RESUMO
Introdução: A hepatite A é um grave problema de saúde pública no mundo. Embora tenha apresentado queda em suas taxas de incidências nacionais, no estado do Pará, Região Norte do Brasil, a incidência tem se mantido alta.
Objetivo: Determinar os perfis sociodemográfico e epidemiológico da hepatite A no município de Belém.
Método: A pesquisa foi realizada com os dados das fichas do Sistema de Informação de Agravos e Notificação dos casos de hepatite período de 2007 a 2016. Para a obtenção do perfil sociodemográfico utilizou-se as variáveis idade, sexo, raça e escolaridade, que foram associados ao número de casos através da análise de qui-quadrado no software R. Na determinação do perfil epidemiológico, usaram-se as variáveis: vacina para hepatite A; institucionalizado em; classificação final; e provável fonte.
Resultados: A frequência da hepatite A foi maior em homens, crianças, pessoas declaradas pardas e em pessoas sem instituição fixa. Os casos são diagnosticados por testes laboratoriais e têm como fonte de infecção principal a água e alimentos contaminados.
Conclusões: Os perfis evidenciam os grupos de maior risco e os fatores que mais corroboram para a infecção da hepatite A nos indivíduos do município de Belém. São necessários investimentos na área de saneamento para que haja uma efetiva diminuição dos casos nesta área.
PALAVRAS-CHAVE: Hepatites, Saúde Pública, Doenças de Veiculação Hídrica.
ABSTRACT
Introduction: Hepatitis A is a serious public health problem in the world; although it has shown a drop in its incidence rates in the state of Pará, northern Brazil, the incidence has remained high.
Objective: The sociodemographic and epidemiological profiles of hepatitis A in the city of Belém, were determined.
Method: The research was carried out with data from the records of the Information System of Diseases and Notification of cases of hepatitis from 2007 to 2016. To obtain the sociodemographic profile, the variables age, sex, race and schooling were used, which were associated to the number of cases through chi-square analysis in software R. In determining the epidemiological profile, the variables vaccine for hepatitis A, institutionalized in, final classification and probable source were used.
Results: The frequency of hepatitis A was higher in men, children, persons declared brown and in people without a fixed institution. The cases are diagnosed by laboratory tests and have as main source of infection contaminated food and water.
Conclusions: The profiles show the groups with the highest risk and factors that most corroborate for hepatitis A infection in the individuals of the city of Belém. Investments are necessary, in the area of sanitation so that there is an effective reduction of the cases in this municipality.
KEYWORDS: Hepatitis, Public Health, Waterborne Diseases.
ARTIGO
Perfil da hepatite A no município de Belém, Pará, Brasil
Profile of hepatitis the municipality of Belém, Pará, Brazil
Recepção: 22 Setembro 2018
Aprovação: 08 Maio 2019
As hepatites virais são infecções sistêmicas causadas por vírus que possuem tropismo primário para o fígado, cuja fisiopatologia baseia-se na resposta inflamatória hepática ao vírus 1. Apesar de apresentarem sintomas similares, as hepatites virais são doenças distintas, cada qual com sua característica epidemiológica, clínica, laboratorial e agentes etiológicos específicos 2. Os principais agentes etiológicos das hepatites virais humanas são os vírus das hepatites A (HAV), B (HBV), C (HCV), D (HDV) e E (HEV) 3.
Acredita-se que a hepatite A (HAV) seja uma doença antiga, que tenha afligido a humanidade desde que os primeiros seres humanos começaram a viver em grupos grandes o suficiente para sustentar a transmissão do agente causal 4. No entanto, a sua descoberta só ocorreu em 1973, por pesquisadores americanos 5. A transmissão ocorre por via fecal-oral, pela ingestão de comida e de água contaminadas ou diretamente de pessoa para pessoa 6, 7, 8.
