RESUMO
Introdução: A atual pandemia do novo coronavírus levou à formulação de diretrizes específicas para o atendimento odontológico por diversos países, a fim de instituir medidas preventivas e evitar a disseminação do vírus.
Objetivo: Analisar os protocolos odontológicos disponibilizados nos países do Mercado Comum do Sul (Mercosul) – Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai –, apontando as principais semelhanças e discrepâncias entre eles.
Método: Pesquisa documental comparativa dos protocolos de atendimento odontológico de quatro países integrantes do Mercosul e revisão de literatura acerca das orientações vigentes em relação ao atendimento odontológico. Para tanto, foram realizadas buscas nas bases PubMed e SciELO.
Resultados: Foram encontradas muitas semelhanças nas orientações dadas nos quatro protocolos, principalmente em relação aos procedimentos mantidos durante a pandemia, ao uso de equipamentos de proteção individual, métodos de antissepsia e limpeza. Porém, os dados acerca dos intervalos de tempo entre as consultas diferiram entre si. Além disso, nem todos os aspectos foram mencionados em todos os protocolos ou constaram apenas de forma superficial. Ao comparar as informações disponibilizadas com aquelas encontradas na literatura, observou-se que há embasamento científico.
Conclusões: A orientação detalhada acerca das medidas a serem adotadas pelos profissionais da odontologia é importante para que elas de fato sejam efetivadas. Reforça-se ainda a necessidade de atualização constante dos protocolos, com base nas evidências científicas mais recentes, a fim de reduzir os riscos de transmissão do vírus.
Palavras chave: COVID-19, Pandemia, Protocolo Odontológico, Prevenção, Vigilância Sanitária.
Introduction: The current coronavirus pandemic has led to the formulation of specific guidelines for dental care by several countries, in order to institute preventive measures and prevent the spread of the virus.
Objective: This article analyzes dental protocols available in the Common Market of the South (Mercosur) countries – Brazil, Argentina, Uruguay, and Paraguay – pointing out the main similarities and discrepancies between them.
Method: Comparative documentary review of dental care protocols in four countries that are members of Mercosur and literature review about the current guidelines in relation to dental care. For this purpose, searches were carried out on the PubMed and SciELO databases.
Results: Many similarities were found in the guidelines, mainly in relation to the procedures maintained during the pandemic, the use of PPE, antisepsis and cleaning methods. However, data on time intervals between consultations differed. In addition, not all aspects were mentioned in all protocols or were only superficially mentioned. When comparing the information available with that found in the literature, it was observed that there is scientific basis.
Conclusions: The detailed guidance on the care to be adopted by dental professionals is especially important for them to be effectively implemented. The need to constantly update the protocols is also reinforced, based on the most recent scientific evidence, in order to reduce the risks of virus transmission.
Keywords: COVID-19, Pandemic, Clinical Dental Protocols, Prevention, Health Surveillance.
ARTIGO
Protocolos de atendimento odontológico durante a pandemia de COVID-19 nos países do MERCOSUL: similaridades e discrepâncias
Clinical dental protocols during the COVID-19 pandemic in Mercosur countries: similarities and discrepancies
Recepção: 20 Maio 2020
Aprovação: 02 Junho 2020
O novo coronavírus, também denominado SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19, foi detectado no final de dezembro de 2019 em Wuhan, na província de Hubei, China 1. Nos primeiros dias de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou a sua circulação, sendo que, em 16 de janeiro, foi notificada a primeira importação em território japonês. No dia 21 de janeiro, os Estados Unidos da América reportaram seu primeiro caso importado 1. Em 30 de janeiro, a OMS declarou a epidemia uma emergência internacional 2. No fim de janeiro, vários países já haviam confirmado importações de casos, incluindo Estados Unidos da América, Canadá e Austrália. No Brasil, em 7 de fevereiro, havia nove casos em investigação, mas sem registros de casos confirmados 1, 3.
