Avaliação do perfil de mulheres atendidas em centros de referência em saúde de Porto Alegre/RS e relação de alterações citológicas detectadas no exame citopatológico e a presença do HPV
Profile evaluation of women that attended reference health centers in Porto Alegre/RS and the relationship between cytological alterations detected in cytopathological examination and presence of HPV
Evaluación del perfil de las mujeres atendidas en los centros de referencia de salud de Porto Alegre / RS y la relación de las alteraciones citológicas detectadas en el examen citopatológico con la presencia de VPH
Avaliação do perfil de mulheres atendidas em centros de referência em saúde de Porto Alegre/RS e relação de alterações citológicas detectadas no exame citopatológico e a presença do HPV
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 10, núm. 1, pp. 72-78, 2020
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 24 Junio 2019
Aprobación: 06 Noviembre 2019
Resumo: Justificativas e Objetivos: Câncer de colo de útero é considerado um problema de saúde pública mundial. Seu diagnóstico é realizado através do exame citopatológico (EC) e seu desenvolvimento relacionado à infecção pelo papilomavírus humano (HPV). Este estudo objetiva avaliar o perfil de mulheres atendidas em centros de referência em saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, assim como a relação de alterações observadas ao EC com presença do HPV. Métodos: Estudo transversal realizado em mulheres atendidas em unidades básicas de saúde e um ambulatório de referência de hospital público terciário, no período de julho de 2014 a janeiro de 2017. Coletaram-se amostras representativas da endo/ectocérvice para realização do EC e investigadas quanto à presença molecular do HPV. Resultados: Foram analisadas 169 mulheres com idade média entre 31 e 40 anos, das quais 125 (74%) informaram que a sexarca ocorreu na faixa de 15-20 anos e 37,9% relatou ter tido de três a cinco parceiros sexuais. Em relação ao EC, 71 (42%) apresentaram resultado negativo para lesão intraepitelial ou malignidade e 98 (58%) alguma anormalidade de células escamosas: 20 (11,8%) atipias; 22 (13%) lesão intraepitelial escamosa de baixo grau e 56 (32,6%) lesão intraepitelial de alto grau (HSIL). Cinquenta (29,6%) apresentaram positividade para HPV, destas 56,4% foram diagnosticadas com HSIL (.<0,01). Conclusão: Os resultados revelam alta frequência de HPV em amostras com alterações citopatológicas, em mulheres jovens e com grau de exposição ao HPV, reforçando a importância do papel da sua identificação precoce na investigação da carcinogênese cervical.
Palavras-chave: Neoplasias do Colo do Útero, Patologia, Papillomaviridae, Teste de Papanicolaou, Reação em Cadeia da Polimerase.
Abstract: Background and Objectives: Cervical cancer is considered a worldwide public health problem. Its diagnosis is made through cytopathological examination and its development related to human papillomavirus (HPV) infection. This study aims to evaluate the profile of women treated at reference health centers in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, as well as the relation of changes observed to cytopathological examination with the presence of HPV. Methods: This is a cross-sectional study carried out in women treated at basic health units and a referral clinic of a public tertiary hospital, from July 2014 to January 2017. Representative samples of the endo/ectocervix were collected to perform the cytopathological examination and investigated for the molecular presence of HPV. Results: 169 women with mean age between 31 and 40 years were analyzed, of whom 125 (74%) reported that the onset of sexual activity occurred in the 15-20 years age group, and 37.9% reported having had three to five sexual partners. In relation to cytopathological examination, 71 (42%) had a negative result for intraepithelial lesion or malignancy and 98 (58%) some squamous cell abnormality: 20 (11.8%) atypical; 22 (13%) low-grade squamous intraepithelial lesion and 56 (32.6%) high-grade intraepithelial lesion (HSIL). Fifty (29.6%) were positive for HPV, of which 56.4% were diagnosed with HSIL (p < 0.01). Conclusion: The results reveal a high frequency of HPV in samples with cytopathological changes, in young women and with a degree of exposure to HPV, reinforcing the importance of the role of its early identification in the investigation of cervical carcinogenesis.
