ARTIGO

Infecção do trato urinário em pacientes internados em clínica médica de um hospital universitário

Urinary tract infection in hospitalized patients in internal medicine of a university hospital

Écila Campos Mota *
Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, Brasil
Maria Luiza Andrade
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
Beatriz Rezende Marinho Silveira
Universidade Estadual de Montes Claros Gerais, Brasil
Adriana Cristina Oliveira
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Infecção do trato urinário em pacientes internados em clínica médica de um hospital universitário

Vigilância Sanitária em Debate, vol. 5, núm. 1, pp. 69-75, 2017

INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 23 Maio 2016

Aprovação: 27 Janeiro 2017

RESUMO

Objetivo: Avaliar a incidência e os fatores associados à infecção do trato urinário associados ao Cateter Vesical em adultos internados em clínica médica, bem como identificar a taxa de utilização, frequência do registro do pedido de inserção e retirada, adequação do uso em termos da indicação e do tempo de permanência do Cateter Vesical.

Método: Trata-se de uma coorte prospectiva desenvolvida em um hospital universitário de Minas Gerais. Análises univariadas foram realizadas através do teste Qui-quadrado ou teste exato de Fisher para variáveis categóricas e teste não paramétrico de Mann-Whitney para variáveis numéricas.

Resultados: Durante dez meses foram internados um total de 1.121 pacientes, desses, 63 (5,6%) fizeram o uso do Cateter Vesical, correspondendo a 880 Cateter Vesical/dia. A incidência de Infecção do Trato Urinário associada ao Cateter Vesical foi de 31,7%. Os resultados identificaram associações positivas entre ocorrência de infecção do trato urinário com o tempo de permanência hospitalar e tempo de uso do Cateter Vesical.

Conclusão: A conduta frente à indicação de uso do Cateter Vesical deve ser criteriosa, desde a avaliação da recomendação, inserção, manutenção e a sua retirada o mais brevemente possível, garantindo a segurança do paciente.

Palavras chave: Infecção Hospitalar+ Infecções Urinárias+ Cateterismo Urinário.

Abstract:

Objective: The aim of this study was to evaluate the incidence and the factors related to catheter-associated urinary tract infection in adults who were hospitalized in the internal medicine service, and to identify catheter utilization rates, frequency of the register of order of insertion and removal, adequacy of use in terms of indication, and catheter vesical length of permanence.

Method: This is a prospective cohort study conducted at a university hospital in Minas Gerais. Univariate analyses were performed using the chi-squared test or Fisher’s exact test for categorical variables, and the non-parametric Mann-Whitney test for numerical variables.

Results: In ten months, 1121 patients were admitted, 63 (5.6%) of these used the vesical catheter, being 880 urinary catheters/day. The incidence of catheter-associated urinary tract infection was 31.7%. The results showed positive associations between the occurrence of urinary tract infection with the length of permanence and time of use of the vesical catheter.

Conclusion: The use of urinary catheters should be limited to carefully selected patients, followed by a safe insertion and maintenance, and removed promptly, when no longer required, in order to ensure patients’ safety.

Keywords: Healthcare-associated Infection, Urinary Infections, Urinary Catheterization.

INTRODUÇÃO

O trato urinário é o sítio mais comum de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde (IRAS). A maioria das Infecções do Trato Urinário (ITU) adquiridas no hospital transcorre da instrumentação do trato urinário ou do cateterismo, sendo este a causa precipitante1 .

Entre os pacientes com bacteriúria, aproximadamente 10% a 25% desenvolvem sintomas de ITU e 1% a 4% desenvolvem sepse secundária à ITU2 .

As Infecções do Trato Urinário associadas ao Cateter Vesical (ITU-CV) são responsáveis por um grande reservatório de patógenos nosocomiais e frequentemente com perfis multirresistentes. Sendo assim, é importante encontrar medidas eficazes para prevenir essas infecções através da incorporação de novas tecnologias3 .

O Cateter Vesical (CV) é um recurso significante na assistência à saúde, contudo, seu uso é frequentemente excessivo e, depois de inserido, muitas vezes permanece por tempo muito maior do que o necessário4 .