No Brasil, a taxa de incidência do HAV aumentou progressivamente até 2005, chegando a 11,7 casos por 100 mil habitantes. Desde então, tem mostrado tendência de queda: apresentado em 2016, uma taxa de 0,6 casos para cada 100 mil habitantes 9. Contudo, Rodrigues et al. 10 observaram que, no estado do Pará (PA), Região Norte do Brasil, a incidência de HAV tem se mantido alta ao longo dos anos. Esse índice elevado, demonstra a necessidade de se conhecer melhor o perfil epidemiológico e sociodemográfico da hepatite A nessa região, já que, de acordo com Morais e Oliveira 11 o conhecimento destes perfis corrobora com a elaboração de estratégias de prevenção primária e no controle das infecções, diminuindo assim o risco de transmissão da doença.
Silva et al. 12 consideraram relevante a utilização do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) no que diz respeito ao monitoramento e estudo de doenças, visto que este é constituído por um conjunto de fichas padronizadas referentes à lista de doenças de notificação compulsória, entre elas a hepatite A. A lista contém várias informações das características epidemiológicas, sociodemográficas, entre outras a respeito dos pacientes. Levando em consideração que o objetivo do Sinan é o registro, processamento e disseminação dos dados sobre agravos em todo território nacional, gerados rotineiramente pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica, a análise dessas informações irá auxiliar o processo de investigação e dar subsídios às análises das informações de vigilância epidemiológica das doenças de notificação compulsória 13.
Perante o exposto, o objetivo da pesquisa foi determinar o perfil sociodemográfico e epidemiológico da hepatite A no município de Belém, Pará, no período de 2007 a 2016.
A pesquisa foi de caráter descritivo, que, de acordo com Hochman et al. 14, em um contexto epidemiológico, trata da caracterização dos aspectos da doença. Esse tipo de pesquisa visa o conhecimento do agravo à saúde, estudando a sua distribuição no tempo. Quando levadas em consideração as peculiaridades individuais, objetiva encontrar uma associação com fatores como sexo, idade, etnia, condições socioeconômicas, dentre outros, podendo conter desde relatos e até estudos populacionais mais conhecidos como ecológicos.
A área do estudo compreendeu o município de Belém, capital no estado do PA, que está localizado na Região Norte do Brasil ( Figura). Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 15, este município detém uma área territorial de 1.059,458 km 2, possui uma população estimada para 2018 de 1.485.732 habitantes e apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) municipal de 0,746. O município tem 71 bairros em oito distritos administrativos.
Os casos de hepatite A do período de 2007–2016 foram obtidos das fichas de notificação/investigação do Sinan (http://portalsinan.saude.gov.br/hepatites-virais), disponibilizadas pela Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) de Belém. Todas as informações que pudessem identificar os pacientes foram omitidas, com o intuito de garantir a natureza confidencial da pesquisa.
Os dados da população total atendida com esgotamento sanitário do município foram obtidos através do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) da Secretaria Nacional de Saneamento.
Na depuração do banco de dados de hepatite A foram considerados os seguintes requisitos: apenas os casos confirmados de hepatite A; paciente com residência no município de Belém; e informação de endereço completo (bairro, logradouro, número etc.). Esta etapa foi realizada por meio do software Microsoft Excel (2007).
As taxas de incidência foram calculadas a partir do número absoluto dos casos confirmados de hepatite A, dividido pela população do município de Belém, (estimada do IBGE por ano) e multiplicado por 100.000 habitantes. Realizou-se ainda, o cálculo da taxa de incidência para variáveis do perfil sociodemográfico, considerando-se a população por classe de acordo com o censo de 2010 do IBGE.
As informações utilizadas da ficha do Sinan (2007 a 2016) foram: idade, sexo, raça e escolaridade, todas contidas no bloco de notificação individual. A variável faixa etária utilizada na análise de dados foi determinada a partir dos dados de idade, sendo categorizada em cinco faixas etárias, criança (0 a 11 anos), adolescente (12 a 18 anos), jovem (19 a 29 anos), adulto (30 a 59 anos) e idoso (≥ 60 anos).
