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Validação de método analítico para o monitoramento de vitamina A em leites do Programa Viva Leite
Lucile Tiemi Abe-Matsumoto; Angela Sueko Mikaro; Simone Alves da Silva;
Lucile Tiemi Abe-Matsumoto; Angela Sueko Mikaro; Simone Alves da Silva; Fabiana Dognani Castro; Meiry Mayumi Takeda; Miriam Solange Fernandes Caruso
Validação de método analítico para o monitoramento de vitamina A em leites do Programa Viva Leite
Validation of analytical method for monitoring of vitamin A in milks from Programa Viva Leite
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 6, núm. 2, pp. 67-73, 2018
INCQS-FIOCRUZ
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RESUMO: Introdução: A ocorrência de hipovitaminose A é evidente em determinadas populações. Com o intuito de combater essa deficiência no estado de São Paulo, foi criado um programa governamental com distribuição gratuita de leite pasteurizado enriquecido com vitaminas A, D e ferro para a população de baixa renda, com a finalidade de oferecer um complemento alimentar de alto valor nutritivo. Objetivo: Otimizar e validar uma metodologia analítica para determinação de vitamina A em leites fluidos, utilizando metodologia oficial da Association of Official Analytical Chemistry (AOAC) com modificações. Método: Foi utilizada a cromatografia líquida de alta eficiência com detecção por fluorescência para avaliar os teores de vitamina A em 261 amostras de leites distribuídos pelo programa. Resultados: O método analítico validado se mostrou adequado para a determinação de vitamina A em leites fluidos na rotina do laboratório. Os resultados indicaram que 52% das amostras apresentaram concentrações de vitamina A acima do valor declarado na informação nutricional da rotulagem, enquanto 11% apresentaram teores abaixo do valor declarado. Conclusões: O monitoramento dos teores de vitamina A nestes leites deve ser contínuo para garantir a quantidade de micronutriente declarada no rótulo e atender os objetivos do programa.

Palavras-chave:Vitamina AVitamina A,ValidaçãoValidação,LeiteLeite,Programa GovernamentalPrograma Governamental.

ABSTRACT: Introduction: There is an evidence of hypovitaminosis A in certain populations. In order to combat this deficiency in Sao Paulo State, a government program was created for free distribution of pasteurized milk enriched with vitamins A, D, and iron for the low income population for the purpose to offer a food supplement with high nutritional value. Objective: Optimization and validation of a methodology for the determination of vitamin A in fluid milk, using modified methodology of Association of Official Analytical Chemists (AOAC). Method: The high performance liquid chromatography with fluorescence detection was used to evaluate vitamin A contents in 261 milks of the program. Results: The validated analytical method was adequate for the determination of vitamin A in fluid milks in the laboratory routine. The results showed that 52% of the samples had vitamin A concentrations above the declared value in the nutrition facts label, while 11% presented lower content in comparison to the declared value. Conclusions: Monitoring of vitamin A levels in these milks should be continuous to ensure the amount of micronutrient declared on the label and to meet the objectives of the program.

Keywords: Vitamin A, Validation, Milk, Governmental Program.

Carátula del artículo

ARTIGO

Validação de método analítico para o monitoramento de vitamina A em leites do Programa Viva Leite

Validation of analytical method for monitoring of vitamin A in milks from Programa Viva Leite

Lucile Tiemi Abe-Matsumoto
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Angela Sueko Mikaro
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Simone Alves da Silva
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Fabiana Dognani Castro
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Meiry Mayumi Takeda
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Miriam Solange Fernandes Caruso
Instituto Adolfo Lutz, Brasil
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 6, núm. 2, pp. 67-73, 2018
INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 25 Setembro 2017

Aprovação: 17 Abril 2018

INTRODUÇÃO

A vitamina A é um nutriente essencial para o funcionamento normal da visão, para o crescimento, desenvolvimento e manutenção da integridade das células epiteliais, função imune e reprodução1.

De acordo com o Ministério da Saúde (MS), a ingestão diária recomendada (IDR) de vitamina A é de 600 µg para adultos, entre 375 µg e 500 µg para lactentes e crianças, de acordo com a faixa etária, e de 800 µg e 850 µg, respectivamente, para gestantes e lactantes2.

