RESUMO
Introdução: O fim do ano de 2019 e início do ano de 2020 estão sendo marcados pelo surgimento e disseminação da pandemia causada pelo novo coronavírus. Frente a esse desafio, é fundamental que os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) estejam estruturados e sejam capazes de antecipar as possíveis necessidades de cuidado que possam ser necessárias.
Objetivo: Quantificar a ocupação e o déficit de leitos adulto em unidade de terapia intensiva do SUS (UTI SUS) no estado do Piauí, em possíveis cenários enfrentados durante a pandemia pelo novo coronavírus, e descrever um exemplo de abordagem metodológica para estudos populacionais e previsão de necessidades em saúde.
Método: Trata-se de um estudo epidemiológico observacional analítico descritivo. Foram propostos cenários para a disseminação do novo coronavírus, e utilizados cálculos matemáticos para estimar o déficit e a ocupação dos leitos de UTI adulto SUS, para cada macrorregião em saúde do estado.
Resultados: Foi possível notar que a taxa de ocupação no estado pode ir de 355,53%, no cenário mais leve, até 2.664,85% no mais grave. O déficit de leitos pode ir de 328 a 3.591.
Conclusões: Foi observado que a capacidade instalada de leitos de UTI adulto “SUS” do estado do Piauí é insuficiente para todos os cenários propostos.
Palavras chave: Infecções por Coronavírus, Epidemiologia, Saúde Pública, Serviços de Saúde.
ABSTRACT
Introduction: The end of 2019 and the beginning of 2020 are being marked by the emergence and spread of the pandemic caused by the new coronavirus. Faced with this challenge, it is essential that the services of the Unified Health System are structured and are able to anticipate the possible care needs that may be necessary.
Objective: To quantify the occupancy and deficit of adult beds in the intensive care unit of the Unified Health System (ICU SUS) in the state of Piauí, in possible scenarios faced during the pandemic by the new coronavirus, and to describe an example of a methodological approach for population studies and for forecasting health needs.
Method: This is a descriptive analytical observational epidemiological study. Scenarios for the dissemination of the new coronavirus were proposed, and mathematical calculations were used to estimate the deficit and occupancy of the adult SUS ICU beds, for each health macroregion in the state.
Results: It was possible to observe that the occupancy rate in the state can go from 355.53%, in the lightest scenario, to 2,664.85% in the most severe one. The bed deficit can range from 328 to 3,591.
Conclusions: It was observed that the installed capacity of adult ICU “SUS” beds in the state of Piauí is insufficient for all the proposed scenarios.
Keywords: Coronavirus Infections, Epidemiology, Public Health, Health Services.
ARTIGO
Déficit e ocupação de leitos de unidade de terapia intensiva adulto do Sistema Único de Saúde no estado do Piauí sob a ótica da COVID-19
Deficit and occupancy of beds in the adult intensive care unit of the Unified Health System in the state of Piauí from the perspective of COVID-19
Recepção: 13 Maio 2020
Aprovação: 19 Maio 2020
O fim do ano de 2019 e o início do ano de 2020 estão sendo marcados pela instalação e propagação de uma pandemia causada por um vírus chamado de novo coronavírus ou SARS-CoV-2 (do inglês, severe acute respiratory syndrome coronavírus 2) e que desencadeia uma doença chamada COVID-19 (do inglês, coronavirus disease 2019) 1, 2.
Até 13 de maio de 2020, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) 3, havia no mundo aproximadamente 4,14 milhões de casos confirmados da COVID-19, com mais de 285,3 mil mortes. No Brasil, do primeiro caso confirmado do novo coronavírus, em 26 de fevereiro de 2020, até 13 de maio de 2020, surgiram 177,5 mil novos casos e o número de mortes superava 12,4 mil, uma taxa de letalidade de 7% 4, 5. No estado do Piauí, segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado 6, até o dia 13 de maio de 2020, foram confirmados 1.612 casos e 57 óbitos, uma taxa de letalidade de 3,5%.
