RESUMO
Introdução: Há uma urgência em se ter medicamentos capazes de tratar a COVID-19, mas existe ainda carência de estudos e dificuldades no acesso a informações seguras. Os Centros de Informações sobre Medicamentos (CIM) atuam na produção e difusão de informações de qualidade, baseadas nas melhores evidências científicas.
Objetivo: Descrever a experiência colaborativa da elaboração de notas técnicas (NT) e de alerta de medicamento (AM) sobre a utilização de medicamentos na COVID-19, realizada por membros de CIM do Brasil.
Método: Trata-se de um relato de experiência do tipo descritivo e analítico, com abordagem qualitativa. Foi analisado inicialmente o perfil dos CIM participantes e de seus profissionais envolvidos, e então apresentado o método adotado para a condução do trabalho, que foi realizado entre março a junho de 2020.
Resultados: Participaram quatro CIM do Nordeste brasileiro: o da Universidade Federal do Vale do São Francisco, o da Universidade Federal de Sergipe, campus Lagarto, o da Universidade Federal do Ceará e o CIM do Conselho Regional de Farmácia da Bahia. As etapas do processo de desenvolvimento dos documentos técnicos foram: 1) Definição dos objetivos; 2) Seleção dos temas; 3) Busca de informação; 4) Processo de construção e descrição; 5) Revisão e 6) Publicização. Foram produzidas quatro NT e um AM.
Conclusões: A experiência deste trabalho colaborativo demonstra que os CIM estão exercendo relevante papel no combate a pandemia pelo novo coronavírus e a infodemia, promovendo informação de qualidade, baseada nas melhores evidências.
Palavras chave: Infecções por Coronavírus, COVID-19, Medicina Baseada em Evidência, Serviços de Informação sobre Medicamentos.
ABSTRACT
Introduction: There is an urgency to have drugs capable of treating COVID-19. However, there are still shortages of studies and difficulties in accessing secure information. Drug Information Centers (DIC) operate in the production and dissemination of quality, objective, and timely information, based on the best scientific evidence.
Objective: To describe the collaborative experience of preparing Technical Notes (TN) and Drugs Alerts (DA) on the use of medicines at COVID-19, carried out by members of DICs in Brazil.
Method: This is an experience report of a descriptive and analytical type, with a qualitative approach. The profile of the participating DICs and their professionals were initially analyzed, and then the method adopted for conducting the work from March to June 2020 was presented.
Results: Four DICs from the Northeast of Brazil participated in this experience, that of the Federal University of Vale São Francisco, the Federal University of Sergipe Lagarto campus, the Federal University of Ceará and the DIC of the Regional Pharmacy Council of Bahia. The stages of the TN development process were: 1) Definition of the TN objectives; 2) Selection of themes; 3) Search for information; 4) Construction process and description of the TNs; 5) Review and 6) Publication of TNs. Four TNs were produced, on antihypertensive and non-steroidal anti-inflammatory drugs; hydroxychloroquine or chloroquine; ivermectin and, vitamin D, in addition, a DA about ivermectin and your potential to cause neurotoxicity.
Conclusions: The experience of this collaborative work demonstrates that DICs are playing an important role in combating the pandemic by the new coronavirus and infodemic, promoting quality information, based on the best evidence.
Keywords: Coronavirus Infections, COVID-19, Evidence-Based Medicine, Drug Information Services.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Elaboração de Informes Técnicos sobre o uso de medicamentos na COVID-19: um trabalho colaborativo de Centros de Informações sobre Medicamentos do Brasil
Elaboration of Technical Reports on the use of medicines in the COVID-19: collaborative work by Drug Information Centers from Brazil
Recepção: 10 Julho 2020
Aprovação: 27 Julho 2020
Uma pneumonia de causa desconhecida, detectada em Wuhan, China, foi relatada pela primeira vez em 31 de dezembro de 2019. Com sua disseminação por todos os continentes, em menos de três meses essa infecção causada pelo novo coronavírus teve seu status atualizado de surto para pandemia 1.
No contexto de emergências de saúde pública, como é uma pandemia, uma das atividades científicas mais complexas é a avaliação de medicamentos candidatos a tratamento, quanto à eficácia e à segurança, com benefícios se sobrepondo aos riscos potenciais aos pacientes 2. Por ser uma nova doença, pouco se conhece sobre a fisiopatologia e os tratamentos da COVID-19, o que traz incertezas quanto às abordagens empregadas. Além disso, a urgência em encontrar medicamentos efetivos torna-se ainda maior pelas complicações relacionadas à doença e ao risco de morte 3.
