de saúde responsáveis por admissãohospitalar.

Quanto às classes farmacológicas de antibacteriano utilizadas, observa-se que a dos betalactâmicos foi a mais utilizada com 92% (n = 80), seguida dos inibidores da betalactamase com 58,6%. A utilização de classes de antibacterianos nas últimas duas semanas de vida é demonstrada na Tabela 2.

Tabela 2.
Utilização de classes farmacológicas de antibacterianonas últimas duas semanas de vida

Durante a internação, 86,6% dos pacientes coletaram algum tipo de cultura, sendo que não foi encontrada associação entre a solicitação de cultura com a prescrição do antibiótico (p = 0,452). Conforme demonstrado na Tabela 3, a hemocultura foi realizada em 72 indivíduos correspondendo a 74,2% das amostras. Destes, 31,9% apresentaram resultado positivo, com maior prevalência de cocos Gram-positivos, representando 60,9% (n = 14), sendo que a solicitação de hemocultura não influenciou na tomada de decisão pelo uso de antibacteriano (p = 0,206). Ou seja, houve prescrição e manutenção de antibiótico independentemente do resultado da cultura.

Tabela 3.
Resultados da hemocultura em relação aosmicrorganismos mais prevalentes

Foram coletadas culturas da urina em 74,22%, totalizando 72 indivíduos. Destes, 50% (n = 36) apresentaram resultado positivo para infecção, com maior prevalência de fungos seguido de bacilos Gram-negativos, como pode ser observado na Tabela 4. Não foi constatada associação quanto ao exame de urocultura e o uso de antibacteriano (p = 0,55).

Tabela 4.
Resultados da urocultura em relação aosmicrorganismos mais prevalentes

Quanto às medidas terapêuticas instituídas, observou-se que em relação à nutrição, o tipo de dieta mais prescrito foi enteral por sonda nasogástrica ou sonda nasoentérica, totalizando 72 pacientes, 8 pacientes com via oral plena, 3 por gastrostomia, 3 com nutrição parenteral e 1 paciente permaneceu com dieta suspensa durante a internação.

Cerca de 42,3% (n = 41) dos pacientes receberam transfusão sanguínea, 48,5% (n = 47) utilizaram ventilação mecânica, 12,4% (n = 12) fizeram diálise, 60,8% (n = 59) usaram alguma droga vasoativa e 92,8% (n = 90) receberam hidratação endovenosa. Cerca de 22,7% (n = 22) dos indivíduos foram submetidos à ressuscitação cardiopulmonar. Não foi encontrada associação entre o uso de antibacteriano e as outras medidas terapêuticas adotadas para o paciente (p = 0,05), porém 59,3% dos pacientes que usaram antibiótico foram submetidos a quatro ou mais medidas terapêuticas. A associação entre o uso de antibacteriano e medidas terapêuticas podem ser observados na Tabela 5.

Tabela 5.
Uso de antimicrobianos e outras medidasterapêuticas instituídas.

Quanto ao efeito do uso de antibacteriano, de acordo com os exames laboratoriais realizados, os pacientes foram avaliados em relação à redução da proteína C reativa, melhora da leucocitose e redução dos bastonetes no hemograma. Evidenciou-se associação apenas com a melhora da leucocitose e redução dos bastonetes no hemograma (p = 0,012), sem associação com a redução da proteína C reativa (p = 0,447).

Dos pacientes que usaram antibiótico, 39,4 % (n = 29) apresentaram algum sinal clínico indicativo de melhora após início do tratamento, dado este analisado através dos registros da equipe médica como alívio dos sintomas, melhora da febre, melhor aceitação da dieta ou qualquer outro indício de melhora clínica, sugerindo que não há relação do alívio dos sintomas com o uso de antibacteriano em idosos nas duas últimas semanas de vida (p = 0,397).