Os primeiros dados disponíveis sobre o novo coronavírus evidenciam elevada capacidade de infecção, porém letalidade relativamente baixa 4. No continente europeu, a taxa de mortalidade oscilava em torno de 2% em março e abril de 2020, entretanto aumentava de acordo com a idade, chegando a 8% em pacientes com mais de 70 anos de idade. Indivíduos que apresentam doenças crônicas como diabetes, doenças cardiovasculares e respiratórias também estão sujeitos a maior letalidade 5, 6.
As principais formas de contágio do SARS-CoV-2 incluem transmissão direta por tosse, espirro e perdigotos, além de transmissão por contato com mucosa oral, nasal e dos olhos. Apesar das manifestações clínicas não contemplarem sintomas oculares, as análises das conjuntivas de casos suspeitos e confirmados sugeriram que a transmissão não se limita apenas ao trato respiratório 1, 5. Além disso, o vírus pode ser transmitido de pessoa para pessoa por meio de contato direto ou indireto, de fluidos e saliva 1, 5, 6.
Dadas as características do atendimento odontológico – que incluem proximidade face a face entre pacientes, cirurgiões-dentistas (CD) e equipe auxiliar –, ocorre exposição frequente à saliva, ao sangue e a outros fluidos, também há produção de aerossóis, além de contato com instrumentos cortantes manuais contaminados. As medidas de biossegurança são fundamentais para evitar a transmissão de microrganismos 1, 7, 8. Em situações de surtos de determinadas doenças, os cuidados com a prática se tornam ainda mais necessários a fim de que profissionais e pacientes estejam mais seguros e protegidos 4, 5, 6.
A higiene das mãos tem sido considerada a medida mais crítica para reduzir o risco de transmitir microrganismos aos pacientes 9. O SARS-CoV-2 pode ficar em superfícies por algumas horas ou até vários dias, dependendo do tipo de superfície, da temperatura ou da umidade do ambiente 8. Isso reforça a necessidade da biossegurança da clínica odontológica. Recomenda-se o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), o que inclui máscaras, luvas, aventais e óculos ou protetores faciais, para proteger a pele e a mucosa do sangue ou secreção (potencialmente) infectada 6, 10.
Como as gotículas respiratórias são a principal via de transmissão do SARS-CoV-2, os respiradores de partículas (por exemplo: máscaras N-95 autenticadas pelo Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional ou máscaras-padrão FFP2 definidas pela União Europeia) são recomendados para procedimentos da prática odontológica de rotina 6, 10, 11.
O não atendimento odontológico durante a pandemia pode reduzir o número de indivíduos afetados, mas aumentará o sofrimento de indivíduos que precisam de atendimento odontológico de urgência 6, 10, 11. Também incensará a carga de atendimento odontológico nos departamentos de emergência dos hospitais. Isso exige a criação de diretrizes padrão à prestação de assistência odontológica durante a disseminação mundial dos surtos epidêmicos-pandêmicos e/ou locais 12, 13.
Frente a necessidade de manter os atendimentos de urgência, em conformidade com medidas preventivas para evitar a propagação do vírus, alguns países do Mercado Comum do Sul (Mercosul) como Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai publicaram protocolos de atendimento odontológico durante a pandemia de COVID-19. O objetivo do presente estudo foi analisar esses protocolos apontando as principais semelhanças e discrepâncias entre eles, a fim de orientar a prática odontológica de maneira mais efetiva e segura em tempos de pandemia por COVID-19 nos países do Mercosul.
Trata-se de uma pesquisa documental comparativa de análise qualitativa dos protocolos de atendimento odontológico disponibilizados nas websites governamentais de quatro países integrantes do Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. As buscas dos protocolos aconteceram nas websites oficiais do Ministério da Saúde ou órgãos correspondentes da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai.
