RESUMO: Introdução: A ocorrência de hipovitaminose A é evidente em determinadas populações. Com o intuito de combater essa deficiência no estado de São Paulo, foi criado um programa governamental com distribuição gratuita de leite pasteurizado enriquecido com vitaminas A, D e ferro para a população de baixa renda, com a finalidade de oferecer um complemento alimentar de alto valor nutritivo. Objetivo: Otimizar e validar uma metodologia analítica para determinação de vitamina A em leites fluidos, utilizando metodologia oficial da Association of Official Analytical Chemistry (AOAC) com modificações. Método: Foi utilizada a cromatografia líquida de alta eficiência com detecção por fluorescência para avaliar os teores de vitamina A em 261 amostras de leites distribuídos pelo programa. Resultados: O método analítico validado se mostrou adequado para a determinação de vitamina A em leites fluidos na rotina do laboratório. Os resultados indicaram que 52% das amostras apresentaram concentrações de vitamina A acima do valor declarado na informação nutricional da rotulagem, enquanto 11% apresentaram teores abaixo do valor declarado. Conclusões: O monitoramento dos teores de vitamina A nestes leites deve ser contínuo para garantir a quantidade de micronutriente declarada no rótulo e atender os objetivos do programa.
Palavras-chave:Vitamina AVitamina A,ValidaçãoValidação,LeiteLeite,Programa GovernamentalPrograma Governamental.
ABSTRACT: Introduction: There is an evidence of hypovitaminosis A in certain populations. In order to combat this deficiency in Sao Paulo State, a government program was created for free distribution of pasteurized milk enriched with vitamins A, D, and iron for the low income population for the purpose to offer a food supplement with high nutritional value. Objective: Optimization and validation of a methodology for the determination of vitamin A in fluid milk, using modified methodology of Association of Official Analytical Chemists (AOAC). Method: The high performance liquid chromatography with fluorescence detection was used to evaluate vitamin A contents in 261 milks of the program. Results: The validated analytical method was adequate for the determination of vitamin A in fluid milks in the laboratory routine. The results showed that 52% of the samples had vitamin A concentrations above the declared value in the nutrition facts label, while 11% presented lower content in comparison to the declared value. Conclusions: Monitoring of vitamin A levels in these milks should be continuous to ensure the amount of micronutrient declared on the label and to meet the objectives of the program.
Keywords: Vitamin A, Validation, Milk, Governmental Program.
ARTIGO
Validação de método analítico para o monitoramento de vitamina A em leites do Programa Viva Leite
Validation of analytical method for monitoring of vitamin A in milks from Programa Viva Leite
Recepção: 25 Setembro 2017
Aprovação: 17 Abril 2018
A vitamina A é um nutriente essencial para o funcionamento normal da visão, para o crescimento, desenvolvimento e manutenção da integridade das células epiteliais, função imune e reprodução1.
De acordo com o Ministério da Saúde (MS), a ingestão diária recomendada (IDR) de vitamina A é de 600 µg para adultos, entre 375 µg e 500 µg para lactentes e crianças, de acordo com a faixa etária, e de 800 µg e 850 µg, respectivamente, para gestantes e lactantes2.
A deficiência de vitamina A é considerada uma das principais deficiências nutricionais dos países subdesenvolvidos, sendo a principal causa de cegueira evitável no mundo, estando também associada a 23% das mortes por diarreia em crianças3. No Brasil, a população infantil do Nordeste é a mais vulnerável ao problema, porém existem indicações da ocorrência de hipovitaminose A também em bolsões de pobreza na Região Sudeste4,5. Com o intuito de reduzir essa deficiência, o Governo do Estado de São Paulo criou, em 1999, o Programa Viva Leite para distribuição gratuita de leite pasteurizado enriquecido com ferro e vitaminas A e D para a população de baixa renda. O programa fornece anualmente 75 milhões de litros de leite para crianças e idosos em situação de insegurança alimentar e vulnerabilidade social, atendendo atualmente cerca de 420 mil famílias6.
A Organização Mundial da Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade; após essa fase, alimentos complementares devem ser incluídos, mantendo o aleitamento materno pelo menos até os 2 anos de idade. O leite materno contém todas as proteínas, açúcares, gorduras, vitaminas e água que o lactente necessita para ser saudável7; além disso, apresenta determinados anticorpos e glóbulos brancos que oferecem imunidade neste período. Na fase adulta, o consumo de leite de vaca fornece parte desses nutrientes essenciais, suprindo o organismo com energia, proteínas de alta qualidade e uma variedade de vitaminas e minerais, porém, o processamento térmico pode levar a perdas nutricionais, principalmente, a de vitaminas8.
