Índice de Variabilidade da Dieta relacionada à melhores condições de saúde em nonagenários e centenários, dados do projeto Atenção Multiprofissional ao Longevo
Variability Index of the Diet related to the best health conditions in nonagenarians and centenarians, data from the project Multiprofessional Attention Longevo
Índice de variabilidad de la dieta relacionada con las mejores condiciones de salud en nonagenarios y centenarios, datos del proyecto de atención multiprofesional Longevo
Índice de Variabilidade da Dieta relacionada à melhores condições de saúde em nonagenários e centenários, dados do projeto Atenção Multiprofissional ao Longevo
Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção, vol. 10, núm. 2, pp. 158-166, 2020
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 18 Septiembre 2019
Aprobación: 21 Febrero 2020
Resumo: Justificativa e Objetivos: Dietas saudáveis apresentam como características não somente a quantidade, mas também variabilidade dos itens alimentares consumidos diariamente.A qualidade da dieta pode então ser classificada através do Índice de Variabilidade da Dieta (IVD), pontuado através número de diferentes itens alimentares consumidos diariamente, estratificado em três níveis: baixo, médio e alto. O objetivo do estudo foi relacionar fatores associados com o IVD em nonagenários e centenários. Métodos: O estudo foi do tipo descritivo, quantitativo e analítico. Foram analisados os dados de 242 participantes de um projeto de acompanhamento a domicílio vinculado a um Programa de Pós-graduação. Resultados: As mulheres (74%) apresentaram maior frequência de IVD alto (35%, p=0,4202), o mesmo acontecendo entre os solteiros (45%) e que referiram saber ler e escrever (35%). A frequência de IVD alto foi observada em participantes referindo melhor percepção de saúde (p=0,0942) e com ausência de xerostomia (p=0,0893), relações consideradas indicativas de significância estatística. A prática de exercício físico também demonstrou maior frequência de IVD alto (44%), o mesmo acontecendo com o não consumo de bebida alcoólica (34%). Participantes com IVD alto apresentaram Índice de Massa Corporal mais baixo, menor circunferência da panturrilha e melhor desempenho cognitivo (p=0,0893). A capacidade de mastigatória e o apetite foram significativamente relacionados com o IVD(p=0,0033 e 0,0368, respectivamente). Conclusão: O IVD está relacionado à melhores condições de saúde em nonagenários e centenários. Optar por uma dieta variada pode ser um fator positivo na qualidade de vida e saúde na longevidade.
Palavras-chave: Envelhecimento, consumo alimentar, condições de saúde.
Abstract: Background and Objectives: Healthy diets present as characteristics not only the quantity, but also variability of the food items consumed daily. The quality of the diet can then be classified through the Dietary Variability Index (IVD), punctuated by the number of different food items consumed daily, stratified into three levels:low, medium and high. The objective of the study was to relate factors associated with IVD in nonagenarians and centenarians.Methods: The study was descriptive, quantitative and analytical. Data from 242 participants of a home-based follow-up project linked to a Postgraduate Program were analyzed. Results: The women (74%) had a higher frequency of high IVD (35%, p=0.4202), as did non-whites (45%), and reported reading and writing %). The frequency of high IVD was observed in participants who reported better health perception (p=0.0942) and absence of xerostomia (p=0.0893),relationships considered indicative of statistical significance.The practice of physical exercise also showed a higher frequency of high IVD (44%), as did non alcoholic beverages (34%). Participants with high IVD presented lower Body Mass Index, lower calf circumference and better cognitive performance (p=0.0893). Masticatory capacity and appetite were significantly related to IVD (p=0.0033 and 0.0368, respectively).Conclusion: That IVD is related to better health conditions in nonagenarians and centenarians. Opting for a varied diet can be a positive factor in quality of life and health in longevity.
Keywords: Aging, food consumption, health conditions.
