ARTIGO

Incidência de eventos adversos cirúrgicos em hospital dia

Incidence of surgical adverse events at a day hospital

Eliana Auxiliadora M. Costa *
Universidade do Estado da Bahia, Brasil
Lícia Lígia Moreira
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Maria Enoy Neves Gusmão
Universidade Federal da Bahia, Brasil

Incidência de eventos adversos cirúrgicos em hospital dia

Vigilância Sanitária em Debate, vol. 5, núm. 2, pp. 77-82, 2017

INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 07 Outubro 2016

Aprovação: 30 Março 2017

RESUMO: Os eventos adversos cirúrgicos têm especial relevância pelo impacto sobre a saúde dos pacientes e por serem preveníveis. A despeito do crescente número de publicações nessa área, persistem lacunas de conhecimento acerca desses eventos na modalidade da assistência cirúrgica ambulatorial. Esta pesquisa objetivou estimar a incidência de eventos adversos cirúrgicos em hospital dia. Trata-se de um estudo de coorte retrospectiva de 55.879 pacientes operados num hospital dia entre os anos de 2010 e 2014. A incidência de eventos adversos cirúrgicos foi de 0,51%. Destes eventos, 0,31% foram de Infecções do sítio cirúrgico e 0,19% de outros eventos adversos cirúrgicos distribuídos proporcionalmente em: deiscência da ferida cirúrgica (12,90%), hemorragia (5,20%), flebite (5,20%) e trombose dos membros inferiores (4,90%). Os resultados deste estudo ratificam que a cirurgia realizada em regime ambulatorial de hospital dia está relacionada a menores incidências de eventos adversos cirúrgicos, entretanto, é indispensável um sistema de seguimento dos pacientes após alta, no sentido de evitar a subnotificação e sub-registros dos dados, que, na ausência desse, pode ocultar dados e identificar taxas irreais.

Palavras chave: Reação adversa, Hospital dia, Segurança do paciente, Vigilância Sanitária.

Abstract: Surgical adverse events are especially relevant because of their impact on patients’ health and because they are preventable events. Despite the growing number of publications in this area, there are still gaps in knowledge about these events in the ambulatory surgical care modality. This study aimed to estimate the incidence of surgical adverse events at a day hospital. It is a retrospective cohort study of 55,879 patients operated in a hospital between 2010 and 2014. The incidence of surgical adverse events was 0.51%. Of these, 0.31% were surgical site infections and 0.19% of other surgical adverse events proportionally distributed in surgical wound dehiscence (12.90%), hemorrhage (5.20%), phlebitis (5.20%) and lower limb thrombosis (4.90%). The results of this study confirm that the surgery performed at an outpatient day hospital is related to lower incidences of surgical adverse events; however, a follow-up of patients after discharge is indispensable in order to avoid under and subreporting, that can hide data and identify unrealistic rates.

Keywords: Adverse reaction, Day Care, Patient safety, Sanitary Surveillance.

INTRODUÇÃO

Milhares de pacientes sofrem danos decorrentes de erros diagnósticos e terapêuticos ocorridos durante cuidados de saúde e o papel da assistência hospitalar, da qualidade e segurança têm sido ampla e crescentemente discutidos, bem como a contribuição dos fatores que interferem na distribuição do risco de incidentes em serviços de saúde, particularmente dos serviços hospitalares1. Entretanto, a despeito da relevância, qualidade e segurança não são temas fáceis de serem implementados em serviços de saúde.

A qualidade é um conceito complexo que compreende a relação entre os benefícios, os riscos e os custos de uma intervenção sanitária. Qualidade em saúde é o “modo como os serviços de saúde aumentam a possibilidade de obter resultados desejáveis e reduzem a possibilidade de obtenção de resultados indesejados”2,3,4,5, o que se constitui num desafio do cotidiano da prática do cuidado assistencial. Nesse sentido, cuidado de saúde de boa qualidade é aquele que proporciona ao paciente o bem-estar máximo, após ter sido considerado o equilíbrio previsto entre os ganhos (benefícios) e as perdas (danos) que acompanham o processo assistencial em toda a sua extensão5.

