RESUMO: Introdução: Modelos com maior capacidade preditiva e que produzam resultados a custos mais baixos e em prazos menores são necessários para o desenvolvimento de fármacos. Os sistemas microfisiológicos (SMF) que cultivam tecidos humanos em histoarquitetura tridimensional (3D) apresentam-se como alternativas promissoras para esses objetivos. Objetivo: Este trabalho de revisão tem por objetivo abordar o estado da arte mundial do desenvolvimento dos SMF e ilustrar a experiência brasileira inicial com essa tecnologia. Métodos: A pesquisa e coleta de dados abrangendo a temática “Sistemas Microfisiológicos”, e os subtemas “Dispositivos Microfluídicos” e “Cultura 3D de Células Humanas”, foi baseada em busca eletrônica no Portal de Periódicos Capes, nas bases de dados científicas Scopus, PubMed e Science Direct e utilizando a ferramenta de busca Google Scholar. Resultados: Dentre os sistemas microfisiológicos existentes, os que são caracterizados pelo cultivo de tecidos humanos organizados em histoarquitetura tridimensional em dispositivos microfluídicos foram recentemente introduzidos, como sendo os mais promissores. Além disso, entre os anos 2000–2017, registramos aumentos de aproximadamente 12, 985 e 380 vezes no número de publicações acadêmicas relacionadas às áreas de Microfluídica, Organ-on-a-Chip e SMF respectivamente, ilustrando o impacto dessa tecnologia atualmente. Conclusões: Essa tecnologia relativamente recente tem alto potencial para superar as limitações dos modelos experimentais in vitro atuais.
Palavras-chave:Human-On-a-ChipHuman-On-a-Chip,OrganoidesOrganoides,Disease-on-a-ChipDisease-on-a-Chip,iPSCiPSC,Sistemas MicrofisiológicosSistemas Microfisiológicos.
ABSTRACT: Introduction: Models with higher predictive capacity and able to produce results at lower costs and in shorter times are needed for drug development. The microphysiological systems (MPS) that cultivate human tissues in three-dimensional histoarchitecture (3D) are promising alternatives for these objectives. Objective: This review work aims to address the state of the art of SMF development and illustrate the initial Brazilian experience with this technology. Method: The research and data collection covering the theme “Microphysiological Systems”, and the subtopics “Microfluidic Devices” and “3D Culture of Human Cells”, was based on electronic search in Capes Journals Portal, scientific databases Scopus, PubMed and Science Direct and with the Google Scholar search tool. Results: Among the existing microphysiological systems, those that are characterized by the culture of human tissues organized in three - dimensional histoarchitecture in microfluidic devices were recently introduced, as being the most promising ones. In addition, between the years 2000-2017, we recorded approximately increases of 12, 985 and 380 times in the number of academic publications related to the areas of Microfluidics, Organ-on-a-Chip and MPS respectively, illustrating the impact of this technology today. Conclusions: This relatively recent technology has high potential to overcome the limitations of current in vitro experimental models.
Keywords: Human-on-a-Chip, Organoids, Disease-on-a-chip, iPSC, Microphysiological Systems.
REVISÃO
Sistemas microfisiológicos compostos por organoides humanos em dispositivos microfluídicos: avanços e desafios
Microphysiological systems composed of human organoids in microfluidic devices: advances and challenges
Recepção: 30 Setembro 2017
Aprovação: 25 Abril 2018
Os testes pré-clínicos na pesquisa médica/biológica e no desenvolvimento de fármacos frequentemente não predizem com acurácia as respostas observadas em seres humanos, levando a altas taxas de atrito1. A agência federal americana Food and Drug Administration (FDA) estima que 92% dos medicamentos aprovados em testes com animais falham em seres humanos. Os modelos animais garantem acesso à fisiologia sistêmica incluindo a distribuição e metabolização em vários tecidos, à resposta do sistema imune, à influência dos microambientes e das barreiras e interações órgão-órgão, bem como às respostas comportamentais. No entanto, já foi demonstrado que a distância filogenética entre humanos e animais (por exemplo: ilustrada por alterações ou diferenças proteômicas) diminuem seu poder preditivo2,3,4,5,6. Portanto, é clara a necessidade de modelos com maior capacidade preditiva e que também reduzam o tempo e os custos do desenvolvimento de substâncias ou produtos pertencentes a diversos setores industriais tais como fármacos, produtos alimentícios, cosméticos, sanitizantes e produtos agropecuários para citar alguns exemplos.
Atualmente, a quase totalidade dos testes de segurança exigidos pelas autoridades regulatórias para fármacos é realizada em animais. As poucas exceções não são suficientes ao cumprimento da regulamentação exigida7,8. Os métodos in silico (simulações computacionais) já estão disponíveis no Brasil com o apoio da Rede Nacional de Métodos Alternativos9 (RENAMA). Esses métodos são úteis para a avaliação de viabilidade, mas insuficientes para o desenvolvimento e registro de produtos inovadores, exigindo métodos experimentais in vivo ou o desenvolvimento de alternativas in vitro. Os dispositivos microfluídicos ou chips, que combinam tecidos humanos em um arranjo tridimensional e condições estáveis de homeostase, podem se tornar a solução para esse problema10. Na maioria das vezes, células humanas cultivadas em duas dimensões não conseguem recapitular de forma adequada e nem abranger todos os aspectos funcionais dos tecidos, bem como das interfaces tecido-tecido e da dinâmica dos órgãos do corpo humano11,12,13,14,15. Tecidos modelados a partir de células humanas em microdispositivos podem melhorar a acurácia preditiva de estudos pré-clínicos de eficácia e segurança de medicamentos, cosméticos e outras substâncias ou produtos relacionados ao uso em humanos11,12,15,16.
O princípio dos 3Rs (Replacement, Reduction and Refinement) foi desenvolvido em 1959 por Russell e Burch17, propiciando a consolidação dos métodos alternativos. O termo “métodos alternativos” pode ser definido como abordagens que tenham um ou mais dos seguintes desfechos: 1) métodos que induzam a redução do número de animais experimentais usados em determinado procedimento ou redução para o mínimo necessário. 2) refinamento da metodologia que culmine com a redução significativa da dor ou desconforto sofrido pelos animais. 3) métodos que não utilizem animais – substituição completa de animais em determinado procedimento ou avaliação18.
A crescente pressão ética e política sobre a implementação de ações que objetivassem a substituição do uso de animais de experimentação deu origem à adoção, em 2009, pela União Europeia, do requisito regulamentar que prevê a avaliação de segurança de ingredientes cosméticos através de testes que não usem animais19. Em 2013, a União Europeia baniu oficialmente o uso de animais para pesquisas de desenvolvimento de cosméticos – ingredientes e produtos acabados – comercializados no bloco20.