A literatura atual aponta que, das pessoas infectadas com o novo coronavírus, apenas uma porcentagem mínima não manifesta sintomas, cerca de 1% 7. Os sintomas iniciais são semelhantes a um quadro gripal comum, com manifestação de febre, tosse seca e fadiga, que pode evoluir para dispneia e síndrome respiratória aguda grave (SRAG), nos casos mais graves 7, 8, 9.
A maioria dos indivíduos infectados pelo novo coronavírus, aproximadamente 80,9%, apresenta apenas sintomas leves, porém aproximadamente 5% desenvolve o quadro mais grave, necessitando de internação para cuidados avançados, intervenção médica de urgência com cuidados em unidade de terapia intensiva (UTI) e promoção de suporte respiratório 8, 10, 11.
Desse modo, frente à pandemia enfrentada nos dias atuais, é fundamental que os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) estejam estruturados e sejam capazes de antecipar as possíveis necessidades de cuidado que possam ocorrer 12. Para isso, estudos em todos os níveis dos cuidados em saúde (do microrregional ao nacional) devem ser desenvolvidos, possibilitando que informações em saúde sejam produzidas e guiem a gestão correta dos recursos 13.
Diante disso, o objetivo do presente estudo foi quantificar o déficit de leitos adultos em UTI do SUS no estado do Piauí, analisando o impacto da ocupação desses leitos em possíveis cenários enfrentados durante a pandemia pelo novo coronavírus, e descrever um exemplo de abordagem metodológica para estudos populacionais e previsão de necessidades em saúde.
Trata-se de um estudo epidemiológico observacional analítico descritivo. Foram utilizados dados disponibilizados por bancos de dados públicos alimentados por gestores dos sistemas de saúde referentes ao estado do Piauí.
No Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), verificou-se a capacidade instalada de leitos de UTI adultos do SUS, referente ao período de janeiro de 2020 (anterior ao primeiro caso confirmado do novo coronavírus no Brasil). Com o intuito de avaliar as medidas já tomadas até o presente momento, foram pesquisados também os dados referentes aos leitos de UTI instalados com o objetivo de ampliar a rede em combate à COVID-19, até o mês de abril de 2020. Esse dado permitiu avaliar, diante dos possíveis cenários, se as medidas tomadas são suficientes e qual é a necessidade de ampliação dos investimentos.
A base de dados do CNES disponibiliza o número de leitos de UTI em cada município e como são distribuídos os leitos existentes: “SUS” e “não SUS”, subdivididos em adulto e pediátrico. Importante salientar que essa classificação é feita unicamente pelo sistema e não está passível de mudança durante a consulta. Dessa forma, a composição dos dados para análise no presente estudo utilizou os leitos “SUS adulto”, por considerar que a literatura atual aponta a idade avançada como um importante fator de risco ao mau prognóstico para a COVID-19, sendo os idosos a população com maior frequência de acometimento.
Foram compilados os dados referentes aos leitos de UTI SUS adulto “Tipo I”, “Tipo II” e “Tipo III”, classificação que se refere: às unidades que necessitam de correções para pleno funcionamento, às que atendem a todas as recomendações técnicas do Ministério da Saúde e às que possuem apoio de serviços além do que é recomendado, respectivamente. Todos esses leitos são destinados ao cuidado de pacientes com idade superior a 15 anos de idade, e a utilização da soma desses valores possibilitou considerar o número total de leitos instalados 14, 15.
Ademais, foram coletados dados das internações em leitos de UTI adulto do SUS, referentes ao ano de 2019, provenientes do Sistema de Informações Hospitalares (SIH). Os valores referentes à população foram obtidos da estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2019.
Essas informações foram agregadas e a análise feita ao nível das macrorregiões do estado do Piauí, que totalizam quatro (Litoral, Meio Norte, Cerrados e Semiárido). Essa divisão tem objetivo de considerar uma maior amplitude do território estadual, tendo em vista que alguns municípios menores exercem influência sobre as demandas de saúde de municípios vizinhos que possuem estrutura superior.
Para análise dos dados obtidos, considerou-se as seguintes taxas:
A taxa de ocupação dos leitos foi calculada pela fórmula abaixo, que nos informa a taxa de ocupação dos leitos de UTI por macrorregiões para os diferentes cenários e parâmetros propostos.