Uma única cateterização associa-se com o risco de 1% a 2% de desenvolver ITU e o risco cumulativo eleva-se para 5% a cada dia com o seu uso5 .

Nesse aspecto, as indicações para cateterização vesical limitam-se aos casos de retenção urinária aguda ou obstrução vesical, controle de diurese em pacientes críticos, pós-operatório de cirurgias urológicas ou que envolvam estruturas contíguas ao trato geniturinário, cirurgias de longa duração, cirurgias em que o controle de diurese se faz necessário, em pacientes incontinentes com úlceras sacrais ou perineais, pacientes terminais ou pacientes em que se prevê longo período de imobilização no leito por traumas de coluna ou cintura pelve6 .

Existe evidência de que é maior a probabilidade do cateter ser devidamente indicado quando o médico registra o pedido de inserção no prontuário7 .

Considerando-se a cateterização vesical como principal fator desencadeante de ITU1 , este estudo se propõe a investigar a seguinte questão de pesquisa: Qual a incidência de ITU-CV em pacientes adultos internados em enfermarias de clínica médica?

Este estudo teve como objetivos avaliar a incidência e os fatores associados a ITU-CV em adultos internados em clínica médica bem como identificar a taxa de utilização, frequência do registro do pedido de inserção e retirada, adequação do uso em termos da indicação e do tempo de permanência do CV.

MÉTODO

Tratou-se de um estudo de coorte prospectiva desenvolvida em um hospital universitário geral do norte de Minas Gerais. Esse hospital atende a pacientes de alta complexidade, possui duas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), sendo uma neonatal/pediátrica e outra adulto e setor de urgência e emergência. Possui 186 leitos exclusivamente conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), sendo 64 de clínica médica, a qual é referência para atendimento de pacientes com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), tuberculose e transtornos mentais, para atender toda região do norte de Minas Gerais e Sul da Bahia.

Os dados foram coletados através de um instrumento semiestruturado em seguimento prospectivo dos pacientes elegíveis. Foram incluídos na pesquisa 63 pacientes adultos internados nas enfermarias de clínica médica submetidos à cateterização vesical por mais de 24 horas durante dez meses, no período de setembro de 2012 a julho de 2013. Excluíram-se os pacientes em uso do CV nas enfermarias de clínica médica cuja inserção tenha ocorrido em outro setor do hospital.

Todos os pacientes foram acompanhados diariamente até a alta. A variável dependente foi a ocorrência de ITU-CV e as variáveis independentes, dados referentes ao sexo, idade, uso de cateter vesical, tempo de permanência do cateter e de internação, troca do cateter, prescrição de inserção, retirada e indicação da cateterização vesical, intercorrências durante o procedimento, resultados de urocultura após inserção do CV, antibioticoterapia prévia e pós-inserção do CV, diagnósticos de outras IRASs e evolução do paciente. Pacientes submetidos à nova cateterização vesical com intervalo superior a sete dias foram considerados como casos novos tendo como base os critérios nacionais de IRASs2 .

Durante a pesquisa foi realizada a avaliação da adequação do uso do CV em relação à indicação e ao tempo de permanência, fazendo o uso dos critérios definidos pelo Guideline for prevention of catheter-associated urinary tract infections 20096 .

Os pacientes em uso do CV foram avaliados quanto à real necessidade do uso do cateter, seguindo-se as recomendações de uso descritas pelo guideline do Centers for Disease Control and Prevention (CDC)6 , e ao tempo de permanência de acordo com os seguintes critérios: pacientes com retenção urinária aguda ou obstrução vesical; pacientes críticos com necessidade de controle rigoroso de diurese; pacientes submetidos a cirurgias urológicas ou que envolvam estruturas contíguas ao trato geniturinário, cirurgias de longa duração, cirurgias em que o controle de diurese se faz necessário e pós-operatório de cirurgias urológicas até 24–48 horas; pacientes incontinentes com úlceras sacrais ou perineais; pacientes em que se prevê longo período de imobilização no leito por traumas de coluna ou cintura pelve; pacientes terminais para propiciar conforto.