A deficiência de vitamina A é considerada uma das principais deficiências nutricionais dos países subdesenvolvidos, sendo a principal causa de cegueira evitável no mundo, estando também associada a 23% das mortes por diarreia em crianças3. No Brasil, a população infantil do Nordeste é a mais vulnerável ao problema, porém existem indicações da ocorrência de hipovitaminose A também em bolsões de pobreza na Região Sudeste4,5. Com o intuito de reduzir essa deficiência, o Governo do Estado de São Paulo criou, em 1999, o Programa Viva Leite para distribuição gratuita de leite pasteurizado enriquecido com ferro e vitaminas A e D para a população de baixa renda. O programa fornece anualmente 75 milhões de litros de leite para crianças e idosos em situação de insegurança alimentar e vulnerabilidade social, atendendo atualmente cerca de 420 mil famílias6.

A Organização Mundial da Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade; após essa fase, alimentos complementares devem ser incluídos, mantendo o aleitamento materno pelo menos até os 2 anos de idade. O leite materno contém todas as proteínas, açúcares, gorduras, vitaminas e água que o lactente necessita para ser saudável7; além disso, apresenta determinados anticorpos e glóbulos brancos que oferecem imunidade neste período. Na fase adulta, o consumo de leite de vaca fornece parte desses nutrientes essenciais, suprindo o organismo com energia, proteínas de alta qualidade e uma variedade de vitaminas e minerais, porém, o processamento térmico pode levar a perdas nutricionais, principalmente, a de vitaminas8.

O enriquecimento do leite com vitaminas está se tornando uma prática cada vez mais comum, e pode ser aplicado tanto para compensar as perdas nutricionais decorrentes do processamento ou para aumentar o seu valor nutritivo. O processo de enriquecimento do leite deve ser bem controlado, uma vez que a vitamina A pode ser facilmente degradada, pois é foto e termossensível, de fácil oxidação e instável em pH abaixo de 4,5. Assim, para a fortificação de alimentos, as vitaminas nas formas de ésteres, como o acetato ou o palmitato de retinol, são as mais utilizadas por serem mais estáveis em relação à sua forma livre9.

A padronização de metodologia analítica para a quantificação de vitaminas em alimentos é dificultada devido à diversidade de procedimentos descritos na literatura e à complexidade das matrizes existentes. Atualmente, as técnicas mais utilizadas são a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) com detectores ultravioleta/visível (UV-VIS), detector de arranjo de diodos (DAD) e de fluorescência (FLU), com fases normal ou reversa10,11. Nos últimos anos, o desenvolvimento de técnicas como a cromatografia líquida de ultra eficiência acoplada ao espectrômetro de massas tem apresentado diversas vantagens como redução no tempo de análise, utilização de menor quantidade de solventes e maior eficiência, porém, para a maioria dos laboratórios públicos, ainda é uma técnica de alto custo12.

A análise dos teores de vitamina A nos leites do Programa é de extrema importância para comprovar se as usinas de beneficiamento estão realizando o enriquecimento adequado do produto. Entretanto, para que os resultados sejam confiáveis, o método analítico deve ser validado seguindo uma norma oficial como a estabelecida pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro)13.

Os objetivos deste trabalho foram apresentar as etapas da otimização e validação da metodologia para a determinação de vitamina A em leite fluido por CLAE-FLU, bem como aplicar o método para avaliação dos leites enriquecidos do Programa Viva Leite.

MÉTODO
Amostras

As amostras de leite pasteurizado integral e leite ultra high temperature (UHT) desnatado utilizadas na validação do método foram adquiridas no comércio local da cidade de São Paulo.

O monitoramento do Programa Viva Leite foi realizado em 261 amostras colhidas pela Vigilância Sanitária em 12 municípios do estado de São Paulo. Os resultados de vitamina A obtidos nas análises foram comparados com os valores declarados na informação nutricional da rotulagem.

Padrões e reagentes

Para a validação da metodologia foram utilizados padrões de all-trans-retinol e palmitato de retinol, marca Sigma-Aldrich (St Louis, EUA), e os seguintes reagentes (grau PA): éter de petróleo e álcool etílico (96%), de marca Synth (Rio de Janeiro, Brasil); hidróxido de potássio (KOH), ácido ascórbico, pirogalol e butil hidroxi tolueno (BHT), de marca Merck (Darmstadt, Alemanha). Metanol e isopropanol, ambos de grau cromatográfico, foram obtidos da marca Carlo Erba (Milão, Itália).