Em todo o mundo, estudos têm sido realizados pela comunidade científica, porém nem sempre os ensaios clínicos incluem um grupo controle e testes em amostra de pacientes representativa da população. Entre os estudos mais promissores estão o ensaio clínico RECOVERY 4, com dexametasona, que apresentou em seus resultados preliminares a redução de mortes em pacientes hospitalizados em estado crítico e o estudo NIAID-ACTT-1, que observou a aceleração da recuperação em pacientes com COVID-19 hospitalizados em estado grave, que utilizaram remdesivir 5.
Diversos medicamentos que demonstram algum potencial para prevenir ou tratar a COVID-19 não possuem ainda evidências científicas conclusivas, não sendo possível afirmar que tragam mais benefícios do que riscos à saúde do paciente 6. Ainda assim, emerge a utilização empírica e compassiva de fármacos, como exemplo a ivermectina e a hidroxicloroquina 7. Contudo, as hipóteses terapêuticas, apoiam-se em pesquisas in vitro8, 9, estudos ainda não publicados, em formato preprints4, 5, e observacionais, realizados em epidemias anteriores 10, 11. Essa situação de grande incerteza tem gerado diferentes condutas entre especialistas sobre o tratamento de pacientes em diferentes estágios da doença 6.
A apresentação e a disseminação acelerada de estudos, em fase inicial, in vitro, sem interpretação clara dos resultados, aumentam a pressão sobre profissionais de saúde e gestores de políticas públicas para prescrever ou selecionar esses medicamentos 3. Ademais, a exacerbada divulgação de informações estimula a busca por terapias não aprovadas 9. Este cenário colabora para a utilização inadequada de medicamentos, trazendo problemas de ordem individual, como a ocorrência de reações adversas 12, 13 e problemas com impacto coletivo, como desabastecimento nas farmácias, resultando em restrições regulatórias para dispensação 14, 15.
Os Centros e Serviços de Informações sobre Medicamentos (CIM/SIM) são instrumentos de apoio para: promoção da saúde; práticas seguras e racionais relacionadas ao uso de medicamentos; fortalecimento da gestão e das ações e serviços de saúde nos seus diferentes níveis 16. Em alguns países, os CIM/SIM cooperam em redes em nível nacional, como no Peru 17, Argentina 18 e Brasil 19; e em âmbito internacional, como a rede UKMi no Reino Unido 20 e a Rede de Centros de Informações de Medicamentos da América Latina e do Caribe (Red CIMLAC) 21.
No Brasil, existem diversos diversos CIM/SIM que atuam produzindo informações técnico-científicas, de forma objetiva, oportuna e atendendo às necessidades específicas com base nas melhores evidências disponíveis, seja por meio da Rede Brasileira 19 ou por colaboração externa à rede. Estes serviços fornecem suporte à tomada de decisão clínica ao responder questionamentos de solicitantes (informações passivas ou reativas), bem como ao produzir espontaneamente materiais informativos, como notas técnicas (NT), alertas de medicamentos (AM), boletins, entre outros tipos de materiais (informações ativas ou proativas) 22.
Entende-se por NT a documentação formal expedida por uma instituição ou um conjunto destas, para manifestar seu entendimento sobre determinado assunto. Serve para registrar esclarecimentos de dúvidas, sugestões e pontos de vista de natureza técnica. Deve ser elaborada com linguagem formal, por especialistas na matéria mediante análise completa do contexto, com histórico ou fundamento legal, baseados em informações relevantes 23. Por sua vez, os AM constituem-se numa ação de notificar uma audiência maior que a dos detentores iniciais da informação, uma suspeita de associação entre um medicamento e uma reação adversa 24. Esses documentos devem ser informativos, impessoais e objetivos 25.
Nesse prisma, pretende-se neste trabalho descrever a experiência colaborativa da elaboração de NT e AM sobre a utilização de medicamentos na COVID-19, realizada por membros de CIM do Brasil, como forma de subsidiar a tomada de decisão dos gestores, prescritores e outros profissionais de saúde.