Foi considerado uso inadequado do CV: cateterismo vesical como substitutos dos cuidados de enfermagem; pacientes incontinentes; para obter urina para exames em pacientes com diurese espontânea; quando não se utilizou condon como meio alternativo em homens sem retenção urinária; pós-operatório prolongado > 48 horas6 .

Os dados referentes ao total de pacientes internados nas enfermarias de clínica médica durante o período de coleta de dados foram fornecidos pelo Serviço de Arquivo Médico e Estatístico (SAME) do hospital.

Inicialmente foi feita uma análise descritiva de todas as variáveis do estudo investigadas por meio de tabelas de distribuição de frequências e medidas de tendência central e variabilidade.

Na análise univariada, foi realizado o teste Qui-quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher na comparação das variáveis categóricas. Para as variáveis numéricas, optou-se pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney devido ao caráter assimétrico das variáveis testadas. A força de associação entre as variáveis independentes e a dependente foi expressa em estimativas de Risco Relativo (RR). Em todas as análises considerou-se um nível de significância de 5% e foi utilizado o software estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 18.0.

A pesquisa obedeceu às normas da Resolução no 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta pesquisas com seres humanos e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros, sob parecer no 226.707/2013.

RESULTADOS

Durante o período de dez meses, foram internados nas enfermarias de clínica médica um total de 1.121 pacientes, desses, 63 (5,6%) fizeram o uso do CV em algum período da internação, correspondendo a 880 CV/dia. A densidade de incidência de ITU-CV foi de 22,7 por 1.000 CV/dia.

A média de idade dos pacientes que fizeram o uso do CV foi de 67,1 anos (mediana 70), com desvio-padrão de ± 17,7, mínimo de 16 e máximo de 95 anos. O tempo médio de internação foi de 38,3 dias (mediana 26), com desvio-padrão de ± 36,8, com mínimo de 5 e máximo de 202 dias. Em relação à permanência do CV, o tempo médio foi de 14,4 dias (mediana 11), com desvio-padrão de ± 16,6, com mínimo de um e máximo de 110 dias.

Os principais resultados referentes às características dos pacientes internados são apresentados na Tabela 1 .

Tabela 1
Características sociodemográficas dos pacientes que fizeram uso do cateter vesical. Montes Claros, MG, Brasil, 2012–2013.
Variáveisn%
Sexo
Feminino3250,8
Masculino3149,2
Faixa etária
< 20 anos11,6
31–40 anos812,7
41–50 anos11,6
51–60 anos914,3
> 61 anos4469,8
Faixa de tempo de internação
Até 7 dias46,3
8–14 dias914,3
15–30 dias2844,4
> 30 dias2235,0
Faixa de tempo de permanência do cateter vesical
Até 3 dias1015,9
4–7 dias1422,2
8–14 dias1828,6
15–21 dias1219,0
22–30 dias34,8
> 30 dias69,5
Troca do cateter vesical
Sim1219,0
Não5181,0
Prescrita inserção do cateter vesical
Sim5892,1
Não57,9
Registro da inserção do cateter vesical em prontuário
Sim3047,6
Não3352,4
Justificativa para inserção do cateter vesical
Sim4977,8
Não1422,2

Para caracterização dos pacientes, de acordo com as variáveis relacionadas à indicação do CV, diagnóstico de ITU e análises microbiológicas, a Tabela 2 apresenta a frequência simples e percentual da análise descritiva.

Tabela 2
Análise descritiva da indicação para inserção e prescrição da retirada do cateter vesical, diagnóstico de infecção do trato urinário e resultados de urocultura. Montes Claros, MG, Brasil, 2012–2013.
Varáveisn%
Indicação do cateter vesical
Adequada4977,8
Inadequada1422,2
Infecção do trato urinário associada ao cateter vesical
Sim2031,7
Não4368,3
Prescrição da retirada do cateter vesical
Sim4266,7
Não1219,0
Óbito914,3
Realização de urocultura
Sim2742,9
Não3657,1
Resultado de urocultura
Positivo2074,1
Negativo725,9
Resultado de urocultura polimicrobiana
Sim630,0
Não1470,0
Microrganismo
Candida sp.315,0
Enterococcus sp.315,0
Escherichia coli525,0
Klebsiella pneumoniae525,0
Morganella morganii15,0
Pseudomonas aeruginosa210,0
Streptococcus sp.15,0
Microrganismo multirresistente
Sim420
Não1680

