RELATO DE EXPERIÊNCIA

Metodologias ativas para a cultura de segurança

Active methodologies for safety culture

Priscila Portes Almeida *
Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Brasil

Metodologias ativas para a cultura de segurança

Vigilância Sanitária em Debate, vol. 7, núm. 4, pp. 96-103, 2019

INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 09 Julho 2019

Aprovação: 23 Outubro 2019

RESUMO

Introdução: Dentre as estratégias propostas no Programa Nacional de Segurança do Paciente está a promoção da cultura de segurança do paciente.

Objetivo: Apresentar a experiência do Núcleo de Segurança do Paciente durante o ano de 2018 na promoção da cultura de segurança do paciente.

Método: Aplicação de metodologias ativas de aprendizado, em um hospital público de médio porte de Minas Gerais, pertencente à Rede Sentinela da Anvisa.

Resultados: A campanha “10 Metas – Segurança do Paciente” foi originada após a identificação e a priorização dos macroproblemas relacionados à segurança do paciente na instituição. As 10 metas definidas foram: 1) Comunicação efetiva; 2) Prevenção de queda; 3) Cirurgia segura; 4) Prevenção de lesão por pressão; 5) Uso seguro de sondas e cateteres; 6) Identificação segura; 7) Segurança medicamentosa; 8) Cuidado limpo e seguro; 9) Paciente envolvido; e 10) Uso seguro e racional do sangue. A estruturação das estratégias educacionais foi pautada em metodologias ativas de aprendizado e problematização.

Conclusões: Observou-se que o uso de metodologias ativas pode estimular e induzir os colaboradores e usuários a discutirem e a conhecerem o sentido da cultura de segurança do hospital.

Palavras chave: Segurança do Paciente+ Evento Adverso+ Metodologias Ativas de Aprendizado+ Educação Permanente.

ABSTRACT

Introduction: The promotion of the patient safety culture makes part of the strategies proposed in the National Patient Safety Program.

Objective: This paper presented the experience of the Patient Safety Nucleus during 2018 in promoting the patient safety culture.

Method: The use of active learning methodologies in a medium-sized public hospital in Minas Gerais, that belongs to the Sentinel Network of Anvisa.

Results: The “10 Goals – Patient Safety” campaign originated after the identification and prioritization of the macroproblems related to patient safety in the institution. The 10 goals defined were: 1) Effective communication; 2) Fall prevention; 3) Safe surgery; 4) Prevention of pressure injury; 5) Safe use of probes and catheters; 6) Safe identification; 7) Drug safety; 8) Clean and safe care; 9) Patient involved; and 10) Safe and rational use of blood. The structuring of educational strategies was based on active learning and problematization methodologies.

Conclusions: It was observed that the use of active methodologies can stimulate and induce employees and users to discuss and know the meaning of the hospital safety culture.

Keywords: Patient Safety, Adverse Event, Active Learning Methodologies, Permanent Education.

INTRODUÇÃO

O relatório de Medicina da Academia Americana de Ciências “To err is human: building a safer health system” é um marco internacional em segurança do paciente devido à apresentação de dados alarmantes sobre danos sofridos por pacientes americanos, com cerca de 44.000 a 98.000 óbitos anuais nos Estados Unidos decorrentes de eventos adversos (EA) relacionados à assistência hospitalar. Segundo o relatório, anualmente cerca de 1 milhão de pacientes admitidos nos hospitais americanos sofria EA relacionados à assistência, sendo mais da metade destes eventos decorrentes de falhas evitáveis 1.

