Percepção e conhecimento dos estudantes de medicina acerca do HIV e da AIDS
Perceptions and knowledge of medical students about HIV and AIDS
Percepción y conocimiento de los estudiantes de medicina sobre el VIH y el SIDA
Percepção e conhecimento dos estudantes de medicina acerca do HIV e da AIDS
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 10, núm. 1, pp. 21-29, 2020
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 11 Enero 2019
Aprobación: 25 Septiembre 2019
Resumo: Justificativa e Objetivos: O grau de informação não se restringe às questões informativas e de oportunidade de conhecimento, mas também ao desenvolvimento de uma percepção individual consciente para a adoção de práticas de prevenção da transmissão do vírus. Assim, objetivou-se avaliar a percepção e o conhecimento dos graduandos de medicina, acerca do HIV e da AIDS. Métodos: Caracteriza-se como um estudo transversal, observacional e unicêntrico, por meio da aplicação de um questionário estruturado e dois referentes à atitude frente à AIDS e ao indivíduo/percepção de risco e sobre o conhecimento dos meios de transmissão. Aplicaram-se os testes T-Student e Qui-quadrado de Pearson, com p<0,05. Participaram 223 estudantes de medicina do 1º ao 8º semestres. Resultados: A maioria dos universitários referiu ter compaixão (90,58%) e não culpabilização (97,31%) frente ao HIV e a AIDS. Todavia, 69,06% não se sentem preparados para atender esses pacientes. Ademais, 76,68% referiram não possuir risco de contrair o HIV, fato preocupante pelo risco inerente à profissão. Das 20 questões sobre o conhecimento dos meios de transmissão, o grau de acerto variou de 18,2 e 19,4 pontos. Prevenção (85,2%), preconceito (75,78%) e preservativo (72,65%) foram os principais valores simbólicos associados à AIDS. Conclusão: Os estudantes apresentaram atitudes éticas e humanísticas frente ao paciente com HIV ou com AIDS e um elevado grau de conhecimento acerca dos meios de transmissão do HIV. Sobre a percepção de risco, ressalta-se a necessidade de uma abordagem mais direcionada nas disciplinas de Saúde Pública, de Infectologia e de Imunologia.
Palavras-chave: Percepção, Conhecimento, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, HIV.
Abstract: Background and Objectives: The degree of information is not restricted to informative and opportunity questions of knowledge, but also to the development of a conscious individual perception for the adoption of practices of prevention of virus transmission. Thus, the objective was to evaluate the perception and knowledge of medical students about HIV and AIDS. Methods: It is characterized as a transversal, observational and unicentric study, through the application of a structured questionnaire and two referring to the attitude towards AIDS and the individual / perception of risk and about the knowledge of the means of transmission. Student's T-test and Pearson's Chi-square test were applied, with p <0.05. 223 medical students participated in the 1st to 8th semesters. Results: Most university students reported having compassion (90.58%) and no blame (97.31%) for HIV and AIDS. However, 69.06% do not feel prepared to treat these patients. In addition, 76.68% reported not having a risk of contracting HIV, a fact of concern for the inherent risk of the profession. Of the 20 questions on the knowledge of the means of transmission, the degree of accuracy ranged from 18.2 and 19.4 points. Prevalence (85.2%), prejudice (75.78%) and condom (72.65%) were the main symbolic values associated with AIDS. Conclusion: Students presented ethical and humanistic attitudes towards patients with HIV or AIDS and a high degree of knowledge about the means of HIV transmission. Regarding the perception of risk, the need for a more focused approach in the disciplines of Public Health, Infectology and Immunology is emphasized.
Keywords: Perception, Knowledge, Acquired Immunodeficiency Syndrome, HIV.