Juntamente com a pesquisa documental, realizou-se também uma revisão narrativa da literatura sobre protocolos de atendimento odontológico internacionais e busca nas bases PubMed e Scientific Electronic Library Online (SciELO) no dia 14 de maio de 2020 com as palavras-chave: (COVID-19) AND ( Dentistry OR Dental Protocol), bem como suas traduções nas línguas portuguesa e espanhola, na mesma data. Foram critérios de inclusão artigos em suas versões completas e gratuitas, nas línguas inglesa, espanhola e portuguesa. Versões incompletas, em outros idiomas, e que não apresentassem como temática principal os protocolos de atendimento odontológico durante a pandemia da COVID-19 ou que fossem restritos a uma especialidade odontológica foram excluídos do presente estudo. Esta revisão foi utilizada como ação secundária para a discussão dos resultados obtidos na análise documental proposta neste estudo.
A pesquisa documental possibilita o entendimento de determinadas situações e contextos a partir de registros já existentes. Os documentos constituem uma fonte não reativa, uma vez que, mesmo após longo período de tempo, os dados e informações neles contidos permanecem iguais 14. Daí a importância de se recorrer aos documentos, inclusive aqueles de domínio público, para o aprofundamento de determinados assuntos.
As informações qualitativas foram avaliadas pela análise do conteúdo. Segundo Bardin 15, tudo o que é dito ou escrito é suscetível de ser submetido a uma análise de conteúdo. A análise de conteúdo pode ser entendida como um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
Devido à pandemia de COVID-19, vários países desenvolveram protocolos diferenciados para o atendimento odontológico em seu território. As recomendações do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai convergem em diversos pontos e possuem algumas questões tratadas de maneiras diferenciadas.
Em relação aos atendimentos mantidos durante a pandemia, os quatro países orientam continuar o atendimento de urgências e emergências. Porém, Paraguai e Argentina também consideram a manutenção de procedimentos inadiáveis ( Tabela 1).
Sobre as orientações a serem seguidas antes da consulta, Argentina e Paraguai indicam marcar consultas por telefone ou e-mail e evitar ir ao consultório para o agendamento. Argentina e Uruguai orientam telefonar para o paciente antes da consulta e investigar se o indivíduo apresenta sinais e sintomas respiratórios. Paraguai e Uruguai orientam disponibilizar material educativo sobre medidas preventivas no consultório.
Em se tratando do atendimento a pacientes inseridos nos grupos de risco (maiores de 60 anos, que possuam doenças de base ou doenças crônicas), o Uruguai e o Brasil não mencionam medidas diferenciadas para esse grupo. Ao passo que a Argentina orienta diminuir o tempo de espera e atendê-los no turno da manhã. O Paraguai também indica o atendimento desse grupo no primeiro turno da manhã, porém, somente em casos de urgência ou emergência ( Tabela 1).
Sobre o intervalo de tempo entre as consultas, o protocolo brasileiro menciona que o tempo deve ser maior, porém, não cita quanto. O Uruguai orienta consultas com distanciamento suficiente para que os pacientes não se encontrem na sala de espera. A Argentina orienta intervalo mínimo de 1 h, e intervalo de 3 h para procedimentos que gerem aerossol. O Paraguai indica intervalo de 1 h para procedimentos que gerem pouco aerossol, 2 h para aerossol moderado e 3 h se houve produção de muito aerossol ( Tabela 2).
No aspecto de EPI recomendados para o operador, o Brasil cita que se deve fazer o uso correto, e indica a máscara N95 para atendimento de usuários com sintomas de infecção respiratória, mas não menciona os EPI em seu protocolo. Argentina indica o uso de máscara cirúrgica, máscara facial, avental, óculos de proteção, gorro, luvas e sapatilhas descartáveis, e ainda orienta o uso de máscara N95 e avental impermeável caso seja uma urgência com produção de aerossol. Uruguai indica o uso de avental de manga longa, luvas descartáveis, óculos de proteção, gorro e máscara N95 ou PPF2. Enquanto o Paraguai não menciona os EPI necessários para o operador ( Tabela 3).
Os protocolos da Argentina, do Uruguai e do Paraguai convergem no que se refere à antissepsia do meio intrabucal para diminuir a carga viral antes do procedimento. Paraguai e Argentina indicam bochechar iodopovidona 0,2% ou peróxido de hidrogênio 1% por 30 seg antes do procedimento, e o Paraguai também recomenda esse protocolo ao terminar a consulta. Já o Uruguai indica peróxido de hidrogênio 3% ou iodopovidona antes e depois do procedimento.