Keywords: Uterine Cervical Neoplasms, Pathology, Papillomaviridae, Papanicolaou Test, Polymerase Chain Reaction.
Resumen: Justificaciones Justificación y objetivos: El cáncer de cuello uterino se considera un problema de salud pública en todo el mundo. Su diagnóstico se realiza a través delmediante el examen citopatológico (EC), y su desarrollo está relacionado con la infección por el virus del papiloma humano (VPH). Este estudio objetivó evaluar el perfil de mujeres atendidas en los centros de referencia en salud de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (Brasil), así como la relación de las alteraciones observadas en el EC con la presencia del VPH. Métodos: Estudio transversal realizado en las mujeres atendidas porque asisten a unidades de atención primaria y en por una clínica ambulatoria de referencia del un hospital público terciario en la ciudad de Porto Alegre, RS, Brasil,, en el período del 07/julio de 2014 a enero de l 01/2017. Se recolectaron muestras representativas de endo/ectocéervice para realizar la CE, que las cuales se clasificaron según el sistema Bethesda, 2014 e y se investigaron la presencia molecular del VPH. Resultados: Analizamos 169 mujeres cuya con promedio de edad promedio oscilaba entre 31 y 40 años, de los las cuales 125/ (74%) informaron que el sexarche ocurrió en el rango de 15-20 años. La mayoría, el (37.,9%) informó haber tenido de 3 a 5 parejas sexuales; y el 37.,3% estaban usando anticonceptivos orales. Con respecto a la ECCE, el 71/ (42%) se clasificaron como negativos para lesión intraepitelial o malignidad; y el 98 (/58%) tenían alguna anormalidad de células escamosas: 20/ (11.,8%) de atipias; 22 (/13.,0%) lesión intraepitelial escamosa de bajo gradoLSIL y 56 (/32,.6%) lesión intraepitelial de alto grado (HSIL) HSIL. La frecuencia de positividad del VPH encontrada fue del 50/ (29.,6%), de estos estas un 56.,4% fueron diagnosticados diagnosticadas con HSIL (. <0.,01). Conclusiones: Estos resultados revelan una alta frecuencia de VPH en muestras con alteraciones citopatológicas presentes en mujeres jóvenes con cierto grado de exposición al VPH, lo que refuerza la importancia del papel de su identificaciónrse tempranamente en la el investigación análisis de la carcinogénesis cervical.
Palabras clave: Neoplasias del Cuello Uterino, . PatologiaPatología, . Papillomaviridae. Prueba de Papanicolaou, . Virus del Papiloma Humano, . Reacción en Cadena de la Polimerasa..
INTRODUÇÃO
O câncer de colo de útero (CCU) é o quarto mais frequente em mulheres em todo o mundo. Na região Sul do Brasil, é o quarto tipo de câncer com maior frequência (15,17/100 mil). Estima-se que em 2020 haverá cerca de 22.211 novos casos no Brasil, que levarão a óbito 10.383 mulheres, e até 2035 cerca de 261.206 novos casos de câncer cervical serão diagnosticados.1,2
O principal agente etiológico para o desenvolvimento do CCU é o papilomavírus humano (HPV), um agente infeccioso transmitido por fômites e contato sexual. Associados ao HPV, vários outros fatores estão envolvidos na carcinogênese cervical, como o início precoce das atividades sexuais, múltiplos parceiros sexuais, número de gestações e tabagismo, evidenciando que a persistência da infecção pelo HPV é uma condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento da neoplasia.1-4
Atualmente, existem mais de uma centena de genótipos do HPV, que diferem em seu tropismo tecidual e em sua oncogenicidade, sendo desta forma classificados em um dos quatro grupos: grupo 1 (carcinogênico para humanos); grupo 2A (provavelmente carcinogênico); grupo 2B (possivelmente carcinogênico); grupo 3 (não classificável); grupo 4 (provavelmente não carcinogênico para humanos).3,5,6