Essas ações representaram um grande incentivo ao desenvolvimento e à adoção de métodos alternativos no mundo e no Brasil. O empenho e compromisso brasileiros com a promoção, a implementação, o desenvolvimento e a validação de métodos alternativos ao uso de animais propiciou a criação da RENAMA, em julho de 2012 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e em setembro de 2012, do Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM), uma parceria entre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (INCQS/Fiocruz). Estas foram as primeiras parcerias na América Latina com o intuito de coordenar ações que pudessem propiciar a redução, refinamento ou substituição do uso de animais de experimentação no Brasil21. Neste sentido, o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), um dos três Laboratórios Centrais da RENAMA (LNBio, Instituto Nacional de Metrologia Qualidade e Tecnologia [Inmetro] e INCQs) iniciou em 2015 o projeto Human-on-a-Chip visando a implementação e nacionalização da tecnologia baseada em sistemas microfisiológicos (SMF), com perspectivas de futuros desdobramentos que possam vir ao encontro do princípio dos 3Rs.
Este trabalho de revisão aborda o estado da arte mundial do desenvolvimento dos SMF, com ênfase nos que cultivem organoides humanos sob microfluídica, e ilustra a experiência brasileira inicial com essa tecnologia.
A pesquisa e coleta de dados que abrangeu o tema “Sistemas Microfisiológicos”, bem como os subtemas “Dispositivos Microfluídicos” e “Cultura 3D de Células Humanas” (3D = tridimensionais), foi realizada eletronicamente no Portal de Periódicos Capes, nas bases de dados científicas Scopus, PubMed e Science Direct e de forma auxiliar com a ferramenta de busca Google Scholar. Este artigo objetivou revisar e reunir de forma crítica as principais informações e atualizações sobre os tópicos previamente citados. A busca e a coleta abrangeram publicações realizadas a partir de 2003, ano em que o desenvolvimento e os estudos na área de engenharia tecidual e microfluídica tornaram-se mais robustos, até os principais trabalhos publicados recentemente na área de SMF. As buscas também compreenderam o uso de palavras-chave ou termos, tais quais: “métodos alternativos ao uso de animais em laboratório”, “poder preditivo de métodos in vitro para testes de substâncias”, Human-on-a-Chip, Body-on-a-Chip, Organ-on-a Chip, iPSC (induced Pluripotent Stem Cells), organoides humanos, Disease-on-a-Chip, sistemas microfisiológicos e microfluídica. Adicionalmente, essa revisão foi complementada com um breve relato, que visa ilustrar a experiência do LNBio até o momento, no desenvolvimento, proficiência e implementação da tecnologia de SMF no Brasil em parceria com a empresa alemã TissUse. A plataforma é operada por uma unidade controladora acoplada a uma bomba de vácuo, e combina um sistema de canais de microfluídica, com dois compartimentos de cultura de tecidos, cada um do tamanho do poço das placas de 96 poços (fígado) ou de 24 poços (intestino), como demonstrado na Figura 1. O modelo construtivo do dispositivo microfluídico do 2-OC (Two-Organ-Chip) da TissUse possui dois compartimentos distintos por circuito de cocultivo celular (Figura 1). Os 2-OC foram fabricados aplicando litografia suave padrão e moldagem de réplicas de polidimetilsiloxano (PDMS) (Sylgard 184, Dow Corning, Midland, MI, USA). Esse dispositivo consiste de uma lâmina de PDMS, contendo as disposições dos canais, das microbombas e as aberturas para os compartimentos de cultivo celulares, permanentemente ligada a uma lâmina de vidro (75 x 25 mm) para microscopia, por oxidação de plasma de baixa pressão (Femto – Diener eletronic, Ebhausen, Germany). Essa ligação permanente dá origem a uma única peça que possui microcanais com altura de 100 mm. As três bombas peristálticas on-a-chip (construídas na lâmina de PDMS) têm a espessura de 500 mm. Esse microdispositivo para dois organoides (2-OC) proporciona duas características que melhoram sua funcionalidade: acoplamento mecânico e comunicação “humoral” entre os tecidos22. O volume para cultivar dois tecidos (fígado e intestino por exemplo) é de 900 µl por circuito. O volume extracelular total é de cerca de 1000 µl por circuito. A microbomba propicia um fluxo pulsátil estável do fluído ou meio de cultura. As superfícies superior e inferior das placas são transparentes e permitem a visualização e a caracterização morfológica dos organoides em tempo real. O sentido do fluxo perfusor dentro dos compartimentos do chip, bem como a frequência do fluxo, são determinados de acordo com os tipos de tecidos e experimentos. No caso do 2-OC Intestino + Fígado, o sentido do fluxo foi do intestino para o fígado (emulando a absorção intestinal e o direcionamento do que foi absorvido ao fígado pelo sistema porta) e a frequência estabelecida foi a de 0,8 Hz22.
A) Desenho esquemático do modelo construtivo do dispositivo microfluídico TissUse. B) Vista de um corte longitudinal do 2-OC mostrando os compartimentos de cultivo de equivalentes de intestino e fígado. C) Vista inferior do 2-OC com destaque para os canais microfluídicos que interconectam os compartimentos de cultivo tecidual. D) Plataforma 2-OC instalada e em operação no LNBio – Unidade controladora (bomba peristáltica) conectada ao 2-OC
Fonte: Adaptado de https://www.tissuse.com/en/products/2-organ-chip/ e de Maschmeyer et al. (2015).A emulação da histoarquitetura existente in vivo é essencial para a obtenção de respostas de relevância fisiológica dos modelos de órgãos humanos in vitro. A tridimensionalidade e a comunicação intercelular são características fundamentais à plena expressão fenotípica e funcional da maioria dos tecidos23. Não menos importante é o contato entre diferentes tipos celulares. O microambiente complexo tridimensional no qual as células se organizam in vivo possibilita a interação entre diferentes tipos celulares e entre as células e a matriz extracelular (MEC)24,25,26.
Organoides são estruturas artificiais, que representam fragmentos funcionais de órgãos, criadas para estudos in vitro capazes de exercer as funções primordiais in vivo do órgão correspondente27. Sua concepção conceitual parte das unidades morfofuncionais dos respectivos órgãos. Por exemplo, os lóbulos hepáticos representam as unidades morfofuncionais do fígado, que possui cerca de 1 milhão de lóbulos. Cada lóbulo contém cerca de 1 milhão de células de 20 diferentes tipos, principalmente hepatócitos. O formato do lóbulo é aproximadamente hexagonal com a veia hepática no centro e as tríades hepáticas (veia porta, artéria hepática e duto biliar) nos vértices. Uma rede complexa de vasos sanguíneos (sinusoide) as irriga28. Unidades morfofuncionais similares podem ser identificadas em cada órgão do corpo humano29.
Normalmente, os organoides são estruturas tridimensionais constituídos por diferentes tipos celulares organizados em um arranjo determinado (microestrutura). Um tipo de microestrutura muito popular é o esferoide. A confecção de organoides esferoidais possui vários aspectos benéficos que os tornam um modelo atrativo: são fáceis de produzir e manusear, seu tamanho e composição podem ser controlados de forma relativa (pois as células continuam a proliferar após a formação da esfera) e não necessitam de molde para a sua formação. Esta última característica permite que as células se arranjem de forma espontânea durante o processo de agregação, aumentando as chances de apresentarem um fenótipo organotípico30,31, além do fato de estarem livres da necessidade de aderência a qualquer tipo de superfície não fisiológica. Ainda, a possibilidade da utilização de diferentes tipos celulares no mesmo organoide esferoidal permite o surgimento de contatos intercelulares heterotípicos, conferindo avanço adicional nos aspectos de funcionalidade e diferenciação teciduais23,27.
