RESUMO
Introdução: As análises laboratoriais, fundamentais para o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, objetivam minimizar os riscos advindos de produtos, serviços e ambientes relacionados à saúde, sendo necessários recursos financeiros disponíveis e oportunos aos laboratórios para realização de suas atividades.
Objetivo: O estudo descreve e analisa o financiamento federal das ações laboratoriais de vigilância sanitária no Brasil, de 2007 a 2016.
Método: Trata-se de estudo de análise bibliográfica e documental utilizando-se portarias de repasses financeiros federais, além de convênios, termos de cooperação e demais transferências voluntárias presentes em Relatórios de Gestão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Resultados: Os repasses foram classificados em duas categorias: (i) transferências automáticas de recursos fundo a fundo, destinadas à execução do conjunto das ações laboratoriais com periodicidade regular no tempo (mensal ou quadrimestral) ou para finalidades específicas (anuais); e (ii) transferências voluntárias de recursos compreendendo convênios e assemelhados. As repercussões do financiamento federal nos laboratórios e nas suas atividades foram discutidas. Os laboratórios de SP, PE, INCQS, BA e MG foram contemplados, respectivamente, com os maiores montantes. Na análise dos valores totais transferidos fundo a fundo segundo regiões, destaca-se o Nordeste, seguido do Sudeste.
Conclusões: Em que pese a relevância da alocação de recursos federais e da destinação específica para algumas atividades laboratoriais, destaca-se a necessidade da construção de uma política de financiamento sólida para o laboratório público de vigilância sanitária.
PALAVRAS-CHAVE: Financiamento da Saúde, Vigilância em Saúde, Vigilância Sanitária, Ações Laboratoriais, Controle de Qualidade em Saúde.
ARTIGO
Análise das transferências financeiras federais para as ações laboratoriais de vigilância sanitária no Brasil: 2007 a 2016
Analysis of federal financial transfers to the sanitary surveillance laboratory actions in Brazil: 2007 to 2016
Recepção: 01 Maio 2019
Aprovação: 12 Agosto 2019
No Brasil, desde 2009, a vigilância em saúde se estrutura nacionalmente em dois sistemas – Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) – coordenados por órgãos federais distintos: Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), respectivamente 1, 2. As políticas, diretrizes e critérios de financiamento dessas ações encontram-se em grande parte sob a responsabilidade da esfera federal.
Integram o SNVS: os serviços municipais, estaduais, distrital e federal de vigilância sanitária e o componente laboratorial do Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública (SISLAB) 3, dedicado às análises de interesse da vigilância sanitária – designado aqui como laboratório de vigilância sanitária, incluindo 27 laboratórios centrais (Lacen) 3, subordinados às respectivas secretarias de saúde, laboratórios municipais –, e o Instituto Nacional de Controle da Qualidade em Saúde (INCQS), da Fundação Oswaldo Cruz.
As análises laboratoriais, fundamentais para o SNVS, objetivam minimizar os riscos advindos de produtos, serviços e ambientes relacionados à saúde. Análises fiscais 4e de outras modalidades comprovam a conformidade dos produtos, identificam possíveis fraudes e avaliam o risco à saúde da população, quando realizadas em alimentos, medicamentos, insumos farmacêuticos e em demais produtos. Normas oficiais estabelecem os testes e especificam procedimentos, parâmetros e métodos de controle, em um trabalho que exige: capacidades técnica e analítica; expertise no desenvolvimento e implantação de metodologias de análise; recursos financeiros disponíveis e oportunos para manutenção e aquisição de equipamentos e de insumos, e de mão de obra qualificada.
Na ocasião da implantação do SISLAB, o aporte financeiro federal aos laboratórios se baseava na remuneração por produção de serviços ou mediante transferências voluntárias, com base em acordos negociados, incluindo os convênios 5, para os quais é exigida contrapartida por parte de quem recebe os recursos. Os convênios têm sido reduzidos, ao tempo em que têm aumentado os Termos de Execução Descentralizada (TED) e os Termos de Cooperação (TC) ou contratos de repasse. Ressalte-que que os TED somente podem ser firmados entre órgãos da mesma esfera de governo, no caso, a federal; e que ambos, TED e TC, prescindem de contrapartidas.