A taxa de ITU-CV foi de 31,7% sendo que cinco (25,0%) dos pacientes que desenvolveram a ITU não tinham indicação para fazer o uso do CV e, em três (15,0%), o CV não foi prescrito pelo médico assistente. A urocultura foi realizada em 100,0% dos pacientes com ITU-CV, dessas, seis (30,0%) foram polimicrobianas (com até dois microrganismos). Das infecções polimicrobianas, 83,3% ocorreram em pacientes que utilizaram o CV por mais de 14 dias. Em relação aos pacientes com diagnóstico de ITU-CV, 15 (75,0%) realizaram tratamentos prévios para outras infecções. Das ITUs-CV, quatro (6,3%) foram causadas por microrganismo multirresistente (100,0% Klebsiella pneumoniae e em pacientes com antibioticoterapia prévia). Dos pacientes com ITU-CV, 14 (22,2%) realizaram tratamento para essa infecção. O antibiótico mais utilizado para o tratamento de ITU-CV foi Piperacilina + Tazobactan (6,3%).

Foram observadas em 50,0% dos pacientes com ITU-CV outras IRASs durante o período de internação hospitalar.

A Tabela 3 apresenta a comparação dos pacientes segundo a ocorrência de ITU de acordo com os fatores sociodemográficos e clínicos do estudo.

Tabela 3
Comparação da ocorrência de infecção do trato urinário com os fatores sociodemográficos e clínicos dos pacientes. Montes Claros, MG, Brasil, 2012–2013.
VariáveisInfecção do trato urinário - n (%)Risco relativo [IC95%]Valor-p
SimNão
Sexo
Feminino11 (34,4)21 (65,6)10,649*
Masculino9 (29,0)22 (71,0)0,92 [0,66;1,29] 
Faixa etária
< 40 anos3 (33,3)6 (66,7)1,05 [0,38;2,91]0,999*
41–60 anos3 (30,0)7 (70,0)0,94 [0,33;2,67] 
> 61 anos14 (31,8)30 (68,2)1 
Tempo de internação
Até 14 dias1 (7,7)12 (92,3)10,030**
15–30 dias8 (28,6)20 (71,4)1,29 [0,98;1,71] 
> 30 dias11 (50,0)11 (50,0)1,85 [1,18;2,88] 
Tempo de permanência do cateter vesical
Até 3 dias2 (20,0)8 (80,0)10,049**
4–7 dias3 (21,4)11 (78,6)1,02 [0,67;1,54] 
8–14 dias5 (27,8)13 (72,2)1,11 [0,73;1,69] 
15–21 dias3 (25,0)9 (75,0)1,07 [0,68;1,67] 
> 21 dias7 (77,8)2 (22,2)3,60 [1,32;12,70] 
Troca do cateter vesical
Sim7 (58,3)5 (41,7)2,29 [1,17;4,47]0,040**
Não13 (25,5)38 (74,5)1 
Evolução
Alta15 (36,6)26 (63,4)10,260*
Óbito5 (22,7)17 (77,3)0,82 [0,59;1,13] 
*Qui-quadrado; **Teste exato de Fisher

De acordo com os resultados apresentados na Tabela 3 , houve associação significativa entre a ocorrência de ITU e o período de internação e tempo de permanência do CV. Os pacientes com maior risco de ITU foram aqueles com mais de 30 dias de internação, mais de 21 dias de permanência do CV e que tiveram troca do CV.

Na distribuição dos pacientes com e sem ITU segundo fatores relacionados ao CV, houve associação significativa somente entre a ocorrência de ITU e a troca do CV.

