EDITORIAL
Cobertura vacinal em declínio: hora de agir!
Vaccine coverage in decline: time to take action!
Cobertura vacinal em declínio: hora de agir!
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 6, núm. 3, pp. 1-3, 2018
INCQS-FIOCRUZ
A cobertura vacinal está em queda no Brasil. Os dados são oficiais. O Ministério da Saúde (MS) adverte que mais de 300 municípios têm cobertura menor do que 50% para a poliomielite, até 1 ano de idade1.
Na série histórica, de 2011 a 2015, a cobertura recomendada (95%) foi alcançada, com forte queda e perda da cobertura adequada para os anos seguintes. Caíram, também, as coberturas para vacina pneumocócica, penta (DTP/Hib/HB), tríplice viral, BCG, meningocócica C, rotavírus etc.2.
Se a homogeneidade (obtenção da meta estabelecida em 70% ou mais dos municípios de uma unidade federada) da cobertura vacinal já merecia melhorar, a queda de cobertura, é preocupante3.
O fenômeno não é exclusividade nacional. Recomendação do Conselho da União Europeia publicada em abril de 2018, “sobre o reforço da cooperação contra as doenças que podem ser prevenidas por vacinação”, mostra que, só em 2017, mais de 14.000 pessoas foram contaminadas pelo sarampo, mais do triplo de 2016. O documento é claro ao afirmar que, apesar de a cobertura diferir entre os países, todos enfrentam desafios comuns: “diminuição da cobertura, escassez da oferta e crescente hesitação em vacinar”4.
Em estudo colaborativo entre o Imperial College, de Londres, a National University, de Singapura e o WIN/Gallup International Association, Larson et al.5,6 mostraram, com base em respostas de mais 65 mil pessoas, em 67 países, que, embora o sentimento mundial seja positivo em relação à vacinação (vacinas seriam importantes), resultados controversos ocorrem entre países. Para média mundial de 13% de desconfiança quanto à segurança vacinal, europeus, com destaque para franceses (41%), são maioria entre as 10 nações em que seus indivíduos menos têm confiança na segurança vacinal. Incompatibilidade religiosa com o uso de vacinas foi menor entre católicos do que entre religiões do Pacífico Ocidental, e mais velhos (> 65 anos) têm mais confiança do que mais novos. Aos autores, parece haver relação inversa entre nível socioeconômico de um país e a confiança na segurança vacinal5.
Em estudo publicado recentemente, os brasileiros mostraram acreditar fortemente: na importância da vacinação (> 90%), na segurança e efetividade vacinal (> 85%) e na compatibilidade entre suas crenças religiosas e a vacinação (> 85%)7.
Pesquisa feita pela Research America e pela American Society of Microbiology, em 2018, com amostra de norte-americanos8, revelou que 90% deles acreditam na importância da vacinação e 61% que não vacinar crianças traz risco às próprias crianças e à comunidade. Porém, estão menos confiantes tanto na segurança e recomendações do sistema de vacinação (77% contra 85%) quanto em assegurar suprimento de vacinas necessário (67% contra 78%) do que há 10 anos. A desconfiança em relação a vacinas se traduz, também, quando 53% informam não terem se vacinado contra influenza, na última temporada, 48% por não acreditarem na vacina e 40% por entenderem não necessitarem se vacinar. Ao mesmo tempo, 85% acreditam que o governo deva investir mais em busca de novas e melhores vacinas.
Estudo recente com mães chinesas, japonesas e sul-coreanas mostrou que escutarem informações radiofônicas, terem melhor nível de renda e maior influência sobre as decisões financeiras familiares interferem positivamente na vacinação dos filhos (BCG, DPT, poliomielite e sarampo). Mas destaca que fatores regionais e culturais exercem importante papel e devem ser levados em conta nas campanhas educativas9.
Vários autores apontam causas diferentes e associadas para a redução vacinal: demanda crescente; oferta reduzida; despreparo de profissionais e educadores; pais jovens, que não enfrentaram as doenças, têm afastamento de seus reais riscos e não as valorizam, assim, notícias falsas e crescentes na mídia (como mostra estudo italiano sobre uso crescente do You Tube para propagar informações falsas – associação com autismo, com intoxicações, alarde de potenciais efeitos colaterais, mesmo quando em baixas proporções etc.)10 levariam pais a hesitar em se vacinar e a seus filhos. A hesitação vacinal é tomada com tal importância que há guia europeu voltado a ela11.
No Brasil, o MS reconhece como hipóteses à redução vacinal: a deficiência de profissionais; a mobilidade populacional em esquemas vacinais de doses múltiplas; a disponibilidade inadequada de insumos e locais de aplicação de vacinas; o desconhecimento de esquemas vacinais; o horário insuficiente e inadequado para vacinação; a falsa segurança da não necessidade vacinal, dentre outros2.
Mas algo há a que não se está dando a devida relevância. A recente pesquisa citada mostrou que brasileiros dão importância à vacinação e confiam em sua segurança e efetividade. As explicações que se assentam sobre falsa sensação de segurança de doenças não vividas por pais jovens não respondem por quais motivos isto não ocorreu até 2014, 2015. Os pais só deixaram de reconhecer riscos reais nestes últimos 2 a 3 anos? Não parece fazer sentido.
