Análise do consumo de antimicrobianos e infecções relacionadas à assistência à saúde após implantação de um programa de gestão de antimicrobianos em unidade de tratamento intensivo neonatal do Rio de Janeiro

Analysis of antimicrobial consumption and healthcare-associated infections after an antimicrobial stewardship program implantation in neonatal intensive care of Rio de Janeiro

Análisis del consumo de antimicrobianos y las infecciones asociadas a la atención de la salud después de la implantación de un programa de administración de antimicrobianos en cuidados intensivos neonatales de Río de Janeiro

André Ricardo Araujo da Silva
Universidade Federal FluminenseBrasil
Andrea Teixeira de Almeida
Universidade Federal FluminenseBrasil
Isabella Velasco Arantes
Universidade Federal FluminenseBrasil
João Victor Mendes de Oliveira
Universidade Federal FluminenseBrasil
Lucas Torres Schwarzer
Universidade Federal FluminenseBrasil

Análise do consumo de antimicrobianos e infecções relacionadas à assistência à saúde após implantação de um programa de gestão de antimicrobianos em unidade de tratamento intensivo neonatal do Rio de Janeiro

Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 10, núm. 2, pp. 151-157, 2020

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 06 Agosto 2019

Aprobación: 20 Enero 2020

Resumo: Justificativa e objetivos. Programas de gestão de antimicrobianos (PGA) podem contribuir para otimizar o uso de antimicrobianos em unidades de tratamento intensivo neonatais (UTINEO). O objetivo deste estudo foi mensurar o consumo de antimicrobianos, dentre eles os carbapenêmicos e infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS), especificamente as causadas por bactérias Gram-negativas resistentes a carbapenêmicos (BGN-CR) em neonatos após a implantação de um PGA. Métodos: Estudo prospectivo descritivo do consumo de antimicrobianos, dentre eles os carbapenêmicos; e das taxas de IRAS em uma UTINEO, durante 1 ano de seguimento. O consumo fo i medido em dias de terapia/1000 pacientes-dia (DOT/1000PD). Resultados: Em setembro de 2017 o PGA foi implementado com os seguintes elementos-chave: auditoria de antibióticos/feedback, restrição de antimicrobianos-alvo, medida do consumo de antimicrobianos e maior rapidez na liberação de resultados de culturas. Entre setembro de 2017 e setembro de 2018 admitimos 308 pacientes, totalizando 2223 pacientes-dia. A mediana de consumo total de antimicrobianos foi de 1580 DOT/1000PD (variação de 1180,7 a 2336,6/mês) sem tendência de aumento e a de carbapenêmicos 12 DOT/1000PD (variação de 0 a 163,2/mês). O consumo de carbapenêmicos foi reduzido entre abril a setembro de 2018 (valor de p =0,07) quando comparado com os primeiros seis meses. Oito IRAS foram registradas, correspondendo a uma densidade de incidência de 3,6/1000 pacientes-dia. Não foram reportadas BGN-CR causando IRAS. Conclusões: O consumo total de antimicrobianos não apresentou aumento ao longo do ano após implantação do PGA. No entanto, houve redução significativa do consumo de carbapenêmicos. Não foram verificadas IRAS por BGN-CR no período do estudo.

Palavras-chave: infecção hospitalar, gestão de antimicrobianos, recém-nascidos, unidades de terapia intensiva neonatal.