Com o propósito de despertar a consciência e o comprometimento político para melhorar a segurança na assistência e apoiar os Estados-Membros no desenvolvimento de políticas públicas, foi criada a Aliança Mundial para Segurança do Paciente em 2004 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Numa parceria com a Comissão Conjunta Internacional ( Joint Commission International – JCI), a OMS tem incentivado a adoção de seis metas internacionais de segurança do paciente com a finalidade de promover boas práticas para a redução de riscos e EA em serviços de saúde. As seis metas são: 1) identificar corretamente o paciente; 2) melhorar a comunicação entre profissionais de saúde; 3) melhorar a segurança dos medicamentos de alta vigilância; 4) assegurar cirurgia em local de intervenção, procedimento e paciente corretos; 5) higienizar as mãos para evitar infecções relacionadas a assistência à saúde; e 6) reduzir o risco de lesões ao paciente em decorrência de quedas 2.

Continuando esse movimento, no Brasil, em 2013, o Ministério da Saúde instituiu, através da Portaria nº 529, de 1º de abril, o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Na sequência, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 36, de 25 de julho de 2013, tornando compulsória a notificação dos EA ocorridos nos estabelecimentos de Saúde do território nacional. No artigo 2º da referida RDC, foram excluídos do escopo desta resolução os consultórios individualizados, os laboratórios clínicos e os serviços móveis e de atenção domiciliar.

Dentre as estratégias propostas no PNSP está a promoção da cultura de segurança do paciente. À luz da RDC nº 36/2013, entende-se cultura de segurança como:

conjunto de valores, atitudes, competências e comportamentos que determinam o comprometimento com a gestão da saúde e da segurança, substituindo a culpa e a punição pela oportunidade de aprender com as falhas e melhorar a atenção à saúde 3.

Por sua vez, a Segurança do Paciente é “[...] a redução a um mínimo aceitável do risco de danos desnecessários relacionados aos cuidados de saúde” e incidente é um “evento ou circunstância que poderia ter resultado, ou resultou, em dano desnecessário ao paciente” 4.

Nesta perspectiva é reconhecida a falibilidade do ser humano e, ao mesmo tempo, a necessidade de vigilância constante e de estratégias de prevenção de erros e de danos ao paciente, para as quais a capacitação dos profissionais responsáveis pela prestação de cuidados é essencial.

Para a transformação do cotidiano e das práticas profissionais é necessária a promoção de aprendizado no trabalho, ou seja, de ações de Educação Permanente em Saúde (EPS). A EPS se resume na proposta de incorporação na rotina de trabalho das instituições, práticas de ensino e aprendizagem significativa, com o objetivo de gerar reflexão sobre o processo de trabalho e mudança institucional 5.

Em 2004, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) com a finalidade de desenvolver os profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da articulação e integração entre ensino, serviço e comunidade. Com o intuito de melhorar as práticas do trabalho, a PNEPS busca, através de reflexões críticas, aliar a academia ao universo laboral provocando a interseção entre o aprender e o ensinar na realidade dos serviços 5.

A EPS é estruturada a partir da problematização dos eventos da realidade no trabalho, onde a busca por soluções valoriza os conhecimentos e as experiências prévias de cada indivíduo 4. Nessa vertente estão ancoradas as metodologias ativas que lançam meio da problematização como estratégia de ensino-aprendizagem, para que o aprendiz seja motivado a examinar, refletir, relacionar vivências prévias e ressignificar novas descobertas 6.

O termo “metodologia ativa” se refere a uma concepção de educação crítico-reflexiva, que se fundamenta no estudante como promotor da sua própria ação educativa 6. Nesse processo, a autonomia e liberdade são valorizadas no sentido de o aluno ser o protagonista no desenvolvimento do seu próprio conhecimento. As metodologias ativas se apresentam como ferramentas necessárias para a ampliação de novas possibilidades de escolha num processo de tomada de decisão 7.

O objetivo deste trabalho foi apresentar a experiência de um hospital público de médio porte de Minas Gerais na promoção da cultura de segurança do paciente, a partir do uso de metodologias ativas de aprendizado no desenvolvimento da campanha “10 metas – Segurança do Paciente” durante o ano de 2018.

MÉTODO

Este trabalho caracteriza-se como um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, desenvolvido pelo Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) durante o ano de 2018.