Em 1940, a partir de iniciativas de profissionais, introduziu-se no Brasil o rastreamento do CCU através do exame citopatológico (EC), cujo objetivo é rastrear as lesões intraepiteliais precocemente, com o intuito de diminuir a mortalidade causada pela doença. A qualidade do resultado obtido a partir do EC é extremamente dependente da técnica de execução e experiência na interpretação dos achados morfológicos. Consequentemente, há muitas dificuldades na obtenção de maior sensibilidade pelas discrepâncias intra e interobservador relatadas.1,7,8
A evolução do CCU é lenta, apresentando lesões precursoras benignas, detectáveis e curáveis mesmo em mulheres assintomáticas. Cerca da metade das infecções pelo HPV são indetectáveis no EC até um ano após o contato com o vírus e na maioria das vezes o vírus é eliminado em um período de aproximadamente dois anos sem deixar sequelas e nem manifestar sintomas. Reforçando este entendimento, sabe-se que aproximadamente 34% de todas as lesões intraepiteliais escamosas regridem, 41% persistem, e 25% progridem para lesões escamosas de alto grau. Destas, 10% evoluem para carcinoma in situ e 1% para câncer invasivo. Dessa forma, 75% das lesões intraepiteliais escamosas de todos os graus não progridem.6,8,9
Com o intuito de detectar o HPV e contribuir para a detecção precoce desse tipo de neoplasia, algumas técnicas foram desenvolvidas, entre elas a captura híbrida (CH) e a reação em cadeia da polimerase (PCR). Apesar disso, essas metodologias também apresentam limitações diagnósticas, principalmente a menor especificidade em consequência da impossibilidade de inferir se a infecção é transitória ou persistente, já que se sabe que a persistência do HPV, caracterizada pela detecção em dois ou mais testes, é um pré-requisito para a desenvolvimento de lesões precursoras.10-12
Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, o rastreio de CCU inclui atualmente três abordagens: EC; teste do HPV, que identifica DNA viral em células epiteliais; e avaliação simultânea entre EC e testes de HPV, que verifica a mesma amostra de células tanto para os tipos de HPV de alto risco quanto para as alterações das células cervicais. O EC é utilizado como único método de rastreamento de lesões intraepiteliais em mulheres a partir de 21 anos ou mais em virtude da transitoriedade da infecção pelo HPV e da baixa especificidade do teste de DNA-HPV. Quando detectada alguma alteração celular nesta faixa etária, é indicada a realização do teste de HPV para a elucidação de sua origem. A partir dos 30 anos, a realização de EC concomitantemente ao exame de biologia molecular, procedimento conhecido como co-teste, tem o intuito de aumentar os intervalos de rastreio de até cinco anos para mulheres que não têm HPV e apresentam resultado normal do EC, mesmo que tenham novos parceiros sexuais com segurança.13,14
Embora bastante consolidados em programas internacionais, no Brasil, os testes de DNA-HPV estão sendo estudados como método de rastreamento, pois, apesar de mostrarem-se mais sensíveis que o EC, são menos específicos, levando mais mulheres à colposcopia. Essa limitação pode ser contornada se realizados em mulheres com idade superior a 30 anos. O chamado co-teste parece ser a abordagem mais interessante, na qual somente os resultados positivos para DNA-HPV acompanhados de EC alterado serão encaminhados para colposcopia. Outra indicação ocorre no seguimento pós-tratamento da lesão intraepitelial de alto grau (HSIL), ressaltando que em pacientes com resultado negativo pode-se excluir doença residual, porém o teste positivo não é específico para indicação de doença, mas orienta seguimento periódico por mais tempo.2,14,15
Diante deste cenário, o objetivo deste estudo avaliar o perfil de mulheres atendidas em centros de referência em saúde de Porto Alegre, Rio Grande de Sul, Brasil, assim como a relação de alterações observadas ao EC com a presença do HPV.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, no qual foram avaliadas amostras cervicais de 169 mulheres atendidas em unidades básicas de saúde e ambulatório de referência de hospital público terciário no município de Porto Alegre, no período de julho de 2014 a janeiro de 2017.