Resumen: Justificación y objetivos: Las dietas saludables presentan como características no solo la cantidad, sino también la variabilidad de los alimentos que se consumen diariamente. La calidad de la dieta se puede clasificar a través del Índice de Variabilidad Dietética (DIV), puntuado por el número de diferentes alimentos que se consumen diariamente, estratificados en tres niveles: bajo, medio y alto. El objetivo del estudio fue relacionar los factores asociados con la IVD en nonagenarios y centenarios. Métodos: El estudio fue descriptivo, cuantitativo y analítico. Se analizaron los datos de 242 participantes de un proyecto de seguimiento en el hogar vinculado a un programa de posgrado. Resultados: Las mujeres (74%) tuvieron una mayor frecuencia de IVD alta (35%, p=0.4202), al igual que las no blancas (45%) y reportaron lectura y escritura. %). La frecuencia de IVD alta se observó en los participantes que informaron una mejor percepción de la salud (p=0.0942) y la ausencia de xerostomía (p=0.0893), las relaciones consideradas indicativas de significación estadística. La práctica del ejercicio físico también mostró una mayor frecuencia de IVD alta (44%), al igual que las bebidas no alcohólicas (34%). Los participantes con IVD alta presentaron un Índice de Masa Corporal más bajo, menor circunferencia de la pantorrilla y mejor rendimiento cognitivo (p=0.0893). La capacidad masticatoria y el apetito se relacionaron significativamente con la DIV (p=0,0033 y 0,0368, respectivamente). Conclusíon: La DIV está relacionada con mejores condiciones de salud en nonagenarios y centenarios. Optar por una dieta variada puede ser un factor positivo en la calidad de vida y la salud en la longevidad.
Palabras clave: Envejecimiento, consumo de alimentos, condiciones.
INTRODUÇÃO
A avaliação do consumo alimentar em qualquer faixa de idade é importante pois ele está relacionado ao estado nutricional do indivíduo e suas condições de saúde1. Este hábito está diretamente relacionado ao desenvolvimento de doenças, principalmente as crônicas não transmissíveis (DCNT), as quais costumam ser mais prevalentes em indivíduos com idade avançada1.
O consumo alimentar pode ser influenciado pela idade, ambiente, religião, nível socioeconômico, estilo de vida e pelo próprio estado nutricional1,2. Uma forma de verificar o consumo dietético é avaliando o padrão alimentar, que consiste em identificar quais são os grupos alimentares mais ou menos consumidos por um indivíduo ou grupo populacional1.
Os instrumentos dietéticos ajudam a avaliar e constatar a aderência ou não a uma dieta saudável. O Índice de alimentação saudável (IAS), criado por Kennedy 1995, avalia o consumo de dez componentes da pirâmide alimentar americana. A qualidade global da dieta é baseada número de porções de cada item alimentar. O IAS foi adaptado para o Brasil por Fisberg2, também porcionando componentes da pirâmide alimentar e chamando o instrumento de Índice da Qualidade da Dieta (IQD)3. Observamos assim que não existe um instrumento universal de avaliação da qualidade da dieta. A necessidade de porcionamento dos itens alimentares torna o instrumento mais difíceis de serem coletados por profissional sem formação na área de nutrição. A Yokoyama e colaboradores, descrevem uma abordagem diferente de avaliação da qualidade da dieta, através do Índice de Variabilidade da Dieta (IVD)4. A qualidade da dieta é então pontuada através do consumo diário de diferentes itens alimentares, classificando os participantes em três grupos: baixa, média e alta variabilidade de dieta. Os autores observaram melhor desempenho funcional e massa muscular entre os idosos com IVD alto4.
Pesquisas epidemiológicas, envolvendo hábitos alimentares têm sido realizadas no Brasil. O Ministério da Saúde criou, em 2006, o sistema de Vigilância de Fatores de Risco por telefone para DCNT (VIGITEL). Entre as variáveis utilizadas na avaliação do VIGITEL está uma lista de itens alimentares cuja frequência semanal ou diária é computada. Por ser um instrumento de fácil aplicação, também por profissionais não nutricionistas, ele foi utilizado na avaliação na avaliação domiciliar do estado de saúde de nonagenários e centenários do Projeto Atenção MultiProfissional ao Longevo (AMPAL) do programa de Pós-Graduação em Gerontologia Biomédica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre. Desta forma, os itens alimentares do instrumento podem ser avaliados pelo IVD, proposto por Yokoyama4. Além da avaliação dos hábitos alimentares o instrumento do AMPAL também avalia o desempenho funcional tanto de membros inferiores quanto de membros superiores, proporcionando identificar se a utilização do instrumento proposto por Yokoyama e colaboradores também teria validade para a população nonagenária e centenária brasileira.