O cenário onde a experiência foi desenvolvida se caracteriza como um hospital público de Minas Gerais, referência de atendimentos de média e alta complexidade para a macrorregião noroeste do estado, com 120 leitos e pertencente a Rede Sentinela da Anvisa há aproximadamente 10 anos.

A campanha “10 Metas – Segurança do Paciente” foi originada após a realização da identificação e priorização dos macroproblemas relacionados à segurança do paciente na instituição, por meio da aplicação do diagrama de afinidades e matriz de priorização com os membros do NSP. Essas ferramentas foram escolhidas devido à facilidade de aplicação e de alcance dos resultados.

A identificação dos macroproblemas foi a primeira etapa do planejamento da campanha, realizada por meio de brainstorming: cada membro do NSP escrevia em uma tarjeta um problema envolvendo a temática da segurança do paciente. Cada participante recebeu três tarjetas, ou seja, cada um tinha a oportunidade de registrar até três problemas de segurança. Posteriormente, as tarjetas foram numeradas e coladas em um quadro, expondo todos os problemas de segurança percebidos pelos participantes 8.

A segunda etapa envolveu a aplicação do diagrama de afinidades. As tarjetas foram agrupadas por meio de núcleos de sentidos e cada agrupamento recebeu o título que melhor representasse os problemas mencionados 8.

Após a identificação dos macroproblemas, procedeu-se à terceira etapa: priorização do macroproblema.

A priorização dos macroproblemas é necessária para apoiar a tomada de decisão e para direcionar qual é o problema que tem gerado maior impacto com viabilidade de intervenção. Sendo assim, os macroproblemas foram organizados em uma tabela na qual para cada item era dada uma pontuação variando de 0 a 3 (0-baixa; 1-significativa; 2-alta e 3-muito alta). A matriz decisória utilizada avaliou as dimensões: relevância, prazo/urgência, factibilidade e viabilidade. Após o grupo de atores acordarem a pontuação de cada item e somarem a pontuação total de cada macroproblema, foi realizada a hierarquização dos macroproblemas baseada nas maiores pontuações 8. O resultado demonstrou como macroproblema prioritário a “Baixa adesão aos protocolos de segurança do paciente”.

Cientes da realidade mapeada, iniciamos o levantamento das intervenções necessárias para a tratativa da “Baixa adesão aos protocolos de segurança do paciente”. Assim, frente aos seis protocolos do PNSP (cirurgia segura; higienização das mãos; prevenção de quedas; prevenção de lesão por pressão; identificação segura e segurança medicamentosa) e aos principais problemas de segurança do paciente identificados no monitoramento de EA (comunicação; uso de sondas e cateteres; hemotransfusão e envolvimento do paciente no centro do cuidado), foram definidas as 10 metas a serem trabalhadas, relacionadas a cada uma dessas temáticas.

As 10 metas definidas foram: 1) Comunicação efetiva; 2) Prevenção de queda; 3) Cirurgia segura; 4) Prevenção de lesão por pressão; 5) Uso seguro de sondas e cateteres; 6) Identificação segura; 7) Segurança medicamentosa; 8) Cuidado limpo e seguro; 9) Paciente envolvido; e 10) Uso seguro e racional do sangue.

O desenvolvimento da campanha enfatizou as ações educativas com metodologias ativas de aprendizado com o objetivo de construir um aprendizado consistente e crítico em relação às questões concernentes à segurança do paciente. A duração de execução de cada meta foi de um mês.

A estruturação das ações educacionais ocorreu nos moldes das metodologias ativas de aprendizado com destaque no uso da problematização das situações reais de trabalho. Os veículos utilizados para aplicação da metodologia foram: jogos educativos, júri simulado, discussão de situação-problema, simulação realística, blitz setoriais, dentre outras. Além das técnicas e ferramentas empregadas, foi de suma importância para o sucesso da campanha o uso dos materiais educativos de apoio que foram especialmente produzidos: cartazes, folder, cartilha, plaquinhas para fotos, chocolates personalizados e pulseiras.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em janeiro realizamos a confecção do material educativo de apoio e divulgação da campanha: faixa, cartazes, folder, calendário de mesa, cartilha para o servidor, imagens para divulgação digital, bótons com a logo da campanha para identificação dos membros do NSP e personalização de caixa de chocolates, sendo que cada chocolate recebeu a logomarca de uma das metas desenvolvidas ( Figura 1).