Outros modelos teciduais tridimensionais confeccionados in vitro, também muito convenientes e utilizados, são os organoides de barreira, dos quais pode-se citar a barreira intestinal, barreira renal constituída de células epiteliais do túbulo proximal ou por podócitos glomerulares, córnea, pele, barreira hematoencefálica.
Apesar de haver uma grande diversidade de SMF, a maioria deles é baseada em dispositivos microfluídicos que buscam mimetizar o ambiente celular de um ou mais órgãos humanos32. O termo microfluídica diz respeito ao fluxo de líquidos em canais de dimensões micrométricas, ou seja, menores do que 1 mm em pelo menos uma dimensão33. Dispositivos microfluídicos são formados por conjuntos de microcanais interconectados que podem ser divididos em duas categorias: 1) sistema microfluídico passivo com fluxo determinado pela força da gravidade e 2) sistema microfluídico ativo com fluxo determinado pela ação de uma bomba que pode ou não ser parte de uma unidade controladora. A rede de microcanais entalhados no chip pode ser acessada através de aberturas (entradas e saídas) que conectam o interior ao exterior. É através desses orifícios que os tecidos humanos, substâncias e meio de cultura são integrados ou retirados do dispositivo microfluídico, com o uso de tubos, adaptadores de seringas, pipeta etc. Também por essas aberturas os chips são conectados aos sistemas ativos externos (controle de pressão, seringa ou bomba peristáltica) ou formas passivas (por exemplo, pressão hidrostática).
Ao se projetar um SMF é essencial estabelecer o regime de fluxo a ser adotado no dispositivo microfluídico.
A escolha dos materiais para a construção dos dispositivos microfluídicos deve levar em conta seus possíveis impactos no cultivo celular e também as propriedades das substâncias a serem testadas. Diversos materiais são atualmente usados, tais como: polímero (PDMS), silicone, cerâmica, vidro e metais. A construção de cada um envolve processos específicos: deposição eletrônica, corrosão, moldagem por injeção, gravação em relevo e litografia suave em PDMS. Os sistemas mais complexos são geralmente confeccionados com mais de um tipo de material.
O polímero PDMS é provavelmente o material mais utilizado para a confecção dos dispositivos, pois é muito conveniente para o cultivo celular. Trata-se de um elastômero transparente, permeável a gases, biocompatível, de baixo custo e fácil manipulação. Porém, o PDMS tem a desvantagem de poder adsorver e absorver pequenas moléculas com propriedades hidrofóbicas34,35,36, fato que impacta de forma significativa na acurácia de predições envolvendo o uso de tais substâncias. Como alternativa pode-se fazer uso de polímeros termoplásticos como o policarbonato (PC), polimetilmetacrilato (PMMA) e copolímero olefino cíclico (COC) que não adsorvem pequenas moléculas23.
Diferentes, as Plataformas Microfluídicas de Cultivo Celular ou SMF são atualmente uma tecnologia que se encontra em fase de desenvolvimento, demandando ainda considerável avanço em bioengenharia. Os avanços realizados na última década na criação de modelos in vitro de culturas biomiméticas, baseadas em microtecnologia, fomentaram um interesse mundial crescente no desenvolvimento de plataformas que combinem tecidos humanos com microfluídica, dando origem ao termo Organ-on-a-Chip. Neste caso, a palavra chip deriva do inglês e refere-se a um dispositivo fino e de pequenas dimensões (podendo ou não conter elementos eletrônicos). Dependendo do número de órgãos e do desenvolvimento de diferentes microambientes celulares, pode-se ainda utilizar os termos Human-on-a-Chip ou Body-on-a-Chip. Com essa tecnologia, espera-se mimetizar in vitro a funcionalidade de órgãos humanos in vivo, com intuito de prever melhor os efeitos de substâncias no corpo humano. O estímulo de cisalhamento conferido pelo fluxo é importante para diversos aspectos funcionais dos tecidos cultivados. Por isso, garantir o fluxo fisiológico e adequado a cada caso é crítico para o estabelecimento dos SMF.
Os projetos de SMF devem ser balizados na otimização dos processos de confecção e cultivo dos tecidos humanos, de maneira que a ação do sistema microfluídico ou do sistema de perfusão propicie estímulo mecânico de cisalhamento em níveis capilar e intersticial dentro de parâmetros fisiológicos. Além de permitir a remoção de substâncias secretadas ou metabólitos e possibilitar a interação de células localizadas em compartimentos ou tecidos diferentes, promove a criação de microambientes com gradientes biomoleculares e presença de shear stress controlado23.
Tendo em vista que há uma grande diversidade de tipos de SMF (baseados em cultura 2D ou 3D, em organoides parenquimatosos ou de barreira, em fluxo passivo ou ativo, contendo ou não elementos eletrônicos, tais quais sensores, eletrodos etc.) e que, como já mencionado, o microambiente tridimensional in vivo no qual as células apresentam relações entre si, com diferentes tecidos e com a MEC, impactam diretamente na diferenciação e função de cada órgão, consideramos que os SMF constituídos de dispositivos microfluídicos para cultivo de tecidos humanos 3D in vitro em um ambiente controlado de estímulos mecânicos e eletrofisiológicos proporcionam as melhores condições possíveis de emulação23.
O termo Organs-on-Chips são sistemas microengenheirados biomiméticos que contêm canais microfluídicos que veiculam meio de cultura com nutrientes e extraem catabólitos dos tecidos em cultivo. Podem ser definidos alternativamente como modelos de órgãos humanos em microescala (de 106até 104 em relação ao tamanho original)37,38.
Os sistemas Organ-on-a-Chip buscam produzir níveis de funcionalidade de tecidos e/ou organoides não alcançados pelo cultivo celular estático, além de também possibilitar a análise em tempo real de parâmetros bioquímicos e metabólicos15,29, tais como albumina, lactato desidrogenase (LDH), glicose, O2, concentração de Glutationa (GSH), estado funcional de mitocôndrias, estrutura e morfologia do núcleo celular, estado redox, concentração de ATP etc. Esses parâmetros são monitorados por meio de biossensores internos ou externos, através de imagens microscópicas e análises do fluído coletado do sistema39,40,41.
Os modelos Organ-on-a-Chip equipados com acessórios de monitoramento e de detecção (biosensores) podem conferir vantagens importantes relacionadas à economia de tempo e melhora da reprodutibilidade dos dados produzidos. Além do mais, a possibilidade de monitoramento contínuo in situ de respostas biológicas induzidas por fármacos durante um longo intervalo de tempo é crucial para adequada investigação dos parâmetros farmacológicos e, por consequência, para o aumento do poder preditivo dos SMF. A empresa Emulate, Inc., do Wyss Institute, alocado na Universidade de Harvard, desenvolveu microdispositivos que possuem eletrodos embutidos para mensuração de Resistência Elétrica Transepitelial (TEER), com intuito de monitorar de forma não invasiva a formação e a integridade de diferentes modelos in vitro de órgãos de barreira, tais como o pulmão ou intestino42.