Abstract: Background and objectives: Antimicrobial stewardship programs (ASPs) could contribute to optimize antimicrobial use within neonatal intensive care units (NICUs). The aim of this study was to measure the antimicrobial consumption, including carbapenems and healthcare-associated infections (HAI), specifically infections caused by carbapenem-resistant Gram-negative bacteria (CR-GNB) in neonates, after implementation of an ASP. Methods: A prospective descriptive study of antimicrobial and carbapenem consumption; and healthcare-associated rate in a NICU, during a one-year follow-up. The consumption was measured in days of therapy /1000 patients-days (DOT/1000PD). Results: In September 2017, the ASP was implemented, with the following core components: antibiotic audit and feedback, restriction of target antimicrobials, measure of antimicrobial consumption and improvement of results from microbiologic laboratory. Between September 2017 and September 2018, we admitted 308 patients, totalizing 2223 patient-days. The median of total antimicrobial consumption was 1580 DOT/1000PD (range from 1180.7 to 2336.6/month and of carbapenems 12 DOT/1000PD (range from 0 to 162.3/month). The carbapenem consumption was reduced between April and September of 2018 (p value=0.07) when we compared the first six months of the study. Eight HAI were detected, corresponding to density of incidence of 3.6/1000 patient-days. No HAI due to CR-GNB was reported. Conclusion: The total antimicrobial consumption did not increase during all the year after the ASP implantation. Although there was a significant reduction of carbapenem consumption. Carbapenem-resistant bacteria was not found in NICU causing HAI.

Keywords: Cross infection, antimicrobial stewardship, newborn, newborn intensive care units (NICU).

Resumen: Justificación y objetivos: Los programas de optimizatión de uso de antimicrobianos (POA) podrían contribuir a optimizar el uso de antimicrobianos dentro de las unidades de cuidados intensivos neonatales (UCIN). El objetivo de este estudio fue medir el consumo de antimicrobianos incluidos los carbapenems y las infecciones asociadas a la atención de la salud (IAAs), especificamente las infecciones causadas por bacterias Gram negativas resistentes a carbapenems (CR-GNB) en neonatos, después de la implementación de un POA. Métodos: Un estudio descriptivo prospectivo del consumo de antimicrobianos y carbapenems; y la tasa de IAAs en una UCIN durante un año de seguimiento. El consumo se midió en días de terapia (DOT) / 1000 pacientes-días. Resultados: En septiembre de 2017, se implementó el POA con los siguientes componentes principales: auditoría y retroalimentación de antibióticos, restricción de antimicrobianos objetivo, medición del consumo de antimicrobianos y mejora de los resultados del laboratorio microbiológico. Entre septiembre de 2017 y septiembre de 2018, admitimos 308 pacientes, totalizando 2223 días-paciente. La mediana del consumo total de antimicrobianos fue de 1580 DOT / 1000PD (rango de 1180.7 a 2336.6 / mes y de carbapenems 12 (rango de 0 a 162.3 / mes). El consumo de carbapenem se redujo entre abril y septiembre de 2018 (valor p = 0.07) cuando comparamos los primeros seis meses del estudio, se detectaron ocho IAAs, lo que corresponde a la densidad de incidencia de 3.6 / 1000 días-paciente No se informó ningún IAA debido a CR-GNB. Conclusiones: El consumo total de antimicrobianos no aumentó durante todo el año posterior a la implantación de POA. Aunque hubo una reducción significativa del consumo de carbapenem. No se encontraron bacterias resistentes a carbapenem en la UCIN que causa IAA.

Palabras clave: Infección Hospitalaria, Programas de Optimización del Uso de los Antimicrobianos, Recién Nacido, Unidades de Cuidado Intensivo Neonatal.

INTRODUÇÃO

Infecções relacionadas a assistência à saúde (IRAS) causadas por bactérias multirresistentes são importantes causas do aumento de morbidade e mortalidade em neonatos internados em unidades de terapia intensiva neonatal (UTINEO). Entre os principais fatores de risco comumente descritos na literatura para aquisição de IRAS em neonatos estão: tempo de internação prolongado, baixo peso ao nascimento, uso de antibióticos, uso de ventilação mecânica, cirurgias prévias e colonização por microrganismos multirresistentes, uso cateteres venosos centrais e outros procedimentos invasivos. Programas eficazes de controle de infecção são capazes de reduzir consideravelmente as taxas de IRAS em neonatos, incluindo as causadas por microrganismos multirresistentes.1-4