Por isso, o presente trabalho busca observar a possível uma relação entre IVD e as características sociodemográficas e clínicas de nonagenários e centenários na cidade de Porto Alegre/RS.
MÉTODOS
O estudo é descritivo, quantitativo e analítico. Foram analisados os dados das 242 avaliações realizadas pelo projeto AMPAL, no período de abril a novembro de 2016. Foram excluídas as avaliações de participantes em uso de terapia nutricional enteral ou parenteral e os que, por algum motivo, não preencheram os itens analisados do questionário.
A variável de estudo (variável dependente) foi o IVD, classificado a partir do instrumento de avaliação alimentar da VIGITEL. O instrumento questiona a frequência do consumo semanal de grupos alimentares. Para o cálculo do IVD foram pontuados 8 itens alimentares: Feijão, verdura, legume, carnes (gado ou frango), suco natural de frutas, frutas, leite e peixe. Não foram considerados, no cálculo, itens considerados não saudáveis, como doces, refrigerantes, sucos artificiais, substituição de refeições por lanches (salgados). Cada item alimentar com frequência mínima semanal de 5 vezes recebeu 1 ponto, o item consumido menos de 5 vezes pontuou zero. Assim, o número máximo de pontos que o participante poderia ter foi 8 e o mínimo 0(participante que não consumia nenhum dos itens considerados saudáveis pelo menos 5 vezes por semana). Os participantes foram classificados quanto ao IVD em baixa (0 - 3 pontos), média (4 – 6 pontos) e alta variabilidade (≥ 7 pontos).
Os longevos foram avaliados por um questionário estruturado em relação às variáveis sociodemográficas e clínicas. A idade cronológica e o sexo foram conferidos através da carteira de identidade. A cor da pele, escolaridade e renda foram autoreferidas pelo longevo ou acompanhante/cuidador.
Foi questionado o consumo de bebidas alcoólicas e anotado a frequência de consumo em dias da semana, assim como a prática de exercício físico e a presença de sintomas como perda de peso, xerostomia, perda de apetite, constipação e diarreia, categorizados dicotomicamente como sim ou não. O peso corporal (kg) foi aferido com uma balança digital. A estatura (m) foi aferida com uma fita métrica inextensível fixada na parede da casa do participante. Os dados foram obtidos com o indivíduo descalço sobre a balança; vestindo roupas leves, com pés unidos; em posição ereta e os braços estendidos ao longo do corpo.
A medidas antropométricas foram analisadas como variáveis numéricas e descritas com média e desvio padrão. As circunferências foram medidas usando uma fita antropométrica inelástica e inextensível. A circunferência do braço (CB) foi aferida circundando a região do perímetro braquial, no ponto médio entre o acrômio da escápula e o olécrano da ulna, em estado de relaxamento ao longo do corpo, sendo a leitura feita no centímetro mais próximo, com o braço num ângulo de 90° junto ao tronco. A aferição da circunferência abdominal (CA) foi realizada com o paciente em pé, ao final de uma expiração normal circundando a região abdominal no ponto umbilical. A circunferência da panturrilha (CP) foi aferida com o indivíduo posicionado em pé no espaço entre o tornozelo e o joelho. As medidas antropométricas foram realizadas de acordo com o protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e seguindo as técnicas de Gomes e Harrison. O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado dividindo o peso corporal (kg) pela estatura (m) elevada ao quadrado.
Os participantes foram avaliados quanto ao seu desempenho funcional. O desempenho dos membros inferiores pelo teste de levantar caminhar 3 metros e retornar, também conhecido como Timed Up and Go (TUG), medido em segundos.
