Uso de microrganismos de efluente industrial no controle biológico de vetores
Uso de microorganismos de efluentes industriales en el control biológico de vectores
Use of industrial effluent microorganisms in biological vector control
Uso de microrganismos de efluente industrial no controle biológico de vetores
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 10, núm. 2, pp. 106-112, 2020
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 27 Septiembre 2019
Aprobación: 12 Mayo 2020
Resumo: Justificativa e Objetivos: a utilização de microrganismos como controle biológico de vetores sanitários pode ser considerada uma prática menos agressiva ao ambiente, em comparação com os produtos químicos utilizados. O presente estudo avaliou a eficiência de suspensões celulares de fungos e bactérias isolados de efluentes industriais têxteis no controle sanitário dos vetores naturais Aedes aegypti . Dermacentor nitens como alternativa sustentável de controle biológico. Métodos: foram avaliadas sete linhagens de fungos e seis de bactérias. Os isolados foram cultivados em caldo nutriente e caldo de batata, para bactérias e fungos, respectivamente. Alíquotas de 2 mL de cada suspensão microbiana foram adicionadas diretamente nas larvas dos mosquitos e nos carrapatos adultos. Foram analisadas alterações de movimentação e paralisação dos vetores em diferentes tempos de exposição entre zero e 20 minutos e três e 24 horas. Resultados: duas bactérias e um fungo promoveram uma desaceleração dos movimentos e/ou um aumento da movimentação dos ectoparasitas logo após a administração. Dois isolados bacterianos promoveram a paralisação dos movimentos de uma larva do mosquito Aedes aegypti em seu primeiro estágio de desenvolvimento, enquanto que um fungo provocou aumento da movimentação das larvas em seu estágio de desenvolvimento mais avançado. Conclusão: os microrganismos mostraram potencial uso no controle de vetores sanitários. Testes subsequentes de atividade dos possíveis metabólitos secundários produzidos e das formas de administração das culturas microbianas serão executados. Os resultados encontrados encorajam futuros estudos de otimização e caracterização dos extratos celulares, os quais poderão ser utilizados como ferramenta sustentável no controle biológico.
Palavras-chave: Biocontrole, Efluentes Industriais, Aedes aegypti, Carrapato.
Resumen: Justificación y objetivos: el uso de microorganismos como control biológico de vectores sanitarios puede considerarse una práctica menos agresiva para el medio ambiente en comparación con los productos químicos utilizados. El presente estudio evaluó la eficiencia de las suspensiones de células fúngicas y bacterianas de efluentes industriales textiles en el control sanitario de los vectores Aedes aegypti y Dermacentor nitens como una alternativa sostenible para el control biológico. Métodos: evaluaron siete hongos y seis de bacterias. Los aislamientos se cultivaron en medio de cultivo, caldo nutrientes y de papa para bacterias y hongos, respectivamente. Se agregaron alícuotas de 2 mL de cada suspensión microbiana directamente a las larvas de mosquito y las garrapatas adultas. Analizaron los cambios en el movimiento y la parálisis de los vectores a diferentes tiempos de exposición entre cero y 20 minutos y tres y 24 horas. Resultados: dos bacterias y un hongo causaron una reducido el movimiento y/o aumentó el movimiento del ectoparásito poco después de la administración. Dos bacterias paralizaron los movimientos de las larvas de un mosquito en su primera etapa de desarrollo y un hongo causó un mayor movimiento de las larvas en su etapa posterior de desarrollo. Conclusión: los microorganismos mostraron uso potencial como control de vectores sanitarios. Se realizarán pruebas de actividad de los posibles metabolitos secundarios producidos y las formas de administración de los cultivos microbianos. Los resultados fomentan más estudios de optimización y caracterización de extractos celulares, que pueden utilizarse como herramienta sostenible en el control biológico.
Palabras clave: Biocontrol, Efluentes Industriales, Aedes aegypti, Garrapatas.