A faixa etária de criança e adolescente foi estabelecida conforme indica o Estatuto da Criança e Adolescente de 1990 16. A faixa jovem foi estipulada de acordo com Estatuto da Juventude de 2013 17. Salienta-se que nesta lei são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 e 29 anos de idade, todavia, aos adolescentes com idade entre 15 e 18 anos aplica-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, para que não haja conflitos com as normas de proteção integral do adolescente. Em razão disto, estabeleceu-se a faixa jovem somente dos 19 aos 29 anos. A faixa idoso foi determinada de acordo com o Estatuto do Idoso de 2003 18: pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. A faixa adulto estipulada foi o intervalo entre as faixas dos jovens e dos idosos, que é de 30 a 59 anos.
Na variável sexo usou-se os campos feminino e masculino. Foram usados os campos: branca, preta, amarela, parda e indígena para a variável raça, sendo que as raças indígena e amarela foram agrupadas por apresentarem poucos casos. Em relação ao grau de escolaridade, optou-se por agrupar alguns campos, resultando em: ensino fundamental (completo e incompleto), ensino médio (completo e incompleto), ensino superior (completo e incompleto), e a opção não se aplica. A opção “não se aplica” é marcada quando o caso notificado possui idade inferior a 7 anos 19. O campo analfabeto não foi utilizado devido à ausência de notificações.
Realizou-se teste de associação entre o número de casos e as variáveis sociodemográficas, que foram testadas através da análise de qui-quadrado. Quando necessário, aplicou-se a correção de Yates. Ressalta-se que não foi possível analisar a associação da variável escolaridade pela ausência de dados completos do grau de escolaridade da população de Belém. As análises de associação foram realizadas no software R.
Em relação às variáveis epidemiológicas, assim como nas sociodemográficas, buscou-se levar em consideração apenas os campos que apresentassem valor diferente de zero e que possuíssem relação com a hepatite A, considerando que a ficha do Sinan apresenta informações para todas as formas de hepatite (A, B, C, D e E).
Dessa forma, os blocos utilizados para a determinação do perfil epidemiológico foram: vacina para hepatite A; institucionalizado em; classificação final e provável fonte. Os seguintes campos foram usados para cada variável epidemiológica: vacina para hepatite A – completa, incompleta, não vacinado; institucionalizado em – creche, escola, asilo, empresa, penitenciária, hospital/clínica, outros, não institucionalizado e ignorado; classificação final – confirmação laboratorial e confirmação clínico-epidemiológico; prováveis fontes de infecção da hepatite A – domiciliar, tratamento dentário, alimento/água contaminada e outros.
Salienta-se que não foram efetuadas análises estatísticas de associação do perfil epidemiológico com a população, visto que não foram obtidos dados da população de Belém para esse tipo de variáveis. Contudo, as análises apresentam resultados satisfatórios para a obtenção do perfil epidemiológico.
Foram obtidos 577 casos confirmados de hepatite A no período de 2007 a 2016 no município de Belém, PA. Entretanto, na depuração dos dados, foram observadas algumas discrepâncias nas informações. No total dos casos, 124 estavam com endereço de residência em outro município e 25 estavam com endereços incompletos, em vista disso, não foi possível a localização desses casos. Resultando assim, em 428 casos confirmados de hepatite A em Belém.
Nos anos 2007, 2009 e 2010, a taxa da incidência anual de hepatite A por 100.000 habitantes em Belém foi 9,4; 6,1 e 3,9 respectivamente, sendo esses valores mais altos que as taxas nacionais apresentadas pela Secretaria de Vigilância em Saúde 20 (7,1 – 2007; 5,7 – 2009 e 3,9 – 2010), conforme demonstra o Gráfico.
Observa-se no Gráfico que há uma constante diminuição na incidência em Belém, com declínios bem acentuados em 2008, 2011 e 2016. Esse comportamento assemelha-se ao que foi observado no boletim de hepatites virais de 2017 do Ministério da Saúde 9, quando a Região Norte do Brasil apresentou maiores taxas e variações mesmo que a incidência estivesse em queda. Nota-se ainda que, conforme há o aumento da população atendida por esgoto sanitário, ao longo dos anos no município, há a diminuição da incidência de hepatite A, e que em 2014 houve um grande aumento no esgotamento sanitário e uma grande diminuição na incidência de hepatite A. Conforme Van Effelterre, Marano e Jacobsen 21, os estudos de campo e meta-análises demonstraram, ao longo do tempo, que há uma relação significativa da diminuição da incidência de hepatite A com a melhoria das condições socioeconômicas e de saneamento básico.