Trata-se de um relato de experiência do tipo descritivo e analítico, com abordagem qualitativa, sobre o trabalho integrado de CIM brasileiros para elaboração de NT e de um alerta sobre medicamentos durante a pandemia do novo coronavírus.
Inicialmente analisou-se o perfil dos CIM participantes e de seus profissionais envolvidos nesta vivência. Em seguida, foi apresentado o método adotado para a condução do trabalho colaborativo de março a junho de 2020, com descrição do perfil das informações já publicadas.
A integração dos colaboradores ocorreu a partir de um grupo de aplicativo de mensagens instantâneas composto por 50 farmacêuticos de 27 equipes de CIM/SIM integrantes da Rede Brasileira de Centros e Serviços de Informação sobre Medicamentos (Rebracim) e de serviços independentes, não vinculados à rede. O trabalho colaborativo foi motivado pela pandemia do novo coronavírus e pela necessidade de informações de qualidade. Partiu, então, da disponibilidade de alguns CIM, participantes do grupo, com o objetivo de contribuir na disseminação de informações confiáveis e seguras, com base nas melhores evidências científicas, que pudessem subsidiar a tomada de decisão de gestores e profissionais de saúde.
Em março de 2020, foi firmada uma parceria entre os serviços para a cooperação técnica, de forma totalmente virtual. Seis CIM iniciaram o trabalho integrado, mas dois deles não conseguiram permanecer, findando com a participação de quatro CIM do Nordeste brasileiro: da Universidade Federal do Vale do São Francisco (CIM-Univasf), da Universidade Federal de Sergipe Campus Lagarto (CIMUFS-Lag), da Universidade Federal do Ceará (CIM-UFC) e do Conselho Regional de Farmácia da Bahia (CIM-CRF-BA).
Para edição e compartilhamento dos documentos foi escolhida a ferramenta Drive® ( Google products), devido à possibilidade de armazenamento e sincronização de arquivos e inúmeras possibilidades para o trabalho colaborativo a distância. Foi analisada, através do Google Analytics®, a quantidade de acessos para cada documento (NT e AM) publicado na íntegra.
Os CIM participantes estão integrados a universidades públicas federais (CIM-UFC, CIM-Univasf e CIMUFS-Lag) e ao conselho de classe farmacêutico do estado da Bahia (CIM-CRF-BA). Três desses centros são vinculados à Rebracim (CIM-UFC, CIM-Univasf e CIM-CRF-BA), sendo dois destes (CIM-UFC e CIM-CRF-BA) parte da representação brasileira na Red CIMLAC. Fizeram parte da equipe técnica seis farmacêuticas (com titulação máxima de especialista a doutor), com colaboração de seis discentes graduandos em farmácia, estagiários dos CIM participantes.
As etapas do processo de trabalho inicialmente definidas para a elaboração das NT envolveram: definição dos objetivos, seleção dos temas, busca de informação, processo de construção e descrição, revisão pelo grupo avaliador e publicização do produto - NT ( Figura).
A importância deste momento é tornar claros os objetivos, para que o produto final não se transforme apenas em mais um material informativo. Além disso, um instrumento desenvolvido por CIM exige atenção e rigor na sua elaboração para garantir a responsabilidade com a promoção do Uso Racional de Medicamentos (URM) através da produção e da difusão de informação imparcial, bem referenciada e criticamente avaliada 22.
Os temas foram selecionados com base na natureza das solicitações de informações enviadas aos CIM participantes deste trabalho e das informações veiculadas pelas mídias sociais, com notícias falsas ou distorcidas, sem uma base científica sólida, sobre o uso de medicamentos na COVID-19. Foram, então, elencadas, para a elaboração das NT, as demandas mais urgentes de informação técnica ( Quadro) ( Figura).
Realizou-se levantamento bibliográfico por meio de acesso a fontes primárias (revistas científicas tais como The Lancet; British Medical Journal etc.); fontes secundárias (PubMed, Biblioteca Cochrane, SciELO, Web of Science), materiais do Ministério da Saúde do Brasil, da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e outras fontes de informação técnica, como em sites específicos de informações sobre medicamentos, como o do Conselho Federal de Farmácia, Micromedex Solutions® e Prescrire.