Outro exemplo vem do Centro de Pesquisa e Inovação em Biomateriais da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, que desenvolveu todo um sistema de monitoramento contínuo e automatizado, em uma plataforma modular, integrada e equipada com multi-biossensores com capacidade de detecção biofísica e bioquímica, integrados a módulos de Organ-on-a-Chip. O sistema conta com uma bomba peristáltica, um módulo de controle do fluxo microfluídico, módulos contendo sensores biofísicos para O2, pH, temperatura e contração de células cardíacas, módulo contendo sensores bioquímicos para proteínas hepáticas (por exemplo: Glutationa S-Transferase alfa, albumina), proteínas cardíaca (Creatina quinase), um mini-microscópio para monitoramento da morfologia dos organoides, além de um módulo de captura para bolhas do sistema43.
Assim esses SMF permitem emular de forma mais acurada as condições do meio interno incluindo as condições de pressão e temperatura, difusão de nutrientes (glicose, aminoácidos e lipídeos), além de fatores humorais tróficos e de crescimento10, bem como a remoção mais eficaz de catabólitos. Os SMF possuem vias de difusão microfluídicas que permeiam os tecidos à semelhança dos capilares sanguíneos e permitem o cultivo tridimensional com contato intercelular e tração mecânica ou shear stress, responsáveis em parte pela morfologia tissular. Essas características proporcionam a emulação das condições in vivo e supostamente levam a um padrão de resposta da preparação mais semelhante ao de um organismo vivo15,44,45,46 como já discutido anteriormente. Dessa maneira conclui-se que o advento da tecnologia Organ-on-a-Chip vem ao encontro do reconhecimento de que a morfogênese celular, as interações célula-célula, o ambiente biomecânico são tão importantes quanto são as células em si47,48,49,50,51,52. Como exemplos podemos citar a orientação topográfica53, definição espacial da cultura44,54,55,56, o estímulo de cisalhamento e outros tipos de estímulo mecânico (estiramento, compressão etc.)57,58,59, e gradiente bioquímico60,61.
Essa tecnologia representa uma alternativa ao uso de animais em aplicações farmacêuticas, químicas e ambientais15.
Outros importantes exemplos de Organ-on-Chip vem mais uma vez da empresa Emulate. Os organoides humanos cultivados isoladamente até o momento incluem: pulmão (células endoteliais microvasculares pulmonares com interface com células epiteliais alveolares)62, vias áreas inferiores (células humanas primárias diferenciadas em epitélio mucociliar)44,63, intestino (linhagem celular humana CaCo2)64, rim (células epiteliais do túbulo proximal humanas)65, e medula óssea (células de rato)66. A Figura 2 ilustra o modelo de Chip da Emulate. Nessa tecnologia, cada organoides mimetiza as interfaces celulares de seu respectivo órgão, assim como algumas de suas características fundamentais, por exemplo o movimento peristáltico do intestino.
Em 2016 o Fórum Econômico Mundial selecionou especificamente a tecnologia Organ-on-a-Chip como uma entre as dez mais emergentes do mundo67. Neste sentido, o campo de estudos relacionado a sistemas microfluídicos, Organ-on-a-Chip e SMF experienciou um grande salto no concernente ao número de publicações acadêmicas relacionadas ao longo das últimas duas décadas. Entre os anos 2000–2014 houve um aumento de aproximadamente 12 vezes, 985 vezes e 380 vezes do número de publicações acadêmicas relacionadas às áreas de microfluídica, Organ-on-a-Chip e SMF respectivamente (Gráfico). O aumento das publicações exemplifica a atividade e o interesse crescentes nessa tecnologia.
As palavras-chave “microfluídica” (microfluidics em Inglês), “Organ-on-a-Chip” e sistemas microfisiológicos (Microphysiological systems em inglês) foram buscadas pelo Google Scholar. Os números de publicações encontradas por essa busca para cada um dos oito intervalos de dois anos e para o intervalo de três anos estão representados no Gráfico a partir do ano de 1998 até o ano de 2017.
Os SMF baseados em cocultivo de dois ou mais órgãos interconectados em um dispositivo de microfluídico são comumente chamados de Multi-Organ-Chips. Atualmente são as plataformas precursoras das futuras Human-on-a-Chip ou Body-on-a-Chip que estão em fase de desenvolvimento e projetam acima de dez órgãos interconectados68 já para o ano de 2018.
Um bom exemplo ilustrativo desses tipos de SMF vem da empresa alemã TissUse GmbH, uma empresa derivada do Instituto de Biotecnologia da Universidade Technische de Berlim, na Alemanha.
Os primeiros protótipos consistiram de dispositivos para dois órgãos interconectados sob um fluxo regulável gerado por uma bomba externa alojada dentro de uma unidade controladora computadorizada (Figura 1). Nestes dispositivos, chamados de 2-Organ-Chip ou 2-OC, foram feitos estudos com duplas de organoides, tais quais biópsia de pele humana e esferoides hepáticos22,69, pele humana e folículo capilar70, barreira intestinal reconstruída in vitro e esferoides hepáticos22, neuroesferas e esferoides hepáticos71.
Mais recentemente, foi incorporado o cultivo de células endoteliais que recobrem a área luminal dos canais microfluídicos e a área dos poços de cultivo tecidual, mimetizando a interface vascular entre os tecidos e o fluxo (circulação) dentro do dispositivo72. Também foi desenvolvido um modelo de medula óssea construído sobre molde cerâmico de óxido de zircônio revestido com hidroxiapatita Sponceram® 3D (Zellwerk GmbH, Alemanha), que hospedou a cocultura de células mesenquimais estromais (MSC) e células-tronco hematopoiéticas derivadas do sangue do cordão umbilical (HSPC) viáveis por até 28 dias no 2-OC73.
Posteriormente, a TissUse também desenvolveu dispositivos para quatro órgãos (4-Organ-Chip ou 4-OC) que deu origem à publicação que mostra o cultivo e manutenção de equivalentes de fígado, intestino, pele e rim interconectados neste dispositivo74. Este novo dispositivo 4-OC possui dois compartimentos de microfluídica separados: um simula a circulação sanguínea e outro que emula o circuito excretor, para a drenagem do fluído (análogo à urina) secretado pelo equivalente de rim.
Os SMF que contemplam dois ou mais órgãos têm grande potencial de aplicação em estudos de farmacocinética os quais envolvem análises dos perfis de absorção, distribuição, metabolização, excreção e toxicidade (ADMETox) de uma substância ou de fármaco, além de também poder simular doenças humanas in vitro. O estudo das propriedades farmacocinéticas de uma substância ou candidato a fármaco é uma das aplicações possíveis e promissoras dos SMF, sendo uma etapa crítica no processo de descoberta e desenvolvimento de fármacos. Os modelos tradicionais de células humanas reproduzem de maneira não satisfatória as propriedades ADMETox observadas in vivo, apresentando uma modificação do nível de exposição (quando comparado ao verificado em humanos) e prejudicando, portanto, a avaliação toxicológica pela razão da maioria das respostas celulares avaliadas dependerem justamente e diretamente do nível de exposição do tecido à droga testada74,75,74,76,77,78,79,80,81.