Quanto à definição de cuidados paliativos pela equipe assistente, cerca de 32,2% (n = 26) foram identificados como em cuidados paliativos, sendo que destes 21 indivíduos fizeram uso de antibacteriano nas duas últimas semanas de vida, não sendo observada associação da prescrição de antibacteriano com a indicação de cuidados paliativos (p = 0,065). Dos pacientes em que foi observado sinal clínico de melhora com uso de antibacteriano, 46,4% (n = 13) receberam o tratamento com indicação devido foco respiratório.

Ao comparar os resultados de infecções do trato respiratório e ITU, foi mais provável que surtisse um efeito positivo no tratamento de ITU, visto que todos aqueles tratados tiveram alívio dos sintomas.

DISCUSSÃO

Este estudo mostrou que o tratamento com antibacteriano levou à melhora dos sintomas em 38,9% dos pacientes idosos nas duas últimas semanas de vida, dado esperado de acordo com estudo prévio observacional realizado em 2016 com uma amostra maior de pacientes (n = 160).12 Mesmo naqueles pacientes com culturas negativas, não houve diferença no benefício observado com o uso de antibacteriano. Não houve registros em prontuários de efeitos adversos aos tratamentos aplicados.

Outro estudo indica que 77% dos pacientes que estavam em transição para protocolo de tratamento de conforto receberam antimicrobianos durante internação hospitalar, corroborando a ideia de que o uso de antibacteriano é relativamente alto em pacientes hospitalizados próximos ao final de vida, mesmo quando o objetivo é o conforto. Neste mesmo estudo, 24 horas após a definição de medidas de conforto, apenas cerca de 15,6% dos pacientes ainda permaneciam em uso de antibacteriano.13 Em nosso trabalho não foi avaliado o momento da definição de cuidado paliativo em relação a permanência do uso de antibacteriano, o que poderia alterar o resultado esperado para o desfecho principal.

Apesar do grande número de culturas positivas, não houve associação com o surgimento de sintomas neste grupo estudado, e a presença de urocultura positiva não significou tratamento para bacteriúria assintomática. Os exames laboratoriais não foram considerados na avaliação do benefício do paciente em relação ao uso da medicação, tendo em conta que em pacientes que não existe possibilidade de cura deve-se avaliar os benefícios clínicos das terapêuticas utilizadas.

Em contraste com um estudo, já citado, no qual 48% dos pacientes com câncer foram tratados com antibacteriano na última semana de vida, nossos resultados mostraram terapia em 89,7% dos pacientes nas duas últimas semanas12. Essa diferença pode ser justificada por terem sido avaliados, naquele estudo, pacientes que já apresentavam definição para limitação de esforço terapêutico.

A definição de cuidado paliativo foi inferida quando, em qualquer tempo da internação, a equipe assistente juntamente com a família optou por não adotar novas medidas de esforço terapêutico para determinado paciente, tendo em vista o quadro avançado da patologia de base e a impossibilidade de tratamentos curativos. Aquelas medidas já instauradas não necessariamente foram interrompidas no momento da decisão, como o uso de antibacteriano ou drogas vasoativas. Essas definições foram encontradas em 26,8% dos idosos no período. Em análise realizada no ano de 2007 em um serviço de Hospice Care, 91% dos pacientes que receberam antibacteriano tiveram diretivas antecipadas, em comparação com 92% daqueles que não receberam antibacteriano (p = 0,4).14

O estudo do European Centre for Disease Prevention and Control permitiu identificar as mais frequentes infecções hospitalares, sendo que as mais frequentes foram as infecções das vias respiratórias inferiores/pneumonia, as ITU e as infeções do local cirúrgico, sendo as infecções de trato respiratório as que mais tiveram indicação de antimicrobianos.15 Em estudo de Moreira et al.¹6em 2007, observou-se que a classe de antibacteriano mais usada foi a dos betalactâmicos (24,1%), corroborando com a ideia de que os betalactâmicos são extremamente utilizados e corresponderam a 50% do total de vendas de antibacteriano em 2004, além de possuírem amplo espectro de atividade antibacteriana, eficácia clínica e excelente perfil de segurança, uma vez que atuam na enzima transpeptidase, única em bactérias.16