Material de divulgação da campanha “10 Metas – Segurança do Paciente”, 2018.
Figura 1
Material de divulgação da campanha “10 Metas – Segurança do Paciente”, 2018.
Autor: Priscila P. Almeida, 2018.

Finalizada a preparação do material a ser usado, o NSP iniciou em fevereiro a divulgação da campanha em toda instituição, abordando os profissionais em seus ambientes de trabalho. Nesse momento era apresentada a proposta da campanha e as metas a serem trabalhadas ao longo do ano. Foi empregada uma dinâmica envolvendo as temáticas referentes às metas de segurança do paciente. Nela, cada profissional que, de forma voluntária, apresentasse seus conhecimentos sobre cada tema recebia um chocolate com a logomarca da campanha.

Para trabalhar a “Meta 1 – Comunicação Efetiva”, promovemos em março o I Seminário de Comunicação Efetiva da Instituição. Uma pesquisa realizada em 2016 defende que a efetividade da comunicação na área da saúde pode reduzir a incidência de EA, conferindo, assim, maior segurança no cuidado ao paciente. Em contrapartida, danos graves podem advir aos pacientes em virtude das falhas na comunicação 9. Assim, com o objetivo de elucidar os principais aspectos relacionados com a melhoria da comunicação, foram abordados cinco temas pelos palestrantes convidados: Cerimonial e Cerimônia; Prontuário Médico – Responsabilidade Legal; Comunicação no Hospital Regional Antonio Dias – Ferramentas Padronizadas; Ética Profissional – Como lidar com o sigilo no ambiente de trabalho e Ouvidoria. Ressalta-se que houve expressiva participação de gestores, lideranças e profissionais da assistência neste evento.

A Meta 2 abordou a temática quedas, visto que estas, além dos danos físicos e emocionais, comprometem a confiança do paciente e da família nas instituições de saúde, assim como demandam maior investimento financeiro aos serviços pelo aumento do tempo de internação, procedimentos, tratamentos e exames para reduzir os possíveis danos causados aos pacientes 10.

A promoção da “Meta 2 – Prevenção de Queda” envolveu a revisão multidisciplinar da rotina padronizada para prevenção de quedas e o treinamento da equipe, além da divulgação de cartazes de orientação. Também foi realizado um levantamento nas dependências da instituição, pela equipe do serviço de medicina ocupacional, dos riscos ambientais de queda. Nas palestras foi grande a participação das equipes de enfermagem e da fisioterapia.

Em 2008, a OMS lançou o desafio global “Cirurgias seguras salvam vidas”, que teve seu lançamento no Brasil pelo Ministério da Saúde em 13 de maio de 2010 2. Porém, apenas em 2013 este protocolo foi implantando em nosso hospital. Apesar dos avanços na aplicação deste protocolo, havia a necessidade de fortalecimento de algumas rotinas. Assim, a implementação da “Meta 3 – Cirurgia Segura” iniciou com a formalização de tal rotina. Com a contribuição da coordenação do Bloco Cirúrgico foi elaborado um procedimento operacional padrão (POP) com a descrição da atividade. Na sequência, foi preparado dentro do Bloco Cirúrgico, em um local de acesso exclusivo para funcionários do setor, um corredor de sensibilização, em cujas paredes fixamos placas com EA relacionados à cirurgia ocorridos na instituição, preservando o anonimato do paciente e dos profissionais envolvidos, e dados sobre a eficácia da aplicação do protocolo ( Figura 2). A proposta foi que, após passarem por esse corredor de sensibilização, os profissionais assistissem a um pequeno vídeo sobre os principais pontos do protocolo de “Cirurgia segura salva vidas”. Esse vídeo também foi divulgado em outros setores do hospital e nas redes sociais. A repercussão do vídeo foi positiva e houve a solicitação das equipes de que mais ações educativas fossem realizadas nesse formato.

