RESUMO
Introdução: Hortaliças folhosas cruas são possíveis fontes de contaminação microbiológica e precisam ser higienizadas antes do consumo. Os diferentes saneantes variam quanto à sua capacidade de redução de microrganismos, e o cloro, em suas diferentes formas, é amplamente utilizado em alimentos para este fim.
Objetivo: Avaliar a eficácia de três diferentes tipos de saneantes comerciais de uso doméstico na redução de carga microbiana em alface crespa in natura de cultivo convencional.
Método: Foram estudados cinco lotes de três diferentes saneantes comerciais à base de cloro utilizados para sanitização de alface; avaliada a sua concentração de cloro livre e pesquisados coliformes termotolerantes e Salmonella spp. nas amostras de alface após a sanitização.
Resultados: Apenas um dos saneantes avaliados obteve concentração de cloro livre entre 100 e 200 ppm. Todas as amostras de alface apresentaram ausência de Salmonella sp./25 g e 60% delas não tiveram redução de coliformes a 45ºC a níveis aceitáveis para que o produto estivesse próprio para o consumo.
Conclusões: Os produtos testados não foram eficazes para reduzir a carga microbiana da alface a níveis seguros, o que pode estar colocando em risco a saúde do consumidor. Contudo, mais estudos são necessários para elucidar questões relativas ao processo de higienização de alimentos.
PALAVRAS-CHAVE: Saneantes, Alface, Coliformes, Salmonella.
ABSTRACT
Introduction: Raw hardwood vegetables are possible sources of microbiological contamination and need to be sanitized before consumption. The different sanitizers vary in their ability to reduce microorganisms, and chlorine, in its different forms, is widely used in food for this purpose.
Objective: To evaluate the efficacy of three different types of commercial domestic sanitizers in the reduction of microbial load on in natura crisp lettuce from conventional cultivation.
Method: Five lots of three different chlorine-based sanitizers used for lettuce sanitization were studied. Concentration of free chlorine and the existence of thermotolerant coliforms and Salmonellaspp were investigated in the lettuce samples after sanitization.
Results: Only one of the evaluated sanitizers obtained free chlorine concentration between 100 and 200 ppm. All lettuce samples showed an absence of Salmonella sp./25 g and 60% of them had no reduction of coliform at 45ºC to acceptable levels for the product to be suitable for consumption.
Conclusions: The tested products were not effective in reducing the microbial load of lettuce to safe levels, which may be putting the health of the consumer at risk. However, more studies are needed to elucidate issues related to the food hygiene process.
KEYWORDS: Sanitizing Products, Lettuce, Coliforms, Salmonella.
ARTIGO
Estudo da eficácia de saneantes comerciais de uso doméstico na redução da carga microbiana em alface (Lactuca sativa) crespa in natura
Study of the efficacy of domestic use sanitizers in the reduction of microbial load on in natura crisp lettuce (Lactuca sativa)
Recepção: 18 Janeiro 2019
Aprovação: 14 Maio 2019
Com o aumento do consumo alimentar fora de casa, a preocupação da população com a qualidade dos alimentos, especialmente os de origem vegetal, vem crescendo cada vez mais. Hortaliças folhosas cruas são possíveis fontes de contaminação microbiológica causada principalmente por Salmonella sp. e Escherichia coli, mas também por vírus, protozoários e helmintos, o que pode levar à ocorrência de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA). Aproximadamente 182 indivíduos foram a óbito no Brasil, no período de 2000 a 2017, por surto de DTA 1.
Cabe ressaltar que o consumo regular de vegetais folhosos é importante e recomendado por agências governamentais de saúde por serem ricos em fibras alimentares, vitaminas e minerais, além de diminuírem o risco de doenças crônicas não transmissíveis como diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão e alguns tipos de câncer 2, 3.
Condições sanitárias precárias nas áreas de produção rurais e urbanas favorecem a contaminação das hortaliças, tornando-as veículos de transmissão de patógenos. Esta contaminação microbiológica pode decorrer de diversas formas, pelo uso de água contaminada por material fecal para irrigação da horta, esterco sem tratamento para adubação, transporte inadequado e ausência de higiene dos manipuladores em toda a cadeia produtiva. Portanto, a contaminação de hortaliças pode ocorrer na pré-colheita, colheita e pós-colheita, exigindo maior cuidado dos produtores 4, 5. Neste sentido, para garantir a qualidade higienicossanitária, é importante que esses vegetais sejam submetidos a um adequado processo de higienização, sendo que este deve ser eficiente para reduzir a carga microbiana a níveis seguros à saúde para o consumo conforme preconiza a legislação vigente 6, 7.
Segundo a Resolução RDC nº 216, de 15 de setembro de 2004 7, os saneantes são, por definição, “substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação domiciliar, em ambientes coletivos e/ou públicos, em lugares de uso comum e no tratamento de água”. Desta forma, é importante que um produto com agente antimicrobiano consiga reduzir do ambiente, dos alimentos e das mãos dos manipuladores, os microrganismos patogênicos, sem causar danos à saúde humana devido, por exemplo, à ingestão de substâncias tóxicas, ou seja, após o contato direto com o alimento não deve oferecer risco de toxicidade e tampouco afetar suas características sensoriais 8.