As bactérias Gram-negativas resistentes a carbapenêmicos (BGN-CR) são consideradas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como críticos em relação à necessidade de controle da disseminação e pesquisa de novos antimicrobianos eficazes. As principais medidas descritas para prevenção e controle dessas bactérias incluem: higiene das mãos, precaução de contato, isolamento do paciente, limpeza do ambiente, vigilância de culturas e monitoramento, auditoria e feedback das intervenções de prevenção e controle de infecções.5,6

Além das medidas de prevenção e controle de colonizações e infecções por estes agentes, os programas de gestão de antimicrobianos (PGAs) tem contribuído para aprimorar a mensuração do consumo de antibióticos de amplo espectro, como os carbapenêmicos, e avaliação da correta indicação, evitando o uso indiscriminado em hospitais.7,8

As BGN-CR têm sido relatadas em UTINEO causando surtos, colonizações e infecções. Estudo retrospectivo de 5 anos realizado em uma UTINEO, verificou que após uma média de 7 dias da detecção de colonização de pacientes por Klebsiella pneumoniae resistentes a carbapenêmicos, 18,1% desenvolveram infecções por esta bactéria. Acinetobacter baumannii foi relatado como o segundo agente infeccioso mais frequente causador de sepse neonatal tardia em uma UTINEOde ensino. A resistência bacteriana ao meropenem e imipenem foi de 73% e 100%, respectivamente.9-12

Em virtude da escassez de dados sobre os resultados de um PGA em neonatos, principalmente em relação ao consumo de antimicrobianos e importância emergente de BGN-CR causando infecções graves e potencialmente fatais nesta população, realizamos um estudo prospectivo com o objetivo de mensurar o consumo de antimicrobianos, dentre eles os carbapenêmicos, em neonatos após a implantação de um PGA e as taxas de IRAS, especificamente as causadas por BGN-CR em uma UTINEO .

MÉTODOS

Tipo de estudo e cenário:

Realizamos um estudo prospectivo descritivo das IRAS ocorridas em uma UTINEO durante 1 ano de seguimento. O estudo foi realizado no Hospital Prontobaby, unidade exclusivamente pediátrica, privada, localizada na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. A UTINEO contava com 10 leitos à época do estudo e recebia pacientes oriundos da emergência do hospital ou referidos de outros serviços, com doenças clínicas ou cirúrgicas. O hospital não contava com maternidade própria associada.

Critérios de inclusão e exclusão:

Foram incluídos todos os neonatos (até 28 dias), admitidos na UTINEO e que permaneceram na unidade por mais de 24h, entre setembro de 2017 e setembro de 2018. Foram excluídos os neonatos admitidos por mais de 24h, porém transferidos para outras unidades, cujo seguimento não foi possível

Definição de infecção relacionada à assistência à saúde/vigilância:

Utilizamos o critério diagnóstico para IRAS em neonatologia estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em 2017. A vigilância dos pacientes foi realizada diariamente de segunda a sexta-feira por um médico e enfermeira da comissão de controle de infecção hospitalar (CCIH). Com verificação “in loco” de todos os pacientes e discussão diária com os médicos assistentes do setor.13

Medidas de controle de infecção e programa de gestão de antimicrobianos:

A CCIH atua ininterruptamente no hospital desde 2005 e realiza sistematicamente as seguintes medidas para prevenção e controle de IRAS: auditorias periódicas de adesão à higienização de mãos; vigilância de admissão para pacientes das unidades críticas com pesquisa através de swabs nasal e retal de S. aureus resistentes à meticilina, enterobactérias produtoras de beta-lactamase de espectro estendido, enterococcus resistentes à vancomicina e Acinetobacter spp. resistente à carbapenêmico; mensuração mensal do consumo de sabão e preparações alcoólicas no hospital; treinamentos formais e em serviço para os profissionais de saúde; adoção de precauções de contato para os pacientes identificados como portadores de microrganismos multirresistentes até a alta; coorte de pacientes quando identificado surto de colonização/infecção pelo mesmo microrganismo multirresistente; informes periódicos do perfil de resistência da unidade; reuniões mensais com os membros consultores da CCIH; atualização dos guias de tratamento das principais síndromes infecciosas a cada 2 anos e orientação antimicrobiana formal para tratamento de IRAS, conforme o sítio de infecção.