Resumen: Justificación y Objetivos: El grado de información no se restringe a las cuestiones informativas y de oportunidad de conocimiento, sino también al desarrollo de una percepción individual consciente para la adopción de prácticas de prevención de la transmisión del virus. Así, se objetivó evaluar la percepción y el conocimiento de los graduandos de medicina, acerca del VIH y del SIDA. Métodos: Se caracteriza como un estudio transversal, observacional y unicéntrico, por medio de la aplicación de un cuestionario estructurado y dos referentes a la actitud frente al SIDA y al individuo / percepción de riesgo y sobre el conocimiento de los medios de transmisión. Se aplicaron las pruebas T-Student y Qui-cuadrado de Pearson, con p <0,05. Participaron 223 estudiantes de medicina del 1º al 8º semestres. Resultados: La mayoría de los universitarios refirió tener compasión (90,58%) y no culpabilización (97,31%) frente al VIH y el SIDA. Sin embargo, el 69,06% no se siente preparado para atender a estos pacientes. Además, el 76,68% mencionó no tener riesgo de contraer el VIH, hecho preocupante por el riesgo inherente a la profesión. De las 20 preguntas sobre el conocimiento de los medios de transmisión, el grado de acierto varió de 18,2 y 19,4 puntos. Prevención (85,2%), preconcepto (75,78%) y preservativo (72,65%) fueron los principales valores simbólicos asociados al SIDA. Conclusión: Los estudiantes presentaron actitudes éticas y humanísticas frente al paciente con VIH o con SIDA y un alto grado de conocimiento acerca de los medios de transmisión del VIH. Sobre la percepción de riesgo, se resalta la necesidad de un enfoque más direccionado en las disciplinas de Salud Pública, de Infectología e Inmunología.
Palabras clave: Percepción, Conocimiento, Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida, VIH.
INTRODUÇÃO
A Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS) é um desafio aos setores de saúde e sociopolíticos vigentes, com profundas implicações nos aspectos biopsicossociais e intrinsecamente relacionada aos fatores econômicos e culturais. Caracteriza-se como um fenômeno desestabilizador e um grande infortúnio para a história humana, apresentando-se como um grave problema de saúde pública mundial e em contínua expansão.1-3
Em 1981, o Center for Disease Controldo Serviço de Saúde dos Estados Unidos, reconheceu oficialmente a AIDS como uma nova doença, ainda não classificada, de etiologia provavelmente infecciosa e transmissível. Em 1984, este agente infeccioso e suas consequências foram aceitas por toda a comunidade científica. No ano seguinte, os primeiros testes de detecção do HIV foram comercializados.4-6
No âmbito nacional, em 1982, surgiram os primeiros casos confirmados da AIDS no estado de São Paulo e a partir da política de acesso gratuito e universal às Terapias Antirretrovirais (TAV) do Sistema Único de Saúde (SUS), em meados da década de 90, as taxas de morbimortalidade reduziram, concomitantemente ao aumento da expectativa de vida desses pacientes7.
Todavia, avaliando a tendência nacional de evolução dos casos, verificou-se que, segundo o Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, as regiões Norte e Nordeste possuem indicação de aumento crescente de mortalidade, enquanto o Sudeste apresenta indicadores decrescentes8. Ressalta-se, portanto, os aspectos socioeconômicos como influenciadores, especialmente no que tange à questão da percepção e das atitudes frente ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e AIDS, embora o conhecimento isolado não seja suficiente para que se adote um comportamento protetor.1,9
Diante desta realidade, percebe-se que o grau de informação não se restringe às questões informativas e de oportunidade de conhecimento, mas também ao desenvolvimento de uma percepção individual consciente para a adoção de práticas de prevenção frente às diversas vias de transmissão do vírus.9,10 Tal fato pode ser prejudicado pela dificuldade de acesso às informações sistemáticas e claras nos centros de saúde, bem como pela proximidade com pessoas contagiadas, uso de drogas e exposição à violência.11
Nesse ínterim, verifica-se a existência de uma dimensão afetiva associada à AIDS, favorecendo ao desenvolvimento de valores simbólicos, como o medo, o sofrimento, o preconceito e a morte. Frente a isso, percebe-se que a noção de “grupo de risco” pode tornar-se deturpada - mesmo em meio aos profissionais da área da saúde - levando à estigmatização dos portadores e ao afastamento das medidas de prevenção, tendo em vista que muitos se colocam em uma posição “fora de risco” de contrair o HIV3. Assim, as vulnerabilidades individual, cognitiva, comportamental e social se instalam. 9,12
Ainda na esfera da saúde, identifica-se um despreparo profissional diante de pacientes portadores de tal condição3. Tal fato, indica a necessidade de capacitações profissionais constantes para a adaptação dos conhecimentos às diversas faces da epidemia, bem como a formação de vínculo médico-paciente com o próprio sistema de cuidado à saúde. Baseado nisso, a falta de uma grade curricular sustentada nos aspectos biopsicossociais da AIDS, além do predomínio de mentalidades hostis, percepções negativas e estigmatização desta condição, geram entraves para um cuidado integral, digno e respeitoso a esses pacientes – os quais enfrentam as consequências físicas da doença e do preconceito social.12,13
Analisando-se a relevância da capacitação dos profissionais da saúde para lidar com pacientes soropositivos, bem como da vulnerabilidade a qual estes estão expostos, a presente pesquisa visou determinar a percepção dos estudantes de medicina sobre o atendimento de pacientes com HIV/AIDS - uma vez que a percepção de cuidado influenciará diretamente na atitude do médico frente ao paciente, englobando aspectos éticos e morais inerentes à prática médica e ao cuidado humanizado à saúde.