Dessa maneira, um SMF que contemple a integração de modelos de intestino e fígado humanos in vitro, os dois órgãos críticos para respostas de biodisponibilidade e exposição sistêmica, tem significativa relevância82, e pode representar uma evolução no concernente ao poder preditivo, em relação aos modelos de cultura de células humanas estáticos e não integrados. Um exemplo de SMF para estudos farmacocinéticos foi o desenvolvido pelo grupo de Murat Cirit do Departamento de Engenharia Biológica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)82. O SMF consistiu de uma plataforma microfluídica (microdispositivo + bomba de perfusão) na qual foram integrados modelos de intestino e fígado humanos desenvolvidos in vitro, os quais foram mantidos sob comunicação contínua para a investigação simultânea dos valores de parâmetros farmacocinéticos tais como absorção e metabolização, após a administração oral de um dado composto (no caso dos SMF que contenham intestino e fígado, a emulação da administração oral é feita pela aplicação da substância teste no compartimento intestinal, ao passo que a mimetização da administração intravenosa é feita através da aplicação diretamente no compartimento hepático). Os autores demonstraram a possiblidade de obtenção de parâmetros intrínsecos como permeabilidade e clearance hepática, através da derivação dos dados obtidos no SMF por modelagem mecanística. Também sugeriram neste estudo que a comunicação entre os órgãos propiciada pelo SMF impactou positivamente na capacidade metabólica do modelo de fígado.
Outro exemplo de modelo de SMF otimizado para investigações farmacocinéticas vem do Laboratório de Biomecânica e Bioengenharia da Universidade de Tecnologia de Compiègne , em Picardia, na França. O grupo desenvolveu um SMF contendo os modelos de intestino e fígado humanos confeccionados in vitro e mantidos acoplados sob fluxo para a investigação do metabolismo intestinal e hepático de primeira passagem do fármaco paracetamol83. Esta abordagem foi também combinada a um modelo matemático visando estimar parâmetros intrínsecos in vitro e possibilitar a extrapolação para os processos in vivo. O trabalho também mostrou a identificação de metabólitos como o sulfato de paracetamol que foi identificado através da atividade sinérgica entre os modelos de intestino e fígado ocorrida no SMF. Ambos os grupos afirmam nos estudos supracitados, a importância e a grande potencialidade que pode ter a aplicação de SMF em investigações farmacocinéticas, bem como a integração das abordagens in silico e in vitro baseada em SMF.
Os modelos in vitro Disease-on-a-Chip são uma variação ou adaptação dos Multi-Organ-Chips destinados à emulação de condições patológicas. Um dos exemplos ilustrativos é o modelo desenvolvido pelo grupo do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH). O modelo em questão utilizou o cultivo de tecido tumoral colorretal e tecido hepático murino e permitiu avaliar a eficácia do tratamento com ciclofosfamida com prévia bioativação em tecido hepático murino, no tratamento do tumor colorretal in vitro84. Além de apresentar um modelo bem-sucedido de Disease-on-a-Chip, este grupo demonstrou a importância do cultivo simultâneo e integrado de mais de um tecido propiciado pelo SMF. Foi observada inibição do crescimento tumoral somente nos experimentos realizados em dispositivos microfluídicos, ou seja, em presença de fluxo. Não houve efeito antitumoral com a ciclofosfamida em ensaios sem fluxo, como a transferência descontínua via pipetagem, de sobrenadante das culturas estáticas de tecidos de fígado tratados com ciclofosfamida para as culturas também estáticas de tecido tumoral colorretal84.
Neste trabalho fica explícito o impacto positivo da utilização de SMF sobre a resposta obtida no teste, que foi completamente distinta da resposta obtida na situação de ensaio realizada fora do SMF.
Outro grupo cultivou células de adenocarcinoma ductal pancreático em 3D sob fluxo e mostrou resposta à cisplatina mais fisiológica quando comparada aos modelos in vitro de cultivo tradicionais85. As células tumorais, em geral, comportam-se diferentemente e apresentam fenótipo distinto quando cultivadas fora do corpo humano em 2D, ou mesmo quando cultivadas em 3D. Os sistemas in vitro de cultura celular 2D tradicionais ou sob insertos tipo Transwell®, bem como modelos de esferoides por exemplo, usados na tentativa de mimetizar o microambiente tumoral (MT), têm mostrado limitado poder preditivo de eficácia terapêutica de várias drogas candidatas a fármaco86.
O MT exerce grande influência no comportamento celular, principalmente no concernente à sobrevivência, proliferação, invasividade e sensibilidade ao tratamento com compostos87,88.Tipicamente, os tumores são formados por células cancerígenas e estromais (fibroblastos e células imunes) nutridas pela rede vascular. O entendimento dessa intrincada inter-relação dos diferentes tipos celulares, bem como da inter-relação das células com componentes da matriz extracelular, é crítico para o avanço das estratégias de tratamento do câncer89. Nos casos de modelos de tumores in vitro tradicionais isto é, não baseados em SMF, o desafio é maior devido à ausência da interação entre as células tumorais e a matriz extracelular e diferenças nas condições de gradiente de pH intratumoral, oxigenação e nutrição encontradas in vivo. Neste sentido, a aplicação dos modelos de SMF na investigação do comportamento e respostas de células tumorais pode ser vantajoso, na medida em que, ao propiciar condições mais aproximadas de MT encontradas no organismo humano, os SMF podem induzir nas células tumorais um padrão de comportamento mais próximo das condições in vivo. Através do avanço de técnicas de microfabricação, atualmente é possível desenvolver dispositivos microfluídicos cuja organização espacial por compartimentalização das células e controle sobre a difusão de fatores solúveis críticos às homeostases do sistema viabilizem a reconstrução de modelos complexos de cultura celular que contemplem a necessária integração entre os diferentes tipos celulares e entre células e componentes do microambiente90.
O trabalho de Albanese et al.91, baseado em modelo de tumor-on-a-chip, demonstrou a reprodução bem-sucedida in vitro do efeito de permeabilidade e retenção (EPR). Vários tumores sólidos possuem características estruturais que incluem hipervascularização, arquitetura vascular defeituosa, e drenagem linfática prejudicada, caracterizando o conhecido efeito de EPR, descrito para moléculas específicas92,tipicamente compostos macromoleculares, lipossomos e nanopartículas, que tendem a acumular muito mais no tecido tumoral do que no tecido normal93. Alabnese et al. mostraram que a penetração e a acumulação de nanopartículas em esferoides de células tumorais integrados ao dispositivo microfluídico foram significativamente influenciadas pela presença de fluxo e de MEC no entorno. O estudo verificou a importância da região de interface formada pela MEC, fluído e superfície do tecido; essa região de interface emulada no SMF mostrou-se necessária à reprodução in vitro do efeito EPR, comportando-se como um reservatório de interface fluido-tecido, no qual as nanopartículas se acumulam e difundem-se progressivamente para o tecido. Esse transporte passivo, a partir do reservatório de interface, impacta diretamente o número de partículas a serem difundidas para o tecido e parece poder predizer a extensão da acumulação de nanopartículas dentro do tumor in vivo.