A pesquisa é um braço do projeto AMPAL aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da PUCRS (CAEE 55906216.0.0000.5336) pelo parecer n° 1.639.96. O braço “Hábitos alimentares relacionados à sobrevida em nonagenários e centenários do AMPAL” foi igualmente aprovado pelo CEP da mesma Universidade (PUCRS) pelo parecer número 2.939.062.
RESULTADOS
As características sociodemográficas e clínicas são observadas na Tabela 1. A amostra avaliada foi de 242 participantes, 73% eram do sexo feminino que apresentou, com maior frequência, uma variabilidade da dieta alta (35%), enquanto que sexo masculino apresentou, com maior frequência, uma variabilidade da dieta média (52%). A frequência de variabilidade baixa foi mais homogênea entre os sexos (p=0,4202).
A faixa etária de 95 a 99 anos apresentou maior frequência de IVD alto (39%) e baixo (25%). Os nonagenários mais jovens (<95 anos) tiveram uma frequência de IVD médio maior que o esperado (46%). Já os centenários apresentaram, com frequência maior que o esperado uma dieta com IVD alto (36%, p=0,8516).
Os solteiros apresentaram a maior frequência de IVD alto (45%), os casados apresentaram a maior frequência de variabilidade média da dieta (53%) e os divorciados apresentaram a maior frequência de IVD baixo (50%). Os viúvos foram o estado civil com frequências da variabilidade da dieta mais próximo do esperado, talvez por isso a associação entre estado civil e variabilidade da dieta não tenha sido significativa (0,1277).
Os indivíduos de cor branca apresentaram IVD médio (46%) enquanto os de cor não branca foram mais díspares apresentando, com frequência mais do que a esperada tanto alta quanto IVD baixo (0,5868).
Quem sabe ler e escrever apresentou, mais frequentemente, IVD alto (35%) em comparação a aqueles que não sabem. Já os indivíduos que não sabem ler e escrever apresentaram, com maior costume, IVD baixo (28%), apesar de não significativa (0,1599).
A autopercepção de saúde geral foi associada com a qualidade da dieta com nível indicativo de significância estatística. A frequência de nonagenários com baixa e média variabilidade foi maior entre os que referiram está má ou péssima autopercepção de saúde (0,0942). Em contraste os com autopercepção de saúde regular apresentaram IVD alto mais que o esperado (39%) e nos com ótima a média qualidade da dieta foi a mais frequente (45%).
A prática de exercício físico demonstrou associação positiva com o IVD. Os longevos que referiram realizar exercício físico possuíram maior variabilidade da dieta (43,64%) do que os sedentários, que apresentaram maior frequência de baixa variabilidade (23,89%, p=0,1944).
Entre os participantes, 70% não possuem o hábito de consumir ao longo da semana. Os longevos que não consumiam bebida alcoólicas demonstraram IVD alto (33,73%) p=0,3894.
A média do IMC dos participantes foi similar entre os grupos de IVD. Entretanto, aqueles com IVD alto apresentaram IMC menor (24,62 kg/m²) em comparação aos demais. Quanto mais baixo o IVD maior foi a média do IMC (p=0,48668).
A média da CA foi maior (95,3cm) no grupo que apresentou IVD médio (p=0,2449). Os participantes com IVD médio também apresentaram maior média da CP (32,9cm, p=0,5014).
Participantes com maior IVD apresentaram pontuação média do MEEM mais elevada que os outros grupos (p=0,0893).
Os longevos que obtiveram na Escala de Depressão Geriátrica (GDS) uma pontuação igual ou superior a 2 pontos (com sinais depressivos) apresentaram uma IVD baixo (28%) ao contrário dos sem sintomas depressivos que apresentaram melhores parâmetros de variabilidade da dieta (p=0,2455).
Em relação a presença de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), a média de doenças entre os participantes foi similar. Entretanto, quem demonstrou uma média maior de doenças foi classificado com IVD alto a média ficou em 4,57±1,960(p=0,3347).
Melhor desempenho no TUG foram os com IVD médio (19,4±14,73 segundos), menos de 2 segundos mais rápido que o grupo com IVD alto que apresentou pior desempenho (p=0,7762).