Os recursos financeiros dos entes federados destinados às ações de saúde constituem os Fundos Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde 6. Atualmente a descentralização de recursos federais para a saúde é majoritariamente realizada na modalidade fundo a fundo 6– no caso deste estudo, do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais de Saúde –, mediante Portarias Ministeriais, ou seja, como transferências ou repasses automáticos.
As transferências financeiras federais automáticas e regulares para os laboratórios visando execução de análises para a vigilância epidemiológica e ambiental iniciaram-se em 2005 7, quando foi instituído o Fator de Incentivo para Laboratórios de Saúde Pública (FINLACEN). Para o laboratório de vigilância sanitária, esse tipo de repasse se iniciou em 2007 8, e os recursos se destinavam ao custeio (despesas correntes) 9, 10, incluindo a manutenção das atividades dos órgãos da administração pública, não concorrendo para ampliação dos serviços prestados pelo órgão, ou expansão de suas atividades.
Para as transferências financeiras, de 2009 a 2017, existiam seis blocos de financiamento, considerados essenciais para estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS) – atenção básica, média e alta complexidade, assistência farmacêutica, vigilância em saúde, gestão do SUS e investimento 11. Os recursos transferidos deveriam ser aplicados nas ações e serviços de saúde relacionados ao próprio bloco, exceto os recursos para investimento 11. Após 2017 12, mantidos os critérios referentes ao cálculo dos montantes, os blocos passaram a ser dois: custeio das ações e serviços públicos de saúde e investimento na rede de serviços públicos de saúde.
Afora o montante de recursos aportado, a forma de financiamento e as modalidades de repasses têm implicações diversas para o gerenciamento e a utilização desses recursos pelos laboratórios, podendo-se induzir a realização de determinadas ações em detrimento de outras, ou a não priorização de certas análises. Ademais, a vinculação do laboratório de vigilância sanitária a distintas esferas de governo e a diversidade de atribuições e de análises realizadas pelos Lacen – vigilância e cuidado em saúde - pressupõem complexidade para a gestão laboratorial e desafios na execução das atividades analíticas.
Estudo bibliográfico sobre laboratórios e vigilância sanitária 13 apontou serem escassos trabalhos sobre o tema “laboratórios”, na literatura nacional e internacional, não referidos ao controle de qualidade de produtos mediante procedimentos laboratoriais analíticos e seus resultados. Mais raros ainda os que versam sobre a política nacional de vigilância sanitária e a gestão dos laboratórios do SNVS. Nenhum artigo sobre o financiamento dos laboratórios de vigilância sanitária, que abrangesse a totalidade dos repasses financeiros federais, foi encontrado no levantamento realizado em 2016 e repetido em 2019.
Este artigo pretende suprir uma das lacunas em relação ao financiamento federal das ações laboratoriais de vigilância sanitária – a informação sistematizada ao longo do período de 10 anos – e delinear a base para a análise das repercussões das mudanças no financiamento federal empreendidas após 2017. A totalidade dos recursos e a forma de aporte financeiro realizado pela Anvisa ao laboratório são parte de sua cooperação financeira com o SNVS e representa um mecanismo indutor da política de vigilância sanitária no país, com potencial para contribuir para integração e cooperação entre os serviços de vigilância e os respectivos laboratórios do SNVS. O objetivo deste artigo é descrever e analisar o financiamento federal das ações laboratoriais de vigilância sanitária no período 2007 a 2016.
Estudo descritivo, ancorado em análise documental 14, com identificação e seleção dos documentos a serem estudados e análise de conteúdo do material selecionado. O período de 2007 a 2016 foi escolhido pela necessidade de se analisar a política de financiamento dos laboratórios de vigilância sanitária no país após a instituição do SISLAB.