Outros estudos afirmam que quase 90% dos pacientes hospitalizados com câncer avançado recebem antimicrobianos durante a semana antes da morte e aproximadamente 1/4 de pacientes aos quais foi estabelecido o “cuidado paliativo” recebe antimicrobianos durante as semanas finais de vida.17Um estudo prospectivo relatou maior conforto, embora menor sobrevida, entre pacientes com demência avançada e suspeita de pneumonia que não foram tratados com antimicrobianos em comparação com aqueles que foram tratados. Neste estudo, não foi avaliada a prevalência de demência na amostra para que fosse feita associação com o benefício.17

Dados recentes apontam que 33% a 38% dos pacientes em final de vida recebem intervenções mesmo sem benefício. Incluindo-se nessa estatística o uso de antimicrobianos, o qual tende a ser uma das últimas intervenções retiradas, com 27% a 88% dos pacientes recebendo antimicrobianos durante as últimas semanas de vida.18

Desta forma os antimicrobianos são comumente prescritos para pacientes em cuidados paliativos, muitas vezes até o último momento, mesmo quando não há indicadores de infecção, haja vista, que devido à fragilidade e a défices no sistema imunológico comuns a estes indivíduos, por vezes transferem sintomas semelhantes a quadros infecciosos e a sepse.7

Entretanto a imprudente prescrição de medicamentos que não fornecem alívio em indivíduos nas últimas semanas ou dias de vida, como verificado por meio deste estudo com antimicrobianos, tende a drenar recursos que poderiam ser empregados em cuidados de longo prazo, além dos encargos financeiros para o sistema de saúde. Em contrapartida, sabe-se que existem medidas de conforto mais eficazes do que a prescrição de antibacteriano, como o uso de ansiolíticos, analgésicos e adaptações do meio para que haja o conforto tanto dos pacientes como a para as famílias.

Outra preocupação com a ineficiência do uso de antibacteriano em pacientes terminais é a propensão a resistência microbiana, principalmente em ambiente intra-hospitalar.

Este estudo apresentou limitações devido à dificuldade na obtenção de alguns dados, justificada por características próprias do ambiente de um pronto socorro, como alta rotatividade dos pacientes, dinâmica de transferências e ausência, por vezes, de responsáveis para a informação dos dados em tempo hábil. Outra limitação foi devido ao acompanhamento da evolução clínica do paciente ter sido realizada através da revisão de prontuários, dependendo de seu preenchimento adequado. No entanto, dessa forma, foi possível retratar, de forma mais fidedigna e realista, o perfil dos pacientes avaliados, proporcionando embasamento para futuros estudos.

Sendo assim, sugere-se que mais planejamentos de pesquisas, a fim de comparar a resposta dos sintomas e a sobrevida de pacientes idosos em final de vida que recebem antimicrobianos e aqueles que não o fizeram, para que assim se consiga maior embasamento teórico a fim de construir um modelo racional de prescrição de antibacteriano para este grupo, evitando distanasia.

Conclui-se ainda, que, ao prescrever o antibacteriano para idosos em fase final de vida, é imprescindível avaliar cada quadro individualmente, pois os benefícios não são claros e podem variar de acordo com a patologia e sintomatologia de cada paciente.

Material suplementar
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Notas
Tabela 1.
Problemas de saúde responsáveis por admissãohospitalar.

Tabela 2.
Utilização de classes farmacológicas de antibacterianonas últimas duas semanas de vida

Tabela 3.
Resultados da hemocultura em relação aosmicrorganismos mais prevalentes

Tabela 4.
Resultados da urocultura em relação aosmicrorganismos mais prevalentes

Tabela 5.
Uso de antimicrobianos e outras medidasterapêuticas instituídas.

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