Após concordarem em participar do estudo por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), as mulheres responderam a um questionário considerando os aspectos sociodemográficos, comportamentais e clínicos e, em seguida, foram submetidas à coleta de duas amostras representativas da junção escamo-colunar (JEC). Uma das amostras foi colocada sobre uma lâmina de vidro para a realização do EC e a segunda foi armazenada em um kit de meio líquido (Digene DNA com PAP® – DNA Collection Device – HC2 HPV; Qiagen, EUA) para análise molecular de DNA-HPV. Os critérios de exclusão foram gravidez ou outras alterações que comprometiam a qualidade da amostra como hemorragia e ou leucorreia intensa.
Os EC foram realizados conforme descrito por Papanicolaou. A microscopia foi realizada por dois citologistas independentes para avaliar as alterações celulares e nucleares, as quais foram interpretadas e classificadas ,de acordo com o sistema Bethesda 2014, em: negativas, para lesão intraepitelial ou malignidade (NLIM); atipia de significado indeterminado possivelmente não neoplásicas (Ascus) e atipia de significado indeterminado, não podendo excluir lesão intraepitelial de alto grau (ASCH); alterações citopatológicas, que incluem lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL) e lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL).15,16
A detecção molecular ocorreu a partir da extração dos ácidos nucleicos utilizando TRIzol (Invitrogen), conforme descrito pelo fabricante. Posteriormente, foi realizado teste qualitativo por meio da técnica de reverse transcription polimerase chain reaction (RT-PCR), para detecção simultânea de HPV de diferentes grupos carcinogênicos nas amostras mediante a amplificação da região L1 do genoma viral utilizando os iniciadores MY09/11 e GP5+/6+.10,17Como controle da qualidade da coleta das amostras e extração de ácidos nucleicos, foi amplificado também o gene de β-actina.18 Somente amostras positivas para o gene controle foram encaminhadas para triagem de HPV. Finalmente, fragmentos de 450 pares de base para o MY09/11 e 150 pares de base para GP5+/6+ foram visualizados em gel de agarose 2%. A presença de positividade em uma das reações já foi considerada como positiva para a pesquisa de HPV.10,17,18
A pesquisa atendeu a todas as recomendações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovada pelo Comitê de Ética Humana da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre e Hospital de Clínicas de Porto Alegre sob pareceres nº 708.354; 781.338 e 1.472.443 (CAAE 18868514.1.0000.5347 ).
Para a análise estatística, foi utilizado o software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 20.0. As variáveis qualitativas foram descritas como médias e desvio-padrão e comparadas pelo teste exato de Fischer. A associação entre variáveis foi avaliada pelo coeficiente de correlação de Pearson, onde o intervalo de confiança foi estabelecido em 95% (.<0,05).
RESULTADOS
Participaram da pesquisa 169 mulheres, com idade média de 40 (± 13) anos, que tiveram a primeira relação sexual aos 16,7 (± 2, 83) anos. Desse total, 129 (76,3%) já haviam engravidado anteriormente, 118 (69,8%) tinham histórico de uso de contraceptivos, 20 (11,8%) possuíam histórico de infecções sexualmente transmissíveis (IST), 103 (60,9%) eram casadas ou com relação estável, 45 (26,6%) eram fumantes, 140 (82,8%) tinham cursado o ensino fundamental/médio e 41 (24,2%) relataram mais de dez parceiros sexuais até o momento da entrevista. As variáveis sociodemográficas e clínicas estão apresentadas na Tabela 1.

O resultado do EC, obtido a partir da análise de 169 amostras ectocervicais e endocervicais, é representado, de acordo com sistema Bethesda 2014, na Figura 1. Das amostras incluídas no estudo, 71 (42%) mulheres apresentaram EC negativo (NLIM), 98 (58%) alguma alteração citológica: sendo 20 (11,8%) atipias, 22 (13%) LSIL e 56 (33,2%) HSIL (Tabela 2).