Programa de gestão de antimicrobianos:

O PGA foi implantado inicialmente em setembro de 2017 para todas as enfermarias do hospital, incluindo as unidades de tratamento intensivo e efetivado em janeiro de 2018. Os seguintes componentes do PGA foram estabelecidos: auditoria de antibióticos e feedback, restrição de antimicrobianos-alvo, avaliações mensais de consumo de antimicrobianos através da medida densidade de uso de antimicrobianos, dias de terapia/1000 pacientes-dia (DOT/1000PD), e mais rapidez na divulgação dos resultados de culturas, pela introdução de método semi-automatizado pelo laboratório de microbiologia. Além disto, foram intensificadas as discussões dos casos clínicos dos pacientes em uso de antimicrobianos, focando principalmente na dose do antimicrobiano, duração e possibilidade de descalonamento. Treze antimicrobianos foram elencados como de uso restrito e liberação somente após solicitação formal em formulário eletrônico padronizado e avaliação do infectologista da CCIH. Todos os carbapenêmicos disponíveis para utilização na unidade, foram considerados de uso restrito (ertapenem, imipenem e meropenem).

Medida de consumo de antimicrobianos:

O consumo individual de cada antimicrobiano sistêmico (antibióticos, antivirais e antifúngicos), administrado por via oral ou intravenosa foi mensurado mensalmente na UTINEO através da densidade de uso de antimicrobianos.

A medida densidade de uso de antimicrobianos (DOT/1000 PD) consiste na divisão do número de dias em que um paciente recebeu um determinado antimicrobiano pelo número de pacientes-dia do setor no qual o paciente se encontrava internado. A soma individual (em DOT/1000PD) de cada antimicrobiano consumido gerou por sua vez a medida do consumo total de antimicrobianos.

Variáveis de análise:

As seguintes variáveis foram analisadas: peso na admissão, utilização de dispositivos invasivos (cateteres venosos centrais, ventilação invasiva e cateter vesical), sítio de IRAS, agente infeccioso identificado causando IRAS, resistência de agente infeccioso causando IRAS, taxa de IRAS (aferida em porcentagem e em densidade de incidência por 1000PD), consumo de todos os antimicrobianos no setor e de carbapenêmicos (em DOT/1000PD).

Análise de dados:

Os dados foram coletados em ficha própria e obtidos dos prontuários dos pacientes e das fichas de vigilância da CCIH. Foi realizada uma análise descritiva dos dados através do programa Excel. Utilizamos o teste não paramétrico de Mann-Whitney para comparar variáveis contínuas, através de medianas. A análise dos dados foi realizada utilizando o programa Stata 13.0 (Stata Corp LP). Um valor de p <0.05 foi considerado com estatisticamente significante.

Aspectos éticos:

O projeto foi submetido e aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal Fluminense pelo parecer 2.279.190 de 15 de setembro de 2017 e registro na plataforma Brasil sob o número CAAE: 69902317.3.0000.5243

RESULTADOS

Entre setembro de 2017 e setembro de 2018, foram admitidos 308 pacientes, totalizando 2223 PD. O quantitativo de pacientes, pacientes-dia e dispositivos invasivos-dia de acordo com os intervalos de peso na admissão são mostrados na tabela 1

Tabela 1
Total de pacientes e pacientes-dia de acordo com os intervalos de peso, admitidos na UTINEO (Prontobaby, setembro de 2017 a setembro de 2018)
Total de pacientes e pacientes-dia de acordo com os intervalos de peso, admitidos na UTINEO  (Prontobaby, setembro de 2017 a setembro de 2018)

Foram diagnosticadas oito IRAS, correspondendo a uma taxa de 2,6% de IRAS e densidade de incidência (DI) de 3,6 por 1000 PD. Não foram verificadas IRAS nos intervalos de peso dos pacientes <750g, 751-1000g e 1001-1500g. A densidade de incidência global de IRAS foi de 4,5 por 1000 PD nos pacientes com intervalo de peso de 1500-2500g e de 3,4 por 1000 PD nos pacientes maiores que 2500g.