A avaliação da qualidade de serviços na área da saúde é tema em reascensão, sendo impulsionada em todo o mundo pelos estudos dos eventos adversos (EA) e segurança, uma vez que a segurança do paciente tem sido considerada um atributo prioritário da qualidade dos serviços de saúde.

Os dados publicados sobre erros, negligências e EA de uma atenção insegura à saúde constituem uma das maiores preocupações de organismos internacionais de saúde, de órgãos reguladores estatais, de instituições, de profissionais de saúde e principalmente dos pacientes usuários desses serviços, e requerem respostas das instituições de saúde e dos órgãos governamentais2,5,6.

Apesar de ser um tema de debate contemporâneo, a segurança em saúde é objeto de preocupação desde a antiguidade, retratado pela célebre frase de Hipócrates em 429 a.C.: Primum Non Nocere. Segurança do paciente é definida como o ato de evitar, prevenir e melhorar os resultados adversos ou as lesões originadas no processo de atendimento médico-hospitalar5. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define Segurança como “ausência de dano desnecessário, real ou potencial, associado à atenção à saúde”2,4,6,7.

No estudo da segurança em saúde vários conceitos são abordados como os seguintes: incidente – definido como todo evento ou circunstância que pode resultar ou não em dano ao paciente; evento adverso (EA) – designado como lesão ou dano não intencional que resultou em incapacidade ou disfunção, temporária ou permanente e/ou prolongamento do tempo de hospitalização ou morte como consequência do cuidado assistencial; erro – é a falha em executar um plano como pretendido; violações – são erros/atos intencionais; negligência – é um erro injustificável ocasionado por abandono, indolência, apatia, estudo insuficiente, falta de diligência, omissão de precauções devido à falta de cuidados na aplicação do conhecimento por profissional qualificado7,8,9,10,11.

Os estudos sobre a incidência de EA no mundo iniciaram na década de 1980 com um estudo realizado em Harvard University que objetivou desenvolver uma estimativa atualizada e segura da incidência de EA e negligência em pacientes hospitalizados na cidade de Nova York em 19848. Foram analisados 31.429 prontuários de pacientes internados em hospitais de cuidado agudo e não psiquiátricos. A taxa de incidência de EA encontrada foi de 3,7%, com 27,6% de EA atribuídos a negligência. A maioria dos EA (56,8%) foi considerada como pequenos danos com reversão completa em um mês8.

Estudos posteriores alertam que 10% dos pacientes internados em hospitais sofrem algum tipo de evento adverso. Na Europa, estima-se que um em cada 10 pacientes internados são vítimas de EA e que 50% a 60% desses eventos são classificados como evitáveis2,5,7.

Existem poucos dados sobre EA em países em desenvolvimento. Um estudo transversal identificou a prevalência pontual de EA em 58 hospitais localizados na Argentina, Colômbia, Costa Rica, México e Peru. Foram analisados 11.379 pacientes internados e identificada uma taxa de prevalência pontual de EA de 10,5%. Destes, 28,0% causaram incapacidade aos pacientes lesados, 6,0% morte e 60,0% desses EA foram classificados como evitáveis10.

No Brasil, a avaliação pioneira da incidência de EA foi realizada em 2003, em três hospitais públicos e de ensino no Rio de Janeiro. Este estudo avaliou 1.103 pacientes, identificando 56 EA evitáveis (5,1%), com proporção de 66,7% de EA evitáveis entre os eventos evitáveis e não evitáveis. Esses eventos foram relacionados à cirurgia (32,3%), as infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) (24,6%), aos procedimentos médicos não cirúrgicos (29,2%) e ao erro diagnóstico (15,3%) como os mais frequentes. As IRAS foram os EA que mais impactaram e resultaram em 226 dias adicionais de hospitalização para os pacientes acometidos7.