O termo HospDia2019 é referente à quantidade de hospitalizações por dia observada em 2019, ano considerado típico, somadas ao número esperado de hospitalizações-dia por COVID-19 que levaria a internações em leitos de UTI: produto entre população da macrorregião (Pop), taxa de infecção populacional (TxInfec), proporção de pacientes com necessidade de cuidados em UTI – fixada em 5,0% –, e número de dias de permanência em UTI para cada internação (PermanUTI). O termo LeitosUTI informa o número de leitos do SUS em cada macrorregião de acordo com dados fornecidos pelo CNES. O termo NMeses é referente ao período em meses em que haverá demanda de leitos de UTI pela COVID-19, onde são considerados três cenários: um mais curto, de 3 meses; um intermediário, de 6 meses; e um longo, de 12 meses 12.
Visando analisar a demanda dependente do SUS, os cálculos foram realizados subtraindo o total de beneficiários de planos de saúde, utilizando dados disponibilizados pela Agência Nacional de Saúde (ANS), abordagem que torna os resultados mais conservadores.
Após o cálculo das taxas de ocupação nos cenários de duração da pandemia por 3, 6 ou 12 meses, foi calculado o déficit de leitos de UTI conforme a fórmula abaixo. O produto desse cálculo informa a quantidade de leitos de UTI necessários para que todas as pessoas internadas com necessidade de cuidados intensivos tenham acomodação adequada 12.
Para análise da macrorregião do Semiárido Piauiense, que não apresenta leitos de UTI mantidos pelo SUS, houve exclusão dos gráficos de ocupação e o déficit de leitos foi calculado diretamente pelas necessidades de hospitalização-dia de cada cenário por meio da fórmula descrita abaixo.
As fórmulas utilizadas para os cálculos de ocupação e déficit de leitos de UTI foram propostas pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde em sua Nota Técnica nº 7 12.
As taxas de infecção populacional consideradas foram de 10,00%, 20,00% e 30,00% ao longo de períodos de tempo de 3, 6 e 12 meses. Para todos os cenários, a taxa de 5%, que representa a proporção de indivíduos que necessitam de internações em UTI, é calculada sobre a porcentagem da população infectada. Para o período de internação hospitalar, cenários explorados consideraram a permanência de 5, 10 e 15 dias. Uma vez que, a literatura atual aponta que a média de duração da internação em unidades de terapia intensiva é de 12 dias 15.
Diante disso, os cenários foram definidos para fornecer diferentes visões de como a pandemia pode se instalar, desde possibilidades mais brandas até as mais graves. Demonstrando a importância da abordagem, por serem avaliados parâmetros ainda incertos com relação à disseminação da COVID-19.
Conforme utilizado na Nota Técnica nº 7 12, o cenário definido como base foi escolhido por representar a possibilidade de gravidade intermediária em relação aos parâmetros definidos, e utiliza taxa de infecção populacional de 10% ao longo de 6 meses, onde 5% desta população infectada necessitaria de hospitalização em leito de UTI por um período de 10 dias.
Ao explorar as hospitalizações concorrentes à COVID-19, consideraram-se hospitalizações eletivas, por causas externas e por doenças infecciosas. As internações em caráter eletivo foram identificadas no SIH. Essas três variáveis correspondem a grande parte das internações em UTI no Brasil. Entretanto, em meio à pandemia enfrentada, há a perspectiva de que os números dessas ocorrências diminuam por mudanças comportamentais da população e como efeito das medidas de isolamento propostas pelas instituições governamentais.
O programa Microsoft Excel 2016 foi utilizado para tabulação dos dados obtidos e confecção dos gráficos apresentados. Os mapas apresentados no presente artigo foram confeccionados por meio do programa QGIS Desktop versão 3.12.1.
A Tabela compila os dados obtidos por meio dos bancos de dados públicos utilizados para o presente estudo. Por meio deles foi possível realizar as estimativas de ocupação e déficit de leitos de acordo com os cenários propostos e refletir acerca das medidas tomadas até o presente momento.