Abstract: Background and Objectives: the use of microorganisms as biological control of health vectors can be considered aless aggressive practice to the environment, in comparison with the chemicals used. The present study evaluated theefficiency of cell suspensions of fungi and bacteria isolated from industrial textile effluents in the sanitary control of the natural vectors Aedes aegypti and Dermacentor nitens as a sustainable alternative for biological control. Methods:seven fungi and six bacteria strains were evaluated. The isolates were grown in nutrient broth and potato broth, forbacteria and fungi, respectively. 2 mL aliquots of each microbial suspension were added directly to mosquito larvaeand adult ticks. Changes in movement and paralysis of vectors at different exposure times between zero and 20 minutesand three and 24 hours were analyzed. Results: two bacteria and a fungus promoted a slowdown in movementand / or an increase in the movement of ectoparasites shortly after administration. Two bacterial isolates caused themovement of a larva of the Aedes aegypti mosquito to stop in its first stage of development, while a fungus causedincreased movement of the larvae in their most advanced stage of development. Conclusion: the microorganismsshowed potential use in the control of health vectors. Subsequent activity tests of the possible secondary metabolitesproduced and the ways of administering the microbial cultures will be performed. The results found encourage futurestudies of optimization and characterization of cell extracts, which can be used as a sustainable tool in biological control.
Keywords: Biocontrol, Industrial effluents, Aedes aegypti, Tick.
INTRODUÇÃO
O controle sanitário de doenças transmitidas por vetores representa um problema para a humanidade, sendo uma das principais causas de morbidades na população. Diversos fatores podem interferir na exposição de um indivíduo a estes vetores, como a distribuição geográfica, social e cultural, os níveis educacionais da população e até mesmo as características climáticas da região1. Dentre os vetores de maior importância econômica para o Brasil, encontram-se os mosquitos do gênero Aedes (principalmente as espécies Aedes aegypti . Aedes albopictus) e carrapatos das espécies Amblyomma cajennense, Amblyomma aurealatum, Amblyomma dubitatum e Dermacentor nitens.
O Aedes aegypti é uma das espécies de maior importância epidemiológica na transmissão de arboviroses graves, como Dengue, Zika, Chikungunya e Febre Amarela nos ambientes urbanos2. As arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti não apenas atingiram a população brasileira, mas também têm demonstrado crescimento gradual ao longo dos anos. Segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, entre 2018 e 2019 foram confirmados 596.381 casos de Dengue, dos quais 366 resultaram em óbitos, e 38.022 casos de Chikungunya, que resultaram em 15 óbitos, sendo registrados 1.127.244 casos prováveis de dengue no Brasil. Em comparação ao mesmo período de 2018, 170.628 casos prováveis foram registrados, um aumento de 85% de 2018 para 2019. No estado do Paraná, foram confirmados 25 casos de Dengue (2 óbitos) no ano de 2018, enquanto que, no ano de 2019, foram confirmados 351 casos (21 óbitos), mostrando um aumento expressivo de 92,9% nos casos da doença no período de um ano3.
Espécies de carrapatos podem transmitir o mesmo número ou até mais patógenos do que qualquer outro grupo de artrópodes, os quais se alimentam de sangue de humanos e animais4. Espécies de Dermacentor nitens (carrapato-da-orelha-do-cavalo) se caracterizam por acometer principalmente os equinos, podendo, ocasionalmente, parasitar outros animais como bovinos e ovinos5. Esses vetores carregam consigo bactérias da espécie Babesia caballi, agente causador da Babesiose equina. Essa enfermidade ocasiona, nos equinos, febre, anemia, icterícia, hepatomegalia e perda de peso, levando à queda no desempenho dos animais e ocasionando prejuízo econômico aos criadores.6,7 No que diz respeito à saúde pública, infestações humanas por espécies de Dermacentor nitens são incomuns; entretanto, já foi relatada a presença de bactérias patogênicas, como Rickettsia rickettsii (causadora da febre maculosa) e Borrelia burgdorferi (causadora da Doença de Lyme em humanos), nessa espécie de carrapato, sendo que Borrelia burgdorferi foi encontrada em espécies de Dermacentor nitens no estado do Paraná8.