Em relação à antissepsia extraoral, o Uruguai orienta usar álcool isopropílico 70%, peróxido de hidrogênio 3%, 10 volumes de água oxigenada medicinal ou iodopovidona antes e depois do procedimento. Paraguai indica peróxido de hidrogênio 1% depois do procedimento. O Brasil não menciona antissepsia intra ou extraoral em seu protocolo ( Tabela 4).
Apenas o protocolo brasileiro não aborda orientações sobre a limpeza do consultório após os procedimentos. O protocolo da Argentina menciona a necessidade de limpeza e desinfecção de todas as superfícies com uma solução de hipoclorito de sódio 0,1% com toalha ou algum material descartável, deixando agir por alguns minutos. O protocolo Uruguaio orienta a limpeza da cadeira odontológica, do braço da cadeira odontológica e da cuspideira com álcool isopropílico 70% ou uma solução de hipoclorito de sódio. O paraguaio orienta primeiramente a limpeza com água e sabão e enxágue com água, e posterior desinfecção com hipoclorito 0,1% ou álcool isopropílico 70% ( Tabela 5). Apenas o Paraguai cita protocolo de limpeza e desinfecção de materiais reutilizáveis.
Na revisão narrativa da literatura, a partir das buscas nas bases de dados SciELO e PubMed, foram encontrados 267 estudos, sendo nove resultados na primeira plataforma e 258 na segunda. Após a remoção das duplicatas, permaneceram 261 títulos; 53 resumos foram recuperados, sendo que destes, 39 foram elegíveis para leitura do texto completo. Ao fim, 17 artigos foram incluídos, os quais, em conformidade com a metodologia proposta, foram empregados na discussão dos resultados obtidos na análise documental.
A clínica odontológica, devido à presença de fluídos orgânicos, como sangue, saliva e coleções purulentas, expõe os profissionais da saúde bucal que nela atuam a diversos agentes biológicos patogênicos. Tais agentes podem levar ao desenvolvimento de doenças infectocontagiosas e à infecção cruzada. Neste sentido, a adoção de medidas de biossegurança é essencial para proteger os profissionais de saúde e os usuários do serviço 19.
Em circunstâncias em que há aumento excessivo no número de casos de determinadas doenças, como é o caso da pandemia de COVID-19, as medidas de biossegurança se tornam ainda mais necessárias a fim de reduzir os riscos de contaminação 4, 5, 20. Assim, diversos países têm instituído protocolos específicos para nortear o atendimento odontológico durante a pandemia, como os analisados neste estudo.
Em se tratando dos atendimentos mantidos durante a pandemia, observou-se que os quatro países em análise restringiram os procedimentos a serem realizados, propondo a manutenção dos procedimentos de urgência e/ou emergência. Com esta restrição, limita-se o contato interpessoal e reduz-se o tempo de espera para atendimento odontológico e os riscos de contaminação 21.
Convém aqui ressaltar que, na terminologia biomédica, os conceitos de urgência e emergência podem sofrer variações em diferentes países. Embora no dicionário português os dois termos apresentem significados equivalentes, em termos biomédicos, o que distingue ambos é o risco de vida, ou seja, a ameaça à manutenção das funções vitais, sendo que na emergência este seria iminente e nas urgências, não 22.
Observou-se no presente estudo que apenas o protocolo paraguaio listou detalhadamente as condições clínicas classificadas como urgências odontológicas (condições que requerem atenção imediata para alívio de dor severa e risco de infecção) e como emergências (condições que comprometem a vida do paciente e requerem tratamento imediato). Adicionalmente, o referido protocolo apresentou um quadro referente a cada especialidade, com os tratamentos que não podem ser postergados, visto que podem resultar em urgências 17.
O protocolo argentino exemplifica os procedimentos que poderão ser realizados como: aqueles que não resultem na produção de aerossol e procedimentos que não possam ser adiados por mais de 60 dias e que não sejam de alto risco de transmissão do vírus 16. Porém, não aborda de forma específica a classificação de urgências e emergências. De modo similar, os protocolos brasileiro e uruguaio também não abordam esta classificação 3, 18.