Das 169 amostras, 50 (29,6%) foram positivas para o HPV. Esse resultado, quando correlacionado ao diagnóstico do EC (Tabela 2), demonstra que 3 (4,2%) não apresentam alterações atípicas ou lesões precursoras, 6 (30%) possuem o diagnóstico de atipias escamosas, 9 (38,1%) apresentam lesão intraepitelial escamosa de baixo grau e 32 (56,4%) possuem lesão intraepitelial escamosa de alto grau. A associação entre as variáveis foi estatisticamente significativa, indicando que, quando há positividade para HPV, em torno de 94% das análises citopatológicas possuem alguma alteração celular e 6% são classificadas como NLIM.

DISCUSSÃO
O presente estudo buscou avaliar o perfil das mulheres atendidas em UBS e serviços de rastreamento de câncer cervical, bem como uma eventual relação das alterações citopatológicas observadas no EC com a presença do HPV, buscando, desta forma, ampliar o entendimento da carcinogênese cervical.
A partir da interpretação das características sociodemográficas, comportamentais e clínicas das pacientes, observamos a maioria das mulheres se concentrou no extrato entre 31 e 40 anos de idade, embora uma distribuição homogênea entre as diferentes faixas etárias também tenha sido notada. O número maior de pacientes com idade a partir dos 30 anos (>68%) deve-se provavelmente ao fato deste trabalho englobar também mulheres já em investigação de lesões no colo uterino, o que desloca a média de idade, corroborando a associação significativa (.<0,05) com o diagnóstico de atipias e lesões precursoras encontradas em mulheres com idade maior que 50 anos.
Em relação ao nível de escolaridade observado, nossos dados estão de acordo com estudos já publicados sobre a população sul brasileira, nos quais a baixa e média escolaridade estavam associados a lesões precursoras de CCU. Esse aspecto ressalta que uma parcela importante da população não tem acesso às informações básicas relacionadas aos cuidados em saúde nem participa de programas de saúde da mulher.9,19
Da mesma forma, observamos uma frequência considerável de tabagistas, pois 29% delas possuíam alguma atipia ou lesão precursora (.<0,01). Esse resultado corrobora diversos estudos que reforçam a importante relação entre tabagismo e persistência do HPV, levando ao desenvolvimento das lesões precursoras de CCU.9,12
Outro dado importante refere-se à sexarca, pois 125 (74%) mulheres incluídas encontravam-se na faixa que teve sua primeira relação sexual com 15-20 anos de idade, destas, 70 (56%) possuíam alguma atipia no EC, e tal variável é considerada um fator importante para o desenvolvimento de neoplasias cervicais. Vários trabalhos indicam que o início precoce da atividade sexual contribui para o aumento das IST, como, por exemplo, o HPV, pela maior oportunidade de múltiplos parceiros ao longo da vida. Reforçando esta associação, pesquisas descreveram que este período da puberdade permite maior vulnerabilidade biológica a infecção pelo HPV em decorrência da exposição da junção escamo-colunar, também conhecida como zona de transformação cervical.6,12,19,20
Complementarmente a este dado, observou-se que o número de parceiros sexuais, quando correlacionado com a positividade para HPV, apresentou associação estatisticamente significativa nas categorias de 6-10 e 11-15 parceiros. Isto reforça resultados publicados, que observaram uma tendência de início precoce da atividade sexual e a importância desempenhada por parceiros múltiplos, já atribuída à grande prevalência de CCU, nos países em desenvolvimento.9,14 Ainda, 54 (32,0%) participantes já possuíram infecção prévia por HPV.
Já no EC, 44% possuíam alguma atipia ou lesão precursora na amostra coletada (.<0,01). Este resultado corrobora os dados apresentados anteriormente, indicando que a sexarca precoce e a multiplicidade de parceiros sexuais são fatores de risco muito significativos tanto para carcinoma de células escamosas quanto para adenocarcinomas.