O enriquecimento do leite com vitaminas está se tornando uma prática cada vez mais comum, e pode ser aplicado tanto para compensar as perdas nutricionais decorrentes do processamento ou para aumentar o seu valor nutritivo. O processo de enriquecimento do leite deve ser bem controlado, uma vez que a vitamina A pode ser facilmente degradada, pois é foto e termossensível, de fácil oxidação e instável em pH abaixo de 4,5. Assim, para a fortificação de alimentos, as vitaminas nas formas de ésteres, como o acetato ou o palmitato de retinol, são as mais utilizadas por serem mais estáveis em relação à sua forma livre9.
A padronização de metodologia analítica para a quantificação de vitaminas em alimentos é dificultada devido à diversidade de procedimentos descritos na literatura e à complexidade das matrizes existentes. Atualmente, as técnicas mais utilizadas são a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) com detectores ultravioleta/visível (UV-VIS), detector de arranjo de diodos (DAD) e de fluorescência (FLU), com fases normal ou reversa10,11. Nos últimos anos, o desenvolvimento de técnicas como a cromatografia líquida de ultra eficiência acoplada ao espectrômetro de massas tem apresentado diversas vantagens como redução no tempo de análise, utilização de menor quantidade de solventes e maior eficiência, porém, para a maioria dos laboratórios públicos, ainda é uma técnica de alto custo12.
A análise dos teores de vitamina A nos leites do Programa é de extrema importância para comprovar se as usinas de beneficiamento estão realizando o enriquecimento adequado do produto. Entretanto, para que os resultados sejam confiáveis, o método analítico deve ser validado seguindo uma norma oficial como a estabelecida pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro)13.
Os objetivos deste trabalho foram apresentar as etapas da otimização e validação da metodologia para a determinação de vitamina A em leite fluido por CLAE-FLU, bem como aplicar o método para avaliação dos leites enriquecidos do Programa Viva Leite.
As amostras de leite pasteurizado integral e leite ultra high temperature (UHT) desnatado utilizadas na validação do método foram adquiridas no comércio local da cidade de São Paulo.
O monitoramento do Programa Viva Leite foi realizado em 261 amostras colhidas pela Vigilância Sanitária em 12 municípios do estado de São Paulo. Os resultados de vitamina A obtidos nas análises foram comparados com os valores declarados na informação nutricional da rotulagem.
Para a validação da metodologia foram utilizados padrões de all-trans-retinol e palmitato de retinol, marca Sigma-Aldrich (St Louis, EUA), e os seguintes reagentes (grau PA): éter de petróleo e álcool etílico (96%), de marca Synth (Rio de Janeiro, Brasil); hidróxido de potássio (KOH), ácido ascórbico, pirogalol e butil hidroxi tolueno (BHT), de marca Merck (Darmstadt, Alemanha). Metanol e isopropanol, ambos de grau cromatográfico, foram obtidos da marca Carlo Erba (Milão, Itália).
Inicialmente, foram avaliadas as condições cromatográficas de separação e de detecção do padrão de all-trans-retinol por CLAE-FLU. O método da Association of Official Analytical Chemists (AOAC)14 estabelece o sistema de cromatografia líquida em fase normal, porém optou-se pelo sistema de fase reversa devido à utilização de solventes menos tóxicos. Assim, foram testadas fases móveis compostas de metanol com diferentes proporções de água até a obtenção de um pico com boa resolução. As condições de saponificação também foram otimizadas, avaliando-se diferentes temperaturas e tempos de saponificação na tentativa de redução deste tempo estabelecido pelo método da AOAC (18 h). Foi ainda otimizado o processo de extração, utilizando-se menor volume de amostra e, consequentemente, menor consumo de solventes orgânicos em relação ao método da AOAC. Além disso, verificou-se o uso dos antioxidantes BHT, pirogalol e ácido ascórbico com o objetivo de selecionar o mais eficiente, avaliando-se a porcentagem de recuperação do padrão de all-trans-retinol adicionado na amostra de leite pasteurizado integral.