Corredor de sensibilização no Bloco Cirúrgico campanha “10 Metas – Segurança do Paciente”, 2018.
Figura 2
Corredor de sensibilização no Bloco Cirúrgico campanha “10 Metas – Segurança do Paciente”, 2018.
Autor: Priscila P. Almeida, 2018.

Num primeiro momento, alguns membros da equipe do setor manifestaram desconforto com os cartazes que foram expostos, mostrando os EA cirúrgicos ocorridos na Instituição. O impasse foi resolvido após o esclarecimento dos objetivos educativos da campanha, os quais envolviam a sensibilização da equipe cirúrgica para a prevenção destes eventos. Em contrapartida, outros profissionais demonstraram apoio a esse tipo de divulgação frente a importância das medidas preventivas elencadas no protocolo de cirurgia segura.

A relevância dessa meta se ancora no fato de que um em cada 150 pacientes hospitalizados morre em consequência de um incidente e aproximadamente dois terços dos EA estão associados a procedimentos cirúrgicos 11.

Em junho desenvolvemos a “Meta 4 – Prevenção de Lesão por Pressão”. As lesões por pressão representam um grande desafio para assistência à saúde, demandando elevados custos financeiros e emocionais para os pacientes, familiares e para as organizações de saúde, além de serem consideradas como um problema de alta incidência em pacientes hospitalizados 2.

Com um animado jogo de tabuleiro gigante de 4,5 m de comprimento, contendo 30 casas ( Figura 3), discutimos sobre a temática das lesões por pressão. Elaboramos 50 cartas com perguntas sobre prevenção e tratamento de lesão por pressão, quatro cartas da sorte e quatro de azar. As perguntas continham estudos de caso, questões abertas e de múltipla escolha, com diferentes níveis de complexidade. No mesmo ambiente do treinamento, preparamos uma exposição com as coberturas disponíveis na instituição para tratamento das lesões por pressão e, durante as respostas, eram apresentadas as melhores coberturas para tratamento daqueles casos. Os participantes eram divididos em equipes. Para evoluir no jogo os participantes deveriam após jogar o dado, escolher uma carta de pergunta e respondê-la. Caso a resposta estivesse certa, a equipe escolhia uma carta da sorte que dava a chance de progredir ainda mais no jogo. Na ocorrência de resposta errada a equipe retirava uma carta de azar com uma punição para retroceder nas casas. A equipe que primeiro completasse o tabuleiro era considerada como vencedora e ganhava uma caixa de chocolate personalizada com as 10 metas da campanha.

Tabuleiro gigante para treinamento de prevenção e tratamento de lesão por pressão, campanha “10 Metas – Segurança do Paciente”, 2018.
Figura 3
Tabuleiro gigante para treinamento de prevenção e tratamento de lesão por pressão, campanha “10 Metas – Segurança do Paciente”, 2018.
Autor: Priscila P. Almeida, 2018.

A aleatoriedade na escolha das perguntas por equipe tornava cada treinamento único, diferindo o conteúdo explorado nos treinamentos. As discussões eram muito ricas e construtivas. Tivemos profissionais que participaram de mais de um treinamento justamente pela variação dos assuntos abordados em cada encontro. O dinamismo das discussões e o alto envolvimento de todos os membros das equipes foram responsáveis pela expressiva aprovação do método de treinamento pelos participantes. A partir de então, a campanha ganhou mais força, através de maior engajamento pela liderança e maior adesão às ações pelos colaboradores.

Os dispositivos de uso médico hospitalar demandam cada vez mais conhecimento e atenção por parte do profissional da saúde em utilizá-los tendo em vista a diversidade dos modelos, fabricantes e distintas formas de uso e de complexidade. Uma pesquisa brasileira em unidade de terapia intensiva (UTI) e semi-intensiva evidenciou que a perda de sonda nasogástrica foi o EA mais recorrente 12.