Na Tabela 2, observamos a distribuição da frequência de sintomas relacionados à alimentação entre os grupos de variabilidade da dieta.
Os longevos que referiram que a sua mastigação como sendo regular, má ou péssima apresentaram frequência de IVD alto maior do que o esperado (respectivamente 51% e 39%). Em contrapartida, os que referiram ótima ou boa mastigação apresentaram, com maior frequência IVD médio (52%). Essa associação foi significativa (p=0,003) indicando que a condição mastigatória está relacionada à variabilidade da dieta.
Com relação ao apetite, quem referiu apetite regular apresentou maior variabilidade da dieta (44%). Já quem referiu apetite bom ou ótimo apresentou, com maior frequência IVD médio (49%). Os longevos com apetite péssimo ou ruim apresentaram IVD baixo (33%). Este resultado foi significativo (p=0,037). Demonstrando forte relação entre o apetite e a variabilidade da dieta.
Os participantes que relataram terem perdido peso apresentaram frequências de variabilidade da dieta semelhantes aos sem perda, p=0,9168, mesmo assim a frequência de variabilidade da dieta alta foi maior entre os participantes sem perda.
Quando questionados os longevos em relação à diminuição da ingestão alimentar. Os que relataram não haver nenhuma diminuição alimentar apresentaram IVD médio (45%). Os participantes que referiram uma leve diminuição na ingestão alimentar apresentaram IVD baixo (29%). Aqueles que referiram redução moderada ou severa apresentaram uma IVD alto (36%). Resultado não foi significativo p=0,8858.
Quanto à presença de xerostomia, quem referiu não apresentar o sintoma demonstrou optar por IVD alto (67%), por sua vez quem relatou a presença de xerostomia apresentou média e IVD baixo (53% e 40%). O resultado demonstrou ser indicativo de significância (p=0,0645).
Os longevos que referiram possuir alguma lesão na boca apresentaram IVD baixo (28%) e aqueles que relataram não possuir lesões apresentaram IVD alto (33%). No entanto, esse dado não foi significativo p=0,7559
Os longevos que referiram constipação apresentaram IVD alto (39%) e os sem esse problema, IVD baixo (22%). Os que referiram possuir constipação às vezes apresentaram IVD médio (46%). Sem significância estatística p=0,6552.
Os longevos que afirmaram não ter episódios de diarreia, demonstraram IVD alto (34,95%) em comparação ao outro grupo que apresenta episódios de diarreia e apresentaram IVD baixo (30,56%) p=0,3954.

DISCUSSÃO
A frequência de mulheres na amostra foi semelhante à observada na projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para os residentes no Rio Grande do Sul na faixa etária de 90 anos ou mais (73%), demonstrando haver representatividade da amostra nessa característica 5. O sexo feminino apresentou maior frequência de IVD alto em comparação ao sexo masculino. Nos homens a maioria apresentou IVD médio. Segundo Gomes e colaboradores, em uma população idosa de uma cidade do Rio Grande do Sul, o sexo feminino apresentou melhor qualidade da dieta6,7.
As faixas etárias mais elevadas apresentaram maior frequência de IVD alto resultado semelhante com um estudo que demonstrou que os idosos, apresentaram dieta de melhor qualidade em comparação aos mais jovens7.
Na nossa pesquisa os solteiros e os viúvos apresentaram viabilidade da dieta alta com maior frequência. Essa maior frequência pode ter sido resultado do maior número de mulheres nesses dois grupos8.
Os longevos que referiram não saber ler e escrever apresentaram menor frequência de IVD alto. Embora não significativa, essa observação é relevante, pois demonstra uma relação importante do ponto de vista de saúde pública. A dificuldade de leitura pode interferir na capacidade do longevo em selecionar os alimentos. Um estudo observou que idosos com 8 anos ou mais de estudo apresentaram pior qualidade da dieta do que os com 0 a 3 anos, o mesmo observado por Assumpção9.