Diante da complexidade da referida temática, bem como da necessidade de uma formação médica baseada nos preceitos éticos e morais, faz-se necessária maior atenção acadêmica e profissional no que tange ao desenvolvimento de estudos sobre o modo como os estudantes de medicina compreendem esta condição, assim como as formas de abordagem, de atitude e de percepção diante de pacientes HIV positivos. Logo, a partir da ampliação do conhecimento e da eficácia do presente trabalho, justifica-se o interesse pelo tema, cujos resultados poderão contribuir para a melhora da formação acadêmica, da relação médico-paciente e dos cuidados de atenção aos pacientes. Assim, objetivou-se avaliar a percepção e o conhecimento dos graduandos de medicina, acerca do HIV e da AIDS.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, observacional e unicêntrico, envolvendo 223 estudantes de medicina matriculados no 1º ao 8º semestre do curso. O protocolo de pesquisa correspondeu a um questionário estruturado, do tipo autoaplicável, contendo 9 questões de múltipla escolha. Este apresenta variáveis sociodemográficas de descrição amostral como: idade, sexo, cor/raça, religião e semestre. Além disso, foram verificados: local de formação escolar, orientações sobre métodos de transmissão e prevenção do HIV, sensação de preparo para atender um paciente com AIDS e os principais valores simbólicos atribuídos a esta condição como: prevenção, preconceito, preservativo, medo, sofrimento, descuido, tristeza, irresponsabilidade e morte.
Ademais, foram aplicados dois questionários referentes à atitude frente à AIDS e ao indivíduo/ percepção de risco e o conhecimento acerca dos meios de transmissão do HIV, sendo estes adaptados e validados9.
A metodologia de análise estatística foi utilizada para descrever e sintetizar os dados coletados, possibilitando a sua apresentação sob diversas formas, o que favorece a qualidade das interpretações. Os dados foram organizados em tabelas de contingência . x ., com base em frequências absolutas e relativas e a partir da aplicação do teste não paramétrico Qui-quadrado de Pearson para independência e tendência entre as variáveis nominais. Para verificar a relação entre as variáveis do perfil epidemiológico, foi calculado o teste Qui-quadrado de Pearson para Associação, com nível de significância inferior a 0.05. Ademais, para a correlação e a comparação dos dados, foi utilizado o teste T-Student.
Desta forma, os dados coletados foram tabulados, interpretados, processados e analisados por meio da estatística descritiva e inferencial, adotando nível de confiança de p < 0,05 para constatar uma estatística significativa. Estes foram registrados e organizados nos softwares Microsoft Office Word 2010, Microsoft Office Excel 2010, Microsoft Office Power Point 2010. Para a análise dos dados foram utilizados recursos de computação, por meio do processamento no sistema Microsoft Excel, StatisticPackage for Social Sciences (SPSS) versão 24.0.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará (CEP-UEPA), apresentado o número do parecer: 2.528.056, CAAE de número 83174417.1.0000.5174 e aprovado no dia 6 de março de 2018.
RESULTADOS
Dentre os 223 estudantes que participaram da presente pesquisa, 123 (55,2%) são do sexo feminino e 100 (44,8%) do sexo masculino. A faixa etária predominante foi de 17 a 21 anos (155; 69,5%), onde a menor idade foi de 17 anos e a maior de 47 anos. A maioria significativa (p < 0,0001) se autodeclarou da cor/raça parda (48,4%), seguida da cor branca (41,3%) e negra (8,5%), além de que 215 (96,4%) estudantes são solteiros (Tabela 1).