Otimização da metodologia

Inicialmente, foram avaliadas as condições cromatográficas de separação e de detecção do padrão de all-trans-retinol por CLAE-FLU. O método da Association of Official Analytical Chemists (AOAC)14 estabelece o sistema de cromatografia líquida em fase normal, porém optou-se pelo sistema de fase reversa devido à utilização de solventes menos tóxicos. Assim, foram testadas fases móveis compostas de metanol com diferentes proporções de água até a obtenção de um pico com boa resolução. As condições de saponificação também foram otimizadas, avaliando-se diferentes temperaturas e tempos de saponificação na tentativa de redução deste tempo estabelecido pelo método da AOAC (18 h). Foi ainda otimizado o processo de extração, utilizando-se menor volume de amostra e, consequentemente, menor consumo de solventes orgânicos em relação ao método da AOAC. Além disso, verificou-se o uso dos antioxidantes BHT, pirogalol e ácido ascórbico com o objetivo de selecionar o mais eficiente, avaliando-se a porcentagem de recuperação do padrão de all-trans-retinol adicionado na amostra de leite pasteurizado integral.

Metodologia proposta

A metodologia utilizada fundamentou-se na descrita pela AOAC14, com as modificações descritas anteriormente, de acordo com as seguintes etapas:

Saponificação e extração: Em tubos de polietileno com capacidade para 25 mL, foram pipetados 2 mL de amostra, 3 mL de KOH (3,8 mol.L-1), 2 mL de álcool etílico e 1 mL de BHT (0,1% em álcool etílico). Os tubos foram agitados por 2 min em agitador do tipo vórtex (modelo QL-901, marca Biomixer, Ribeirão Preto, Brasil) e colocados em repouso por 16 h ao abrigo da luz, para completa saponificação dos ésteres. Após a saponificação, adicionou-se 10 mL de éter de petróleo, 10 mL de água, agitou-se por 30 s em agitador tipo vórtex; após a agitação, 1 mL de etanol foi acrescentado. Os tubos foram centrifugados a 2.500 rpm por 10 min (centrífuga modelo NT 812, marca Novatécnica, Piracicaba, Brasil), a fase etérea foi transferida para um frasco de vidro com auxílio de micropipeta e o processo de extração foi repetido por mais duas vezes, com exceção da adição de água. O solvente foi completamente evaporado em concentrador de amostras (modelo TE-019-E3, marca Tecnal, São Paulo, Brasil) com aquecimento máximo até 45ºC sob fluxo de nitrogênio. As amostras foram ressuspendidas em 1 mL de metanol, filtradas em membranas PTFE de 0,45 µm (Millipore Corp., Bedford, MA, EUA), transferidas para vial âmbar e analisadas no mesmo dia por CLAE.

Análise cromatográfica: A determinação de vitamina A foi realizada em cromatógrafo a líquido marca Shimadzu (Kyoto, Japão), composto de bomba LC-20AT, controlador CBM-20A, forno de coluna CTO-20A e detector de fluorescência RF-10AXL (comprimentos de onda de excitação 325 nm e de emissão 480 nm). Foi utilizada coluna de fase reversa LiChrospher 5 RP18 (250 mm x 4,6 mm, partículas de 5 µm) com coluna de guarda LiChrospher 5 RP18 (25 mm x 4,6 mm, partículas de 5 µm), marca Varian (Palo Alto, EUA); como fase móvel foi empregado 100% de metanol, com fluxo de 1 mL.min-1, em modo isocrático; o volume de injeção foi de 20 µL e temperatura do forno (coluna) de 28ºC.