Assim, foi constatado no último censo do IBGE o aumento dos índices socioeconômicos de Belém, como mostra o IDH municipal de 0,746, apresentando crescimento em relação aos censos de 1991 (0,562) e 2000 (0,644), considerando que a maior contribuição para o IDH é da longevidade, renda e educação 22. Em relação ao saneamento, a região metropolitana de Belém demonstrou aumento nos percentuais de cobertura de esgotamento sanitário de 69,17% em 2012 para 95% em 2016, de domicílios com abastecimento de água de 70,51% em 2012 para 72,54% em 2016, e de domicílios com coleta de lixo de 97,58% em 2012 para 98% em 2016 23, contribuindo assim com a diminuição da incidência de hepatite A em Belém. Macedo et al. 1salientaram que a incidência de hepatite A tem sofrido decréscimo em virtude da vacinação. Contudo o Plano Nacional de Imunização (PNI) só introduziu a vacina adsorvida de hepatite A (inativada) em 2014 e para crianças de 1 ano de idade a 2 anos incompletos. Ressalta-se que a vacina não é disponibilizada para crianças acima de 2 anos de idade e para as que já receberam doses em clínicas particulares 24.
Observa-se ainda no Gráfico dois picos na incidência, nos anos de 2009 com 6,1 e 2013 com 2,9; contudo, nestes anos, constatou-se a presença de eventos extremos de chuvas. De acordo com Loureiro et al. 25, em 2009 o município de Belém apresentou valores acima da média climatológica de 540 mm, e em 2013 demonstrou maior índice pluviométrico de 3.776 mm de uma série de 2001 a 2015 26. Considerando que as enchentes afetam a rede de abastecimento de água 27 e, consequentemente, comprometem o fornecimento para as residências, gerando a falta de água potável para a população e criando, assim, um cenário de risco de infecção para várias doenças 28, sobretudo a hepatite A, visto que esta tem como via de transmissão a água contaminada 29.
A partir das análises estatísticas constatou-se que as variáveis do gênero, faixa etária e raça apresentaram associação estatisticamente significativa com a hepatite A, como mostra a Tabela 1.
Com relação ao gênero, observa-se que a frequência de hepatite A no sexo masculino é maior que o esperado, sendo de 57,24% (p < 0,001) ( Tabela 1), fato observado também pela incidência, na qual o sexo masculino é representado por 17,58% e o feminino, 13,13%. Em um estudo realizado por Silva et al. 12 sobre o padrão epidemiológico de hepatite A e associação das variáveis socioambientais no Rio de Janeiro, foi constatada situação semelhante, em que a proporção de homens com hepatite A foi maior do que a de mulheres.
Schmutz, Mäusezahl e Jost 29 enfatizaram que, em área de alta endemicidade, os homens se apresentam como grupo de alto risco de infecção pelo HAV, devido às relações sexuais homoafetivas masculinas. Conforme Paula et al. 30, esse tipo de infecção vem ocorrendo com frequência. Dessa maneira, verificou-se que 69,4% dos casos identificados do sexo masculino em Belém estão na faixa de vida sexualmente ativa permitida, conforme o art. 217-A do Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) 31.
Em relação a faixa etária, a frequência da doença foi maior em crianças (32,01%), jovens (30,84%) e adolescentes (23,36%); sendo inferior em adultos (13,08%) e idosos (0,7%) (p < 0,001) ( Tabela 1). A incidência seguiu o padrão da frequência de 9,83% nas crianças, 9,47% nos jovens e 7,18% nos adolescentes. A faixa adulto correspondeu a cerca de 36% da população de Belém e a de crianças 14%.