Quando analisadas no formato contínuo (Teste de Mann-Whitney), foram observadas diferenças significativas entre média de tempo de internação (p = 0,002) e tempo de permanência do CV (p = 0,040) dos pacientes com e sem o diagnóstico de ITU.

DISCUSSÃO

A densidade de incidência de ITU-CV nesse presente estudo foi considerada alta. Em estudos realizados em UTIs nos Estados Unidos, as taxas de incidência variaram de 3,1 a 7,4 por 1.000 CV/dia8 .

Os resultados deste estudo não evidenciaram diferença estatisticamente significativa entre homens e mulheres para desenvolvimento de infecção urinária. Apesar desse achado, a literatura é clara em apontar que as ITUs são mais frequentes nas mulheres pela curta extensão da uretra e colonização da região periuretral quando comparadas aos homens9 .

Em relação a faixa etária, a variabilidade desta10 , 11 tem sido registrada apontando maior frequência entre os idosos, claramente relacionada a sua condição de base, obstruções da próstata, cálculo vesicular, cateterismo e diabetes11 , 12 , 13 , 14 e sobretudo relacionada à duração da cateterização e ao uso de antibioticoterapia pela doença de base, considerados como fatores estatisticamente significantes para a aquisição de ITU11 , 12 .

No presente estudo, verificou-se que o tempo de permanência do cateter na via urinária foi um fator desencadeante para a ocorrência de ITU. A alta prevalência e a utilização em ampla escala do cateter urinário tornam a ITU um dos graves problemas dos hospitais e dos serviços de saúde15 . O tempo de permanência é considerado o principal fator de risco para colonização de cateteres e posterior infecção associada, além do risco de formação de biofilme16 . O tempo necessário para se formar biofilme no dispositivo depende do conjunto microbiano e do tipo de material, mas, em média, um biofilme espesso pode ser formado dentro de 24 horas em toda a superfície de um dispositivo17 .

Desta forma, o cateter torna-se um substrato atrativo para a colonização bacteriana e formação de biofilme, uma comunidade organizada altamente estruturada de células que estão aderidas a um substrato sólido e envolvidas por uma matriz de polissacarídeo extracelular. A formação do biofilme confere às células microbianas uma elevada resistência aos antimicrobianos e defesas do hospedeiro, proteção contra antissépticos, com profundas implicações clínicas18 .

O biofilme constitui-se como o principal fator de risco para ITU-CV. Estima-se que cerca de 65% a 80% das infecções em humanos estejam associadas à sua presença. O tempo necessário para se formar um biofilme em um dispositivo depende da associação microbiana no dispositivo e do tipo de material. Em média, um biofilme espesso pode ser formado dentro de 24 horas em toda a superfície de um dispositivo polimérico17 , 19 .

Nesta investigação, o tempo médio de cateterização foi de 14,4 dias. Há evidências de que um período de cateterismo urinário relativamente curto – em média 3,5 dias – não produz ITU. O mecanismo mais eficaz de se evitar a ITU-CV é a utilização do CV por um menor intervalo de tempo possível18 . Aproximadamente 50,0% dos pacientes cateterizados adquirem infecções após um curto período de tempo (menos de sete dias). Pacientes com longo período de cateterização (acima de 28 dias) possui 100% de chance de desenvolver ITU16 .

Pesquisa em um hospital universitário mostrou que possuem o tempo médio geral de duração do CV foi de 6,8 dias, sendo maior nos pacientes clínicos quando comparados com os pacientes cirúrgicos. O uso inadequado de CV associou-se com o maior tempo de permanência hospitalar em cerca de três dias12 .

Em relação à troca do CV, foi evidenciada associação com a ocorrência de ITU. Deve-se ressaltar que os cateteres não devem ser trocados rotineiramente, recomenda-se a substituição quando houver obstrução da drenagem ou danificação do sistema6 . A hidrólise da ureia provocada por alguns microrganismos produtores de urease cria um ambiente alcalino que contribui com a precipitação de íons de magnésio e cálcio para formação de biofilme cristalino. Assim, favorece a incrustação e obstrução do cateter20 , 21 .