Em nosso resultado os longevos que referiram boa ou ótima saúde geral apresentaram IVD alto, sendo essa observação significativa. A influência da autopercepção de saúde na qualidade da dieta é destacada apenas por alguns autores. Percepção de saúde física boa estava relacionada positivamente com a qualidade da dieta global no estudo de Shatenstein. Entretanto, alguns autores em suas publicações não questionaram os seus participantes quanto à autopercepção e saúde9,10,12.
Os longevos que realizam exercício físico apresentam IVD alto. Diversos estudos relacionam a prática de exercício físico a um estilo de vida mais saudável, inclusive cuidando da sua qualidade alimentar. Um estudo menciona a associação benéfica, para longevos, da realização do exercício físico regular juntamente a uma alimentação mais saudável13. A prática de exercício físico regular está associada a melhora da força, flexibilidade, da capacidade funcional como um todo, proteção contra lesões e quedas, além de melhora da qualidade de vida em idosos13.
Os longevos que não consomem bebidas alcoólicas apresentaram maior variabilidade da dieta. Essa observação é semelhante à encontrada por Assumpção e colaboradores que afirmaram existir relação entre a melhor qualidade da dieta e o não consumo de bebidas alcoólicas9.
Os longevos com IVD alto apresentaram média de IMC menor que os outros grupos, mas circunferências abdominais e da panturrilha melhores que os com IVD baixo. Nosso achado vai ao encontro com o exposto na literatura científica, que menciona que os idosos com estado nutricional adequado, possuem melhor qualidade da dieta6.
Longevos com IVD alto apresentaram melhor desempenho na avaliação cognitiva (MEEM), sendo essa associação indicativa de significância estatística. Em um estudo internacional associaram a melhor qualidade alimentar com o estado cognitivo satisfatório14.
Em média 80% dos idosos brasileiros, segundo estimativas atuais, apresentam ao menos 1 doença crônica não transmissível (DCNT)6. Esse dado é confirmado por outros estudos, os quais referem a maior propensão dos idosos colecionarem mais DCNT entre os demais grupos etários.. Na nossa pesquisa, o número médio de doenças crônicas relatado pelos participantes ficou em 4,43 doenças. Entretanto, quanto a variabilidade da dieta quem demonstrou alta, apresentou também uma média maior de doenças crônicas em relação aos demais. Esse resultado pode ser atribuído porque aqueles que demonstram um conjunto de doenças maior recebem maior incentivo a mudança de estilo de vida e alimentar. Sendo assim, os longevos e/ou familiares preocupam-se mais em manter hábitos de vida mais saudáveis a fim de melhorar a qualidade de vida através do manejo dessas doenças postergando as complicações próprias das DCNT6.
Os longevos com menor tempo no teste do TUG foram aqueles com IVD médio. Provavelmente, são aqueles que realizam exercícios e consomem mais alimentos. Uma boa capacidade funcional no idoso está ligada a uma alimentação que contemple alimentos saudáveis e que, consequentemente, supram as necessidades nutricionais15. Quando isso não ocorre a perda da mobilidade e força física está relacionada a falta de alguns nutrientes importantes, que a má alimentação por vezes não promove15.
Os longevos com mastigação má ou péssima demonstraram IVD baixo. A presença de xerostomia e capacidade mastigatória prejudicada, influenciam a seleção por parte dos idosos quanto aos alimentos para o consumo, pois aqueles alimentos mais duros como carne bovina, vegetais crus, frutas e grãos tendem a não serem representados na alimentação dos indivíduos que têm algum desses problemas11. E o consumo reduzido desses alimentos, que está relacionado ao aumento do consumo de alimentos ricos em carboidratos e açúcar refinado, pela textura mais macia, levam a problemas de ordem nutricional a médio e longo prazo. Esse dado foi confirmado no estudo de Emami e colaboradores que demonstrou que que a condição bucal (dentição e umidade) interfere na seleção e consumo de alimentos mais macios e menos variados16.