As metodologias empregadas no controle dos mosquitos transmissores dessas doenças de importância sanitária, geralmente, são químicas, através de inseticidas e larvicidas, mas também podem ser mediadas por controle mecânico, onde as principais atividades envolvem a proteção, a destruição ou a destinação adequada de criadouros, a drenagem de reservatórios, bem como a instalação de telas em portas e janelas. Por ser um país em desenvolvimento e com clima predominantemente tropical, a multiplicação e propagação dos insetos é favorecida, e os métodos comuns de controle sanitário possuem baixa sustentabilidade, principalmente em longo prazo9. Assim como para controle de mosquitos, o método mais empregado no combate aos carrapatos que acometem os equídeos é o uso de produtos químicos. Entretanto, devido às particularidades de cada espécie de carrapato, deve-se dar atenção aos diferentes métodos de controle e períodos de tratamento7.
Métodos de controle biológicos utilizam predadores ou patógenos com potencial para reduzir a população vetorial.10 Entre as alternativas disponíveis de patógenos, são utilizadas bactérias, fungos, ou parasitas, que podem liberar toxinas, como no caso do Bacillus thuringiensis, que possui ação larvicida9. Esse isolado bacteriano, por mais que consiga uma ação eficaz na redução do número de Aedes imaturos nos recipientes tratados em curto prazo, não teve sua ação efetivamente comprovada na redução da morbidade da dengue em longo prazo.9,11 Trabalhos na literatura vêm demonstrando um grande potencial no controle de vetores utilizando microrganismos. A eficácia de bactérias das espécies Xenorhabdus indica, X. stockiae. Photorhabdus hainanensis no controle de mosquitos Aedes aegypti foi provada através da morte das larvas proporcionada pela exposição às bactérias.12 No mesmo contexto, pesquisadores avaliaram o efeito do fungo Metarhizium anisopliae em larvas do mosquito Aedes aegypti em seu segundo estágio larval (L2), com mortalidade variando de 10 a 100%.13
No controle biológico empregado contra carrapatos, linhagens de fungos entomopatogênicos podem ser avaliadas quanto à capacidade de provocar interrupção no ciclo de vida de diversos insetos e aracnídeos.14 Autores demonstraram a patogenicidade dos fungos Beauveria bassiana contra ácaros da espécie Tetranychus urticae.15 De maneira similar, resultados positivos de fungos da espécie Beauveria bassiana . Metarhizium anisopliae já foram demonstrados no controle de carrapatos da espécie Dermacentor nitens14
Nesse sentido, a busca por novos compostos para uso como biocontrole se faz necessária. Assim, ambientes, como efluentes de estações de tratamento de Indústria Têxtil, podem ser considerados ambientes promissores na busca por esses compostos, visto que apresentam características únicas, como grande quantidade de sólidos suspensos, alta demanda de oxigênio e compostos orgânicos, gerando um ambiente de temperatura elevada e propício para proliferação de uma grande carga microbiana adaptada a essas condições extremas.16,17 Desta forma, o presente trabalho buscou avaliar o potencial biotecnológico de suspensões celulares de fungos e bactérias isoladas de efluente industrial têxtil quanto à capacidade de serem utilizadas como ferramentas biológicas sustentáveis no controle de vetores de importância sanitária.
MÉTODOS
Os carrapatos da espécie Dermacentor nitens foram fornecidos, gentilmente, pelo médico veterinário Cléber Cardeal (UDC) proveniente de equinos de uma propriedade privada. Os ovos da postura de Aedes aegypti foram fornecidos pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Foz do Iguaçu, coletados em armadilhas estratégicas “ovitrap”18 dispostas pelo município, produzidas com palhetas de madeira Eucatex, às quais os ovos ficam presos.
Os microrganismos preservados em glicerol 20% a -20ºC, previamente isolados de resíduos da Indústria Têxtil, foram reativados em placas de Petri com os meios de cultivo: a) reativação de bactérias: nutriente ágar (NA) adaptado, composto por 2 g L-1 de peptona de carne, 3 g L-1 de peptona e 15 g L-1 de ágar bacteriológico; b) reativação de fungos: batata dextrose ágar (BDA), composto por 5 g L-1 de glicose, 200 g de batatas cortadas previamente fervidas e 15 g L-1 de ágar. Os mesmos meios de cultivos em caldo foram utilizados para o crescimento microbiano em frascos Erlenmeyer de 50 mL para realização dos testes de atividade frente aos vetores. As placas foram incubadas em estufa bacteriológica a 37ºC (bactérias por 2 dias) e a 28ºC (fungos por 7 dias). Os meios líquidos foram incubados sob as mesmas temperaturas, a 150 rpm em shaker.