Reconhecendo a magnitude do problema de segurança do paciente a nível global, a OMS estabeleceu em 2004 a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, com o propósito de definir e identificar prioridades nesta área em diversas partes do mundo, bem como contribuir para uma agenda mundial de pesquisas6.

Para tanto, esta aliança lançou dois desafios globais, o primeiro em 2005, com o foco na prevenção e redução das IRAS. O segundo desafio, lançado em 2007, intitulado “Cirurgias seguras salvam vidas”, objetivou a prevenção das infecções de sítio cirúrgico, a anestesia segura, as equipes cirúrgicas seguras e os indicadores da assistência cirúrgica6.

O estudo dos EA cirúrgicos tem especial relevância pelo impacto considerável sobre a saúde dos pacientes, pelos custos e por constituir um instrumento da qualidade assistencial, uma vez que esses eventos podem ser evitáveis6,11,12,13.

Dentre os EA que podem ocorrer em pacientes cirúrgicos, a OMS cita: infecção do sítio cirúrgico (o mais frequente); cirurgias realizadas em sítio errado; complicações anestésicas; corpo estranho deixado no corpo do paciente durante o procedimento; deiscência da ferida operatória; desordens metabólicas e fisiológicas; embolia pulmonar; trombose venosa profunda, hemorragias, hematomas, queimaduras, dentre outros6.

A despeito do crescente número de estudos publicados sobre EA, na área cirúrgica, persistem lacunas de conhecimento e várias questões podem ser colocadas a exemplo de: qual o risco de EA cirúrgicos para um paciente submetido a procedimentos em regime de hospital dia? Qual especialidade cirúrgica está implicada com maior incidência de EA? Em que medida a implementação do protocolo de segurança em cirurgia contribui para a redução desses eventos? São questionamentos que suscitam mais estudos nessa área.

Neste sentido, este estudo procura responder à seguinte questão central: Quais os EA cirúrgicos mais incidentes em hospital dia? Tem por objetivo estimar a incidência de EA cirúrgicos em um hospital dia.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de coorte retrospectiva que permitiu estimar a incidência dos principais EA cirúrgicos em hospital dia. Utilizou-se o conceito de hospital dia como “assistência intermediária entre a internação e o atendimento ambulatorial para a realização de procedimentos clínicos ou cirúrgicos, que requeiram a permanência do paciente na unidade por período máximo de 12 horas”, definido pela Portaria GM/MS n° 44, de 10 de janeiro de 201114.

O hospital dia estudado é uma organização localizada em Salvador, Bahia (BA), de caráter privado, conveniado, que realiza exclusivamente procedimentos cirúrgicos em regime de hospital dia, com movimento de aproximadamente 1.000 cirurgias/mês e média (total) de 12.000 procedimentos cirúrgicos/ano.

Tendo em vista a particularidade do hospital em estudo, onde os pacientes recebem alta no mesmo dia do procedimento operatório, utilizou-se o banco de dados dos pacientes monitorados pelo Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) da instituição. Este serviço possui uma ficha de monitoramento para cada paciente operado e um sistema de vigilância após alta cirúrgica, por meio de contatos telefônicos (máximo de três contatos por paciente), decorridos 28–30 dias da cirurgia, para identificar a evolução pós-operatória e os EA manifestados após alta.

Desse modo, fizeram parte desta coorte as fichas de monitoramento individual dos pacientes operados no período de 2010 a 2014, que compreendeu um número de 55.879 fichas de pacientes.

A busca dos dados foi executada entre os meses de março a maio de 2015 e a coleta de dados das fichas dos pacientes operados foi realizada em duas etapas.