Os sítios de infecção descritos foram: duas infecções primárias de corrente sanguínea laboratorialmente confirmada, duas sepses clínicas, uma infecção urinária associada à cateter vesical, uma peritonite, uma conjuntivite e uma infecção urinária não associada à cateter vesical.

As infecções associadas a dispositivos invasivos, conforme os intervalos de peso são mostrados na tabela 2

Tabela 2
Densidade de incidência de IRAS associadas a dispositivos em pacientes admitidos em UTINEO ( Prontobaby, setembro de 2017 a setembro de 2018)
Densidade de incidência de IRAS associadas a dispositivos em pacientes admitidos em UTINEO  ( Prontobaby, setembro de 2017 a setembro de 2018)
CVC-Cateter venoso central, VM-ventilador mecânico, CV-cateter vesical, DI*- Densidade de incidência por 1000 pacientes-dia

Foram isolados agentes infecciosos em cinco das oito infecções (62,5%), dos quais três (60%) foram BGN (todas K. pneumoniae, sendo duas produtoras de beta-lactamase de espectro estendido e uma multissensível) e duas infecções fúngicas por Candida sp. Não foram registradas no período, infecções por BGN-CR.

A mediana da DOT/1000 PD foi de 1580 (variação de 1180,7 a 2336,6/mês) e o de carbapenêmicos de 12 (variação de 0 a 163,2/mês). Este grupo de antibióticos representou 3% do total do consumo de todos os antimicrobianos. O consumo de carbapenêmicos mediano (em DOT/1000PD) entre setembro de 2017 a março de 2018 foi de 19 e de 0 entre abril a setembro de 2018 (valor de . = 0,07).

Os gráficos 1 e 2 mostram o consumo de antimicrobianos e carbapenêmicos, respectivamente durante o período do estudo na UTINEO

Consumo total de antimicrobianos* na UTINEO   (Prontobaby-setembro de 2017 a setembro de 2018).
Gráfico 1
Consumo total de antimicrobianos* na UTINEO (Prontobaby-setembro de 2017 a setembro de 2018).

* valores expressos em DOT/1000 pacientes-dia

Linha tracejada verde:tendência de consumo de antimicrobianos Linha verde contínua: consumo de antimicrobianos

Consumo total de carbapênemicos* na UTINEO (Prontobaby-setembro de 2017 a setembro de 2018).
Gráfico 2
Consumo total de carbapênemicos* na UTINEO (Prontobaby-setembro de 2017 a setembro de 2018).

* valores expressos em DOT/1000 pacientes-dia

Linha tracejada azul:tendência de consumo de carbapenêmicos Linha azul contínua: consumo de carbapenêmicos

DISCUSSÃO

Evitar IRAS, diminuir o consumo de antimicrobianos global e de antibióticos de amplo espectro é uma meta difícil, mas possível de ser alcançada mesmo em cenários como as UTIs neonatais, onde o tratamento de infecções graves requer frequentemente cursos prolongados de antibióticos e longas internações. 14