A metodologia utilizada fundamentou-se na descrita pela AOAC14, com as modificações descritas anteriormente, de acordo com as seguintes etapas:
Saponificação e extração: Em tubos de polietileno com capacidade para 25 mL, foram pipetados 2 mL de amostra, 3 mL de KOH (3,8 mol.L-1), 2 mL de álcool etílico e 1 mL de BHT (0,1% em álcool etílico). Os tubos foram agitados por 2 min em agitador do tipo vórtex (modelo QL-901, marca Biomixer, Ribeirão Preto, Brasil) e colocados em repouso por 16 h ao abrigo da luz, para completa saponificação dos ésteres. Após a saponificação, adicionou-se 10 mL de éter de petróleo, 10 mL de água, agitou-se por 30 s em agitador tipo vórtex; após a agitação, 1 mL de etanol foi acrescentado. Os tubos foram centrifugados a 2.500 rpm por 10 min (centrífuga modelo NT 812, marca Novatécnica, Piracicaba, Brasil), a fase etérea foi transferida para um frasco de vidro com auxílio de micropipeta e o processo de extração foi repetido por mais duas vezes, com exceção da adição de água. O solvente foi completamente evaporado em concentrador de amostras (modelo TE-019-E3, marca Tecnal, São Paulo, Brasil) com aquecimento máximo até 45ºC sob fluxo de nitrogênio. As amostras foram ressuspendidas em 1 mL de metanol, filtradas em membranas PTFE de 0,45 µm (Millipore Corp., Bedford, MA, EUA), transferidas para vial âmbar e analisadas no mesmo dia por CLAE.
Análise cromatográfica: A determinação de vitamina A foi realizada em cromatógrafo a líquido marca Shimadzu (Kyoto, Japão), composto de bomba LC-20AT, controlador CBM-20A, forno de coluna CTO-20A e detector de fluorescência RF-10AXL (comprimentos de onda de excitação 325 nm e de emissão 480 nm). Foi utilizada coluna de fase reversa LiChrospher 5 RP18 (250 mm x 4,6 mm, partículas de 5 µm) com coluna de guarda LiChrospher 5 RP18 (25 mm x 4,6 mm, partículas de 5 µm), marca Varian (Palo Alto, EUA); como fase móvel foi empregado 100% de metanol, com fluxo de 1 mL.min-1, em modo isocrático; o volume de injeção foi de 20 µL e temperatura do forno (coluna) de 28ºC.
Uma solução estoque do padrão foi preparada na concentração aproximada de 5.000 ng.mL-1 em isopropanol; a correção do valor da concentração foi realizada por análise espectrofotométrica, com leitura da absorbância a 324,5 nm (Espectrofotômetro UV/Vis modelo 8453, Hewlett Packard, Palo Alto, EUA), utilizando a Lei de Lambert-Beer, representada pela seguinte fórmula:
Onde:
A = absorbância da vitamina A no comprimento de onda de 324,5 nm
ε = absortividade molar da vitamina A (ε = 5.460 L.mol-1.cm-1)14
b = caminho óptico (1 cm)
c = concentração molar da vitamina A na solução (mol.L-1)
A validação da metodologia foi realizada de acordo com o documento de caráter orientativo DOQ-CGCRE-008 – Orientação sobre validação de métodos analíticos, da Coordenação Geral de Acreditação, Inmetro13. Foram determinados os seguintes parâmetros de desempenho:
Seletividade: Amostras de leite pasteurizado e leite UHT desnatado foram fortificadas com o padrão de all-trans-retinol em três níveis de concentração: 594,3; 1.816,4; 3.527,3 ng.mL-1 (leite pasteurizado) e 284,3; 1.137,1; 3.411,5 ng.mL-1(leite UHT). Foram comparados os resultados obtidos das matrizes fortificadas com a solução padrão de all-trans-retinol preparada em metanol. As curvas analíticas dos três grupos foram construídas e o efeito das matrizes leite pasteurizado e leite UHT desnatado foram verificados através da comparação visual da inclinação das retas e pelo teste t de Student.
Linearidade e faixa de trabalho: O estudo da linearidade foi realizado com seis níveis de concentração, entre 200 e 5.000 ng.mL-1, utilizando-se padrão de all-trans-retinol. As soluções padrão foram preparadas em metanol, em triplicata, para a obtenção da equação de regressão linear pelo método dos mínimos quadrados. Foi aplicado o teste de Grubbs em cada nível para verificar valores aberrantes e o teste de Cochran para avaliar a homogeneidade das variâncias ou homocedasticidade dos resíduos.