†††Valores Altamente Significativos; †† Valores significativos; ns Valores Não Significativos.
H1: Existe relação significativa de dependência entre as variáveis e a frequência observada (p<0.05).
No que tange às questões relativas à atitude e à percepção de risco frente à AIDS e ao indivíduo (Tabela 2), identificou-se que a maioria dos universitários (174; 78,03%) não teria nenhum problema em trabalhar com um companheiro de uma pessoa com AIDS - questão 4; não têm medo em trabalhar com alguém que tivesse AIDS (202; 90,58%) - questão 8 - e não se importariam em trabalhar com pacientes com AIDS (180; 80,72%) – questão 11. Outrossim, 93,72% (209) dos estudantes afirmam saber se proteger contra o HIV e a AIDS – questão 6, embora 74,89% (167) declararam não possui treinamento necessário para atender uma pessoa com tal condição – questão 14. Em relação à percepção de risco, cerca de 171 estudantes (76,68%) afirmaram não correrem risco de adquirir o HIV, principalmente entre os alunos dos cursos mais avançados (Figura 1).

†††Valores Altamente Significativos; †† Valores significativos; ns Valores Não Significativos.
H1: Existe relação significativa de dependência entre as variáveis e a frequência observada (p<0.05).

Vale ainda ressaltar que prevenção (190; 85,2%), preconceito (169; 75,78%) e preservativo (162; 72,65%) foram os principais valores simbólicos associados à AIDS. Estes foram seguidos por medo (48,43%), sofrimento (43,50%), descuido (39,01%), tristeza (28,25%), irresponsabilidade (20,18%) e, por fim, morte (19,73%) (Tabela 3).
Quanto ao modo de contágio do vírus HIV (Tabela 3), das 20 questões relativas ao conhecimento dos meios de transmissão do HIV, a média de acertos variou de 18 a 20 pontos, sem diferença significativa dos grupos estudados (p-valor < 0,05).
Verificou-se ainda que 220 entrevistados (98,65%) responderam que frequentar a mesma universidade de alguém que é HIV positivo, apertar a mão, tocar ou beijar o rosto são improváveis de transmitir o vírus. Cerca de 98,21% (219) dos participantes referiram que compartilhar agulhas com usuários de drogas injetáveis, ter relação sexual com múltiplos parceiros ou relação anal e vaginal (216; 96,86%) com portador sem camisinha são situações prováveis de ocorrer transmissão (Tabela 3).
Todavia, as duas perguntas com percentagem menor – mas ainda com nível de significância inferior a 0,001 - foram referentes ao uso de banheiros públicos (82,06%) e ao beijo na boca de portadores (88,34%) (Tabela 3). Evidencia-se que a única questão onde os resultados não foram estatisticamente significativos, abordou a doação de sangue como meio de contágio, onde 98 (43,95%) afirmaram ser provável, enquanto 125 (56,05%) responderam ser improvável (Tabela 3).

††† Valores Altamente Significativos; †† Valores significativos; ns Valores Não Significativos.
H1: Existe relação significativa de dependência entre as variáveis e a frequência observada (p<0.05).
Quando analisadas as questões relativas à formação escolar e o recebimento de orientações sobre métodos de prevenção do contágio do HIV, verificou-se que 203 estudantes (91,03%) responderam “sim”, independentemente de a escola ser pública (22,87%) ou particular (60,54%) – referindo um grau de significância inferior a 0,001 (Tabela 4). Em contrapartida, a maioria significativa não foi orientada sobre a temática pelos seus pais ou responsáveis, aproximadamente 126 (56,5%) deles responderam “não” (Tabela 4). Ademais, a internet (103; 46,19%) e os livros (100; 44,84%) de estudos predominaram como fonte de conhecimento sobre o HIV e a AIDS (Tabela 4).
Em relação à formação acadêmica, a maior parte dos universitários (69,61%) afirmou ter recebido orientações sobre prevenção do contágio e dos métodos de transmissão, 151 (67,71%) deles conhecem serviços que cuidem de pessoas com doenças venéreas; no entanto, a maioria significativa, 151 alunos (67,7%; p < 0,001), não se sente preparada para atender uma pessoa com AIDS (Tabela 4), fato que diminui com o avançar dos semestres.

* Teste Qui-quadrado de Pearson para independência (p-valor <0.05).