Para avaliação dos efeitos das culturas microbianas em larvas em primeiro estádio de desenvolvimento (L1), foi realizada a eclosão dos ovos de maneira monitorada para sincronização dos testes. Para isso, palhetas de Eucatex contendo os ovos do mosquito foram dispostas em béquer de 500 mL contendo água comum, de maneira que a palheta ficasse em pé e os ovos completamente imersos em água. Após 3 a 4 horas, os ovos eclodiram, e foi possível visualizar a olho nu pequenas larvas se movimentando na água, se acumulando no fundo do béquer (Figura 1). Após a liberação das larvas, foram adicionados farelos de ração animal ao mesmo béquer, com a finalidade de fornecer nutrição às larvas durante os períodos de teste, eliminando o viés de morte por falta de alimento. Para que se evitasse a evasão de mosquitos que, ocasionalmente, pudessem evoluir de larvas até estágios adultos, foi elaborado um sistema de contenção dos mosquitos composto de uma caixa de plástico com tela na tampa.

Os experimentos de exposição das culturas celulares aos vetores foram realizados de acordo com Vitta et al, 201812, com modificações. Os vetores foram transferidos para placas de Petri de vidro, separadamente, sendo quatro carrapatos de Dermacentor nitens (Figura 2) e 5 larvas de Aedes aegypti em primeiro estádio (L1) (cerca de 1 mL da água onde os ovos eclodiram foi adicionado à placa de Petri). Foram adicionados 2 mL de cada suspensão microbiana sobre os vetores. Foram analisadas alterações de movimentação dos vetores sob os tempos de exposição: zero minuto, 20 minutos, 3 e 24 horas. Um teste adicional foi realizado, expondo larvas de Aedes aegypti em estádio mais avançado (L4). Placas de Petri contendo o mesmo número de vetores e água destilada foram utilizadas como controles. Os experimentos foram realizados em duplicatas.

RESULTADOS
Os resultados encontrados após avaliação da atividade biocida utilizando isolados microbianos contra carrapatos da espécie Dermacentor nitens estão apresentados na Tabela 1.

II Desaceleração dos movimentos dos carrapatos no momento da aplicação da cultura;
III Breve aumento de movimentação dos carrapatos quando em contato com a cultura;
IV Notável aumento da movimentação dos carrapatos quando em contato com acultura;
V Os carrapatos apresentaram movimentação menor do que a apresentada no tempoanterior e menor que o controle;
VI Diminuição acentuada dos movimentos. Os carrapatos praticamente tornaram-seimóveis frente ao tempo anterior, e ao controle;
VII Os carrapatos permaneceram com a mesma intensidade de movimentação dotempo anterior, sendo semelhantes ao controle;
VIII Todos os carrapatos permaneceram imóveis;
*as células do fungo em cultura, visivelmente, se aderiram às patas dos carrapatos.
Os experimentos de atividade carrapaticida frente às suspensões microbianas testadas foram positivos (com exceção dos isolados ITB 12, ITB 16 e ITF 17), pois os carrapatos ficaram imóveis durante todo o experimento. Os melhores resultados observados foram os extratos celulares de duas bactérias (ITB 01 e ITB 05), pois, logo após a aplicação da suspensão microbiana, houve uma mudança abrupta no movimento dos carrapatos, sendo que o extrato ITB 01 promoveu um notável aumento da movimentação e o extrato ITB 05 promoveu uma desaceleração dos movimentos dos carrapatos. Logo em seguida, houve paralisação completa dos movimentos de todos os carrapatos. Os extratos ITF 02 (Penicillium sp.), ITF 03 e ITF 04 também mostraram resultados relevantes, com um breve aumento da movimentação logo após a aplicação da suspensão. Por outro lado, ao observar a suspensão ITF 03, notou-se que células do fungo se aderiram às patas dos carrapatos. Para os demais isolados, os resultados foram considerados negativos. Os carrapatos submetidos a teste controle com água destilada não apresentaram alteração de movimentação até o tempo “20 minutos”, e a partir do tempo “3 horas”, houve diminuição elevada das movimentações, diminuindo progressivamente até o tempo de 24 horas. Após 24 horas, a maioria (90%) dos carrapatos deixaram de se movimentar, e aqueles que sobreviveram apresentaram drástica redução da movimentação.