Uma solução estoque do padrão foi preparada na concentração aproximada de 5.000 ng.mL-1 em isopropanol; a correção do valor da concentração foi realizada por análise espectrofotométrica, com leitura da absorbância a 324,5 nm (Espectrofotômetro UV/Vis modelo 8453, Hewlett Packard, Palo Alto, EUA), utilizando a Lei de Lambert-Beer, representada pela seguinte fórmula:

A   =   ε . b . c

Onde:

A = absorbância da vitamina A no comprimento de onda de 324,5 nm

ε = absortividade molar da vitamina A (ε = 5.460 L.mol-1.cm-1)14

b = caminho óptico (1 cm)

c = concentração molar da vitamina A na solução (mol.L-1)

Validação da metodologia

A validação da metodologia foi realizada de acordo com o documento de caráter orientativo DOQ-CGCRE-008 – Orientação sobre validação de métodos analíticos, da Coordenação Geral de Acreditação, Inmetro13. Foram determinados os seguintes parâmetros de desempenho:

Seletividade: Amostras de leite pasteurizado e leite UHT desnatado foram fortificadas com o padrão de all-trans-retinol em três níveis de concentração: 594,3; 1.816,4; 3.527,3 ng.mL-1 (leite pasteurizado) e 284,3; 1.137,1; 3.411,5 ng.mL-1(leite UHT). Foram comparados os resultados obtidos das matrizes fortificadas com a solução padrão de all-trans-retinol preparada em metanol. As curvas analíticas dos três grupos foram construídas e o efeito das matrizes leite pasteurizado e leite UHT desnatado foram verificados através da comparação visual da inclinação das retas e pelo teste t de Student.

Linearidade e faixa de trabalho: O estudo da linearidade foi realizado com seis níveis de concentração, entre 200 e 5.000 ng.mL-1, utilizando-se padrão de all-trans-retinol. As soluções padrão foram preparadas em metanol, em triplicata, para a obtenção da equação de regressão linear pelo método dos mínimos quadrados. Foi aplicado o teste de Grubbs em cada nível para verificar valores aberrantes e o teste de Cochran para avaliar a homogeneidade das variâncias ou homocedasticidade dos resíduos.

Limites de detecção (LD) e de quantificação (LQ): O primeiro ponto da curva de calibração foi estabelecido como o limite de quantificação. Uma vez estabelecido o LQ, esse valor foi confirmado por meio da análise de amostras independentes no mesmo nível de concentração, com seis replicatas de leite UHT desnatado fortificadas com padrão de all-trans-retinol. O teste de Grubbs foi aplicado para avaliar resultados aberrantes. O LD foi estabelecido a partir do LQ utilizando-se a fórmula: LD = LQ/3,3.

Exatidão: A exatidão foi avaliada pelo teste de recuperação dos padrões adicionados nas matrizes leite integral pasteurizado e leite UHT desnatado. As análises foram realizadas em triplicata com o padrão de all-trans-retinol, em três níveis de concentração: 594,3; 1.816,4; 3.527,3 ng.mL-1 (leite pasteurizado) e 284,3; 1.137,1; 3.411,5 ng.mL-1(leite UHT). O critério de aceitação para a recuperação foram valores entre 95% e 105%.

Precisão: Para a repetitividade, foram utilizados os resultados obtidos no ensaio de exatidão para amostras fortificadas, calculando-se o desvio-padrão para cada nível de concentração e o desvio-padrão relativo (RSD). Valores de RSD inferiores a 10% atenderam ao critério de repetibilidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Otimização da metodologia

A otimização foi iniciada pelas condições cromatográficas de separação e de detecção do padrão de all-trans-retinol por CLAE-FLU. Inicialmente, utilizou-se fase móvel metanol:água (95:5, v/v), porém, nestas condições, o pico cromatográfico do retinol apresentou uma cauda. Ao utilizar 100% de metanol como fase móvel, os resultados mostraram-se satisfatórios, com boa eficiência do pico cromatográfico (Figura 1). Para manter a eficiência da coluna, foi realizada semanalmente uma limpeza no sistema cromatográfico utilizando solução composta por metanol:acetonitrila:ácido acético 2% (35:35:30, v/v/v), com fluxo de 1 mL.min-1 durante 45 min.


Figura 1
Cromatogramas da solução padrão de all-trans-retinol a 1.800 ng.mL-1 em metanol (A) e do extrato de amostra de leite pasteurizado enriquecido com vitamina A em metanol (B). Condições cromatográficas: coluna C18 (250 mm x 4,6 mm; 5µm); fase móvel: 100% metanol; fluxo de 1 mL.min-1, em modo isocrático