Limites de detecção (LD) e de quantificação (LQ): O primeiro ponto da curva de calibração foi estabelecido como o limite de quantificação. Uma vez estabelecido o LQ, esse valor foi confirmado por meio da análise de amostras independentes no mesmo nível de concentração, com seis replicatas de leite UHT desnatado fortificadas com padrão de all-trans-retinol. O teste de Grubbs foi aplicado para avaliar resultados aberrantes. O LD foi estabelecido a partir do LQ utilizando-se a fórmula: LD = LQ/3,3.
Exatidão: A exatidão foi avaliada pelo teste de recuperação dos padrões adicionados nas matrizes leite integral pasteurizado e leite UHT desnatado. As análises foram realizadas em triplicata com o padrão de all-trans-retinol, em três níveis de concentração: 594,3; 1.816,4; 3.527,3 ng.mL-1 (leite pasteurizado) e 284,3; 1.137,1; 3.411,5 ng.mL-1(leite UHT). O critério de aceitação para a recuperação foram valores entre 95% e 105%.
Precisão: Para a repetitividade, foram utilizados os resultados obtidos no ensaio de exatidão para amostras fortificadas, calculando-se o desvio-padrão para cada nível de concentração e o desvio-padrão relativo (RSD). Valores de RSD inferiores a 10% atenderam ao critério de repetibilidade.
A otimização foi iniciada pelas condições cromatográficas de separação e de detecção do padrão de all-trans-retinol por CLAE-FLU. Inicialmente, utilizou-se fase móvel metanol:água (95:5, v/v), porém, nestas condições, o pico cromatográfico do retinol apresentou uma cauda. Ao utilizar 100% de metanol como fase móvel, os resultados mostraram-se satisfatórios, com boa eficiência do pico cromatográfico (Figura 1). Para manter a eficiência da coluna, foi realizada semanalmente uma limpeza no sistema cromatográfico utilizando solução composta por metanol:acetonitrila:ácido acético 2% (35:35:30, v/v/v), com fluxo de 1 mL.min-1 durante 45 min.
A extração de vitamina A em alimentos normalmente requer uma etapa adicional de saponificação antes da extração com solvente orgânico. O processo de saponificação permite o rompimento das ligações dos ésteres na matriz lipoproteica, com liberação de ácidos graxos, glicerol, fosfolipídeos e outras moléculas. As vitaminas lipossolúveis como a vitamina A encontram-se nas frações insaponificáveis e, com este procedimento, as formas esterificadas da vitamina A são convertidas em formas alcoólicas livres, permitindo a quantificação. Por outro lado, pode ocorrer degradação destas vitaminas, dependendo das condições de saponificação, ou ainda, pela presença de impurezas nos solventes utilizados na extração15. De acordo com o método descrito na AOAC14, recomenda-se 18 h, à temperatura ambiente, para a saponificação dos ésteres de vitamina A. Por ser um período de tempo relativamente longo, foram realizadas tentativas de redução do tempo com o aumento da temperatura: foram avaliados cinco diferentes tempos (30, 45, 60, 90 e 120 min) a 45ºC, utilizando-se amostras de leite pasteurizado integral enriquecidos com padrão de palmitato de retinol. Os resultados de vitamina A foram comparados com os valores obtidos pela saponificação em temperatura ambiente durante 16 h. Quanto maior a área do pico cromatográfico do palmitato de retinol, menor a conversão deste para a sua forma livre, ou seja, menor a eficiência da condição estabelecida para a saponificação. Comparando-se as áreas dos picos cromatográficos de retinol livre e do palmitato de retinol, verificou-se que apenas na amostra saponificada por 16 h houve conversão do palmitato para a forma livre numa proporção superior a 99%.
Foram ainda avaliados os antioxidantes BHT, pirogalol e ácido ascórbico, ao se realizar análises de recuperação do padrão de all-trans-retinol adicionado na amostra de leite pasteurizado integral, após 16 h de saponificação, e verificar a atividade de proteção da vitamina A. A maior recuperação foi observada no ensaio utilizando-se o BHT (98%), seguido do ácido ascórbico (85%) e, por último, o pirogalol (80%). O uso do ácido ascórbico ocasionou efervescência da amostra durante a agitação, favorecendo a perda do analito e, assim como o pirogalol, ambos não ofereceram proteção adequada da vitamina A, provavelmente por apresentarem características hidrossolúveis15.