No Brasil, a fim de facilitar a identificação das situações que requerem atendimento imediato, o Conselho Federal de Odontologia publicou orientações específicas, classificando as condições de emergência, urgência e procedimentos não considerados como urgência. Para tanto, tomou como base técnica as orientações da American Dental Association e do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo 23.
Segundo a classificação estabelecida pela American Dental Association24, são consideradas condições de emergência: sangramentos não controlados; celulite ou infecções bacterianas difusas, com aumento de volume (edema) e potencial risco de comprometimento da via aérea dos pacientes; e traumatismo envolvendo os ossos da face, com potencial comprometimento da via aérea do paciente. Já os casos de urgência envolvem: dor dentária aguda por inflamação pulpar, pericoronite, osteíte cirúrgica pós-operatória, troca de curativos de cavidades secas, abscesso ou infecção bacteriana localizada, trauma dentário, entre outros.
Um estudo conduzido na China avaliou como a pandemia de COVID-19 influenciou os padrões de uso dos serviços odontológicos de urgência, uma vez que os serviços não emergenciais foram suspensos. Observou-se redução da procura pelos serviços de urgência com o início da pandemia (38% pacientes a menos do que havia sido observado um mês antes). Os agravos mais frequentes também mudaram, com aumento da proporção de infecção dental e oral de 51,0% do pré-COVID-19 para 71,9% durante a COVID-19, e redução do traumatismo dentário de 14,2% para 10,5%. Ao passo que, os casos não urgentes foram reduzidos a três décimos do pré-COVID-19. Tal fato pode estar associado à forte recomendação para que as pessoas permanecessem em suas casas 10.
Nos países analisados neste estudo ainda não há publicações sobre os impactos das mudanças ocorridas nos serviços de saúde odontológicos. Estudos como o realizado na China, revelam-se de grande importância, a fim de monitorar as ações desenvolvidas, bem como para planejar o funcionamento dos serviços, quando estes voltarem às atividades normais.
Mesmo com a restrição dos atendimentos, alguns procedimentos classificados como urgência e emergência ainda necessitam do uso de instrumentos rotatórios, gerando aerossóis, como a abertura coronária para tratamento endodôntico 11. Nestas circunstâncias, o isolamento com dique de borracha e o atendimento a quatro mãos é altamente recomendado 5, 13. Além disso, a proximidade face a face, o contato com instrumentais cortantes e a exposição à fluídos orgânicos reforçam a necessidade da adoção de outras medidas de biossegurança 4, 7.
Entre tais medidas, pode ser citada a triagem prévia do paciente, por meio de anamnese minuciosa, investigando sintomas como febre, problemas respiratórios, tosse, entre outros. Caso o paciente esteja sintomático, o tratamento deve ser adiado e o paciente referenciado para avaliação médica 4, 7, 25. Apenas dois países dentre aqueles aqui analisados realizam orientações em relação a esta triagem.
Van Doremalen et al. 26 analisaram o aerossol e a estabilidade superficial do SARS-CoV-2 comparados com o SARS-CoV-1. O aerossol foi gerado por nebulizadores, com condições semelhantes às observadas em amostras obtidas do trato respiratório em humanos. Constatou-se que o SARS-CoV-2 permaneceu viável em aerossóis durante toda a duração do experimento (3 h), com uma redução no título infeccioso de 103,5 para 102,7 TCID50 por litro de ar.
Estudos como o supracitado possivelmente estão sendo utilizados para guiar a elaboração dos protocolos, principalmente em relação aos intervalos entre as consultas. Tal fato justificaria as recomendações de aguardar 3 h entre um paciente e outro quando da realização de procedimentos que gerem aerossóis, encontradas em dois protocolos aqui analisados; bem como a orientação de atender pacientes do grupo de risco no primeiro turno da manhã.