A maioria da nossa amostra relatou perda de peso. Este dado vai ao encontro a um estudo que sinalizou que os idosos mais velhos (octogenários) apresentam maior percentual de perda de peso, quando comparado a idosos mais jovens de 65 a 69 anos17. A perda de peso sinaliza um alerta quanto a alimentação dos idosos. Na nossa pesquisa os longevos que referiram não apresentar perda de peso apresentaram dieta mais variada. Na nossa amostra os longevos que referiram ter perdido peso apresentou IVD médio. Quem referiu que não perdeu peso parece ter uma alta variedade da dieta. Esses achados podem ser explicados por aqueles longevos que conseguem manter o peso, mantém a mesma ingestão alimentar em quantidade e variedade a longo prazo. Já aqueles que perderam peso apresentam monotonia alimentar, situação que pode ocorrer em idosos com baixo peso ou estado nutricional inadequado como a desnutrição. Assumpção relacionam a falta da alimentação adequada ao pior estado nutricional 9,18.
Na nossa amostra a maioria dos participantes referiram que não diminuíram a ingestão alimentar. E em relação a variabilidade, quem informou não diminuir a ingestão alimentar apresentou IVD médio, já quem referiu diminuição da ingestão alimentar moderada e severa, apresentou uma variabilidade baixa. A falta de apetite e ingestão alimentar pode ser explicada pela diminuição gustativa em idosos com mais de 65 anos19. A diminuição gustativa, acarreta a falta de apetite, monotonia alimentar e está intimamente relacionada a redução na ingestão alimentar19.
No artigo de Abreu foi verificada uma prevalência de 40% de xerostomia entre os idosos, resultado este que é muito prevalente nesta população20. Esse dado vai ao encontro com os nossos achados que confirma uma elevada presença de xerostomia (escassez de saliva) na população estudada. Na nossa amostra 91,32% dos longevos entrevistados possuíam xerostomia, no entanto os motivos não estão esclarecidos. Apresentar sempre ou às vezes xerostomia foi indicativo de significância para IVD baixo, demonstrando que essa condição interfere nas escolhas alimentares. O nosso achado vai ao encontro com o artigo de Gomes que evidenciou baixa qualidade da dieta em idosos com problemas na boca6.
Adotar uma alimentação variada e saudável contribui na prevenção e no tratamento da constipação21. O percentual mais elevado de IVD alto foi entre os nonagenários que relataram apresentar constipação (38,64%) esse achado pode ser explicado como medida não farmacológica para melhorar essa condição.
O nosso resultado vai ao encontro com o do artigo de Abreu que sinalizou que 26,7% dos idosos apresentam constipação20. A constipação está relacionada às alterações no trato gastrointestinal com o envelhecimento, ocorrendo uma tendência a lentidão das funções intestinais, ao consumo de pouca ingestão de fibras, água e ao uso de alguns fármacos1,23. Em uma pesquisa, foi encontrado que a constipação se desenvolve prioritariamente pelos hábitos alimentares inadequados da pessoa, principalmente pela ausência de fibras alimentares 22.
Os participantes da nossa pesquisa, os quais, não possuem episódios de diarreia demonstraram predomínio do consumo de uma dieta com alta variabilidade. Pode se inferir que esse resultado está atrelado a ausência da alteração gastrointestinal, pois assim eles não limitam os alimentos consumidos, como muitas vezes ocorre naqueles longevos com diarreia crônica.
Em instituições de longa permanência (ILPI) um indicador da condição de saúde dos idosos é a frequência de episódios de diarreia24. No âmbito domiciliar, não temos indicadores, no entanto a presença de diarreia é um sinal de desordem intestinal, e possui inúmeras causas, dentre elas a alimentação inadequada. O tratamento da diarreia é realizado após a detecção da causa e com dieta não restrita e hidratação adequada 25.
Uma dieta de qualidade está diretamente relacionada a uma variabilidade da dieta, pois quanto mais nutrientes diferentes forem incluídos na rotina alimentar, maior a chance de a alimentação suprir as necessidades nutricionais dos nonagenários e centenários, as quais são diferentes das demais faixas etárias.
Investigar os hábitos alimentares considerando a variedade quanto ao consumo dos grupos alimentares nos permite conhecer o padrão alimentar dos longevo, e assim, é possível oferecer orientações dietéticas específicas para esse grupo específico.
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