Seletividade: A análise visual das inclinações das retas dos resultados obtidos com as matrizes (leite pasteurizado e leite UHT desnatado) fortificadas com o padrão de all-trans-retinol indicou que, aparentemente, não havia interferência de matriz; isto foi confirmado estatisticamente pelo teste t de Student para os coeficientes angulares. Os valores de t calculados (tcalc leite UHT = 0,362 e tcalc leite pasteurizado = 1,014) foram menores do que os tabelados (ttab leite UHT e pasteurizado = 2,069), com confiança de 95%.
Como os resultados mostraram que não existia interferência de matriz, os cálculos para estudos de linearidade, LD e LQ, precisão e exatidão foram realizados usando a curva de calibração sem a matriz.
Linearidade e Faixa de Trabalho: Em cada nível de concentração, foi aplicado o teste de Grubbs e foi verificada a ausência de valores aberrantes.
Na curva de calibração, foi possível avaliar a dispersão das medidas em função da concentração; uma vez que a condição de variância seja uniforme, é chamada homocedasticidade. Para verificar se o sistema é homocedástico (variâncias iguais) ou heterocedástico (variâncias diferentes), foi aplicado o teste de Cochran. O valor de Ccalc foi de 0,50 para um Ctab de 0,61 (triplicata em seis níveis de concentração, com confiança de 95%), confirmando que o sistema é homocedástico, ou seja, possui variâncias semelhantes ao longo da faixa de trabalho. O gráfico de resíduos da curva analítica de calibração apresentou distribuição aleatória, livre de tendências.
O coeficiente de determinação (R2) forneceu um indicativo de quanto a reta pode ser considerada como modelo matemático, uma vez que o valor encontrado foi de 0,9997, próximo de 1, indicando que o método foi linear dentro da faixa de trabalho proposta.
LD e LQ: O primeiro ponto da curva de calibração (215,0 ng.mL-1) foi estabelecido como o limite de quantificação. Os resultados das análises das seis replicatas de leite UHT desnatado fortificadas com padrão de all-trans-retinol neste nível de concentração não apresentaram valores aberrantes, pois, no teste de Grubbs, valores de G calculados (1,685 e 1,045) foram menores do que o tabelado (2,126, com 95% de confiança). O RSD foi inferior a 10%, indicando que o método possui precisão adequada, ou seja, é repetitivo. O limite de detecção foi calculado pela fórmula LD = LQ/3,3, resultando em um valor de 65,1 ng.mL-1.
Exatidão: Os resultados dos ensaios de recuperação de vitamina A adicionada nas matrizes estão apresentados na Tabela, e as porcentagens de recuperação da adição de all-trans-retinol em todos os níveis apresentaram-se dentro do critério estabelecido, com valores entre 95% e 110%, indicando uma recuperação adequada.
Precisão: Para o estudo da repetibilidade, foram utilizados os resultados obtidos no teste de recuperação de amostras fortificadas, calculando-se o desvio-padrão para cada nível de concentração e o desvio-padrão relativo. Concluiu-se que o método atende ao critério de repetibilidade estabelecido em toda a faixa de trabalho, apresentando RSD inferiores a 10% (Tabela).
O teor de vitamina A declarado na informação nutricional da rotulagem das amostras de leite pasteurizado é 120 µg equivalentes de retinol (ER) em 200 mL, porção correspondente a um copo. Segundo a Resolução RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária/MS (Anvisa/MS), referente à informação nutricional de alimentos embalados, admite-se uma tolerância de 20% com relação aos valores declarados no rótulo, tornando aceitáveis resultados analíticos de vitamina A entre 96 e 144 µg ER na porção16. A Figura 2 representa as porcentagens das amostras com teores de vitamina A em conformidade, acima e abaixo dos valores declarados na informação nutricional da rotulagem.
Das 261 amostras analisadas, 136 (52%) apresentaram teores de vitamina A acima do valor declarado, sendo que, em 51% delas, os valores estavam entre 144 e 200 µg ER, em 48% entre 200 e 300 µg ER e uma amostra apresentou teor acima de 300 µg ER na porção.
Observou-se uma quantidade significativa de amostras com teores de vitamina A acima do valor declarado, o que provavelmente ocorre porque o leite já possui naturalmente uma quantidade da vitamina. Segundo a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos da Universidade de São Paulo (TBCA-USP)17, a concentração de vitamina A em leite integral pasteurizado situa-se entre 42 e 54 µg ER em 100 mL. Essas concentrações podem variar de acordo com a alimentação, raça e qualidade genética dos animais, além das condições ambientais em que os animais se desenvolvem18. Muitas usinas beneficiadoras provavelmente ignoram a quantidade de vitamina pré-existente no leite e adicionam o micronutriente com o intuito de obter um valor próximo ao declarado na rotulagem.