O trabalho evidenciou a importância da mimetização do MT e o potencial uso do tumor-on-a-chip no desenvolvimento e padronização de carreadores medicamentosos, incrementando a investigação dos mecanismos de transporte de nanopartículas através de um tecido sob condições de fluxo fisiológico e acoplamento com MEC.
Há ainda outros exemplos de doenças emuladas nos SMF. O modelo desenvolvido baseado em microcanais revestidos por células endoteliais mimetizando a camada íntima de vasos sanguíneos, também se mostrou bem-sucedido em mimetizar as condições patológicas in vitro94. Neste, observou-se expressão do fator de von Willebrand em resposta à estenose dos microcanais emulando o efeito da placa de ateroma (formação composta de gordura, cálcio e células inflamatórias, localizada na parede das artérias). A aplicação de SMF na investigação de doenças tem se mostrado promissora. Já existem desenvolvimentos de SMF para doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson95, para doenças infecciosas ou potencial de infecção de determinado tecido96, doenças vasculares como a trombose63,97, doenças de vias aéreas62,63, entre outras.
No LNBio, um dos quatro laboratórios nacionais alocados no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), está sob desenvolvimento o projeto “Human-on-a-Chip”. A primeira etapa do projeto foi baseada no desenvolvimento de modelos de organoides humanos cultivados nos dispositivos de microfluídica, fabricados e vendidos pela empresa TissUse GmbH, dispositivo esse denominado de Two-Organ-Chip ou 2-OC (Figura 2).
Os microdispositivos fabricados pela TissUse são compostos por três tipos de materiais: policarbonato que compõe a placa adaptadora, PDMS no qual estão as válvulas e canais microfluídicos e uma lâmina de vidro que recobre o PDMS (Figura 1A). O modelo de SMF proposto pela TissUse oferece acesso aos poços de cultivo celular, ao mesmo tempo que mantém os microcanais isolados e protegidos, possibilitando a confecção e maturação dos organoides externamente, sua colocação nos chips e sua posterior retirada para histologia. Também permite o uso de maior variedade de tecidos humanos, como materiais de biópsias por exemplo.
No LNBio já acontece a confecção e o cultivo no 2-OC bem-sucedidos de organoides de fígado, coração e intestino, além do rim que está em fase de desenvolvimento.
Embora células primárias, provenientes de doadores vivos ou cadáveres, apresentem melhor funcionalidade, são de obtenção complicada e incerta, podendo produzir resultados inconsistentes devido ao fato de serem originadas de doadores diferentes na maioria dos casos. A depender da origem do tecido e do doador, não apresentam sobrevida necessária para realização de testes de duração mais longa.
Por isso, optamos por células de linhagens expansíveis e/ou células iPSC. A funcionalidade destas é geralmente menor, mas podemos controlar parâmetros importantes de maneira mais efetiva.
Para produzir organoides que emulam a barreira intestinal, utilizamos células da linhagem CaCo2 (ATCC HTB-37) (Figura 3A) associadas à linhagem HT29-MTX (ATCC HTB-38) (Figura 3B). Ambas são linhagens epiteliais de adenocarcinoma de colo retal que possuem a maioria das características morfológicas e funcionais de células absortivas do intestino delgado, incluindo enzimas digestivas e receptores. As células da linhagem HT29-MTX também possuem a capacidade de secretar mucina e outros compostos que formam o muco intestinal que auxilia a capacidade absortiva98,99,100. A barreira foi construída durante 21 dias em inserto Transwell® cuja membrana microporosa recebeu a semeadura da cocultura das duas linhagens intestinais supracitadas (Figura 3C).
O inserto, além de fazer as vezes de suporte para o cultivo celular, ainda teve a função de separar o organoide em dois compartimentos ou lados fisicamente distintos mimetizando as regiões intestinais intraluminal (compartimento superior ou lado apical) e intersticial/corrente sanguínea (compartimento inferior ou lado basolateral) (Figura 3D).
Para os esferoides de fígado, utilizamos a linhagem de células HPR101 diferenciada em HepaRG®, associada à linhagem HHSteC (Human Hepatic Stellate Cells #5300, Sciencell) (Figura 4). A primeira provém de um doador portador de carcinoma hepatocelular com concomitante infecção pelo vírus da Hepatite C.
A-B) Imagens de microscopia eletrônica de cortes histológicos cardioesferas ou equivalentes de coração humano. A) Destaque para a sequência de unidades sarcoméricas, mitocôndrias e depósitos de glicogênio no sarcoplasma. B) Destaque para as junções tipo GAP. C) Imagem de microscopia de luz de uma cardioesfera, com ampliação de 4X
As HepaRG® são células hepáticas progenitoras capazes de dar origem a hepatócitos e colangiócitos adultos completamente diferenciados. Possuem níveis significativos de funcionalidade hepática como a expressão estável de enzimas da família da CYP450 e de enzimas que atuam na conjugação de fármacos (fase 2) e de suportar o ciclo completo replicativo do vírus da hepatite B101. A segunda produz células do tecido conectivo intralobular que apresentam fenótipo semelhante aos miofibroblastos ou lipócitos. Estas células participam da homeostase da matriz extracelular e dos processos de reparo, regeneração e fibrose do fígado. A proliferação e migração destas células, juntamente com a expressão de quimiocinas, estão envolvidas na patogênese da inflamação hepática e na fibrogênese.
De maneira geral a cultura de hepatócitos como esferoides tem demonstrado resultados positivos com respeito à função hepática, devido ao estabelecimento dos contatos homo e heterotípicos célula-célula e a presença de componentes chaves de MEC dentro e nos arredores dos agregados69. A Figura 3 mostra as células hepáticas sob cultivo 2D (Figura 3E e 3F), e a respectiva cocultura na histoarquitetura esferoidal (Figura 3G e 3I) integradas no 2-OC (Figura 3H). Os equivalentes de intestino e fígado foram mantidos sob cocultivo no 2-OC por 14 dias.
A) Imagem microscópica das células CaCo2, com ampliação de 10 x. B) Imagem microscópica das células HT29-MTX, com ampliação de 10 x. C) Cocultura das células CaCo2 e HT29-MTX, com ampliação de 10x. D) Desenho esquemático do modelo equivalente de barreira intestinal feito no LNBio. E) Imagem de microscopia de luz de células HepaRG em 2D diferenciadas, com ampliação de 10 x. F) Imagem de microscopia de luz de células estreladas humanas em cultivo 2D, com ampliação de 10 x. G) Fotografia de esferoides hepáticos formados e coletados. H) Esferoides hepáticos integrados ao dispositivo 2-OC – TissUse GmbH. I) Imagem de microscopia de luz de um esferoide hepático, com ampliação de 4 x.