Babinski et al. 32 observaram em um estudo realizado no Paraná que a prevalência do HAV é maior em indivíduos do sexo masculino na faixa etária de 1 a 14 anos de idade (faixa de criança e adolescente), demonstrando um perfil semelhante ao observado nesse estudo. A faixa idoso foi a que mostrou a menor frequência 0,70% e incidência de 0,22%; visto que após a infecção, os pacientes geralmente adquirem uma imunidade vitalícia contra HAV 33. Em locais em que a endemicidade é intermediária, os indivíduos mais atingidos estão na faixa dos adolescentes e adultos, já as áreas de alta endemicidade, onde as condições sanitárias são precárias, a maioria das pessoas é infectada mais cedo, na infância, e em geral as infecções são assintomáticas 34, 35. Vários estudos afirmaram que toda a Região Norte do Brasil possui alta endemicidade para o HAV 36, 37, o que é corroborado com os dados encontrados neste estudo.
A frequência na cor parda foi maior, apresentando 81,78% (p < 0,001) ( Tabela 1), todavia, a maioria da população de Belém é parda, ou seja, cerca de 64% dos habitantes do município 38. A incidência foi menor (14,25%) entre os indivíduos da cor branca, que correspondem a 26% da população. Em uma pesquisa efetuada por Araújo, Mayvane e Gonçalves 39, sobre o perfil epidemiológico das hepatites virais no estado de Pernambuco, foi observado em relação à variável raça/cor, que a raça com maior proporção de casos notificados de hepatite A foi a parda com 60,70%. Mantovani et al. 40, em seu estudo sobre as desigualdades socioeconômicas e infecção HAV em crianças da Amazônia Ocidental Brasileira, verificaram que 67,00% da proporção de crianças estudadas eram negras ou pardas. Almeida et al. 41, em estudo realizado na Bahia, obtiveram maior número de casos de hepatite A na raça negra, ressaltando que a raça é mais condizente com a miscigenação da população brasileira.
O grau de escolaridade mais frequente dos portadores de hepatite A foi de indivíduos com ensino fundamental completo ou incompleto (36,92%). Levando-se em consideração a Lei n° 11.274, de 6 de fevereiro de 2006 42, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a obrigatoriedade da matrícula no ensino fundamental de indivíduos de 6 a 14 anos de idade, entrando no grupo de crianças e adolescente os quais juntos representam 55,37% da frequência das pessoas infectadas por hepatite A no período estudado.
Contudo, um estudo realizado em 2014 no estado da Bahia demonstrou que um dos fatores associados a hepatite A foi o ensino fundamental completo e incompleto 41. O baixo nível de escolaridade possui íntima relação com o processo saúde-doença, visto que este é proporcional ao nível de conhecimento dos indivíduos, diante isto, Souza, Santos e Jacinto 43 afirmaram que pessoas com maior grau de escolaridade são mais informadas e que tal conhecimento contribui para o alcance de melhores condições de saúde.
As variáveis utilizadas para a caracterização do perfil epidemiológico apresentaram ausência de algumas informações, visto que muitos dados foram preenchidos como ignorado, que é o caso dos campos vacina para hepatite A com 169 casos ignorados, institucionalizado em com 136 casos ignorados ( Tabela 2). No entanto, estes são classificados com característica de campo obrigatório pelo Ministério da Saúde e, segundo as instruções para preenchimento da ficha do Sinan, o campo obrigatório é aquele cuja ausência do dado impossibilita a inclusão da notificação ou da investigação no Sinan 44. O campo de provável fonte/mecanismos de infecção é definido como campo essencial, que apesar de não ser obrigatório, registra dado necessário à investigação do caso ou do cálculo de indicador epidemiológico ou operacional 44, contudo obtivemos 31 casos não preenchidos neste campo.