A “Meta 5 – Uso Seguro de Sondas e Cateteres” foi desenvolvida com apoio da simulação realística. Após a revisão das rotinas de sondagem enteral e vesical, realizamos os treinamentos de simulação envolvendo estas técnicas com abordagem dos pontos críticos de cada procedimento. Esse tipo de ferramenta é importante quando se objetiva corrigir falhas na realização de técnicas. Nesse caso, havia necessidade de sensibilizar a equipe de enfermagem na adoção de práticas mais seguras na utilização de sondas e cateteres.

Considerando que processos falhos de identificação do paciente estão entre as causas mais frequentes de EA relacionados à administração incorreta de medicamentos, de sangue e hemoderivados, liberação de resultados incorretos de exames diagnósticos, falhas em procedimentos cirúrgicos e troca de recém-nascidos 13, para a “Meta 6 – Identificação Segura”, revisamos a Política de Identificação da instituição além de divulgarmos um cartaz da Anvisa sobre identificação do paciente. Mas a principal ação foi a “Blitz de Identificação” realizada nos setores assistenciais. Para tal, utilizamos um formulário para auditoria da identificação dos pacientes e, após a verificação, os servidores do setor eram reunidos para receber o resultado da auditoria. Nesse momento os servidores recebiam uma pulseira de identificação com dados fictícios com nomes de pessoas famosas, acreditando que as pulseiras teriam os seus dados corretos. Ao perceberem a divergência de informações, a equipe do NSP reforçava a importância da identificação correta. O encontro foi encerrado com a entrega de um chocolate em que a sua logomarca foi intencionalmente trocada e com fotos dos participantes com as plaquinhas sobre identificação. Das 16 auditorias durante as blitze, observamos que 86% dos pacientes estavam identificados com pulseira. De forma lúdica e interativa, a equipe assistencial manifestou interesse e preocupação com a identificação segura do paciente.

Em setembro promovemos a “Meta 7 – Segurança Medicamentosa”. É sabido que os principais tipos de EA envolvendo medicações decorrem de omissão, erro de dose ou horário e falha na administração 14. Além das medidas para monitoramento das etapas do processo de medicação, as organizações de saúde devem investir em educação permanente para os profissionais de saúde com o objetivo de fortalecer a cultura de segurança local e ampliar as evidências concernentes às questões farmacológicas e seus riscos na prática assistencial 2.

Com a intencionalidade de estimular o pensamento crítico sobre a segurança medicamentosa organizamos uma ação educativa do tipo “júri simulado”, no qual os participantes desempenhavam o papel de representante do colegiado gestor da instituição e tinham a missão de analisar criticamente um never event relacionado à troca de medicação com desfecho de óbito e propor um plano de ação. A divulgação desse evento foi através de cartaz com layout de jornal intitulado “Jornal do Povo – Fake News” que trazia a manchete do óbito de uma criança de dois anos, vítima de troca de medicação. Os corredores de acesso ao local do evento e auditório foram decorados com plaquinhas com os “nove certos da medicação”: medicamento certo, compatibilidade medicamentosa, orientação ao paciente, direito de recusar o medicamento, anotação correta, dose certa, via certa, horário certo e paciente certo 15.

O treinamento iniciava-se apresentando o papel que os participantes deveriam representar e, em seguida, eles assistiam a um vídeo de uma entrevista com a suposta profissional envolvida no EA. Em grupos de até oito pessoas, ao receberem um dossiê com a investigação cronológica do EA, eles discutiam sobre os fatores que contribuíram para tal ocorrência e definiam as estratégias necessárias para prevenção do evento. Cada grupo teve a oportunidade de apresentar os resultados de sua discussão e a turma definia um consenso sobre o problema. A ação foi finalizada com fotos dos participantes segurando as plaquinhas com os “11 certos da medicação” e a entrega de uma lembrancinha: balinhas em forma de comprimido em uma embalagem de medicamento personalizada com a identificação de um princípio ativo, na parte interna da embalagem havia uma informação sobre a importância da adequada identificação.