Os diferentes agentes saneantes variam entre si quanto à sua capacidade de redução de microrganismos, dependendo das características físicas e químicas da hortaliça em questão, da temperatura da solução sanitizante, da concentração, do tempo de contato com o alimento e do tipo de microrganismo alvo 9. Neste contexto, é imprescindível a utilização de agentes antimicrobianos com status generally recognized as safe (GRAS), ou seja, que sejam seguros para uso em alimentos 10, contendo eficácia comprovada contra microrganismos como E. coli no tempo de contato e na diluição indicados no rótulo 11.
O cloro, em suas diferentes formas, como hipoclorito e dicloro isocianurato de sódio, é amplamente utilizado para alimentos porque possui amplo espectro de ação e reage com as proteínas da membrana celular microbiana, destruindo-a. O hipoclorito de sódio é o agente saneante mais comumente utilizado por possuir uma ação rápida, aplicação fácil e completa dissociação na água, além de ser um produto de baixo custo. O dicloro isocianurato de sódio (NaDCC) é um composto clorado orgânico comercializado na forma de comprimido efervescente ou pó, seguro e importante para a utilização em alimentos por não liberar metais pesados e nem trihalometanos, subprodutos carcinogênicos 9.
Diante deste contexto, o presente estudo objetivou avaliar a eficácia de três diferentes tipos de saneantes comerciais de uso doméstico na redução de carga microbiana em alface crespa in natura de cultivo convencional.
Foram estudados cinco lotes de três diferentes saneantes comerciais à base de cloro e de uso doméstico, registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Cinco amostras aleatórias de alface crespa in natura foram utilizadas para testar a eficácia dos saneantes e como parâmetro de controle da carga microbiana inicial. Essas amostras foram adquiridas no período de setembro a outubro de 2018 em estabelecimentos comerciais da cidade do Rio de Janeiro (RJ), acondicionadas em sacos estéreis, transportados sob refrigeração e imediatamente processados no Laboratório de Microbiologia de Alimentos do Departamento de Nutrição Básica e Experimental do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
As amostras de alface utilizadas como teste de eficácia dos saneantes foram selecionadas uma a uma, desprezando-se as unidades danificadas e lavadas em água potável corrente para remover as impurezas da superfície, seguida da separação em três diferentes béqueres para os processos de sanitização. Em cada um deles a amostra foi tratada (seguindo a instrução do fabricante - Tabela 1) com saneantes comerciais, sendo eles denominados A, B e C no presente estudo. Os saneantes A e B eram compostos basicamente de hipoclorito de sódio e o saneante C era composto de dicloro isocianurato de sódio. Como amostra controle, também foram realizadas análises microbiológicas das amostras de alface sem lavagem para determinação da carga microbiana inicial.
A concentração de cloro foi determinada em todos os lotes de cada saneante avaliado por meio de fitas indicadoras de cloro livre (marca Ecolab), para avaliar a adequação dos produtos após diluição indicada no rótulo 11.
A análise microbiológica foi realizada nas amostras de alface sem lavagem (controle) e amostras de alface após o processo de higienização. Foram pesquisadas as ocorrências de Salmonella sp./25 g e coliformes a 45°C/g, como preconizado pela Resolução RDC nº 12, de 2 de janeiro de 2001 12, seguindo o protocolo descrito pela American Public Health Association (APHA) 13.
A pesquisa de Salmonella spp. foi realizada pelo método cultural clássico de presença/ausência. Este método qualitativo consistiu em três etapas, pré-enriquecimento em água peptonada a 1% (Peptona bacteriológica – Oxoid, LTD., Basingstoke, Hampshire, Inglaterra), enriquecimento seletivo em caldo Rapapport Vassiliadis (Oxoid) e plaqueamento seletivo diferencial em Agar XLD (Oxoid) para detecção de colônias típicas.
Vinte e cinco gramas da amostra foram pré-enriquecidos em 225 mL de água peptonada a 1% (Oxoid) e incubados a 35 ± 2°C/24 h. Alíquotas da cultura pré-enriquecida incubada foram inoculadas em caldo Rapapport Vassiliadis (Oxoid) seguido de incubação a 42°C-43°C/18 a 24 h. Uma alçada deste caldo foi estriada em Agar XLD (Oxoid) e incubado a 35°C ± 2°C/18 a 24 h.
A determinação de coliformes a 45ºC foi realizada por meio da Técnica do Número Mais Provável (NMP). O ensaio foi realizado em três séries de três tubos cada (3 x 3) contendo meio de cultura em tubos de ensaio com tubos de Durhan invertidos. Foram pesados 10 g de unidade analítica de cada amostra e homogeneizados em 90 mL de água peptonada a 0,1% (Oxoid), obtendo-se a diluição 10 -1. A partir desta, as subsequentes diluições decimais seriadas até a diluição 10 -3 foram obtidas. O Teste Confirmativo de coliformes a 45ºC consistiu na inoculação de uma alíquota de 1 mL das diluições 10 -1, 10 -2 e 10 -3 em caldo E. coli (caldo EC – Oxoid) e incubados a 44,5 ± 0,2°C/24 a 48 h. Foi considerado como tubo positivo aquele que apresentou turvação e produção de gás.