Foi verificado que 56,78% dos indivíduos não haviam tomado a vacina de hepatite A. Embora a vacina esteja disponível em clínicas de vacinação particulares, só é distribuída pelo Ministério da Saúde através do PNI nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) para a imunização de indivíduos de maior risco 45. Em 2014, a vacina também se tornou disponível para crianças de 1 a 2 anos incompletos 24. Apenas oito crianças na faixa de 1 a 2 anos foram constatadas com hepatite A, em toda a série histórica estudada. Todas foram diagnosticadas em anos anteriores a 2014 e se apresentaram na condição de não vacinadas.
Somente 1,64% dos indivíduos tomaram a vacina de forma incompleta. Segundo o Ministério da Saúde 45, após a primeira dose da vacina, 90 a 100% dos vacinados respondem com títulos de anticorpos considerados protetores. Também foi observado que 39,58% de casos foram ignorados impossibilitando conhecer a situação desses indivíduos. Entretanto, de acordo com a ficha do Sinan, nove indivíduos confirmados para hepatite A haviam tomado a vacina completa. Contudo, de acordo com o Ministério da Saúde 24, 100% das pessoas que tomam a vacina de hepatite A desenvolvem níveis protetores de anticorpos contra o vírus no prazo de um mês após uma única dose da vacina. Todavia, antes da exposição, a vacina previne 85% a 95% dos casos, quando realizada uma a duas semanas posteriores a exposição, podendo prevenir ou atenuar a doença, mas, após duas semanas do contato, não apresenta eficácia 46. Sousa et al. 47constataram que, após uma pesquisa sobre o preenchimento da notificação compulsória em serviços de saúde, há inúmeras dificuldades no preenchimento da ficha, geralmente associadas à sobrecarga de trabalho dos profissionais e à incompreensão acerca da importância da notificação. Além de que, é necessária comprovação no cartão de vacinação para que haja o preenchimento do campo vacinado 44.
Os indivíduos não institucionalizados apresentaram maior frequência de hepatite A, com 38,08% dos casos, entretanto, segundo a Organização Mundial de Saúde 48, as pessoas institucionalizadas, em relação à população geral, possuem maior exposição e são mais vulneráveis a contrair hepatites virais. Ainda assim, de acordo com Arrellas et al. 49, as pessoas não institucionalizadas apresentaram menores proporções na cobertura de vacinação devido à falta de informação.
Os institucionalizados em escola apresentaram 17,29% de frequência. Em um estudo de investigação de surto de hepatite A em Minas Gerais, Oliveira et al. 50 constataram que havia uma concentração do número de casos na escola pública local e, ao realizarem uma visita à escola, verificaram condições higiênico-sanitárias precárias, além da disponibilidade permanente de canecas nos filtros e bebedouros, para uso comum por todos os alunos, situação favorável à cadeia de contágio da doença. Para Guerriero, Ayres e Hearst 51, o componente institucional está interligado com diferentes situações de vulnerabilidade.
Observou-se que 84,58% dos casos tiveram seu diagnóstico realizado através da confirmação laboratorial, enquanto, apenas 15,42% foram por meio da confirmação clínico-epidemiológico. Tal fato está relacionado com as dificuldades de diagnóstico que, em alguns casos, levam os profissionais por optarem pela confirmação através de testes sorológicos 39. Ressalta-se que a confirmação clínico-epidemiológica se aplica somente em casos suspeitos de hepatite A que apresentem vínculo epidemiológico com caso confirmado de hepatite A por testes laboratoriais específicos 45. Contribuindo para quantidade inferior deste diagnóstico.
Considerando a provável fonte e mecanismo de infecção de hepatite A em Belém, 88,79% foram através de água ou alimento contaminado. Conforme Lee, Lee e Know 52, uma das formas de transmissão mais comuns de hepatite A é por meio da ingestão de comida ou água contaminadas. Fato também constatado por Barbosa et al. 53, no Piauí, onde a origem prevalente para a infecção relacionada à ocorrência da doença foi à transmissão viral por água ou alimentos contaminados, situação semelhante identificada por Almeida et al. 41. Guedes et al. 54 destacaram que a carência de saneamento e higiene é uma realidade, e várias doenças podem ser prevenidas com acesso a recursos hídricos adequados. Conforme a Prefeitura Municipal de Belém 55, as doenças relacionadas à falta de saneamento, como as infecciosas e parasitárias, se configuram como terceiro principal motivo de internações hospitalares no município, correspondendo a 11,8% das internações. Nesse contexto, Siqueira et al. 56 ressaltaram que a ausência do saneamento sobre a saúde da população acaba por prejudicar a saúde individual e, elevar os gastos públicos e privados em saúde com o tratamento de doenças.