A reação dos participantes foi emocionante. A preocupação com os riscos envolvendo a identificação do paciente era expressada pelos participantes. Ademais, os apontamentos apresentados pelos grupos demonstraram alta consciência sobre os riscos relacionados a administração de medicações.

As rotinas de prevenção de infecção relacionada à assistência à saúde (IRAS) foram abordadas com a “Meta 8 – Cuidado Limpo e Seguro”. Estimativas da OMS revelam que entre 5% a 10% dos pacientes que utilizam os serviços hospitalares adquirem uma ou mais IRAS e os tipos mais incidentes são: infecções de sítio cirúrgico, pneumonias associadas à ventilação mecânica, infecções associadas a cateteres e infecções do trato urinário associadas ao uso de sondas 2. Frente a esta realidade, com intuito de promover uma capacitação dinâmica e realística, realizamos um treinamento dividido em estações. Já na recepção do auditório os participantes eram divididos em grupos de até seis pessoas. Neste ambiente haviam cartazes contendo os resultados de IRAS da instituição.

A 1ª estação trazia a técnica de higienização das mãos, os cinco momentos para higiene das mãos e algumas placas de culturas demonstrando a contaminação de superfícies como bomba de infusão, grades da cama, teclado do computador e telefone. Em duplas, os participantes recebiam uma prancheta com cartões com as imagens dos movimentos da técnica de higienização das mãos. A dupla que remontasse corretamente a sequência em menor tempo era presenteada com um bloquinho de anotação personalizado. Em seguida, a sequência correta era demonstrada com apoio de um flipchart com as imagens da técnica e cada um realizava a técnica com preparação alcoólica sob a forma gel impregnado com pigmento fluorescente. Na sequência os “Cinco momentos da higienização das mãos” eram relembrados e as placas de culturas apresentadas.

A 2ª estação foi preparada com um jogo de tabuleiro de mesa com imagens que representavam as rotinas de higienização das mãos e de controle de infecção. Na legenda preparada para esse jogo foram apresentadas as principais condutas para a prevenção de IRAS e as falhas relacionadas à assistência mais frequentes. A dupla que concluísse primeiro o tabuleiro era a ganhadora e era premiada com uma caneta com um topper de mãozinha.

Na sequência, os participantes tinham seus olhos vendados e, ao serem conduzidos para a 3ª estação, sem perceberem, eram impregnados com pós coloridos e fluorescentes à base de amido pelo condutor. Essa estação foi preparada em um ambiente totalmente escuro, onde simulamos um leito com um paciente com múltiplos dispositivos e alguns materiais relacionados à assistência. Também simulamos uma estação de trabalho administrativo com um computador e demais instrumentos afins. Todas as superfícies foram impregnadas com os pós coloridos, com intuito de cada cor representar a diversidade microbiológica presente no ambiente. Ao entrarem na sala, uma lâmpada ultravioleta era acesa e as vendas retiradas. O grupo discutia então sobre como seria a nossa conduta se enxergássemos a olho nu a contaminação presente no ambiente ( Figura 4).

Espaço simulando a contaminação do ambiente, campanha “10 Metas – Segurança do Paciente”, 2018.
Figura 4
Espaço simulando a contaminação do ambiente, campanha “10 Metas – Segurança do Paciente”, 2018.
Autor: Priscila P. Almeida, 2018.

Essa ação educativa demandou maior estrutura e maior equipe de apoio, em especial do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar. No entanto, foi uma das ações com maior adesão pelos profissionais. A reação imediata dos participantes foi de impactação e preocupação com as práticas para um cuidado limpo, incluindo a higienização das mãos.