O primeiro passo consistiu em definir a estruturação do conteúdo das NT pela equipe. A versão inicial dos documentos era elaborada pelos estagiários, sob orientação constante da equipe técnica. Assim, realizou-se uma síntese das principais informações, com a contextualização do problema, a descrição das evidências disponíveis e a apresentação dos resultados e das recomendações.
Para a categorização dos artigos que foram utilizados na elaboração das NT, utilizou-se a classificação por tipo de delineamentos da pesquisa 30. Foram utilizadas em média 9,5 (variando de 6 a 12) referências para o desenvolvimento de cada uma das NT, sendo: protocolos de tratamento (n = 1), notas informativas e/ou técnicas e posicionamentos de agências reguladoras nacional e internacionais (n = 9), editoriais, consensos e opiniões de especialistas (n = 4), ensaios clínicos não randomizados (n = 1), estudos observacionais (n = 1), revisões de literatura ou sistemática (n = 8), estudos in vitro (n = 6), relatos de caso ou série de casos (n = 3), além de artigos em formato preprints (n = 2), materiais técnicos e informativos disponibilizados no site do Conselho Federal de Farmácia (n = 1), Prescrire (n = 1), Formulário Terapêutico Nacional e Micromedex Solutions® (n = 1).
Para a avaliação inicial, uma versão de cada NT era disponibilizada em documento compartilhado para edição online. A equipe técnica discutia as evidências e corrigia o texto proposto até esgotar todas as dúvidas, chegando ao consenso da redação final.
Após elaboração e revisão, as NT foram disponibilizadas na íntegra no site do CRF-BA e divulgadas no site do CIMUFS-Lag e nas mídias sociais dos CIM envolvidos. De acordo com dados fornecidos pelo Google Analytics®, até o dia 9 de julho de 2020, as NT publicadas alcançaram 8.369 acessos no site do CRF-BA. A NT mais acessada foi sobre a ivermectina (n = 5.672, 67,8%), seguida da hidroxicloroquina e cloroquina (16,3%), vitamina D (9,1%) e AINEs (6,8%).
Após a elaboração das NT surgiu uma demanda de informação relacionada ao risco neurotóxico associado ao uso de ivermectina na COVID-19. A equipe entendeu que a informação precisava ser amplamente divulgada também para a população em geral, não só aos profissionais de saúde e aos gestores. Diante disso, foi elaborado um documento em formato de AM seguindo as etapas do processo de desenvolvimento das NT a partir da busca de informação, incluindo o processo de construção e descrição, revisão pelo grupo avaliador e publicização do alerta nº 01/2020 31, com tema: “Risco de neurotoxicidade causada pela ivermectina no tratamento da COVID-19”. Este alerta foi divulgado no site do CRF-BA e do CIM/Univasf em 11 de junho de 2020, com o total de 6.355 acessos até o dia 09 de julho de 2020. No site do CIM/Univasf, atingiu a maior porcentagem de acesso entre todas as páginas no período (84,9%).
A elaboração das NT e do AM na COVID-19 contribui como ferramenta para o acesso a informações confiáveis aos profissionais de saúde, gestores e ainda à população em geral, em meio a avalanche de informações sem solidez, vivenciada junto a pandemia do novo coronavírus.
Não é a primeira vez que a humanidade sofre com uma pandemia. Pode ser citada a peste negra 32, a infecção respiratória causada por um vírus da família Orthomyxoviridiae e manifestações de influenza que ocorreram no século XX. É possível ainda falar de outras epidemias provocadas por vírus da família Coronaviridae anteriores à COVID-19, como a epidemia de síndrome respiratória aguda grave (sigla em inglês: SARS) 33 e a síndrome respiratória do Oriente Médio (sigla em inglês: MERS-CoV), que gerou uma epidemia que afetou vários países árabes e europeus 34. Esses dados permitem inferir que a convivência com as tragédias pandêmicas ou epidêmicas marcam a história evolutiva da humanidade.
Na atual pandemia, a urgência em produzir novos dados vêm contribuindo para um menor rigor e qualidade da informação, reduzindo o cuidado na análise das evidências, implicando na segurança do paciente e dos serviços de saúde. A baixa qualidade de informações em saúde foi descrita numa revisão sistemática de referências disponibilizadas na internet (incluindo 153 estudos transversais e 11.785 websites), sugerindo uma grande lacuna nas informações baseadas em evidências disponibilizadas 35.