As taxas de IRAS encontradas em nosso trabalho foram baixas quando comparadas com outros estudos. Por exemplo, um estudo realizado em uma UTINEO na Turquia relatou uma taxa de IRAS de 8,3% e densidade de incidência de 7,69/1000 PD. Valores bem mais elevados foram reportados em estudo no Egito, cuja taxa de infecção foi de 21,4% e densidade de incidência de 13,8/1000 PD. As densidades de incidência/1000 dispositivo invasivo-dia de infecções primárias de corrente sanguínea e pneumonias encontradas (3,0 e 0, respectivamente) foram menores quando comparadas com as reportadas em uma longa série histórica de IRAS em uma UTI brasileira (17,3 e 3,2, respectivamente). Alguns fatores podem explicar as baixas taxas encontradas em nosso estudo como: pequeno número de recém-nascidos admitidos com baixo peso, ausência de maternidade associada a unidade e longa atuação na unidade de uma mesma equipe de controle de infecção.15-17

A análise do perfil de infecções na unidade demonstrou a ausência de BGN-CR causando IRAS, o que podemos atribuir a uma sustentada e ininterrupta política de controle de infecção adotada pela instituição, vigilância na entrada de pacientes colonizados por microrganismos multirresistentes e próprio perfil epidemiológico local. O pequeno número encontrado de agentes infecciosos causando IRAS não possibilitou inferir efeitos do PGA sobre a não ocorrência de infecções atribuídas a BGN-CR, durante o período de análise. Apesar de nossos resultados positivos, diversas instituições de diferentes países relatam significativas taxas de BGN-CR causando colonização/infecção ou surtos em neonatos. A. baumannii resistente a múltiplas drogas e K. pneumoniae produtores de carbapenemases foram encontrados em 20 dos 68 casos de sepse laboratorialmente confirmados em uma UTINEO da Jordânia e estiveram associados estatisticamente a elevada mortalidade, quando comparados com outras bactérias não resistentes.10,18-20

O controle no consumo de antimicrobianos, através de implantação de PGA, é uma medida necessária a ser utilizada em UTINEO com intuito de preservar a sensibilidade de antibióticos de última geração, refinar as indicações quando estritamente necessários e reduzir períodos longos de tratamento. Em nossa análise verificamos uma estabilidade no consumo total de utilização de todos os antimicrobianos, sem tendência a aumento ao longo do seguimento. Quando analisado especificamente o grupo dos carbapenêmicos, houve uma tendência de redução de consumo estatisticamente significante ao longo do ano de seguimento, demonstrando a possibilidade de redução de consumo, mesmo uma UTI. Estudos prévios conduzidos em UTI’s neonatais demonstraram a viabilidade de redução tanto do consumo total quanto do consumo de antibióticos de amplo espectro. Adicionalmente, as políticas restritivas de utilização de antibióticos não impactaram em aumento da mortalidade dos pacientes, visto que esta questão é uma preocupação pertinente das equipes assistentes, principalmente em relação aos recém-nascidos criticamente doentes que frequentemente necessitam de esquemas de tratamento de amplo espectro. 8,14,21-23

O estudo possui algumas limitações, sendo a primeira delas ter sido realizado em um único centro. No entanto, acreditamos que resultados positivos semelhantes possam ser alcançados em instituições com perfil de pacientes semelhantes e com ações de controle de infecção efetivas e continuadas. Em segundo lugar, em virtude do perfil da unidade ser basicamente de recém-nascidos maiores que 1500g, foram poucos os neonatos de extremo baixo peso incluídos na análise, o que pode ter impactado no baixo número de infecções encontradas, já que esta subcategoria é sabidamente fator de risco para aquisição de IRAS e sepse neonatal tardia. Pelo fato dos PGAs serem uma abordagem ainda nova nas instituições nacionais de saúde, o estudo avaliou um período de tempo relativamente curto não sendo possível, neste trabalho, mensurar os resultados do PGA a longo prazo sobre a redução sustentada no consumo de antimicrobianos e impacto sobre a resistência bacteriana. 24,25

Concluímos que o consumo total de antimicrobianos na UTINEO não apresentou tendência a aumento ao longo do primeiro ano de implantação de um PGA. No entanto, houve redução significativa do consumo de carbapenêmicos nos últimos seis meses do estudo. Não foram verificadas IRAS por BGN-CR no período do estudo.

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