Identificaram-se as Portarias de repasses financeiros federais desse período mediante busca sistemática no portal Saúde Legis, acessado em fevereiro de 2016 15, que reúne atos normativos do SUS, no âmbito federal, com emprego dos termos “financiamento” e “vigilância”. Selecionaram-se as Portarias relacionadas ao laboratório de vigilância sanitária; via de regra, elas continham uma parte textual e anexos com valores programados para repasse.
A análise documental baseou-se na leitura sistemática e na comparação de seus itens comuns, na classificação segundo a natureza dos repasses e na identificação dos valores contidos nos anexos. Foram analisados: ementa, período de vigência, periodicidade dos repasses, valor total previsto, destinatários e finalidades.
No somatório dos recursos consideraram-se a existência de diferenças entre a entrada em vigor (vigência) das Portarias e a época de incidência dos seus efeitos financeiros, prevalecendo essa última. Assim, não foram acrescidos os valores previstos nas Portarias de um período que tiveram efeitos financeiros em outro período, como as Portarias n° 2.943 16, de 26 de dezembro, e n° 2.992 17, de 29 de dezembro, de 2016. A distribuição regional dos recursos também foi analisada.
Os relatórios de gestão da Anvisa 18, de 2009 a 2016, foram as fontes de dados sobre convênios, termos de cooperação e demais transferências financeiras voluntárias aos laboratórios, acessados em fevereiro de 2016. Mediante consulta, a Anvisa 19 disponibilizou informações complementares sobre convênios celebrados com os laboratórios de saúde pública.
Duas modalidades de transferências ancoradas na legislação 6 e na literatura científica sobre o financiamento do SUS cotejadas com os achados do presente estudo estruturam a seção resultados: ( i) transferências automáticas de recursos fundo a fundo, destinadas à execução do conjunto das ações laboratoriais (regulares no tempo: mensal ou quadrimestral) ou para finalidades específicas e ( ii) transferências voluntárias de recursos.
Foram analisadas 19 Portarias federais de repasses financeiros ao componente laboratorial de vigilância sanitária para realização das análises laboratoriais, e oito relatórios de gestão da Anvisa disponíveis no sítio institucional no momento do estudo.
A Tabela 1 sistematiza as Portarias das transferências automáticas e regulares do período estudado segundo finalidades, vigência, periodicidade e valores nominais dos repasses para os Lacen e INCQS.
Nas Portarias de repasses regulares 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28destacam-se a permanência dos valores nominais para os Lacen, até dezembro de 2012, e para o INCQS, até janeiro de 2015; e a diferença na ordem de grandeza entre os valores destinados aos Lacen (98%) e ao INCQS (2%).
A Tabela 2 sistematiza as Portarias de transferências federais anuais fundo a fundo visando finalidades específicas, para o mesmo período.
As oito Portarias de repasses não regulares no tempo para execução das análises de interesse da vigilância sanitária, emitidas no período de 2007 a 2012, caracterizam-se pelo repasse em parcela única 8, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35. Uma delas contemplou o INCQS e todos os laboratórios estaduais de saúde pública; e quatro objetivaram a realização de ensaios em alimentos pelos laboratórios.
O Quadro resume a finalidade dessas Portarias, os laboratórios contemplados e os critérios de fixação de valores para transferência de recursos.
A análise dos montantes, em valores nominais, de recursos fundo a fundo destinados aos laboratórios pela Anvisa e os valores totais expressos foram sistematizados na Tabela 3, ano a ano, segundo regiões e estados do país, para os laboratórios estaduais e para o INCQS.
Em 2009, não houve repasse regular para execução das análises laboratoriais de interesse da vigilância sanitária, o que implicou em queda dos recursos totais nesse ano, tendo sido apenas transferidos fundo a fundo os recursos para monitoramento de alimentos, para alguns laboratórios.