Essa situação se constitui em risco de saúde pública, sendo denominada tecnicamente como infodemia, uma situação em que o excesso de informações, precisas e imprecisas, dificultam o acesso a fontes idôneas e orientações confiáveis 36. Na era da informação, esse fenômeno é amplificado pelas redes sociais e se propaga mais rapidamente 37, podendo ser absorvida facilmente pelas pessoas, afetando seu comportamento e possivelmente elevando o risco de exposição ao vírus. Diante de tantas incertezas, a ampla divulgação de falsas notícias tem tornado a prática da educação em saúde um dos maiores desafios atuais 38.
Assim, o fornecimento de informações baseadas em evidências para o público é uma das estratégias para mitigar a disseminação de notícias falsas 37. Gerar conteúdo independente sobre medicamento que seja acessível a leigos 24, aumentar a colaboração com jornalistas para minimizar erros de comunicação na tradução dos estudos e embasar a tomada de decisão dos profissionais de saúde são estratégias para mitigar a desinformação e suas consequências 36.
Na elaboração das NT e do AM, a seleção dos estudos consistiu em uma etapa crucial. A carência de ensaios clínicos randomizados deram espaço para as notas informativas e/ou técnicas e posicionamentos de agências reguladoras nacional e internacionais, revisões de literatura e até estudos in vitro. Percebe-se ainda a presença de preprints, artigos disponibilizados antes da avaliação por pares. A elevada heterogeneidade e o baixo rigor metodológico dos estudos denotam o já referido incipiente controle de qualidade das publicações, característica da infodemia do período de pandemia.
Para a elaboração das NT e do AM foi realizada extensa análise e discussão crítica de toda a literatura disponível, a fim de que fossem produzidos com grande rigor técnico/científico e isentos de conflitos de interesse. É importante destacar ainda a capacidade técnica da equipe dos CIM, tendo em vista a formação e atuação dos profissionais, bem como a vinculação dos mesmos com universidades públicas federais, o que justifica a participação efetiva de estagiários e demonstra a importância do processo de ensino-aprendizagem na promoção de informações em saúde.
No contexto da publicização percebeu-se que o trabalho de divulgação colaborativo em todas as redes sociais dos CIM, os quais utilizam em suas rotinas de trabalho as novas tecnologias de informação, culminaram no grande alcance das NT e do AM. Essas ferramentas ajudam na promoção das informações aos usuários dos serviços, aos profissionais e à sociedade em geral, a partir de ferramentas práticas, rápidas e eficazes 22.
Analisando os acessos virtuais de cada NT, verificou-se que a mais acessada foi a que tratou sobre a ivermectina, cuja recomendação foi de não se usar este medicamento no tratamento ou prevenção da COVID-19, uma vez que não há evidências científicas consistentes 28, corroborando com outros informes técnicos 39, 40, 41. Além disso, a Sociedade Brasileira de Farmácia Clínica 42 posicionou-se alertando para que a população e os profissionais da saúde sejam informados sobre a ausência de trabalhos em humanos e de que o efeito da ivermectina em vírus foi observado apenas in vitro. Assim, o uso de ivermectina para tratar COVID-19 é off label.
O tema ivermectina na COVID-19 ganhou destaque ainda devido aos seus riscos neurotóxicos, fato que levou os CIM a elaborarem o primeiro alerta 31 com este foco, que teve maior acesso que a própria NT sobre ivermectina 28. Outros informes incluindo dados sobre os efeitos potenciais de neurotoxicidade da ivermectina em pessoas com infecção pelo novo coronavírus foram emitidos em âmbito nacional e internacional após o alerta deste grupo 40, 43.
Apesar dos argumentos contrários e que delineiam a preocupação quanto ao uso da ivermectina para tratar a COVID-19, esta vem sendo largamente utilizada em alguns países da América Latina, como Peru e Bolívia 44, 45. Além disso já se encontram registros sobre a disponibilização da ivermectina por redes públicas e de seguradoras de saúde privadas em diversas cidades brasileiras para prevenção e/ou tratamento da COVID-19 46, 47, 48, 49. O medicamento vem sendo motivo de ampla discussão no contexto do tratamento precoce da COVID-19 44, 45, 46, 47, 48, 49.