Os cardiomiócitos humanos usados para confecção da cardioesfera foram gerados a partir da reprogramação de células sanguíneas (eritroblastos) obtidas de um indivíduo saudável de 38 anos de idade, do sexo masculino. As iPSC foram diferenciadas em cardiomiócitos adultos. A empresa brasileira PluriCell Biotech forneceu os cardiomiócitos já diferenciados, usados para a confecção dos organoides no LNBio. Após formadas, as esferas (Figura 4C) foram integradas à plataforma 2-OC e cultivadas para realização de experimentos pilotos. Análises baseadas em microscopia eletrônica de transmissão de cortes de cardioesferas permitiram identificar estruturas celulares compatíveis com uma célula cardíaca sadia, tais quais unidades sarcoméricas, GAP junctions, mitocôndrias íntegras, depósitos de glicogênico, membranas e compartimentos membranosos intactos (Figura 4 A e B).
Interessantemente, o trabalho de Luni et al. mostrou que o processo de reprogramação de células somáticas humanas em iPSC é tremendamente influenciado pelo ambiente microfluídico (uma melhoria de 50 vezes em relação à reprogramação mais eficiente relatada usando células humanas sem modificações genéticas), sendo possível a diferenciação direta em hepatócitos e cardiomiócitos funcionais na mesma plataforma sem passo de expansão adicional102.
Apesar dos grandes avanços já obtidos, a engenharia de tecidos humanos em três dimensões (3D) para confecção de equivalentes de órgãos (em diferentes escalas e com diversos objetivos), bem como os dispositivos microfluídicos, estão em fase de desenvolvimento. Os avanços no manejo das células-tronco embrionárias e iPSC já contribuíram bastante e podem acelerar ainda mais o progresso deste campo, ao fornecerem acesso a diversas linhagens celulares para confecção de organoides.
Vastas perspectivas se encontram também no campo da medicina personalizada com a possibilidade de culturas celulares “paciente-específica”103,104. As iPSC são obtidas a partir de células primárias do corpo humano, tais como, células sanguíneas (por exemplo: eritroblasto), fibroblastos (obtidos de pele), células epiteliais do trato urinário (obtidas da urina), que passam por processo de desdiferenciação e em teoria podem ser rediferenciadas artificialmente em qualquer tipo celular105
Células de origem primária, apesar de apresentarem a funcionalidade superior, são desvantajosas em aspectos de logística de obtenção complexa, variabilidade genética (que pode ser benéfica somente em algumas situações) e instabilidade fenotípica/fisiológica in vitro. As células provenientes de linhagens imortalizadas têm a vantagem do acesso e manuseio simples, mas sua funcionalidade neste momento é menor que a das células primárias. Apesar do fato de ser a adoção de boas práticas de laboratório o fator mais crítico para assegurar que o cultivo celular seja livre de contaminantes diversos, as células de linhagens apresentam maior risco de contaminação por Mycoplasma106e/ou contaminações inter e intraespécie e instabilidade genética107,108
Por isso, a disponibilidade de tipos celulares, capacidade de adaptação e a escolha mais adequada da fonte celular para a confecção de organoides cada vez mais realísticos e estáveis nos SMF são desafios encontrados para o estabelecimento da tecnologia Human-on-a-Chip.
Adicionalmente, é importante considerar a necessidade do desenvolvimento de um meio de cultura cuja formulação/composição seja otimizada para atender às necessidades dos diferentes tipos celulares cocultivados em SMF multiorgãos. A escolha do meio é feita em função de cada tipo celular, com intuito de melhorar a aderência à matriz extracelular, viabilidade pós-descongelamento, crescimento, replicação. Situações onde um tipo celular sobrevive e cresce perfeitamente em um meio no qual outro tipo celular não vai bem são muito comuns.
Esses fatores tornam a formulação do meio de cultura adequada a diferentes tecidos muito desafiadora. Isto posto, importante para todos os tipos de cultivo celular (incluindo as 2D, sem fluxo, sem acoplamento tecidual etc.), e muitas vezes limitante para o cultivo integrados de dois ou mais tecidos, é o desenvolvimento de uma formulação do meio de cultivo universal um dos gargalos para o avanço da tecnologia dos SMF. Trabalho de Oleaga et al., publicado em 2016, abriu uma perspectiva bastante animadora ao demonstrar em SMF o cultivo simultâneo, bem-sucedido por 14 dias, de modelos de fígado, coração, músculo esquelético e tecido neuronal em um meio de cultura circulante e livre de SFB75.
A variação que ocorre entre lotes de soros animais, principalmente de soro fetal bovino (SFB) é crítica e pode interferir em testes de desenvolvimento de fármacos, por exemplo23. Fatores tais como o desconhecimento da composição exata do SFB, a ocorrência de variabilidade sazonal e geográfica lote-a-lote109 e interação não intencional com substâncias de teste110,111 podem levar a resultados inconsistentes, preocupações em relação à segurança do pessoal de laboratório em termos de risco à saúde por contato acidental com endotoxinas, micoplasma e contaminantes virais ou proteínas priônicas112,113,114; escassez inesperada na disponibilidade global115,116, bem como preocupações éticas sobre o sofrimento fetal117. Neste sentido, pesam em favor da substituição ou abolição do uso de SFB, os aspectos de segurança, científica e ética, em outras palavras, a busca pela otimização dos sistemas de teste in vitro, bem como o comprometimento com os princípios dos 3Rs são incentivos para o desenvolvimento e adoção de formulações de meio de cultura livres de SFB sejam eles quimicamente definidos ou com adoção de componentes substitutivos118. Recentemente, lisados de plaquetas humanas demonstraram ser uma alternativa promissora ao SFB116,119, 120, 121,122.
Outro aspecto importante a ser considerado, é que o estudo do perfil farmacocinético deve preceder estudos toxicológicos e farmacodinâmicos. Isso porque em todos os casos, deve-se relacionar a exposição ao efeito e a exposição somente será conhecida por meio de estudos farmacocinéticos. Para isso, é fundamental conhecer a partição de drogas nos órgãos, distâncias de difusão, taxas metabólicas com intuito de emular a comunicação in vivo entre os órgãos123. Isto posto, um fator primordial para se obter sucesso é o escalonamento proporcional dos diferentes organoides de maneira a refletir a relação que ocorre no corpo humano. A escolha e aplicação de um método apropriado de escalonamento garantirá que um fármaco atinja os órgãos em concentrações semelhantes à que se espera nos pacientes. Por isso, determinar os princípios e as regras para o dimensionamento dos diferentes SMF é um dos passos mais críticos para o desenvolvimento dos SMF com grande impacto no uso futuro em estudos de desenvolvimento de fármacos123,124. O correto escalonamento também garantirá que fatores parácrinos alcancem outros órgãos em concentrações fisiológicas mantendo a correta razão de acoplamento órgão-órgão nos SMF.