Maia et al. 27, a partir de dados encontrados em revisão de literatura, propuseram um protocolo em que reforçam a importância de abrir as janelas para ventilar o ambiente e aguardar 3 h para realizar a limpeza do ambiente. Além disso, é de extrema importância evitar a superlotação nas áreas de circulação e na sala de espera, organizando a agenda com horários mais espaçados para que isso não aconteça 28.
Uma vez que a principal via de disseminação são as gotículas no ar, o uso de EPI é essencial. Os EPI cujo uso é recomendado envolvem: óculos de proteção, máscaras, luvas, touca descartável, máscara protetora facial e roupas protetoras 4, 5, 13, 25, 27.
Segundo Peng et al. 5, há recomendações em três níveis para os profissionais da odontologia: 1) a proteção primária, indicada para funcionários em ambiente clínico, envolve o uso de touca descartável, máscara cirúrgica descartável, roupas de trabalho, sendo indicado o uso de óculos de proteção ou protetor facial e luvas, quando necessário; 2) a proteção secundária, para profissionais de odontologia, envolve o uso de touca descartável, máscara cirúrgica descartável, óculos de proteção, protetor facial e roupas de trabalho com roupas descartáveis de isolamento ou cirúrgicas externas e luvas descartáveis de látex; e 3) a proteção terciária, quando entrar em contato com o paciente com suspeita ou confirmação de infecção por COVID 19, sendo recomendado, adicionalmente aos itens anteriores, um traje de proteção especial, máscara facial e protetor impermeável de sapato.
Como sequência para paramentação, Maia et al. 27 sugerem: a remoção de adereços; a lavagem das mãos e rosto; a paramentação com gorro, máscara cirúrgica, óculos de proteção, protetor facial, avental longo de manga comprida impermeável e luva de procedimento. Sendo que, nos procedimentos em que há geração de aerossóis, a máscara mais indicada é a N95 ou PFF2 e, sobre essa, uma máscara cirúrgica.
Nos protocolos analisados neste estudo, apenas o Paraguai não menciona o uso dos EPI. No Brasil, recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicou uma nota técnica em que traz orientações para os serviços de saúde, incluindo a Odontologia. A referida Nota determina o uso de EPI completo para todos os profissionais de saúde bucal no ambiente clínico, incluindo: gorro descartável, óculos de proteção, protetor facial, máscara N95/PFF2 ou equivalente, capote ou avental de mangas longas e impermeável e luvas. Reforça ainda que a máscara com válvula expiratória não deve ser empregada na odontologia, uma vez que o profissional, caso infectado, poderia contaminar os pacientes e o ambiente ao expirar 29.
A fim de reduzir a carga viral antes do procedimento, tem sido proposta a antissepsia prévia ao procedimento nos países em análise. As substâncias recomendadas foram: o peróxido de hidrogênio ou a iodopovidona a 0,2%. Tais substâncias são indicadas, pois o vírus SARS-CoV-2 é vulnerável a agentes oxidantes 13.
No Brasil, embora não conste no protocolo divulgado pelo Ministério da Saúde, nenhuma orientação neste sentido, mais recentemente, uma nota técnica da Anvisa também orientou o uso de peróxido de hidrogênio de 1,0% a 1,5% ou iodopovidona de 0,2% a 0,5%, como enxaguatório bucal pré-procedimento. Ademais, propõe a possibilidade de fazer o uso subsequente de clorexidina, uma vez que isoladamente ela parece não ser eficaz, porém, em conjunto com os agentes oxidantes, parece apresentar efeito sinérgico 29.
A limpeza do consultório é outra medida extremamente importante. Van Doremalen et al. 26 identificaram que, em condições experimentais, o SARS-CoV-2 foi mais estável em plástico e aço inoxidável do que em cobre e papelão, sendo que vírus viáveis foram detectados até 72 h após a aplicação. Há relatos de sobrevivência do vírus variando de 2 a 9 dias 4. Deste modo, é primordial realizar desinfecção rigorosa de todo o consultório, com hipoclorito de sódio a 0,1% ou álcool isopropílico a 70%, bem como trocar as barreiras de proteção a cada paciente 27. Outros materiais podem ser empregados, como o peróxido de hidrogênio 4 e álcool isopropílico 70% 13. Diante de tais informações, nota-se que os protocolos analisados neste estudo estão em consonância com os dados disponíveis na literatura.