A extração de vitamina A em alimentos normalmente requer uma etapa adicional de saponificação antes da extração com solvente orgânico. O processo de saponificação permite o rompimento das ligações dos ésteres na matriz lipoproteica, com liberação de ácidos graxos, glicerol, fosfolipídeos e outras moléculas. As vitaminas lipossolúveis como a vitamina A encontram-se nas frações insaponificáveis e, com este procedimento, as formas esterificadas da vitamina A são convertidas em formas alcoólicas livres, permitindo a quantificação. Por outro lado, pode ocorrer degradação destas vitaminas, dependendo das condições de saponificação, ou ainda, pela presença de impurezas nos solventes utilizados na extração15. De acordo com o método descrito na AOAC14, recomenda-se 18 h, à temperatura ambiente, para a saponificação dos ésteres de vitamina A. Por ser um período de tempo relativamente longo, foram realizadas tentativas de redução do tempo com o aumento da temperatura: foram avaliados cinco diferentes tempos (30, 45, 60, 90 e 120 min) a 45ºC, utilizando-se amostras de leite pasteurizado integral enriquecidos com padrão de palmitato de retinol. Os resultados de vitamina A foram comparados com os valores obtidos pela saponificação em temperatura ambiente durante 16 h. Quanto maior a área do pico cromatográfico do palmitato de retinol, menor a conversão deste para a sua forma livre, ou seja, menor a eficiência da condição estabelecida para a saponificação. Comparando-se as áreas dos picos cromatográficos de retinol livre e do palmitato de retinol, verificou-se que apenas na amostra saponificada por 16 h houve conversão do palmitato para a forma livre numa proporção superior a 99%.

Foram ainda avaliados os antioxidantes BHT, pirogalol e ácido ascórbico, ao se realizar análises de recuperação do padrão de all-trans-retinol adicionado na amostra de leite pasteurizado integral, após 16 h de saponificação, e verificar a atividade de proteção da vitamina A. A maior recuperação foi observada no ensaio utilizando-se o BHT (98%), seguido do ácido ascórbico (85%) e, por último, o pirogalol (80%). O uso do ácido ascórbico ocasionou efervescência da amostra durante a agitação, favorecendo a perda do analito e, assim como o pirogalol, ambos não ofereceram proteção adequada da vitamina A, provavelmente por apresentarem características hidrossolúveis15.

Validação

Seletividade: A análise visual das inclinações das retas dos resultados obtidos com as matrizes (leite pasteurizado e leite UHT desnatado) fortificadas com o padrão de all-trans-retinol indicou que, aparentemente, não havia interferência de matriz; isto foi confirmado estatisticamente pelo teste t de Student para os coeficientes angulares. Os valores de t calculados (tcalc leite UHT = 0,362 e tcalc leite pasteurizado = 1,014) foram menores do que os tabelados (ttab leite UHT e pasteurizado = 2,069), com confiança de 95%.

Como os resultados mostraram que não existia interferência de matriz, os cálculos para estudos de linearidade, LD e LQ, precisão e exatidão foram realizados usando a curva de calibração sem a matriz.

Linearidade e Faixa de Trabalho: Em cada nível de concentração, foi aplicado o teste de Grubbs e foi verificada a ausência de valores aberrantes.

Na curva de calibração, foi possível avaliar a dispersão das medidas em função da concentração; uma vez que a condição de variância seja uniforme, é chamada homocedasticidade. Para verificar se o sistema é homocedástico (variâncias iguais) ou heterocedástico (variâncias diferentes), foi aplicado o teste de Cochran. O valor de Ccalc foi de 0,50 para um Ctab de 0,61 (triplicata em seis níveis de concentração, com confiança de 95%), confirmando que o sistema é homocedástico, ou seja, possui variâncias semelhantes ao longo da faixa de trabalho. O gráfico de resíduos da curva analítica de calibração apresentou distribuição aleatória, livre de tendências.

O coeficiente de determinação (R2) forneceu um indicativo de quanto a reta pode ser considerada como modelo matemático, uma vez que o valor encontrado foi de 0,9997, próximo de 1, indicando que o método foi linear dentro da faixa de trabalho proposta.

LD e LQ: O primeiro ponto da curva de calibração (215,0 ng.mL-1) foi estabelecido como o limite de quantificação. Os resultados das análises das seis replicatas de leite UHT desnatado fortificadas com padrão de all-trans-retinol neste nível de concentração não apresentaram valores aberrantes, pois, no teste de Grubbs, valores de G calculados (1,685 e 1,045) foram menores do que o tabelado (2,126, com 95% de confiança). O RSD foi inferior a 10%, indicando que o método possui precisão adequada, ou seja, é repetitivo. O limite de detecção foi calculado pela fórmula LD = LQ/3,3, resultando em um valor de 65,1 ng.mL-1.