Os resultados dos testes de exposição de larvas de Aedes aegypti em primeiro estádio de desenvolvimento (L1) e estágio tardio (L4) frente às culturas microbianas se encontram na Tabela 2. Foi avaliada a diminuição ou aumento da movimentação larval, em comparação com a placa controle contendo água destilada, a qual foi analisada como comparativo para cada tempo.

II As larvas apresentaram diminuição da movimentação, sendo ligeiramente menor doque a apresentada no tempo anterior e no controle;
III As larvas mantiveram a intensidade de movimentação do tempo anterior;
IV 01 larva apresentou paralisação dos movimentos. As demais mantiveram a mesmaintensidade de movimentação do tempo anterior;
V 01 larva tornou-se praticamente imóvel. As demais mantiveram a mesmamovimentação apresentada no tempo anterior;
VI 01 larva apresentou paralisação dos movimentos. As demais apresentaram brevediminuição da movimentação, sendo menor que a apresentada no tempo anterior eligeiramente menor que o controle;
VII 02 larvas diminuíram significativamente seus movimentos, em comparação aocontrole. As demais mantiveram a mesma movimentação apresentada no tempoanterior;
VIII As larvas apresentaram aumento da intensidade de movimentação, comparadasao controle;
IX As larvas diminuíram a intensidade de movimentação quando comparadas ao tempo anterior, sendo semelhantes ao controle;
X As larvas mantiveram a intensidade de movimentação do tempo anterior, sendo maior do que o controle para este tempo.
Os experimentos de atividade larvicida, avaliados frente às suspensões microbianas testadas, foram positivos, tendo em vista que todos os isolados avaliados apresentaram atividades frente às larvas de Aedes aegypti. Os melhores resultados foram observados com as suspensões dos isolados ITB 12 e ITF 15, que promoveram paralisação da movimentação de ao menos uma larva (20%), em comparação com o controle (água), a partir de 20 minutos de teste. A suspensão do isolado ITB 16 promoveu diminuição significativa dos movimentos de duas larvas (40%) após 20 minutos e 3 horas de avaliação. Já a suspensão do isolado ITF 17, provocou aumento da velocidade de movimentação das larvas, observada imediatamente após a administração da suspensão microbiana.
Suspensões microbianas foram testadas contra larvas de Aedes aegypti em estágio mais avançado (após 3 dias de eclosão dos ovos), possivelmente em estágio L4 de desenvolvimento larval, com características morfológicas mais desenvolvidas. Nesse estágio, estruturas de cabeça, tórax e abdômen são mais visíveis e é possível notar o sifão responsável pela respiração na superfície aquosa.20 Os resultados mostraram um aumento da intensidade de movimentação das larvas logo após a adição da suspensão microbiano do isolado ITF 34 (Tabela 2).
DISCUSSÃO
Relatos na literatura têm demonstrado o potencial da utilização de microrganismos, como bactérias e fungos, como agentes produtores de compostos que interferem no ciclo de vida de mosquitos, incluindo da espécie Aedes aegypti,19, bem como utilização microbiana contra espécies de carrapatos de importância epidemiológica, como os causadores de febre maculosa.20 Entretanto, relatos com a utilização de agentes microbianos isolados de efluentes industriais, com potencial utilização contra carrapatos de importância econômica para a criação de cavalos de recreação e/ou atividades esportivas como os da espécie Dermacentor nitens, são bem raros. Por outro lado, o uso de microrganismos recuperados de amostras de efluentes industriais têxteis, os quais podem estar adaptados às condições relativamente estressantes, como ferramentas biológicas para o controle de vetores sanitários (Aedes aegypti . Dermacentor nitens), ainda é inédito.
O efeito das culturas fúngicas sobre os carrapatos pode ter sido proporcionado pela adesão e desenvolvimento de hifas dos fungos no tegumento, de maneira semelhante à atuação de fungos entomopatogênicos.21 Neste trabalho, os autores reportaram que o fungo invadiu o hospedeiro por colonização difusa, não apresentando uma preferência por tecidos específicos do hospedeiro, com rompimento da parede intestinal e vazamento do conteúdo para a hemocele. No mesmo trabalho, a morte do hospedeiro foi detectada entre 4 e 5 dias de infecção. Três bactérias (ITB 01, 04 e 05) e três fungos (ITF 02, 03 e 04) foram capazes de paralisar totalmente os quatro carrapatos após 3 horas de exposição às suspensões microbianas, demonstrando o potencial desses microrganismos para o controle de vetores como carrapatos, entre eles, os da espécie Dermacentor nitens.