Conforme o exposto, as análises indicaram que a HAV no município de Belém acomete mais a faixa etária das crianças, sexo masculino, pardos, com ensino fundamental completo/incompleto, não vacinados, sem instituição fixa, sendo realizados comumente testes laboratoriais para o diagnóstico e a fonte de infecção principal foi de água ou alimentos contaminados. Para Sartori et al. 35, o ideal para se obter um bom resultado sobre a epidemiologia da hepatite A seria um adequado programa de vacinação infantil de grande abrangência. Considerando que, nos Estados Unidos, a vacinação contra a hepatite A é disponibilizada desde 1995–1996 a indivíduos com idade entre 1 ano ou mais 57 e, desde a sua implementação, a incidência diminuiu cerca de 95% 58. Dessa maneira, a vacinação global seria a medida ideal para diminuir progressivamente a incidência do HAV 59.
Ferreira, Gonçalves e Gonzaga 60expuseram que as maiores dificuldades no estudo das hepatites virais usando o Sinan são as subnotificações e a falta de preenchimento de vários campos nas fichas de notificação compulsória, impossibilitando a construção de um banco de dados completo. No estudo foi verificada ainda a presença de erros no preenchimento e informações incompletas. Para Vieira et al. 61, essas limitações, apresentaram insegurança para se estimar uma real taxa de infecção na população, pois a maioria dos casos de hepatite A é oligossintomático, principalmente em crianças, podendo ser confundidos com um resfriado comum, tornando-se difícil estimar sua incidência a partir da notificação de casos 8. Para Azevedo et al. 62, a fragilidade do sistema de vigilância acaba em acarretar ausência da homogeneidade das notificações. Pinheiro, Andrade e Oliveira 63 afirmaram que essas subnotificações dificultam o real conhecimento do cenário epidemiológico e afetam o planejamento para as intervenções direcionadas para seu controle. Em um estudo realizado em Minas Gerais, no período de 2005 a 2014, foram verificadas alterações significativas no cenário epidemiológico, quando existe a elaboração de políticas públicas voltadas à prevenção das hepatites virais, reduzindo notavelmente a incidência 60.
A análise da hepatite A em Belém demonstrou que, mesmo sendo observada uma diminuição da incidência ao longo da série temporal estudada, em alguns anos a taxa de incidência da doença se mostrou-se maior que as taxas nacionais, evidenciando que a análise do perfil sociodemográfico e epidemiológico se torna essencial para auxiliar os programas de prevenção da hepatite A.
Os perfis evidenciaram os grupos de maior risco no município e os fatores que mais corroboram para a infecção destes indivíduos, como: a carência no sistema de saneamento e a falta de informação em relação à transmissão da doença. Este estudo mostrou que os investimentos na área de saneamento são fundamentais para a saúde pública e que as políticas de saneamento desempenham papel significante no controle e na efetiva diminuição de doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado.
Devida à importância das informações constantes nos sistemas de informação de saúde, é necessária a busca por estratégias que aperfeiçoem os profissionais de saúde para o preenchimento correto e contínuo das fichas de notificação, além da necessidade evidente da realização conjunta de campanhas de vacinação para a hepatite A e campanhas para esclarecimento e prevenção da doença no município de Belém.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela bolsa de estudo concedida no processo nº 1680769. À Secretaria Municipal de Saúde de Belém, que cedeu os dados das fichas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, contribuindo consideravelmente com a pesquisa. Ao Laboratório de Geoprocessamento do Instituto Evandro Chagas, que deu subsídios para que esta acontecesse.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
* E-mail: karla.pehse@gmail.com