A partir do EC, dentre as 169 amostras, apenas 71 (42%), foram diagnosticadas como NLIM. Este resultado engloba, além de amostras completamente normais, alterações celulares benignas (ativas ou reparativas), geralmente resultantes da ação de agentes físicos, os quais podem ser radioativos, mecânicos ou térmicos e químicos, como medicamentos abrasivos ou cáusticos e quimioterápicos, bem como a acidez vaginal sobre o epitélio8.
A frequência de alterações citopatológicas encontrada foi de 98 (58,0%), classificadas em: 20 (11,8%) atipias; 22 (13%) LSIL e 56 (33,2%) HSIL. Esses achados são interessantes pelo alto índice de alterações escamosas, porém deve-se considerar que este estudo abrangeu também mulheres já em investigação de lesões no colo uterino, o que provavelmente contribuiu para o aumento da frequência de atipias e lesões precursoras.19,21
Já a prevalência de DNA-HPV foi de 50 (29,6%). De acordo com uma revisão sistemática sobre a prevalência no Brasil, a prevalência geral de infecção do colo do útero pelo HPV variou entre 13,7% e 54,3%. Alguns autores detectaram no Rio Grande do Sul a prevalência de 15,5%, em 2007, no Hospital das Clínicas de Porto Alegre; 27,5%, em 2009, em ambulatórios de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário de Rio Grande; 18,2%, em 2013, em Ambulatórios de Ginecologia e Obstetrícia e em uma unidade básica de saúde (UBS) em Rio Grande; 15,7%, em 2013, em UBS em Cruz Alta; e 20,7%, em 2016, em unidade médica privada em Carazinho. Esses dados consideraram pacientes com características semelhantes às observadas em nossa amostra, já que incluíram mulheres em investigação em serviços de referência.9,19,22-25
Quando correlacionamos as amostras positivas para HPV e o seu diagnóstico do EC (Tabela 2), verifica-se que 3 (4,2%) não apresentam alterações atípicas ou lesões precursoras, 6 (30%) possuem o diagnóstico de atipias escamosas, 9 (38,1%) apresentam lesão intraepitelial escamosa de baixo grau e 32 (56,4%) possuem lesão intraepitelial escamosa de alto grau. Estes dados demonstram que a detecção de HPV é, predominantemente, concomitante à detecção de lesões precursoras no EC, tento em vista a correlação estatística encontrada (.<0,05). Corroborando a evolução da infecção viral, na qual o HPV se integra às células do hospedeiro, que acumula diversas mutações, predispondo-as ao desenvolvimento de lesões precursoras do CCU.2,5,11,13 De acordo com um trabalho de 2010, estudos que incluem apenas mulheres relacionadas a unidades de saúde apresentam número aumentados de citologia anormal, por apresentarem alterações prévias ou queixas clínicas, em comparação a prevalência da infecção na população geral.22
É importante considerar este estudo apresenta limitações, como tamanho amostral e a não associação com o diagnóstico histopatológico, considerado o padrão ouro. Outro aspecto importante foi a não genotipagem do HPV, o que proporcionaria a identificação dos principais tipos virais presentes nestas amostras, permitindo avanço no entendimento da epidemiologia local5.
O avanço das tecnologias tem contribuído para agregar melhorias aos programas de rastreamento, assim como a detecção do DNA de HPV, que já tem sua importância comprovada e, conforme instruções e utilização em países desenvolvidos, pode ser considerado no futuro para inclusão em programas de rastreamento em países em desenvolvimento, já que esses fatores estão ligados ao diagnóstico precoce de pacientes com lesões precursoras do CCU.
Este estudo, realizado em serviços de referência, registrou alta frequência e persistência do HPV, em virtude da associação com alterações citopatológicas, o que reforça a importância da identificação deste agente na investigação da carcinogênese cervical.
Agradecimentos
Este estudo foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) (PPSUS 1154-2551/13-1). Aline Daniele Schuster agradece à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela bolsa de doutorado, e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCF/UFRGS).
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