A análise dos valores totais transferidos na modalidade fundo a fundo segundo as regiões ( Figura) demonstra maiores valores destinados para a Região Nordeste, seguida da Sudeste; e nos estados, destaca-se o montante destinado aos laboratórios de São Paulo (SP), Pernambuco (PE), Bahia (BA) e Minas Gerais (MG), além do INCQS.
As transferências financeiras voluntárias abrangeram convênios, TC e TED. Os convênios celebrados pela Anvisa com os laboratórios públicos vêm diminuindo a cada ano 19, havendo, a partir de 2008, um aumento da celebração dos TC.
No período estudado, um montante de R$ 15.179.904,57 (R$ 1.686.656,06/ano) foi repassado aos laboratórios de saúde pública para execução de programas de monitoramento da qualidade de produtos mediante convênios ou TC. Desse montante, 57% dos recursos dizem respeito ao Programa Nacional de Verificação de Medicamentos (PROVEME) 36 que, coordenado pela Anvisa, avalia características físicas e químicas de medicamentos genéricos, similares e de referência; sendo R$ 5.888.174,70 em repasses via TC aos laboratórios de saúde pública da BA, Goiás (GO), SP, Ceará (CE), MG, Distrito Federal (DF), Espírito Santo (ES), Santa Catarina (SC), Rio Grande do Norte (RN), Paraná (PR), Rio Grande do Sul (RS), Pará (PA), PE e INCQS; e R$ 2.811.783,91 em repasse via convênio aos laboratórios de saúde pública da BA, GO, SP, CE e MG.
Em 2016, os TC para laudos analíticos do PROVEME contemplaram: Lacen CE (R$ 1.059.551,50), INCQS (R$ 730.744,10), Lacen SP (R$ 700.909,30), Lacen GO (R$ 539.161,00), Lacen DF (R$ 531.652,80) e Lacen PE (R$ 477.736,70). Os Lacen do ES, MG, SC, RN, PR, RS, PA e BA receberam montantes que variaram de R$ 195.000,00 a R$ 323.000,00.
Outro programa com destinação de recursos (R$ 2.154.588,60) é o Programa de Análise de Resíduos Agrotóxicos em Alimentos (PARA) 37, que objetivou o desenvolvimento de metodologias analíticas e realização de análises de resíduos de agrotóxicos em alimentos, via convênio aos Lacen GO e Lacen MG.
Outros termos de cooperação no período foram firmados entre Anvisa e INCQS com as seguintes finalidades: controle de qualidade de Heparina na matéria-prima e no produto acabado (2012); desenvolvimento de metodologias de análise de micotoxinas (fumonisinas mascaradas) em produto de milho processados e de substâncias proibidas em suplementos alimentares e produtos para emagrecimento rápido (2013); armazenar, embalar e distribuir as Substâncias Químicas de Referência da Farmacopeia Brasileira para as instituições públicas e privadas que atuam no controle da qualidade de insumos farmacêuticos e de medicamentos; fomentar e apoiar a produção do periódico científico Vigilância Sanitária em Debate; implementar Sistema de Gerenciamento de Amostras versão Web nos laboratórios da rede de laboratórios de vigilância sanitária (2016).
No total dos recursos repassados aos Lacen para a realização de programas de monitoramento da qualidade de produtos, destacam-se os laboratórios estaduais do CE, GO, MG e SP como os que receberam os maiores montantes no período estudado.
O estudo expressa as características da política de financiamento federal aos laboratórios públicos brasileiros que realizam análises relacionadas à vigilância sanitária, na medida em que abrangeu a totalidade dos recursos federais repassados automaticamente de forma regular ou eventual no tempo e as transferências federais voluntárias ou negociadas, mediante convênios e assemelhados. As transferências automáticas fundo a fundo regulares no tempo predominaram (79,20%) sobre as eventuais ou para finalidades específicas (20,80%). Em relação ao total de recursos repassados no período, as automáticas predominaram (96,08%) em relação às transferências voluntárias (3,91%).