Os dados obtidos das análises microbiológicas foram analisados e expressos em NMP/g para coliformes a 45 oC e em presença/ausência de Salmonella sp. em 25 g do produto. Os resultados foram descritos em percentuais e comparados com os padrões estabelecidos pela legislação vigente 12.
Os resultados dos testes de concentração de cloro livre dos saneantes estão expressos na Tabela 2. Todos os lotes de cada saneante analisado apresentaram os mesmos resultados quanto à concentração de cloro livre. Além disso, apenas o saneante A obteve concentração de cloro livre entre 100 e 200 ppm, estando, portanto, dentro da recomendação de 100 a 200 ppm 8, 14.
Os resultados das análises microbiológicas mostraram que 40% das amostras de alface controle apresentaram carga microbiana inicial baixa e, após higienizadas, permaneceram com valores de acordo com os padrões legais vigentes 12. No entanto, 60% das amostras não tiveram redução de coliformes a 45ºC a níveis aceitáveis para que o produto estivesse em condições sanitárias satisfatórias e, portanto, próprio para o consumo ( Tabela 3).
As análises de detecção de Salmonella sp./25 g mostraram que todas as amostras de alface não apresentaram colônias típicas de Salmonella sp./25 g e, portanto, estavam de acordo com os padrões legais vigentes ( Tabela 3).
Não existe padrão para coliformes termotolerantes para hortaliças in natura que não sofreram higienização.
Santos et al. 15 obtiveram resultados diferentes do presente estudo. Ao avaliarem a eficácia da água sanitária na sanitização de 28 amostras de alface, encontraram redução da carga microbiana de coliformes termotolerantes após três diferentes tempos de imersão (15, 30 e 45 min), tornando o alimento próprio para o consumo. Esses autores relataram ainda terem utilizado solução de água sanitária a 200 ppm de cloro ativo conforme recomendado pela Anvisa 15; no entanto, essa concentração não foi atingida pelos saneantes analisados no presente estudo.
Assim como um lote do saneante A e um lote do saneante B testados no presente estudo demonstraram redução – a níveis não seguros – de coliformes a 45ºC, Rodrigues et al. 16 encontraram resultados semelhantes ao avaliarem dois métodos distintos de higienização de tomate, pera, uva, maçã, goiaba e alface, sendo um deles com solução de hipoclorito de sódio a 1% com concentração de 100-250 ppm por 15 min. Além de outras amostras, as de alface também não apresentaram redução a níveis aceitáveis segundo a legislação vigente. Especificamente, no segundo teste com o saneante B, houve aumento no número de coliformes encontrados na alface após o procedimento de higienização, o que também foi observado em uma das análises de Rodrigues et al. 16.
Um estudo de Ferreira et al. 17 sobre a eficácia de sanitização de alface com hipoclorito de sódio a 2% por 15 min e posterior enxágue em água corrente mostrou que houve redução da carga de coliformes termotolerantes quando comparada às amostras que não foram submetidas a nenhum processo de higienização. Esse resultado diferiu do presente estudo muito provavelmente pelo fato dos produtos utilizados não terem alcançado a concentração de cloro livre preconizada. Ademais, nesse estudo de Ferreira et al. 17, a carga inicial de coliformes termotolerantes já estava baixa – sendo uma das amostras de alface in natura dentro do limite máximo permitido para hortaliças cruas prontas para o consumo – o que corrobora com os resultados encontrados em nosso trabalho, uma vez que as amostras que obtiveram redução também apresentaram carga microbiana inicial baixa.
A falta de eficácia dos sanitizantes na redução da carga microbiana a níveis seguros para o consumo em hortaliças cruas submetidas ao processo de higienização vem sendo discutida e amplamente atribuída à inabilidade dos princípios ativos em reduzir as células microbianas 16.
Os produtos saneantes à base de cloro testados nesse estudo, que estão disponíveis comercialmente, não foram eficientes para sanitizar as amostras de alface crespa, de acordo com as instruções dos fabricantes, uma vez que não reduziram a carga microbiana da alface in natura a níveis seguros para o consumo. Este resultado pode estar ferindo os direitos dos consumidores e colocando em risco a sua saúde.
Por outro lado, pode-se supor que as bactérias estudadas podem estar se tornando resistentes ao princípio ativo à base de cloro ou outros fatores podem estar interferindo e, por isso, mais estudos são necessários para tentar elucidar questões relativas ao processo de higienização de alimentos.
Ressaltamos que é de extrema importância a aplicação de produtos eficazes para a higienização adequada desses alimentos consumidos crus para garantir a saúde e segurança dos consumidores.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
* E-mail: rerangelguimaraes@gmail.com