A Resolução RDC nº 360/2003 da Anvisa/MS estabelece que, para produtos que contenham micronutrientes em quantidade superior à tolerância de 20%, a empresa responsável deve manter a disposição os estudos que justifiquem tal variação16. A mesma observação em relação à sobredosagem de micronutrientes é verificada na Portaria nº 31, de 13 de janeiro de 1998, da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do MS: Regulamento Técnico referente a Alimentos Adicionados de Nutrientes Essenciais19. Sendo assim, seria permitida uma sobredosagem de vitamina A, pois esta é suscetível à degradação quando exposta à luz, a altas temperaturas e ao oxigênio15. Esta sobredosagem de vitamina A encontrada nas amostras analisadas provavelmente tem como objetivo garantir as concentrações do micronutriente declaradas até o prazo final de validade do produto, prevendo sua possível degradação.
A RDC nº 269, de 22 de setembro de 2005, da Anvisa/MS, estabelece os valores de ingestão diária recomendada considerando a necessidade de orientar consumidores e produtores de alimentos sobre os valores recomendados de proteínas, vitaminas e minerais2. A IDR corresponde à quantidade de nutrientes a serem consumidos diariamente para atender as necessidades nutricionais da maior parte dos indivíduos e grupos de pessoas de uma população sadia e foram estabelecidos com base nas referências da Food and Agriculture Organizations of the United Nations (FAO) e do Institute of Medicine (IOM)2,20,21. Além das recomendações de ingestão, o IOM estabelece ainda o limite superior tolerável de ingestão (tolerable upper intake level – UL) para alguns micronutrientes. O UL é o valor mais alto de ingestão diária continuada de um nutriente que aparentemente não oferece risco de efeito adverso à saúde para a maioria dos indivíduos de um determinado grupo21.
Os níveis de vitamina A acima do valor declarado observados nestes leites provavelmente não representam riscos à saúde, pois o limite superior tolerável de vitamina A é de 3.000 µg ER por dia para um adulto saudável, de acordo com o IOM21. Dificilmente se alcançaria esta dose limite de vitamina A com o consumo dos leites pasteurizados, pois a população que se beneficia deste Programa é de baixa renda, na maioria dos casos, sem acesso a uma alimentação nutricionalmente adequada.
A quantidade de vitamina A estabelecida para os leites deste Programa (120 µg ER por porção) corresponde a 20% da IDR de vitamina A para um adulto saudável e cerca de 24% para crianças19. O intuito deste Programa é oferecer um alimento nutritivo para uma população com tendência à desnutrição, portanto a vitamina A deve ser adicionada no leite na quantidade mínima estabelecida.
Em relação às amostras que apresentaram concentrações de vitamina A abaixo do valor declarado, o menor valor encontrado foi de 63,0 µg ER na porção. Baixos teores de vitamina A podem ser decorrentes da falta de homogeneização durante o processo de incorporação do mix de nutrientes, ou pela ausência de enriquecimento do produto, ou mesmo pela sua degradação.
O método analítico otimizado e validado estabelecido para a determinação de vitamina A em leites fluidos demonstrou possuir seletividade, precisão e exatidão, permitindo obter resultados confiáveis nas análises laboratoriais de rotina.
A aplicação do método na análise dos leites pasteurizados enriquecidos indicou que 52% das amostras apresentaram sobredosagem de vitamina A, porém, estes níveis não representam riscos à saúde do consumidor, tendo em vista que este leite é distribuído para a população de baixa renda com tendência à desnutrição.
Os resultados das análises de vitamina A abaixo do valor declarado observados nas amostras podem indicar ausência de enriquecimento ou falta de controle durante o processo. A falta de enriquecimento por parte das usinas é um fato alarmante e deve ser tratado com atenção pelos órgãos de Vigilância Sanitária, pois isto compromete o objetivo do programa do governo, que visa reduzir a deficiência de vitamina A na população carente.
A vitamina A é essencial ao sistema imunológico, visual e para a manutenção das funções celulares. Logo, o monitoramento dos teores desta vitamina em leites enriquecidos deve ser constante, incluindo ações corretivas para sanar as eventuais falhas no processo de enriquecimento e garantir a oferta de um produto adequado para a população beneficiada pelo Programa.
À Célia Maria Gaudêncio e à Roberta Francese Paiva, pelo auxílio técnico prestado na execução deste trabalho.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.