Existem diversos tipos de escalonamento com diferentes focos ou métodos dos quais podemos citar: o escalonamento alométrico (a escala entre o organoides e seus homólogos humanos e cada um com o outro), mais comumente usados125,126, o escalonamento funcional127 e multifuncional128 (considera parâmetros como a compartimentação dos organoides em circuitos fluídicos, o fluxo, as vias de administração/excreção) e ainda o escalonamento baseado no volume do órgão e no tempo de residência do fluxo sanguíneo129. O problema é que abordagens mais usadas para o dimensionamento como a miniaturização direta e escalonamento alométrico são baseadas em tamanho físico apenas128. Para um estudo mais aprofundado, estão disponíveis revisões sobre métodos de escalonamento no contexto Human-on-a-chip14,123,130,131,132,133.
Para cumprir o desafio de cocultivar de forma bem-sucedida, diferentes equivalentes de órgãos humanos in vitro interconectados em uma situação de homeostase autônoma, se faz necessário ultrapassar outros obstáculos como a ausência de sistemas linfático, nervoso, imunológico e vascular integrados sinergicamente. A vascularização é especialmente importante; normalmente a densidade volumétrica celular dos organoides em 3D não corresponde à encontrada no órgão in vivo, devido à pseudo-histoarquitetura e às limitações de entrega de oxigênio e nutrientes
A integração de um revestimento endotelial ao SMF é uma medida crítica na direção da melhora da performance fisiológica destes. A presença de uma rede de vasos que consiga penetrar e perfundir adequadamente um esferoide de 300 µM por exemplo, irá melhorar o suprimento de nutrientes, de oxigênio e auxiliar na remoção de metabólitos. Outros benefícios incluem a modulação da difusão de moléculas hidrofílicas para o interior do organoide e de tensões não fisiológicas que poderiam alcançar mais facilmente as células23. Além disso, as células endoteliais possuem a capacidade de estabelecer um nicho vascular e propiciar organogênese in vivo e in vitro.
A combinação de emulação robusta com a possibilidade de realizar análises e obter dados eletrofisiológicos por meio de microeletrodos integrados ao SMF também abre grandes perspectivas. Os tecidos cardíaco, músculo-esquelético ou neuronal podem ser estudados dessa forma135,136. A aferição da TEER em verificação de integridade da barreira em modelos de equivalentes de intestino137, pele ou córnea também pode representar mais um benefício desta funcionalidade.
Adicionalmente, impressoras 3D podem ser de grande valia para a resolução de limitações dos atuais SMF. Ao propiciarem deposição precisa, ordenada e reprodutível de tipos celulares e materiais diversos, abrem a perspectiva de confecção de organoides com complexa histoarquitetura. No caso dos rins ou do baço, a impressão de tecidos humanos em 3D é bastante conveniente, visto que não podem ser recriados de forma plena com a utilização das técnicas disponíveis atualmente138. A empresa “Organovo” tem se destacado na área de impressão de tecidos humanos em 3D, oferecendo modelos de fígado (ExVive™ 3D Bioprinted Human Liver Tissue Model) e rim (ExVive™ Human Kidney Tissue) humanos139. Além disso, as impressoras 3D abrem a perspectiva de otimização do processo de desenvolvimento e fabricação dos dispositivos microfluídicos, que normalmente é laborioso e complexo, por necessitar de grandes investimentos e cuidados (sala limpa por exemplo e recursos humanos altamente especializados). A tecnologia de impressão 3D atual avançou a um ponto que permite a produção relativamente barata e rápida de sofisticados microdispositivos, configurando uma alternativa promissora aos protocolos atualmente empregados140.
O fluxograma da Figura 5 ilustra uma proposta de abordagem para o desenvolvimento de SMF em centros de pesquisa, baseada nos dados e informações aqui reunidos e interpretados. Contempla as razões que justificam o investimento na implementação dos SMF e os passos e aspectos críticos a serem considerados e ponderados nesse processo.
MEC: matriz extracelular; PDMS: polidimetilsiloxano; LDH: lactato desidrogenase; TEER: Resistência Elétrica Transepitelial; iPSC: induced Pluripotent Stem Cells.
Apesar de todos os esforços e progressos realizados na direção do desenvolvimento de modelos experimentais que se aproximem o máximo possível da condição fisiológica humana, não é esse o fator mais crítico na relação SMF x corpo humano. Não obrigatoriamente os resultados ou dados obtidos dessas plataformas ou SMF devam ser realisticamente fisiológicos. O mais importante é que sejam comparáveis, transponíveis para o ser humano. Neste sentido, possuir e formalizar princípios de extrapolação que permitam transpor de forma acurada os dados obtidos a partir dessas plataformas é tanto ou mais crítico do que a busca incessante pela emulação da fisiologia do organismo humano in vitro.
O progresso obtido até hoje nos projetos dos SMF sugerem o alto potencial dessa nova abordagem para superar as limitações dos modelos experimentais utilizados atualmente. Poderão, em prazo mais curto que se imagina, proporcionar a redução do uso de animais de laboratório e oferecer modelos com maior potencial preditivo aplicáveis à farmacologia, desenvolvimento de fármacos, emulação de doenças, avanço da medicina personalizada bem como o incentivo do desenvolvimento de melhores testes que contribuirão na melhoria de produtos e substâncias valiosos a ramos industriais tais quais os alimentício, cosmético e agropecuário.
À Célia Maria Gaudêncio e à Roberta Francese Paiva, pelo auxílio técnico prestado na execução deste trabalho.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
A) Desenho esquemático do modelo construtivo do dispositivo microfluídico TissUse. B) Vista de um corte longitudinal do 2-OC mostrando os compartimentos de cultivo de equivalentes de intestino e fígado. C) Vista inferior do 2-OC com destaque para os canais microfluídicos que interconectam os compartimentos de cultivo tecidual. D) Plataforma 2-OC instalada e em operação no LNBio – Unidade controladora (bomba peristáltica) conectada ao 2-OC
Fonte: Adaptado de https://www.tissuse.com/en/products/2-organ-chip/ e de Maschmeyer et al. (2015).A-B) Imagens de microscopia eletrônica de cortes histológicos cardioesferas ou equivalentes de coração humano. A) Destaque para a sequência de unidades sarcoméricas, mitocôndrias e depósitos de glicogênio no sarcoplasma. B) Destaque para as junções tipo GAP. C) Imagem de microscopia de luz de uma cardioesfera, com ampliação de 4X
A) Imagem microscópica das células CaCo2, com ampliação de 10 x. B) Imagem microscópica das células HT29-MTX, com ampliação de 10 x. C) Cocultura das células CaCo2 e HT29-MTX, com ampliação de 10x. D) Desenho esquemático do modelo equivalente de barreira intestinal feito no LNBio. E) Imagem de microscopia de luz de células HepaRG em 2D diferenciadas, com ampliação de 10 x. F) Imagem de microscopia de luz de células estreladas humanas em cultivo 2D, com ampliação de 10 x. G) Fotografia de esferoides hepáticos formados e coletados. H) Esferoides hepáticos integrados ao dispositivo 2-OC – TissUse GmbH. I) Imagem de microscopia de luz de um esferoide hepático, com ampliação de 4 x.
MEC: matriz extracelular; PDMS: polidimetilsiloxano; LDH: lactato desidrogenase; TEER: Resistência Elétrica Transepitelial; iPSC: induced Pluripotent Stem Cells.