Na 1ª etapa, dita de triagem, todas as fichas dos pacientes foram analisadas por duas estagiárias do 6º semestre do curso de graduação em Enfermagem treinadas pelas pesquisadoras para esta atividade, que transcreveram os dados das fichas do SCIH para um instrumento próprio desse estudo, contendo as seguintes informações: identificação do paciente, idade, telefone, diagnóstico de base, tipo de cirurgia, nome e número do conselho regional do cirurgião, tempo cirúrgico, sistema de classificação clínica [American Society of Anesthesiologists (ASA)], uso de antibiótico profilático, intercorrências presentes durante o período do transoperatório e dados informados pelos pacientes durante contato telefônico após alta realizada pelo SCIH e registrados nas fichas de monitoramento. Foram selecionadas as fichas dos pacientes que apresentaram intercorrências durante o período transcirúrgico e as fichas dos pacientes que relataram queixas durante contato telefônico após alta realizada pelo SCIH do hospital.

Na 2ª etapa, denominada de análise, as fichas dos pacientes selecionados na 1ª etapa, foram avaliadas pelas pesquisadoras, a fim de definir casos suspeitos e confirmar ou não EA relacionados aos procedimentos cirúrgicos.

Foram utilizados os critérios diagnósticos de infecção hospitalar do sítio cirúrgico, adotados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)16 e a definição de EA adotada pela OMS7. Em casos de dúvida, as pesquisadoras contataram os cirurgiões responsáveis pela cirurgia dos pacientes envolvidos para consensuarem os EA identificados nos seus pacientes. Os dados foram armazenados e analisados no programa Epiinfo.

Foi realizado um contato com a diretoria do hospital para expor os objetivos da pesquisa, obter permissão para sua realização, com a garantia do sigilo dos dados coletados, sendo aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição, sob o número 2/2015.

RESULTADOS

A distribuição dos procedimentos cirúrgicos do hospital dia estudado encontra-se na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição proporcional de pacientes monitorados entre os que realizaram procedimentos cirúrgicos, segundo o ano no hospital dia, Salvador (2010–2014).
PeríodoNo pacientes operadosNo pacientes monitorados
n%
201012.10310.93290,30
201112.28410.47085,20
201212.70811.50690,50
201313.64812.05488,30
201412.91210.91784,50
Total63.65555.87987,70

Observou-se que, entre 2010 e 2014, foram operados no hospital em estudo 63.655 pacientes. Destes, foram monitorados após alta por meio de contatos telefônicos realizados pelo SCIH, 55.879 pacientes. A proporção de pacientes monitorados variou entre 84,50% (2014) e 90,50% (2012), com um total de 87,70% pacientes acompanhados após alta.

Observou-se que, dos 55.879 pacientes operados e monitorados no hospital dia, 285 (0,51%) apresentaram EA cirúrgicos. Foram excluídos alguns EA que, apesar de diagnosticados na coleta de dados após alta, foram definidos como parte inerente da fase recuperatória após o processo cirúrgico, tais como: dor, edema, inflamação e secreção serosa no local operado e, portanto, esses sinais e sintomas não foram considerados como EA neste estudo. Entre os anos 2010 e 2013, os EA apresentaram uma variação não significativa no número absoluto (47 a 52), com uma média de 51 eventos por ano. Em 2014, ocorreram 83 EA com um aumento percentual de 62,70% em relação aos anos anteriores (Tabela 2).

Tabela 2
Incidência de eventos adversos cirúrgicos em pacientes monitorados segundo o ano de estudo no hospital dia, Salvador (2010–2014).
PeríodoNº de pacientes monitoradosEventos adversos
n(%)
201010.932520,47
201110.470510,48
201211.506520,45
201312.054470,38
201410.917830,76
Total55.8792850,51

A incidência de EA por tipo, segundo os anos estudados, encontra-se na Tabela 3. Os EA cirúrgicos foram distribuídos em dois grupos: o grupo das infecções do sítio cirúrgico (ISC) e o grupo de outros eventos. Dos 285 (0,51%) eventos, identificamos 175 (0,31%) ISC e 110 (0,19%) outros EA. Observou-se uma distribuição quase uniforme tanto das ISC, quanto dos outros EA cirúrgicos nos anos estudados. As taxas para ISC variaram de 0,24% em 2013 (menor taxa) a 0,37% em 2014. Para os outros EA que não infecção cirúrgica, a menor taxa foi de 0,12% em 2010 a 0,38% em 2014.