A NT sobre a hidroxicloroquina e cloroquina, na COVID-19 27, foi a segunda mais acessada. Sobre este tema houve diversas notas e informes em geral. Elas apresentaram pontos de análise comuns aos inseridos na NT deste grupo de CIM, reiterando as limitações metodológicas dos artigos encontrados e as fracas evidências científicas acerca da eficácia e da segurança dos medicamentos para embasar tomada de decisões 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57.
As NT com menos acessos foram sobre a vitamina D 29 e a utilização de medicamentos anti-hipertensivos e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) 26. Esta última corrobora com nota de esclarecimento da Sociedade Brasileira de Cardiologia 58 e recomendações clínicas do Ministério da Saúde do Chile 59, 60, antes mesmo do posicionamento da OMS a respeito do assunto 61.
Em relação à vitamina D foram identificadas duas outras NT, uma do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul 62 e outra do Ministério da Saúde 63, além de outras duas notas de esclarecimento 64, 65. Todas apontaram a não identificação de evidências conclusivas em relação à eficácia da utilização de vitamina D, na prevenção ou no tratamento de pessoas com COVID-19, corroborando com a NT elaborada por esta equipe 62, 63, 64, 65.
O caráter instrutivo das NT pode ser exemplificado na expedição da recomendação nº 11/2020 do Ministério Público do Pará, por meio da Promotoria de Justiça de Santarém 66 que se fundamentou, entre outros documentos, na NT nº 3, sobre utilização de ivermectina para tratamento da COVID-19 28. Nesta normativa, a promotoria de Santarém recomenda aos serviços de saúde locais, entre outras coisas, a obtenção de consentimento escrito do usuário para o uso de farmacoterapias com hidroxicloroquina, ivermectina e corticosteroides, assim como se abster do uso em caso de negativa do paciente ou seu responsável 66.
As NT e os AM fazem parte das informações proativas que um CIM desenvolve, devendo sempre seguir os critérios de qualidade e independência 22, bem como devem atender a necessidades de informação recorrente ou temas de importância da mídia, que requeiram informação segura 25, aspectos que foram contemplados para as NT e o AM desenvolvidos pelo trabalho colaborativo dos CIM neste estudo.
Em diagnóstico situacional dos CIM/SIM, membros da Rebracim em 2017 apontaram fragilidades dos serviços relacionadas à carência de recursos humanos, à dificuldade na aquisição de bases de dados e ao não reconhecimento dos gestores sobre a importância do serviço 22. O trabalho colaborativo relatado aqui apresenta melhor aproveitamento dos recursos humanos, permitindo a troca de experiência, com compartilhamento das literaturas acessadas nas bases de dados de cada centro e maior qualidade da informação prestada, conduzindo a uma maior valorização dos serviços independentes, contribuindo com a importância dos serviços de informação como um todo, o que reforça a necessidade do trabalho colaborativo.
Não foi possível, entretanto, a participação de outros CIM que integram a Rebracim para viabilizar esse trabalho como uma atividade da rede em si. É necessário pensar estratégias que possibilitem uma maior participação da rede de SIM/CIM brasileiros, com o seu fortalecimento em todas as regiões do Brasil para produção de informações com o mais elevado nível de confiança e qualidade, ampliando o alcance nacional e até internacional.
As epidemias e pandemias colocam desafios para a comunidade internacional. A pandemia do novo coronavírus trouxe junto a infodemia, o que torna o papel dos CIM/SIM fundamental para a disseminação de informações seguras e confiáveis. A experiência do trabalho na elaboração das NT e do AM sobre o uso de medicamentos na COVID-19 demonstra que os CIM estão exercendo seu papel de maneira relevante no combate a esse grave problema de saúde pública. Acesso à informação de qualidade, baseada nas melhores evidências, é o melhor caminho e deve ser incentivado.
Verificou-se que é possível o trabalho a distância, em parceria, com ampliação da capacidade de produção dos serviços independentes, mas principalmente com potencialização da qualidade do trabalho desempenhado, ampliando a difusão e disseminação de informações voltadas à promoção do URM entre os profissionais de saúde, os gestores e a comunidade.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
Brandão MFBO, Passos ACB, Unfer TC, Nunes DM - Concepção, planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Matos LEO, Soares LP, Pio IDSL, Monteiro MP – Análise, redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.
* E-mail: deuzilane.univasf@gmail.com