Os testes com os isolados ITB 12, ITB 16 e ITF 17 foram realizados com um lote de carrapatos que já apresentavam velocidade de movimentação reduzida, o que, possivelmente, influenciou os resultados. Desta forma, para esses isolados microbianos, os resultados foram desconsiderados, uma vez que os aracnídeos estavam possivelmente estressados devido aos processos de coleta e acondicionamento até o momento do teste.
Resultados laboratoriais indicam que bactérias podem apresentar ferramentas de patogenia contra carrapatos. Entretanto, seu modo de ação e seu valor como potenciais agentes de biocontrole ainda precisam ser determinados.22 Assim, nossos resultados encorajam novos estudos com a utilização de bactérias ambientais e seus metabólitos no controle de carrapatos de importância sanitária, epidemiológica e econômica, principalmente após os promissores resultados alcançados com as linhagens bacterianas, que apresentaram ação carrapaticida após 3 horas de contato dos vetores.
A ação carrapaticida pode ter ocorrido tanto pelo contato dos compostos produzidos pelos microrganismos e secretados no meio quanto pela ação direta das células microbianas no metabolismo dos carrapatos. Assim, novos experimentos são necessários para determinar se os isolados microbianos são produtores de metabólitos secundários com ação carrapaticida ou se as próprias células microbianas produzem efeito contra esses aracnídeos, para, então, definir qual a melhor estratégia na utilização desses microrganismos como agentes candidatos para controle biológico contra espécies de carrapatos.
Foi demonstrado que existem alternativas sustentáveis para o controle biológico de vetores responsáveis por doenças de grande impacto epidemiológico e que acometem milhares de pessoas no Brasil, como a Dengue, Zika, Chikungunya e Febre Amarela. A ação larvicida das suspensões microbianas sobre as larvas do mosquito Aedes aegypti foi observada pela redução da velocidade de movimentação dos vetores ao entrarem em contato com as suspensões, que, possivelmente, contêm compostos de ação tóxica para os vetores. Essa toxicidade pode ser causada, principalmente, por via oral em estágios imaturos das larvas, mecanismo também reportado em 201812, o qual foi denominado como toxicidade oral por ingestão; neste caso, realizado pela ingestão das células microbianas pelas larvas do mosquito Aedes aegypti e não pelo contato de um composto químico. Outra possível ação seria a interferência das reações químicas normais do sistema nervoso, incapacitando a movimentação normal do vetor, representando um mecanismo de ação semelhante a compostos das classes dos organofosforados, carbamatos e piretróides.11 Esta hipótese poderia explicar o motivo pelo qual algumas suspensões microbianas testadas provocaram aumento da movimentação do vetor após o contato, sugerindo que houve um desequilíbrio químico no sistema nervoso do vetor pelo aumento de descargas elétricas.23 Assim, é possível inferir que o composto presente na suspensão microbiana pode retardar seu desenvolvimento, impedindo que essas venham a se tornar vetores ativos.
As triagens realizadas mostraram o potencial de extratos celulares microbianos para o controle biológico de vetores de interesse epidemiológico. Estudos adicionais devem ser realizados objetivando definir a temperatura de atividade, a efetividade no controle dos ectoparasitas em outros estágios do ciclo celular das larvas e dos carrapatos e as formas de administração dos extratos microbianos com maior eficiência no combate aos os vetores estudados. Deste modo, os microrganismos avaliados no presente estudo se mostraram potenciais candidatos para utilização em um futuro próximo como ferramentas biológicas no controle de vetores de importância sanitária. Os resultados encontrados em nosso trabalho mostram que microrganismos derivados de efluentes industriais possuem grande potencial para serem utilizados como agentes para o combate a vetores de importância sanitária, incluindo mosquitos e carrapatos, como alternativa sustentável ao uso de compostos químicos.
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