A “Meta 9 – Paciente Envolvido” foi voltada especificamente para ações junto aos pacientes durante todo o mês de novembro. Além dos membros do NSP, envolvemos os profissionais do Serviço Social, Terapia Ocupacional e Fisioterapia. A primeira ação foi a realização de rodas de conversa com pacientes e acompanhantes para orientação sobre as rotinas do hospital e as boas práticas de segurança do paciente.

Convidamos um grupo de palhaços que já desenvolvem um trabalho social no hospital para realizarem ações lúdicas com os temas dos protocolos de segurança do paciente. Cabe ressaltar que, previamente, foi realizada capacitação para estes voluntários, discutindo os assuntos que deveriam ser abordados.

Outra parceria realizada foi com os graduandos de fisioterapia de uma universidade do município para a realização de um dia de Toque Terapêutico. Nesse dia os pacientes e acompanhantes que manifestavam interesse recebiam uma massagem relaxante.

As ações da meta 9 foram encerradas com uma visita aos leitos, pelo NSP, para distribuição de cartilhas para aos pacientes e acompanhantes sobre os protocolos de segurança do paciente e as formas como poderiam contribuir para a segurança na sua assistência.

Foi um mês muito especial, quando os pacientes e acompanhantes receberam maior atenção no sentido de sensibilizá-los para assumirem o papel de centro do cuidado. A literatura aborda essa temática defendendo que o paciente deve ser o cerne da preocupação dos profissionais e da alta gestão, pois, quando ele participa ativamente de seu cuidado e tratamento, deixa a passividade de ser apenas um receptor de cuidados e passa a contribuir com uma assistência mais segura, fortalecido do seu papel como cidadão e consumidor de serviços de saúde 9.

A última meta da campanha colocava em pauta a hemovigilância, visto que a prática transfusional é uma terapêutica largamente utilizada no âmbito da saúde com inegáveis benefícios, mas que carrega consigo também múltiplos riscos que podem ser severos e letais ao paciente 16.

A “Meta 10 – Uso Seguro e Racional do Sangue” discutia sobre todas as etapas do sangue dentro do hospital por meio de uma capacitação para os enfermeiros. Eles, usando um check list, auditavam um prontuário real de um paciente que recebeu hemotransfusão e apresentou reação transfusional. Para o treinamento disponibilizamos: prontuário, cópia da notificação de EA e da Ficha de Notificação de Incidentes Transfusionais e o check list para direcionar a auditoria. No final da auditoria, as não conformidades eram discutidas juntamente com as rotinas padronizadas no POP. Houve o fortalecimento do conhecimento e o empoderamento dos enfermeiros no processo de hemotransfusão.

A campanha foi finalizada em dezembro com participação de 1.587 pessoas. Os servidores mais assíduos às ações desenvolvidas nas 10 Metas receberam uma carta de agradecimento pela colaboração juntamente com um convite para um lanche especial em comemoração, ao sucesso da campanha. Durante esse evento foram apresentados os resultados da campanha e divulgado o novo plano de trabalho do NSP.

CONCLUSÕES

Foi notório que, no decorrer do desenvolvimento das ações educativas, a campanha foi ganhando mais força e a adesão. Esse movimento positivo foi observado também entre os próprios membros do NSP, os quais demonstraram maior interesse e disposição em realizar as atividades programadas, além de apresentarem novas ideias para futuras intervenções.

Observou-se que o uso de metodologias ativas pode estimular e induzir os profissionais de saúde e usuários a discutirem e conhecerem o sentido e a importância da cultura de segurança do hospital.

O planejamento, a construção e a execução da campanha “10 Metas – Segurança do Paciente” demandou árduo trabalho do NSP. Ressalta-se, ainda, a escassez de recursos financeiros para execução das ações previstas na campanha. Mas, com engajamento de todos os profissionais e criatividade na aplicação das metodologias ativas, foi possibilitado o alcance de gratificantes resultados no fortalecimento da cultura de segurança e de maior visibilidade para o NSP.

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Autor notes

* E-mail: priportes@yahoo.com.br

Declaração de interesses

Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

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