Quanto ao tipo de sistema adotado, foi encontrado neste estudo apenas o sistema fechado, atendendo ao que se recomenda nas diretrizes nacionais e internacionais. Ainda assim, a presença de bactéria é frequentemente encontrada e, apesar de não se traduzir em infecção, tem-se um risco aumentado quando estas estão presentes devido à maior possibilidade de, durante a manipulação do cateter, acessaram à bexiga. Entre pacientes não bacteriúricos à internação, 10% a 20% irão apresentar ITU após cateterização, tendo um risco acrescido em 3% a 10% para cada dia de permanência do cateter com sistemas fechados de drenagem16 .

Outro aspecto destacado como relacionado à ocorrência de ITU refere-se ao método de cateterização, à qualidade dos cuidados com a inserção e à manutenção do cateter e à suscetibilidade do paciente15 , 16 .

Achados dessa pesquisa mostraram que na maioria dos CV inseridos houve indicação para inserção e prescrição (77,8% e 92,1%, respectivamente). Um estudo realizado em hospital universitário revelou que em 23,3% dos pacientes a realização do cateterismo vesical não teve a sua prescrição e indicação documentada no prontuário médico. Entre os pacientes clínicos, o CV foi considerado inadequado em relação a sua indicação em 29% e, em 47%, em relação ao tempo de uso. A ocorrência de ITU foi mais frequente nos pacientes cujo uso do CV foi analisado como não indicado quando comparado com aqueles pacientes em que o uso do CV foi considerado indicado12 .

No presente estudo, 32,0% das ITU-RAS associaram-se ao uso do CV. Estudo evidenciou que episódios de ITU-RAS associam-se em 80% à cateterização vesical22 .

Evidências apontam que os fatores mais significativos no aparecimento ou não de ITU estão relacionados à frequência do uso, à prevenção de traumas na inserção e ao tempo de permanência do cateter urinário, além do uso de técnicas assépticas na manutenção do sistema fechado de drenagem de urina7 . Nesse sentido, a ITU se torna uma iatrogenia provocada pelo cateterismo urinário7 .

Identificou-se nesta investigação que os principais microrganismos causadores de ITU são os Gram-negativos, como a E. coli em 25,0% dos casos. Resultado semelhante foi identificado em estudo que os agentes etiológicos mais encontrados nas ITU-CV eram E. coli (50,0%), Enterobacter sp. (10,5%), Pseudomonas aeruginosa (10,5%) e Enterococcus sp. (10,5%)23 . Os microrganismos envolvidos no aparecimento da ITU-RAS geralmente são originários da microbiota intestinal endógena do paciente.

Desse modo, para diminuir a incidência da ITU-CV, várias medidas, principalmente dirigidas à técnica de inserção, ao sistema de drenagem, ao tipo de cateter e aos cuidados diários na manutenção do CV, têm sido indicadas. Em meio a todas as medidas recomendadas, evitar o uso e retirá-lo o mais rápido possível são consideradas as mais relevantes4 , 7 , 24 .

Uma importante limitação desse estudo diz respeito à validade externa dos resultados. Como se trata de uma população específica, a representatividade fica comprometida e, da mesma forma, a generalização dos achados para a população geral.

CONCLUSÃO

Através deste estudo foi possível identificar que a incidência de ITU-CV foi de 31,7%. Como fatores associados à ocorrência de ITU-CV, identificou-se o tempo de permanência hospitalar, tempo de cateterização e a troca do CV.

A conduta frente à utilização do CV deve ser criteriosa, desde a avaliação da indicação, inserção, manutenção e a sua suspensão o mais breve possível, sendo assim, garantida a segurança do paciente.

Os resultados deste estudo reafirmam a importância das ITU-CV como problema de saúde não somente em UTI, mas também em unidades de clínica médica. Contribuem para embasar outros trabalhos sobre a prevenção de ITU-CV, reafirmando a importância das medidas de controle.

O Serviço de Controle de Infecção Hospitalar deve determinar e monitorar os fatores de risco para ocorrência de ITU e propagar entre os profissionais as medidas de controle.

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Autor notes

* E-mail: ecilacampos@hotmail.com

Declaração de interesses

Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

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