As medidas de proteção propostas na China foram eficazes em evitar a contaminação cruzada nos consultórios odontológicos. Entretanto, observa-se ainda algumas limitações, como a dificuldade em adquirir todos os EPI propostos para uso na clínica odontológica, pois muitos não estão disponíveis. Além disso, a triagem prévia dos pacientes, para identificar aqueles que possam estar com o coronavírus e encaminhá-los para tratamento médico, não é totalmente efetiva, uma vez que os pacientes assintomáticos também transmitem a doença. Deste modo, o protocolo deveria seguir as mesmas recomendações para todos os pacientes, considerando todos como possíveis transmissores. Outra sugestão seria a disponibilização de testes rápidos para COVID-19 nos consultórios 30.
Frente à disseminação de coronavírus, os países têm adotado medidas diversas, de acordo com os seus sistemas de saúde, economia e ideologia política. Os governos têm tentado equilibrar a saúde e a economia. Enquanto na China uma resposta rápida foi dada, suspendendo o atendimento odontológico de rotina e obtendo resultados eficazes, no Reino Unido, a visão inicial do Serviço de Saúde NHS foi de que os cuidados de rotina deveriam continuar sendo ofertados para pacientes assintomáticos, com o uso dos EPI convencionais 8.
Reforça-se a existência de evidência científica acerca da importância do uso de EPI com maior capacidade de proteção, como de máscaras N95 ou FFP2, para profissionais de saúde, porém, muitas vezes o cirurgião-dentista é desconsiderado em tais orientações. Apesar da recomendação, muitos dentistas, reduziram os atendimentos por medo de disseminar a doença entre os seus pacientes, respeitando seus valores morais 31, 32, 33.
Como se trata de um novo vírus, novas descobertas são feitas no transcurso da pandemia. Desta forma, é importante estar atento às evidências científicas, a fim de promover o controle de infecção 27. Aos profissionais de saúde, compete manter-se informados acerca de tais evidências, seguindo rigorosamente as normas de biossegurança e os princípios morais e éticos 4.
A disponibilidade de protocolos de atendimento e sua constante atualização exercem importante papel para guiar os profissionais de saúde, principalmente em momentos de incerteza, como nesta pandemia, em que novas descobertas ocorrem diariamente. Em se tratando especificamente do atendimento odontológico, sabe-se que há muitos riscos associados, sobretudo devido à produção de aerossóis, proximidade face a face e exposição a saliva e sangue. Neste sentido, a adoção de medidas de biossegurança é essencial para a proteção de profissionais e pacientes.
Analisando os protocolos do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, observou-se grandes semelhanças em suas orientações, principalmente em relação aos procedimentos mantidos durante a pandemia, ao uso de EPI, métodos de antissepsia e limpeza. Porém, os dados acerca dos intervalos de tempo entre as consultas não foram consensuais.
Observou-se que nem todos os aspectos foram mencionados em todos os protocolos ou constaram apenas de forma superficial. Além disso, eles trouxeram as referências empregadas apenas ao fim do texto, sem citar as evidências disponíveis existentes ao longo do protocolo para dar suporte às orientações dadas. Porém, ao se comparar as informações disponíveis nos protocolos com aquelas disponíveis na literatura científica, observou-se que há consenso entre elas.
Em se tratando de um momento de tantas dúvidas, a orientação detalhada das medidas a serem adotadas revela-se de grande valia para que elas de fato sejam efetivadas. Ademais, reforça-se a importância da atualização constante dos protocolos, visto que novas descobertas têm sido feitas diariamente; e da conscientização dos profissionais de saúde bucal, para que estejam atentos a tais orientações.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
Silva ROC, Zermiani TC, Bonan KFZ, Ditterich RG - Concepção, planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.
*E-mail:ruann.carvalho@gmail.com