Exatidão: Os resultados dos ensaios de recuperação de vitamina A adicionada nas matrizes estão apresentados na Tabela, e as porcentagens de recuperação da adição de all-trans-retinol em todos os níveis apresentaram-se dentro do critério estabelecido, com valores entre 95% e 110%, indicando uma recuperação adequada.

Tabela
Ensaios de recuperação e desvio-padrão relativo (RSD) da vitamina A em leites pasteurizado integral e ultra high temperature (UHT) desnatado

* Concentrações de vitamina A analisadas nas matrizes sem adição de padrão; análises realizadas em triplicata, em cada nível de fortificação, com adição de padrão de all-trans-retinol.

Precisão: Para o estudo da repetibilidade, foram utilizados os resultados obtidos no teste de recuperação de amostras fortificadas, calculando-se o desvio-padrão para cada nível de concentração e o desvio-padrão relativo. Concluiu-se que o método atende ao critério de repetibilidade estabelecido em toda a faixa de trabalho, apresentando RSD inferiores a 10% (Tabela).

Análise de vitamina A em leites enriquecidos

O teor de vitamina A declarado na informação nutricional da rotulagem das amostras de leite pasteurizado é 120 µg equivalentes de retinol (ER) em 200 mL, porção correspondente a um copo. Segundo a Resolução RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária/MS (Anvisa/MS), referente à informação nutricional de alimentos embalados, admite-se uma tolerância de 20% com relação aos valores declarados no rótulo, tornando aceitáveis resultados analíticos de vitamina A entre 96 e 144 µg ER na porção16. A Figura 2 representa as porcentagens das amostras com teores de vitamina A em conformidade, acima e abaixo dos valores declarados na informação nutricional da rotulagem.


Figura 2
Porcentagens das amostras de leite pasteurizado analisadas, com teores de vitamina A em conformidade, acima e abaixo dos valores declarados na informação nutricional da rotulagem

Das 261 amostras analisadas, 136 (52%) apresentaram teores de vitamina A acima do valor declarado, sendo que, em 51% delas, os valores estavam entre 144 e 200 µg ER, em 48% entre 200 e 300 µg ER e uma amostra apresentou teor acima de 300 µg ER na porção.

Observou-se uma quantidade significativa de amostras com teores de vitamina A acima do valor declarado, o que provavelmente ocorre porque o leite já possui naturalmente uma quantidade da vitamina. Segundo a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos da Universidade de São Paulo (TBCA-USP)17, a concentração de vitamina A em leite integral pasteurizado situa-se entre 42 e 54 µg ER em 100 mL. Essas concentrações podem variar de acordo com a alimentação, raça e qualidade genética dos animais, além das condições ambientais em que os animais se desenvolvem18. Muitas usinas beneficiadoras provavelmente ignoram a quantidade de vitamina pré-existente no leite e adicionam o micronutriente com o intuito de obter um valor próximo ao declarado na rotulagem.

A Resolução RDC nº 360/2003 da Anvisa/MS estabelece que, para produtos que contenham micronutrientes em quantidade superior à tolerância de 20%, a empresa responsável deve manter a disposição os estudos que justifiquem tal variação16. A mesma observação em relação à sobredosagem de micronutrientes é verificada na Portaria nº 31, de 13 de janeiro de 1998, da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do MS: Regulamento Técnico referente a Alimentos Adicionados de Nutrientes Essenciais19. Sendo assim, seria permitida uma sobredosagem de vitamina A, pois esta é suscetível à degradação quando exposta à luz, a altas temperaturas e ao oxigênio15. Esta sobredosagem de vitamina A encontrada nas amostras analisadas provavelmente tem como objetivo garantir as concentrações do micronutriente declaradas até o prazo final de validade do produto, prevendo sua possível degradação.