Tabela 3
Incidência de eventos adversos cirúrgicos por tipo, segundo anos estudados.
PeríodoPacientes monitoradosInfecção do sítio cirúrgicoOutros eventos adversosTotal de eventos adversos
Anosnn (%)n (%)n (%)
201010.93238 (0,34%)14 (0,12)52 (0,47)
201110.47030 (0,28%)21 (0,20)51 (0,48)
201211.50637 (0,32%)15 (0,13)52 (0,45)
201312.05429 (0,24%)18 (0,14)47 (0,38)
201410.91741 (0,37%)42 (0,38)83 (0,76)
Total55.879175 (0,31%)110 (0,19)285 (0,51)

Observou-se que as ISC são os EA mais frequentes (61,4%). A seguir, a deiscência da ferida operatória (12,90%), a hemorragia no local operado e as flebites (5,20%) e trombose em membros inferiores com percentual de 4,90% (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição percentual dos eventos adversos cirúrgicos versus anos estudados, Salvador (2010–2014).
Eventos adversos 2010–2014 %n%
Infecção do sítio cirúrgico17561,40
Trombose MMII144,90
Hematoma72,40
Hemorragia155,20
Queimadura20,70
Alergia local operado51,70
Deslocamento retina31,00
Deiscência3712,90
Rejeição tela prolene20,70
Flebite155,20
Rompimento de ponta de cateter10,30
Distensão abdominal10,30
Fibrose51,70
Linfocele10,30
Tromboembolismo pulmonar10,30
Perfuração intestinal10,30
Total100285,00

DISCUSSÃO

A coorte de 55.879 pacientes cirúrgicos, operados em regime ambulatorial deste estudo, identificou um percentual de EA de 0,51% e desses, 0,31% de ISC e 0,19% de outros EA cirúrgicos, distribuídos mais frequentemente em deiscência da ferida cirúrgica (12,90%), hemorragia (5,20%), flebite (5,20%) e trombose dos membros inferiores (4,90%).

Estudo espanhol realizado em 24 hospitais com 5.908 pacientes revelou 525 (8,8%) EA e uma incidência de óbito de 4,4%2. Estudo holandês, que revisou 7.926 prontuários em 21 hospitais, identificou que EA cirúrgicos ocorreram em 3,6% das internações hospitalares e representaram 65% de todos os EA. Quase 40% desses eventos foram infecções, 23% sangramentos e 22% lesões por causas mecânicas, físicas ou químicas13.

Outro estudo sobre EA cirúrgicos em hospitais pediátricos no Canadá identificou um percentual de 37,2%16.

No Brasil, estudo realizado em hospitais do Rio de Janeiro com 1.103 pacientes revelou uma incidência de 3,5% de EA. A proporção de pacientes operados e que apresentaram EA cirúrgicos foi de 5,9%, com uma taxa de mortalidade de 18,4%. Os EA cirúrgicos mais frequentes foram os relacionados com as ISC (19,5%)11.

Existem poucos dados publicados sobre EA cirúrgicos em regime de internação em hospital dia, talvez devido à especificidade desse tipo de atendimento, na grande maioria pontual, cujo contato com o paciente ocorre apenas no momento da entrevista pré-anestésica e essencialmente no dia da cirurgia. Esse fato concorre para aumentar as dificuldades no monitoramento longitudinal desses pacientes após procedimentos cirúrgicos.

Um estudo realizado na Califórnia (EUA) em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos gerais combinados com cirurgia estética a nível ambulatorial, entre 2005 a 2010, identificou um percentual de tromboembolismo venoso de 0,57%, em pacientes submetidos à abdominoplastia, 0,20% em pacientes submetidos à lipoaspiração, 0,12% de tromboembolismo venoso em pacientes submetidos à redução de mama e 0,28% em pacientes com cirurgia facial17.