Campanhas em prol da vacinação vêm sendo mostradas em programas televisivos e radiofônicos. Pede-se civilidade aos pais. Informa-se que não vacinar os filhos traz risco a eles e aos demais. Mostra-se que é crime não vacinar os próprios filhos. A ameaça pelo não cumprimento vacinal muda de nível: torna-se claro que não é, apenas, exigência para matrícula escolar de crianças. Tenta-se mostrar, agora, sem máscaras: é crime e pode ser punido12.
Mas serão suficientes tais argumentos e tempos de divulgação? A dúvida permanece e outras hipóteses e necessidades para ruptura da insuficiente cobertura se lançam:
Poderia a insuficiente cobertura, ao menos em parte, se dar em razão do aumento de desconfiança não só do sistema vacinal, mas do setor Saúde e do Estado que representa?
O tempo de propaganda televisiva dedicado à vacinação é adequado? É, ao menos, similar ao tempo dedicado à violência, corrupção, acidentes e desgraças que se tornaram cotidianas? Se não o for, isto é adequado?
Ao se entrar em redes sociais, quase de imediato surgem propagandas de consumo moldadas aos indivíduos. Por qual motivo o Estado não se mostra nestas horas? Vacinação é consumo necessário a todos, gratuito, e o Brasil tem o maior programa gratuito mundial? O que se está esperando para agir de forma adequada ao momento em que se vive? Onde estão os anúncios convidando a consumir vacinas, à vacinação? É consumo necessário a todos.
O que se está esperando para ousar?
A nova esperança para a poliomielite e o sarampo é a campanha de agosto de 2018. Quase se pode ouvir uma prece coletiva do ambiente sanitário para que a população atenda ao chamamento dos meios de comunicação.
Não há como terceirizar a ideologia vacinal. Não se pode depender dos humores da sorte. Saúde é direito e vacinar é preciso. É função de todos o estímulo à vacinação. A falha do Estado é a de todos nós. Não há vencedores, todos seremos derrotados.
É hora de agir e a Visa em Debate toma o tema como prioritário e lançará produção específico nos próximos números.
Colabore, divulgue, critique.
REFERÊNCIAS
1. Ministério da Saúde (BR). Alerta: 312 cidades têm baixa cobertura vacinal da pólio. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018[acesso 11 ago 2018]. Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/43797-ministerio-da-saude-alerta-para-baixas-coberturas-vacinais-para-polio
2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações. Avaliação das coberturas vacinais. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018.
3. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Imunizações, Coberturas Vacinais no Brasil – Período 2010-2014. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015.
4. Comissão Europeia. Proposta de Recomendação do Conselho sobre o reforço da cooperação contra as doenças que podem ser prevenidas por vacinação. Bruxelas: Comissão Europeia; 2018[acesso 11 ago 2018]. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52018DC0244&from=PT
5. Larson HJ, Jarrett C, Schulz WS, Cjaudhuri M, Zhou Y, Dube E et al. Measuring vaccine hesitancy: the development of a survey tool. Vaccine. 2015;33(34):4165-75. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2015.04.037
6. Larson HJ, Figueiredo A, Xiahong Z, Schulz WS, Verder P, Johnston IG et al. The state of vaccine confidence 2016: global insights through a 67-country survey. EBioMedicine. 2016;12:295-301. https://doi.org/10.1016/j.ebiom.2016.08.042
7. Vaccine Confidece Project; London School of Hygiene & Tropical Medicine. The state of vaccine confidence: 2016. London: Vaccine Confidence Project; 2016[acesso 11 ago 2018]. Disponível em: http://www.vaccineconfidence.org/research/the-state-of-vaccine-confidence-2016/
8. Research America. Americans’ views on vaccines and infectious diseases. Arlington: Research America; 2018[acesso 11 ago 2018]. Disponível em: https://www.researchamerica.org/sites/default/files/MAY182018_VaccinePressRelease_final.pdf
9. Minsoo J. The effect of maternal decisional authority on children´s vaccination in East Asia. PlosOne. 2018. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0200333
10. Donzelli G, Palomba G, Federigi I, Aquino F, Cioni L, Verani M et al. Misinformation on vaccination: a quatitative analysis of You Tube vídeos. Hum Vaccin Immunother. 2018;14(7):1654-9. https://doi.org/10.1080/21645515.2018.1454572
11. European Centre for Disease Prevention and Control. Let’s talk about hesitancy: enhancing confidence in vaccination and uptake. Stockholm: European Centre for Disease Prevention and Control; 2016.
12. Fraga V. Em nome dos filhos. Rio de Janeiro: OABRJ; 2017[acesso 11 ago 201]. Disponível em: http://www.oabrj.org.br/materia-tribuna-do-advogado/19548-em-nome-dos-filhos
Autor notes
* E-mail: nanoimpacto@gmail.com
Declaração de interesses
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.