A RDC nº 269, de 22 de setembro de 2005, da Anvisa/MS, estabelece os valores de ingestão diária recomendada considerando a necessidade de orientar consumidores e produtores de alimentos sobre os valores recomendados de proteínas, vitaminas e minerais2. A IDR corresponde à quantidade de nutrientes a serem consumidos diariamente para atender as necessidades nutricionais da maior parte dos indivíduos e grupos de pessoas de uma população sadia e foram estabelecidos com base nas referências da Food and Agriculture Organizations of the United Nations (FAO) e do Institute of Medicine (IOM)2,20,21. Além das recomendações de ingestão, o IOM estabelece ainda o limite superior tolerável de ingestão (tolerable upper intake level – UL) para alguns micronutrientes. O UL é o valor mais alto de ingestão diária continuada de um nutriente que aparentemente não oferece risco de efeito adverso à saúde para a maioria dos indivíduos de um determinado grupo21.

Os níveis de vitamina A acima do valor declarado observados nestes leites provavelmente não representam riscos à saúde, pois o limite superior tolerável de vitamina A é de 3.000 µg ER por dia para um adulto saudável, de acordo com o IOM21. Dificilmente se alcançaria esta dose limite de vitamina A com o consumo dos leites pasteurizados, pois a população que se beneficia deste Programa é de baixa renda, na maioria dos casos, sem acesso a uma alimentação nutricionalmente adequada.

A quantidade de vitamina A estabelecida para os leites deste Programa (120 µg ER por porção) corresponde a 20% da IDR de vitamina A para um adulto saudável e cerca de 24% para crianças19. O intuito deste Programa é oferecer um alimento nutritivo para uma população com tendência à desnutrição, portanto a vitamina A deve ser adicionada no leite na quantidade mínima estabelecida.

Em relação às amostras que apresentaram concentrações de vitamina A abaixo do valor declarado, o menor valor encontrado foi de 63,0 µg ER na porção. Baixos teores de vitamina A podem ser decorrentes da falta de homogeneização durante o processo de incorporação do mix de nutrientes, ou pela ausência de enriquecimento do produto, ou mesmo pela sua degradação.

CONCLUSÕES

O método analítico otimizado e validado estabelecido para a determinação de vitamina A em leites fluidos demonstrou possuir seletividade, precisão e exatidão, permitindo obter resultados confiáveis nas análises laboratoriais de rotina.

A aplicação do método na análise dos leites pasteurizados enriquecidos indicou que 52% das amostras apresentaram sobredosagem de vitamina A, porém, estes níveis não representam riscos à saúde do consumidor, tendo em vista que este leite é distribuído para a população de baixa renda com tendência à desnutrição.

Os resultados das análises de vitamina A abaixo do valor declarado observados nas amostras podem indicar ausência de enriquecimento ou falta de controle durante o processo. A falta de enriquecimento por parte das usinas é um fato alarmante e deve ser tratado com atenção pelos órgãos de Vigilância Sanitária, pois isto compromete o objetivo do programa do governo, que visa reduzir a deficiência de vitamina A na população carente.

A vitamina A é essencial ao sistema imunológico, visual e para a manutenção das funções celulares. Logo, o monitoramento dos teores desta vitamina em leites enriquecidos deve ser constante, incluindo ações corretivas para sanar as eventuais falhas no processo de enriquecimento e garantir a oferta de um produto adequado para a população beneficiada pelo Programa.

Material suplementar
Agradecimentos

À Célia Maria Gaudêncio e à Roberta Francese Paiva, pelo auxílio técnico prestado na execução deste trabalho.

REFERÊNCIAS
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Notas
Declaração de interesses
Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.


Figura 1
Cromatogramas da solução padrão de all-trans-retinol a 1.800 ng.mL-1 em metanol (A) e do extrato de amostra de leite pasteurizado enriquecido com vitamina A em metanol (B). Condições cromatográficas: coluna C18 (250 mm x 4,6 mm; 5µm); fase móvel: 100% metanol; fluxo de 1 mL.min-1, em modo isocrático
Tabela
Ensaios de recuperação e desvio-padrão relativo (RSD) da vitamina A em leites pasteurizado integral e ultra high temperature (UHT) desnatado

* Concentrações de vitamina A analisadas nas matrizes sem adição de padrão; análises realizadas em triplicata, em cada nível de fortificação, com adição de padrão de all-trans-retinol.

Figura 2
Porcentagens das amostras de leite pasteurizado analisadas, com teores de vitamina A em conformidade, acima e abaixo dos valores declarados na informação nutricional da rotulagem
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