Dois artigos abordam, no nível nacional, as transferências financeiras federais para a vigilância sanitária. O primeiro refere-se ao período em que não se praticava transferência regular e automática para os laboratórios 38; o segundo, que abordou transferências para serviços e laboratórios, se restringiu às transferências regulares e automáticas, não considerando as transferências voluntárias ou negociadas 39. Este artigo, embora tenha foco distinto – o financiamento do SNVS –, exclua o INCQS e aborde o período de 2007 a 2012, apontou tendência de estabilização da distribuição dos recursos federais fundo a fundo em 50% para serviços municipais de vigilância sanitária; 25% para serviços estaduais de vigilância sanitária; 20% aos Lacen e 5% para gestão dos serviços de vigilância 39.
Os dados do presente estudo apontam que o percentual de recursos destinado ao INCQS é de 6,00% do total de gastos com os laboratórios do SNVS, e que os recursos destinados a todos os laboratórios de vigilância sanitária correspondem a 20,00% do total de gastos com o SNVS, de maneira análoga à pesquisa anterior 39. A complexidade do componente laboratorial brasileiro, em grande parte, pode ser explicada pela extensa área de atuação da vigilância sanitária e pela vinculação dos laboratórios e dos serviços de vigilância sanitária a distintas organizações e esferas governamentais.
A Portaria que instituiu o SISLAB 3, em 2004, foi o primeiro ato normativo a direcionar a organização e o funcionamento dos laboratórios de saúde pública. A diferença de tratamento entre os laboratórios voltados para a vigilância sanitária e os demais foi corrigida com o reconhecimento da especificidade do seu componente laboratorial e a instituição do FINLACEN-VISA 7. Embora a origem dessa política tenha sido atribuída à existência de recursos programados e não efetivamente repassados para os serviços de vigilância sanitária em decorrência de não adesão de parte dos municípios à pactuação 39, ela reforçou a importância desse componente para o SNVS e propiciou aos laboratórios a possibilidade de aporte financeiro sob sua gestão direta.
A instituição do FINLACEN-VISA como forma específica para financiar essas ações em 2007 mediante duas Portarias 7, 8 teve um caráter inaugural ao propor repasses fundo a fundo regulares e automáticos. Enquanto a primeira 7 objetivava reforçar a estruturação dos Lacen para realizar análises de interesse da vigilância sanitária, a segunda 8 tinha como meta que todos os laboratórios executassem programas de monitoramento de produtos de interesse da saúde, definidos com os serviços de vigilância sanitária.
Nos repasses regulares 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28houve predomínio da periodicidade mensal (20,00%). No período compreendido entre 2010 e 2014, inclusive, a periodicidade passou a ser quadrimestral. A inclusão da vigilância sanitária no escopo da vigilância em saúde, em 2009 2, influenciou a mudança na periodicidade. A Portaria n° 1.378 1, de 9 de julho de 2013, que manteve essa inclusão e a existência de um SNVS distinto do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde, restaurou a periodicidade dos repasses para mensal. Nas Portarias automáticas eventuais 8, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, o repasse foi realizado em uma só parcela anual.
O volume e a forma de transferência de recursos fundo a fundo, programada a cada ano, contribuem para a melhor utilização do recurso financeiro, permitindo que os serviços façam planejamento segundo necessidades e de acordo com aportes a serem recebidos.
A manutenção dos valores nominais das transferências automáticas regulares FINLACEN-VISA, mesmo considerando o incremento de 7,58% no valor para os Lacen, a partir de 2013, e de 3,63% para o INCQS, a partir de 2015, acarretou uma perda importante nos recursos repassados, qualquer que seja o índice de atualização monetária selecionado.
Nos 10 anos estudados, o ano 2012 destaca-se no número de Portarias de repasses de recursos (seis) e em valores de recursos federais a serem repassados aos Lacen e ao INCQS (R$ 54.087.880,18), representando 20,30% do montante de todo o período estudado (R$ 265.628.243,50).