A Figura 1 mostra os possíveis cenários enfrentados no estado do Piauí e suas macrorregiões, frente à pandemia pela COVID-19 em relação à taxa de ocupação de leitos de UTI adulto do SUS com um período de infecção populacional de 6 meses. Para a construção dos gráficos foram variados os dados referentes à taxa de infecção populacional e os dias de permanência na UTI. Ressaltamos que a apresentação não considera a macrorregião do Semiárido Piauiense por esta não apresentar leitos de UTI adulto SUS instalados.
Sob o cenário-base, no qual 10% da população do estado é infectada e 5% deste total necessita de internação em leitos de UTI durante o período de 6 meses, sendo tratado por um período de 10 dias, a taxa de ocupação dos leitos é de 644,20%, dado que sugere uma necessidade de ampliação do número de leitos em 544,20%.
A observação dos gráficos demonstra que os cenários propostos levariam as macrorregiões do estado a um nível de ocupação dos leitos de UTI que superaria demasiadamente a capacidade atual instalada. A macrorregião do Meio-Norte Piauiense, onde se encontra Teresina, capital do estado, é atualmente a que possui a maior quantidade de leitos de UTI instalados. Entretanto, mesmo com a maior capacidade numérica absoluta, o cálculo de ocupação, tomando como base a população assistida e a demanda atendida pelo sistema, demonstra que haveria uma taxa de ocupação de 365,08% no cenário-base.
Sob o cenário-base, mesmo ao eliminar as demandas concorrentes à COVID-19 (internações eletivas, internações por causas externas e outras infecções respiratórias), a taxa de ocupação nas macrorregiões do Piauí seria superior a 340,00%, sendo mais acentuada na macrorregião dos Cerrados Piauienses com 1.658,31%. Esse valor de ocupação tão elevado deve ser entendido como calculado a partir do número de leitos de UTI instalados, que totalizam 10. Na macrorregião do Meio-Norte Piauiense, a taxa de ocupação sob o cenário-base cairia de 365,08% para 346,80% com a redução das demandas concorrentes.
A Figura 2 demonstra como os níveis de ocupação dos leitos de UTI do SUS se manifestariam em déficits de leitos para a população por macrorregião do estado. O cenário-base definido a partir do que aponta a literatura atual 15 permite observar que o estado apresentaria déficit de 761,87 leitos. A macrorregião do Meio-Norte necessitaria de 273,04 leitos a mais, apresentando o maior déficit. Segundo dados obtidos por meio da consulta ao CNES, a região do Semiárido Piauiense não apresenta nenhum leito de UTI adulto mantido pelo SUS e, por essa razão, foi excluída da análise. O déficit para a região do Semiárido Piauiense reflete sua necessidade absoluta de leitos.
A Figura 3 demonstra como o déficit de leitos de UTI se manifestaria caso houvesse o máximo de redução das causas de internação concorrentes à COVID-19, como internações eletivas, internações por infecções respiratórias e internações por causas externas. Nesse cenário, que seria condicionado por uma elevada eficácia das medidas populacionais de controle de infecção, ainda assim a quantidade de leitos instalados seria insuficiente em todas as macrorregiões do estado. Observa-se, como esperado, uma redução do déficit, mas que ainda é insuficiente para que a capacidade atual instalada atenda às demandas da população.
Considerando-se o déficit observado no cenário-base, a região do Meio-Norte Piauiense necessitaria de um aumento de 268,00% do número de leitos para ter capacidade de suprir a demanda pela COVID-19 com a manutenção do máximo de externalidades.
Os dados de ocupação e déficit de leitos de UTI fornecem valores absolutos que dependem da população da região atendida e da capacidade de leitos já instalada. Buscando uma representação que minimize essa condição, a Figura 4 apresenta a divisão das macrorregiões do estado com a indicação do número absoluto do déficit de leitos e a representação desse indicador reportado a cada 100 mil habitantes, o que foi feito com o objetivo de fornecer uma visão mais real de como o déficit de leitos se comporta de forma ajustada à população de cada local. Ao fornecer esse ajuste, torna-se possível comparar as macrorregiões entre si em relação a como o déficit de leitos afeta a população, isso porque, essa distribuição minimiza os efeitos matemáticos que a diferença populacional gera na confecção dos cálculos dos cenários.