††† Valores Altamente Significativos; †† Valores significativos; ns Valores Não Significativos.
H1: Existe relação significativa de dependência entre as variáveis e a frequência observada p<0.05).
DISCUSSÃO
Diante dos resultados obtidos acerca das atitudes frente à pessoa com AIDS, verificou-se que a maioria dos estudantes referiu um comportamento respeitoso e de aceitação.15 Nesse contexto, a baixa quantidade de universitários com sentimentos de aversão ou de afastamento em relação aos colegas soropositivos pode estar relacionada com o conhecimento biológico da própria condição humana, pela compreensão e proximidade com os aspectos biopsicossociais intrínsecos, principalmente no que se refere aos direitos à educação e ao trabalho dos portadores do HIV e da AIDS.15,16
Ademais, a maior parte dos alunos considerou que os pacientes “não merecem estar doentes” e que sentem “compaixão pelas pessoas com AIDS”, externando a empatia e o respeito. Estas perguntas inferem a não-culpabilização pela referida situação, bem como a negação da dimensão individual afetiva subjetiva, substituindo-a pela consideração dos fatores sociais, culturais e econômicos do indivíduo – contrariamente ao destacado em outra pesquisa.16
Em relação aos valores simbólicos, verifica-se a prevenção, o preconceito e o preservativo como os principais destacados pelos graduandos. Diante disso, ainda existe uma grande divergência na literatura científica vigente sobre o conhecimento e o preconceito associados ao HIV e à AIDS, ressaltando que a maior parte dos participantes não apresentou comportamentos preconceituosos, mas referiram o preconceito como um expressivo valor simbólico relacionado a tal condição.15,17 Assim, torna-se notória a sua influência no âmbito sociocultural atual, aumentando a estigmatização e as chances de prevenção de grande parte da população.. De fato, os fatores psíquicos e emocionais apresentam uma forte relação com o processo saúde-doença, de modo que o estigma e o preconceito tornem-se tão prejudiciais quanto a ação do HIV sobre o organismo humano.16
No que tange à percepção de risco autorreferido, 76,68% dos participantes afirmaram que não possuem chance de adquirir o Vírus da Imunodeficiência Humana, resultados próximos àqueles encontrados em pesquisas, as quais identificaram que cerca de 66,7% declararam não correr risco e 48,33% referiram possuir chances inerentes ao profissional da saúde.9, 18 Tal fato torna-se alarmante, haja vista que qualquer indivíduo, em um certo grau, é vulnerável à infecção. Tal ideia pode ser decorrente da concepção de invulnerabilidade associada à saúde, ao nível socioeconômico e cultural, à raça/cor.19 Consequentemente, esta mentalidade pode relacionar-se com a estigmatização, ao afastamento das medidas de proteção e ao preconceito, mesmo entre os profissionais da área da saúde.3,13
Nesse contexto, identifica-se a necessidade de ampliação de pesquisas sobre o risco de contágio do HIV e a vulnerabilidade da população em geral, com o intuito de desmistificar os “grupos de risco” e as ideias equivocadas no que tange à percepção e às atitudes diante desta realidade. Estas ações impediriam a propagação de informações errôneas pelos profissionais de saúde, tendo em vista que grande parte dos pacientes buscam conhecimento entre os médicos, enfermeiros, assistentes sociais e poderiam garantir o desenvolvimento de estratégias de prevenção e promoção da saúde mais voltadas às necessidades do grupo-alvo estudado, acompanhamento e esclarecimento de dúvidas.11
Corroborando com tal argumentação, o Ministério da Saúde (MS), pela Portaria nº 151/09, considerou “a necessidade de se criar alternativas para a ampliação do acesso ao diagnóstico da infecção pelo HIV, em atendimento aos princípios da equidade e da integralidade da assistência, bem como da universalidade de acesso aos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS”, e para isso, informações corretas e medidas preventivas devem ser propagadas para os cidadãos.20