Os Lacen SP, PE, BA e MG e o INCQS foram contemplados com os maiores montantes de recursos financeiros no período, somados todos os atos normativos ( Tabela 2). Os maiores valores transferidos para a Região Nordeste, seguida da Sudeste, podem ser explicados, pelo menos em parte, pelo maior quantitativo de laboratórios, no Nordeste; e por dois laboratórios estaduais classificados como de maior complexidade existentes na Região Sudeste (MG e SP).
As Portarias com finalidades específicas possibilitam um incremento das ações relacionadas, ainda que não contemplem todos os laboratórios da rede. O INCQS, por exemplo, não foi contemplado com os incentivos específicos para o monitoramento de alimentos, com exceção do programa de avaliação de resíduos de medicamentos veterinários (PAMVET). Além disso, parecem privilegiar laboratórios que possuem capacidade analítica para atividades mais complexas, como análises de resíduos de medicamentos veterinários, análise de organismos geneticamente modificados, contaminantes metálicos, provimento de ensaio de proficiência e produção de material de referência, uma vez que parte das Portarias tem como parâmetro de repasse de recursos a capacidade instalada no laboratório.
Essa questão traz à discussão a importância de instaurar referências laboratoriais com atividades diferenciadas no SNVS, como realizado nas demais vigilâncias 2; uma vez que nem todos os laboratórios precisam ter a mesma vocação, estrutura ou atividade analítico-laboratorial.
Os laboratórios têm especificidades na execução de suas atividades, necessitando de aquisição e manutenção de equipamentos sofisticados e insumos de elevado custo. Dentre as áreas contempladas nas Portarias específicas no período do estudo, o destaque foi para a de alimentos, o que pode estar relacionado a uma maior representação na coordenação nacional da área do monitoramento do risco relacionado a esses produtos. Outras áreas contempladas foram: portos, aeroportos e fronteiras, resistência microbiana e incentivo financeiro para execução das ações laboratoriais municipais de vigilância sanitária.
As transferências voluntárias como os convênios envolveram um menor número de laboratórios, sendo efetivadas somente com os que apresentam capacidade de aplicar recursos orçamentários próprios a título de contrapartida 5, o que não é realidade para toda a rede de laboratórios. Dentre as transferências negociadas, o destaque foi para o PROVEME e, em menor escala, para o PARA.
No PROVEME, os serviços de vigilância sanitária coletam e enviam amostras aos laboratórios; e os medicamentos avaliados são os mais notificados por queixas técnicas e desvio de qualidade, os mais consumidos pela população brasileira, e aqueles presentes em outros programas do Ministério da Saúde 36.
O financiamento da vigilância sanitária é realizado com recursos da Anvisa e do Fundo Nacional de Saúde, movimentados, em cada esfera de governo, sob a fiscalização do respectivo Conselho de Saúde, do Poder Executivo e do Tribunal de Contas da União 8. É vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na área da saúde 8. As transferências devem ser efetuadas segundo as exigências legais requeridas a quaisquer outras despesas da Administração Pública 10.
Diferentemente dos recursos repassados aos serviços estaduais e municipais de vigilância sanitária baseados em valores per capita, os repasses regulares e automáticos para os laboratórios de saúde pública baseiam-se em critérios de porte e nível de complexidade, como para laboratórios de vigilância em saúde 3, 7.
A classificação do porte respalda-se na análise dos dados relativos à população e extensão territorial de cada estado e do Distrito Federal. Isso pode contribuir para a distorção do uso dos recursos, pelo mesmo valor de repasse a laboratórios que possuem volume e característica de ações diferentes.
Quanto ao nível de complexidade do laboratório, nas redes de vigilância epidemiológica e ambiental, os critérios de classificação para o financiamento fundo a fundo são baseados em ensaios da epidemiologia, biologia médica e de critérios do sistema da qualidade 3. Na vigilância sanitária essa classificação está relacionada ao estágio de implementação do Sistema da Qualidade e em autoavaliação da capacidade técnica e operacional 7. A classificação baseada apenas em requisitos da qualidade não leva em consideração especificidades dos serviços, como as atividades executadas, ou ainda, a contribuição de cada um deles no monitoramento do risco de produtos e serviços relacionados à saúde.