Outro estudo que objetivou quantificar EA em cirurgias para remoção cirúrgica de carcinoma basocelular identificou entre 20.281 procedimentos, 149 (0,72%) EA. Os mais frequentes foram infecção (61,1%), deiscência e necrose parcial ou total (20,1%) e hematomas e hemorragias (15,4%)18.

Pesquisa realizada em cirurgias dermatológicas para caracterizar EA, demonstrou que, entre 2.418 pacientes submetidos a esses procedimentos, houve uma taxa de 2,0% de EA. Dentre esses, os mais frequentes foram infecção (64,0%), hemorragia pós-operatória (20,0%) e deiscência da ferida cirúrgica (8,0%)19.

Estudo prospectivo de 1.174 pacientes realizado em oito hospitais dia durante um período de três anos que objetivou avaliar a relação entre cirurgias e contatos secundários identificou uma taxa de retorno ao hospital dia de 1,21%, tendo como causa uma larga variedade de diagnósticos. Entre esses, hemorragia e hematoma (0,5%), infecção (0,4%) e eventos tromboembólicos (0,03%). O procedimento com maior taxa de complicação foi tonsilectomia (11,4%), abortos cirurgicamente induzidos (3,1%) e correção de hérnias inguinais (1,2%)20.

Com base nos dados acima descritos, especialmente os dados reportados de hospital dia18,19,20,21, avaliamos que a incidência de EA de 0,51% encontrada no nosso estudo é menor do que as apresentadas nos estudos citados (0,72%18, 2%20 e 1,21%20).

Os EA mais frequentes identificados no nosso estudo, tais como ISC (61,40%), deiscência (12,90%), hemorragias e flebites (5,20%) e tromboembolismo (4,90%) são compatíveis com os EA informados nos estudos descritos, mas em percentuais bem menores do que os referidos para os hospitais dia citados. Isto pode ser explicado pela ausência ou dificuldade de seguimento desses pacientes após procedimento, contrariamente ao nosso estudo que possui um acompanhamento sistemático dos pacientes após a alta do hospital dia.

CONCLUSÕES

Este estudo conseguiu atingir o objetivo proposto e responder a sua pergunta norteadora na medida em que identificou a incidência de EA cirúrgicos em hospital dia, contribuindo, assim, para o avanço do conhecimento desses agravos na modalidade ambulatorial cirúrgica de assistência à saúde.

Por limitações na coleta de dados, não conseguimos identificar qual a especialidade cirúrgica mais implicada com a ocorrência desses EA, nem tecer considerações acerca do aumento significativo dos EA ocorridos em 2014, quando comparados com os anos anteriores de 2010 a 2013.

Os resultados deste estudo ratificam que a cirurgia realizada em regime de hospital dia está relacionada a menores taxas de EA cirúrgicos. Entretanto, torna-se indispensável um sistema de seguimento dos pacientes após alta, no sentido de evitar a subnotificação e sub-registros dos dados, que na ausência desse, pode ocultar dados e identificar taxas irreais.

REFERÊNCIAS

1. Aibar C, Aranaz J. Pueden evitar-se los sucesos adversos relacionados com la aténcion hospitalaria? An Sis San Navarra. 2008;26(2):195-209.

2. Reis CT, Martins M, Laguardia J. A segurança do paciente como dimensão da qualidade do cuidado de saúde: um olhar sobre a literatura. Cienc Saúde Coletiva. 2013;18(7):2029-36. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000700018

3. Sousa P. Patienty safety: a necessidade de uma estratégia nacional. Acta Med Port. 2006;19(4):309-18.

4. Machado JP, Martins ACM, Martins MS. Avaliação da qualidade do cuidado hospitalar no Brasil: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública. 2013;29(6):1063-82. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013000600004

5. Gama ZAS, Oliveira ACS, Hernández PJS. Cultura de seguridad del paciente y factores asociados em una red de hospitales públicos españoles. Cad Saúde Pública. 2013; 29(2):283-93. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013000200015

6. Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS, Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Segundo desafio global para a segurança do paciente: cirurgias seguras salvam vidas. Rio de Janeiro: Organização Pan-Americana da Saúde; 2009.