Para as questões referentes aos meios de transmissão do vírus, verificou-se que os estudantes de medicina apresentaram um grau de acerto variando de 18,2 e 19,4 pontos, ou seja, um excelente nível de conhecimento. Esta situação pode justificar-se pelo fato de a grande parte deles ter recebido orientações sobre cuidados, meios de contágio e de tratamento desde a vida escolar, o que possibilitou - posteriormente ao ingresso na universidade - a união de informações pregressas e das novas noções médicas. Tais resultados corroboram com as pesquisas desenvolvidas, onde a mídia, a internet e as informações fornecidas pelos familiares foram as primeiras fontes de entendimento sobre o tema pelos alunos de medicina, antes de ingressar na faculdade.19 Ademais, pode-se destacar as campanhas publicitárias e a influência midiática como ferramenta de propagação de informações verídicas, podendo os serviços de saúde aproveitarem-se deste meio para auxiliar na conscientização da população.15, 21
Em relação ao sexo vaginal e anal e com múltiplos parceiros sem uso de camisinha, ao recebimento de transfusão de sangue contaminado, ao compartilhamento de agulhas com usuários de drogas injetáveis são meios altamente prováveis de contágio, reconhecidos por mais de 96,41% dos entrevistados. Todavia, identificou-se um elevado número de respostas incorretas no que tange à transmissão pela doação de sangue e por “ter nascido de uma mãe que é portadora do HIV”, fato semelhante ao encontrado em outros estudos.3,15, 22
O elevado índice (96,41%) de estudantes referindo que ser filho de mãe portadora de HIV é provável de transmissão deve ser analisado com cautela. 3,15,21 No Brasil, cerca de 80% das infecções de crianças são decorrentes da transmissão vertical (TV), seja no período intrauterino, no intraparto (ao nascimento) ou pós-parto (na amamentação). Nestes casos, grande parte das mães não possuem conhecimento da sorologia positiva, não foram submetidas aos testes de pesquisa de HIV, não realizaram um pré-natal adequado ou não tinham condições de acesso à profilaxia terapêutica. Tal realidade é vista nos países em desenvolvimento, principalmente. Em contrapartida, caso a gestante e seu filho tenham acesso à terapia antirretroviral (ARV) – desenvolvida desde a década de 90 - as chances de transmissão do HIV são inferiores a 1%. Logo, a TV é provável em casos de não realização da terapia, enquanto é improvável com a adesão aos fármacos ARV, situação que garante o direito à maternidade.2, 23
A doação de sangue ainda é geradora de grandes dúvidas sobre as chances de contaminação de diversas doenças, principalmente em relação ao HIV. Tal fato é extremamente preocupante, pois pode gerar resistência às doações nos hemocentros e nas campanhas de conscientização da sua importância para salvar vidas. Ademais, deve-se considerar o protocolo rígido seguido pelos centros de captação do sangue, visando à anulação das chances de contaminação, como o recrutamento de doadores voluntários e com baixo risco de infecção; realização de testes de HIV (como o teste ELISA) e de outras infecções transmitidas pelo sangue; treinamento dos profissionais de saúde e fornecimento regular dos equipamentos necessários para a coleta. Existe também o Teste anti-HIV, sendo de extrema importância para identificar esse quadro precocemente e evitar situações de risco ao paciente como doador. Logo, é um método bastante elogiado, com eficiência e sem estigmas negativos.3,15,22
Não obstante os alunos tenham apresentado um elevado grau de conhecimento sobre o HIV e a AIDS, a maior parte deles (69,06%; p < 0,001) declarou não estar preparado para atender um paciente com sorologia positiva, podendo-se justificar pela elevada necessidade de competências biopsicossociais para sua realização. Assim, ressalta-se a importância de uma grade curricular mais focada nos aspectos psíquicos e emocionais da AIDS, com o intuito de garantir prática e habilidades profissionais baseadas na confiança, na segurança, no respeito e na empatia no momento do atendimento.12 Vale ainda destacar, que a o aspecto crônico da AIDS demanda uma responsabilidade muito grande pelos profissionais de saúde, necessitando de maestria na comunicação para garantir a adesão ao tratamento, possibilitar a continuidade do exercício da cidadania e uma boa relação médico-paciente.12,18,19,24
Diante disso, verifica-se que a dimensão subjetiva das atitudes e da percepção de risco devem sempre andar em conjunto com conhecimentos técnicos e científicos, com o intuito de formar profissionais capacitados para atender, orientar e cuidar de todos os pacientes que buscarem atendimento nas unidades de saúde.18 Assim, situações antiéticas e não-humanizadas poderão ser evitadas e a verdadeira medicina, ser concretizada.
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