A participação dos laboratórios em programas de monitoramento e a realização de ensaios analíticos específicos se dão mediante transferências automáticas com finalidades específicas ou por meio de transferências voluntárias. Em ambas as modalidades de transferência, os critérios são baseados na complexidade da atividade analítica, mas nem sempre é explicitado o número de amostras a serem monitoradas e em que prazo devem ser realizadas.
Os valores repassados para o componente laboratorial da vigilância sanitária compreendem montantes menores em relação aos destinados para as demais ações laboratoriais realizadas pelos Lacen no âmbito do SUS. Ao Lacen RJ, por exemplo, foram destinados, em 2006, para a vigilância epidemiológica e em saúde ambiental (R$ 3.600.000,00) 7, mais que o dobro do valor repassado pelo FINLACEN-VISA em 2008 (R$ 1.560.000,00) 8.
A transferência automática e regular de recursos financeiros deve contemplar a definição de ações mínimas e comuns ao conjunto de laboratórios que compõe a rede nacional, sendo necessária a correção de seus valores. O repasse de mesmo valor nominal ao longo do tempo para atividades de constante atualização, como é o controle da qualidade de produtos e serviços, implica em redução progressiva da capacidade de atuação desses serviços. É importante destacar que, no momento da publicação deste artigo, os valores previstos para o FINLACEN-VISA permanecem inalterados 40.
Não está incluído no estudo o aporte financeiro oriundo dos estados aos laboratórios estaduais, tendo em vista o recorte no financiamento federal, apresentado em valores nominais. Para o INCQS, embora existam outras fontes do financiamento, incluiu-se somente o aporte financeiro realizado pela Anvisa para atividades laboratoriais vinculadas a produtos e serviços de saúde. Essas escolhas, bem como a não inclusão dos recursos destinados aos laboratórios municipais, implicam em limitações inerentes ao estudo.
Durante o período estudado deu-se a implantação de Portarias de repasse regular e programado de recursos fundo a fundo para estados e municípios, independente de convênio ou instrumento similar. Esse mecanismo permitiu o acordo de planos e metas entre os gestores do SUS, respeitando os diferentes graus de autonomia, capacidade de execução e responsabilidades nos níveis de governo. A mudança do perfil de financiamento federal, de transferência voluntária para transferência programada fundo a fundo sinaliza um aperfeiçoamento da relação entre os entes federados e demais atores estratégicos do SNVS.
No período do estudo, conforme dito anteriormente, os repasses eram efetuados por meio do bloco de financiamento da vigilância em saúde, formado pelos componentes de vigilância sanitária e de vigilância em saúde. A totalidade dos recursos de custeio deveria ser aplicado nas ações e serviços relacionados ao próprio bloco, sendo que os recursos para investimento deveriam ser transferidos em bloco específico para essa finalidade. Com a extinção do bloco de financiamento da vigilância em saúde, em 2017, e das contas bancárias específicas para cada um dos seus componentes, foram mantidos os mesmos critérios referentes ao cálculo dos montantes a serem transferidos. Porém essa transferência se dá para uma conta unificada, o que pode ocasionar dificuldades na utilização dos recursos pelos laboratórios e que outros dispêndios em áreas da assistência à saúde, mais sensíveis e de maior demanda social, consumam parte dos recursos dos laboratórios.
Em que pese a relevância da alocação de recursos federais e da destinação específica para algumas atividades laboratoriais no período do estudo, destaca-se a necessidade da construção de uma política de financiamento sólida e permanente para o laboratório público de vigilância sanitária do país.
À Coordenação de Convênios da Anvisa, pelas informações sobre os convênios com laboratórios de saúde pública, e à Maria Elizabeth Peixoto Paz, do INCQS, pelos esclarecimentos prestados.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
* E-mail: rosane.alves@incqs.fiocruz.br