7. Mendes W, Pavão ALB, Martins M, Moura MLO, Travassos C. Características de eventos adversos evitáveis em hospitais do Rio de Janeiro. Rev Assoc Med Bras. 2013;59(5):421-8. http://dx.doi.org/10.1016/j.ramb.2013.03.002

8. Brennan T A, Leape LL, Laird NM, Hebert L, Localio AR, Lawthers AG et al. Incidence of adverse events and negligence in hospitalized patients: results of the Harvard Medical Practice Study. Qual Saf Health Care. 2004;13(2):145-51. https://doi.org/10.1136/qshc.2002.003822

9. National Quality Forum. Safe practices for better healthcare: 2010 update. Washington DC: The National Quality Forum; 2010.

10. Aranaz-Andrés JM, Aibar-Remón C, Limón-Ramírez R, Amarilla A, Restrepo FR, Urroz O et al. Prevalence of adverse events in the hospitals of five Latin American countries: results of the Iberoamerican Study of Adverse Events (IBEAS). BMJ Qual Saf. 2011;20(12):1043-51. https://doi.org/10.1136/bmjqs.2011.051284

11. Moura MLO, Mendes W. Avaliação de eventos adversos cirúrgicos em hospitais do Rio de Janeiro. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(3):523-35. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000300007

12. Aranaz-Andrés JM, Aibar-Remón C, Vitaller-Burillo J, Requena-Puche J, Terol-García E, Kelley E et al. Impact and preventability of adverse events in Spanish public hospitals: results of the Spanish National Study od Adverse Events (ENEAS). Int J Qual Health Care. 2009;21(6):408-14. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzp047

13. Zegers M, Bruijne MC, Keizer B, Merten H, Groenewegen PP, Wal G et al. The incidence, root-causes and outcomes of adverse events in surgical units: implication for potential prevention strategies. Patient Saf Surg. 2011;5(13):13. https://doi.org/10.1186/1754-9493-5-13

14. Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº. 44, de 10 de janeiro de 2001. [Aprova no âmbito do Sistema único de Saúde a modalidade de assistência - Hospital Dia]. Diário Oficial União. 11 jan. 2001.

15. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Critérios diagnósticos de infecção relacionada à assistência à saúde. Brasília, DF: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2013. (Série Segurança do paciente e qualidade em serviços de saúde).

16. Matlow AG, Baker GR, Flintoft V, Cochrane D, Coffey M, Cohen E et al. Adverse events among children in Canadian hospitals: the Canadian Paediatric Adverse Events Study. CMAJ. 2012;184(13):709-17. https://doi.org/10.1503/cmaj.112153

17. Saad AN, Parina R, Chang D, Gosman AA. Risk of adverse outcomes when plastic surgery procedures are combined. Plast Reconstr Surg. 2014;134(6):1415-22. https://doi.org/10.1097/PRS.0000000000000738

18. Alam M, Ibrahim O, Nodzenski M, Strasswimmer JM, Jiang SI, Cohen JL et al. Adverse events associated with mohs micrographic surgery: multicenter prospective cohort study of 20,821 cases at 23 centers. JAMA Dermatol. 2013;149(12):1378-85. https://doi.org/10.1001/jamadermatol.2013.6255

19. O’Neill JL, Lee YS, Solomon JA, Patel N, Shutty B, Davis SA et al. Quantifying and characterizing adverse events in dermatologic surgery. Dermatol Surg. 2013;39(6):872-8. https://doi.org/10.1111/dsu.12165

20. Majholm B, Engbæk J, Bartholdy J, Oerding H, Ahlburg P, Ulrik AM et al. Is day surgery safe? A Danish multicentre study of morbidity after 57.709 day surgery procedures. Acta Anaesthesiol Scand. 2012;56(3):323-31. https://doi.org/10.1111/j.1399-6576.2011.02631.x

Autor notes

* E-mail: costaeliana2003@ hotmail.com

Declaração de interesses

Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por