Localizado na região nordeste do território nacional, o Piauí abrange uma área territorial de 251.616,823 km 2, sendo o terceiro maior estado da região. No ano de 2019 mantinha uma população estimada de 3.273.227 pessoas. Quando considerado dados socioeconômicos como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) com um valor de 0,646 o estado se enquadra no terceiro menor no ranking nacional, ficando atrás apenas dos estados do Maranhão e Alagoas 16.
Os resultados apresentados demonstram um horizonte crítico frente ao enfrentamento da pandemia pelo novo coronavírus com a capacidade instalada atualmente no sistema público de saúde do estado do Piauí. Frente a isso, é fundamental entender as possibilidades de disseminação do vírus e preparar medidas de suporte à população de forma precoce.
A pandemia pelo novo coronavírus surge tornando explícitas falhas estruturais e organizacionais importantes do sistema de saúde no Brasil. Levantamentos demonstram que, antes da instalação da pandemia, ao fim de 2019, o Brasil apresentava uma proporção de 13,6 leitos de UTI pelo SUS para cada 100 mil habitantes considerando-se leitos adulto e pediátrico. O preconizado é que haja 2,5 a 3,0 leitos de UTI para cada mil habitantes, demonstrando que a realidade observada é muito inferior à ideal 17. No estado do Piauí, observou-se proporção ainda menor, de apenas 9,0 leitos para 100 mil habitantes 18. No presente estudo, analisamos cenários considerando os leitos de UTI adulto de forma isolada, grupo de pessoas que mais frequentemente desenvolve sintomatologia grave da COVID-19 19. Observa-se, diante disso, que em todos os cenários levantados há a necessidade de ampliação da capacidade dos serviços de terapia intensiva no estado.
De forma conjunta às ações de melhoria estrutural, é imperativo que a população compreenda e siga as recomendações das organizações em saúde. Os cenários analisados no presente estudo são, acima de tudo, intimamente relacionados ao comportamento populacional. Entende-se que, quanto menor o nível de isolamento social e seguimento das demais recomendações de prevenção de contágio, maior será o nível de infecção populacional e mais rápido esse processo ocorrerá, levando às possibilidades mais graves de déficit e ocupação dos leitos de UTI 20.
No entanto, as características socioeconômicas do estado do Piauí tornam essas medidas mais difíceis. No enfrentamento da pandemia pelo novo coronavírus, a prática de medidas de saúde coletiva se torna ainda mais importante. Entretanto, as baixas condições socioeconômicas do estado, como os baixos índices de escolaridade, baixos índices de saneamento básico e acesso a informações de modo limitado restringem o protagonismo da população como promotora da sua própria saúde e a expõem a condições de adoecimento com maior facilidade. Diante disso, são necessárias medidas que ultrapassem essas dificuldades e alcancem essa população desassistida 21, 22.
Em todos os cenários elencados no presente estudo, a taxa de ocupação de leitos de UTI, considerando-se a oferta existente, supera 100,00%. Essa realidade representaria o colapso do sistema de saúde, em que pacientes necessitariam de cuidados em terapia intensiva e não haveria vagas para tal. Castro et al. 23 concluíram por meio de análises estatísticas que os leitos de UTI e os ventiladores mecânicos iniciariam fase de escassez ainda no mês de abril em alguns lugares do país, dada a proporção de ocupação prevista pela pandemia, como já vem acontecendo em estados vizinhos, como Ceará e Maranhão, e outros da região Norte, como Amazonas e Amapá.
No cenário atual, a ocupação de leitos de UTI só pode ser amenizada por meio do aumento da oferta de leitos de UTI por meio da realocação de recursos ou a instalação de novas unidades de atendimento, considerando toda a dinâmica que esse processo requer (capacitação e contratação de profissionais, disponibilização de insumos, manutenção e reparos estruturais frequentes etc.). Com isso, a análise do presente estudo também fornece dados absolutos que demonstram a necessidade de leitos no estado do Piauí.
Mesmo no cenário hipotético mais “leve” (10% da população sendo infectada, com 5% deste total permanecendo internado por 5 dias em leitos de UTI e considerando um período de 12 meses com a eliminação das causas de internação concorrentes à COVID-19), o déficit de leitos de UTI SUS em cada macrorregião do Piauí ainda é superior à capacidade instalada atualmente, fato que piora à medida que a situação se “agrava”.
Nesse momento, a necessidade de ampliação do sistema já se torna uma constatação óbvia, e traz consigo o questionamento de se as medidas adotadas até o presente momento para o estado são suficientes frente a realidade que pode vir a ser enfrentada. O sistema eletrônico do CNES disponibiliza a informação de que, no Piauí, 214 novos leitos de UTI têm previsão de ser instalados. Por macrorregiões, essa ampliação se dá com: 10 leitos para os Cerrados, 20 leitos para o Litoral, 153 leitos para o Meio-Norte e 31 leitos para o Semiárido 24.
Esse levantamento, entretanto, se mostra ainda incerto, visto que todos os dados referentes aos leitos de UTI específicos ao combate do novo coronavírus são indicados como “não SUS”, de acordo com a classificação utilizada pelo CNES. Dessa maneira, o acréscimo indicado não implicaria mudança nos dados apresentados no presente estudo, apesar da indicação de que esses leitos serão instalados com a finalidade de combater a pandemia.
Ao se considerar o uso desses leitos criados para o tratamento de COVID-19, vê-se que o acréscimo é insuficiente para três das macrorregiões do estado mesmo no cenário mais leve que foi elencado. Apenas para a macrorregião do Meio-Norte Piauiense, onde fica a capital Teresina, o contingente de leitos de UTI é suficiente para atender à demanda de 10% da população infectada durante um período de 12 meses, por um tempo médio de internação de 5 e 10 dias. Essa constatação demonstra estado crítico mesmo diante das medidas já tomadas, o que denota a necessidade de uma ação rápida e efetiva por parte das autoridades competentes.
No mais, os dados referentes ao número e distribuição dos leitos de UTI fornecidos pelo CNES podem ser incoerentes com a realidade, haja vista que, mesmo em estabelecimentos públicos mantidos pelo SUS, existem leitos classificados como “não SUS”, entretanto, essa possibilidade apenas reforça a necessidade de melhor organização do sistema de saúde em suas atividades técnicas.
De acordo com os aspectos expostos, observa-se a necessidade urgente de instalação de novos leitos de UTI no estado do Piauí, em todas as suas macrorregiões. Ela surge como consequência da inércia crônica do sistema de saúde em se organizar para o enfrentamento da pandemia frente às experiências vivenciadas por outros países e regiões do mundo.
Independentemente da forma como se dê a disseminação da COVID-19, é fundamental que as evidências produzidas em locais afetados anteriormente sirvam de base para a tomada de decisões nas demais regiões do mundo. Nesse contexto, a buscas de alternativas à instalação de leitos de UTI regulares é bem-vinda e deve ser incentivada. A instalação de hospitais de campanha, a exemplo da experiência chinesa, é uma ação menos onerosa e que pode ser adaptada às necessidades momentâneas de forma específica.
A análise de diversos cenários de disseminação do vírus constata a extrema fragilidade da capacidade dos leitos de UTI instalada e a necessidade de ações de preparação que vão além do realizado até o presente momento. Além disso, ressalta-se a necessidade de implementação de maior rigor e transparência na gestão dos recursos, visto que, sobretudo traduzidos na inconsistência dos dados fornecidos pelo CNES, vê-se descaso e desorganização da gestão da máquina pública de saúde.
Com isso, esperamos que novos estudos sejam realizados com urgência para embasar a tomada de decisões sobre formas de combate ao novo coronavírus e o surgimento da COVID-19, principalmente em sua forma severa, de forma técnica e cientificamente comprovada. Justifica-se essa recomendação pelo fato de que somente análises regionais e locais conseguirão observar aspectos intrínsecos a cada local e permitirão ações específicas e eficazes no combate à pandemia.
Os autores agradecem ao Instituto de Estudos para Políticas em Saúde (IEPS) pela possibilidade de utilização da abordagem metodológica por eles proposta, e à Liga Acadêmica de Oncologia do Delta do Parnaíba (LIONCO), pelo apoio e incentivo.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
Silva PHS, Cirilo SSV - Concepção, planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Soares LS, Silva FBF – Redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.
*E-mail: ph_beta@ufpi.edu.br