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Perfil e financiamento da pesquisa em saúde desencadeada pela pandemia da COVID-19 no Brasil
Rondineli Mendes da Silva; Rosângela Caetano; Angélica Baptista Silva;
Rondineli Mendes da Silva; Rosângela Caetano; Angélica Baptista Silva; Ana Cristina Carneiro Menezes Guedes; Gizele da Rocha Ribeiro; Daniela Lacerda Santos; Carla Cardi Nepomuceno
Perfil e financiamento da pesquisa em saúde desencadeada pela pandemia da COVID-19 no Brasil
Profile and funding of health research triggered by the COVID-19 pandemic in Brazil
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 8, núm. 2, pp. 28-38, 2020
INCQS-FIOCRUZ
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RESUMO

Introdução: O enfrentamento da pandemia COVID-19 desafia o Brasil sobre as medidas a tomar com a crise sanitária instalada e quais intervenções são mais eficientes e efetivas frente aos problemas decorrentes da nova doença. Esse quadro de incertezas tem levado a ações de financiamento de pesquisa em saúde, que visam o aprimoramento científico e tecnológico, subsidiando a tomada de decisões baseada em evidências.

Objetivo: Mapear as oportunidades de financiamento de pesquisa em saúde para o enfrentamento da COVID-19 no Brasil, em termos das áreas priorizadas, fontes financiadoras e volumes financeiros.

Método: Fontes públicas foram utilizadas para mapear documentos relativos ao fomento à pesquisa e à inovação em saúde, junto às instâncias públicas e privadas. Realizou-se levantamento diretamente nos sítios eletrônicos das instituições públicas de pesquisa e busca assistemática para identificar financiamentos privados. Os objetos de financiamentos dos editais e chamadas identificados foram categorizados segundo grandes áreas e temáticas específicas.

Resultados: Foram identificadas 23 oportunidades de financiamento para o enfrentamento à COVID-19, cobrindo 20 diferentes agentes de financiamento, totalizando R$ 337.460.612,00. Cinco instâncias públicas responderam aproximadamente por 75,0% dos recursos.

Conclusões: Apesar do pequeno montante de recursos, houve esforço de fomento à P&D/S em tempo oportuno, principalmente por parte de órgãos públicos federais, com destaque para CAPES e CNPq. As áreas mais contempladas foram os insumos necessários ao enfrentamento da COVID-19 (testes diagnósticos, equipamentos e dispositivos médicos, medicamentos, vacinas e produtos biológicos) e a tecnologias de telecomunicação e informação. Entretanto, os aportes atenderam praticamente todas as áreas importantes para o conhecimento, prevenção e tratamento da doença. Destaca-se que a P&D/S no Brasil tem tido seus recursos significativamente reduzidos desde 2015.

Palavras chave: Sistemas de Financiamento da Pesquisa, Política de Pesquisa em Saúde, COVID-19, Epidemia por 2019-nCoV, Pandemias.

ABSTRACT

Introduction: Facing COVID-19 pandemic challenges Brazil on taking actions to deal with the installed health crisis, and to choose which interventions are more efficient and effective with the problems arising from the new disease. This picture of uncertainties has led to health research financing actions, which aim at scientific and technological improvement, supporting evidence-based decision making.

Objective: To map the health research funding opportunities to face the COVID-19 in Brazil, in terms of priority areas, funding sources and financial volumes.

Methods: We search public sources to map documents related to the promotion of research and innovation in health, with public and private sectors. We conducted a survey directly on the websites of public research institutions and an unsystematic search to identify private financing, and categorized objects of the financing notice and calls identified in large areas and specific topics.

Results: We found 23 financing opportunities focusing on the combat of COVID-19 pandemic, covering 20 different financing agents in a total amount of BRL 337,460,612.00. Five public institutions finance 75.0% of the resources.

Conclusions: Despite the small amount of resources, there was an effort to promote health R&D in a timely manner, mainly by federal public agencies, with emphasis on CAPES and CNPq. The most contemplated areas were the inputs needed to face COVID-19 (diagnostic tests, medical equipment and devices, medicines, vaccines and biological products) and telecommunication and information technologies. However, the contributions covered practically all the important areas for knowledge, prevention and treatment of the disease. It is noteworthy that health R&D in Brazil has had its resources significantly reduced since 2015.

Keywords: Research Financing Systems, Health Research Policy, COVID-19, 2019-nCoV Epidemic, Pandemics.

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ARTIGO

Perfil e financiamento da pesquisa em saúde desencadeada pela pandemia da COVID-19 no Brasil

Profile and funding of health research triggered by the COVID-19 pandemic in Brazil

Rondineli Mendes da Silva
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Rosângela Caetano
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Angélica Baptista Silva
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Ana Cristina Carneiro Menezes Guedes
Hospital Federal dos Servidores do Estado, Brasil
Gizele da Rocha Ribeiro
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil
Daniela Lacerda Santos
Faculdade de Medicina de Petrópolis, Brasil
Faculdade Arthur Sá Earp Neto, Brasil
Carla Cardi Nepomuceno
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 8, núm. 2, pp. 28-38, 2020
INCQS-FIOCRUZ

Recepção: 04 Maio 2020

Aprovação: 07 Maio 2020

Financiamento
Fonte: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Número do contrato: 305439/2017-4
INTRODUÇÃO

A pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, agente etiológico da COVID-19, desde o início de 2020 por ser uma doença totalmente nova, representa uma ameaça de magnitude antes não enfrentada neste último século 1. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 6 de maio, existiam 3.588.773 casos confirmados em todo mundo, com 247.503 mortes 2. O Brasil reportou o primeiro caso de doença pelo novo coronavírus em 26 de fevereiro e, em 6 de maio, possuía 125.218 casos confirmados e 8.536 óbitos, mas com reconhecida subnotificação de casos e falecimentos, devido à testagem insuficiente e restrita aos casos sintomáticos e graves, ao grande número de casos em que o falecimento ocorre no domicílio e ao estrangulamento posto aos serviços de saúde 3.

Agregada à rápida velocidade de expansão do vírus, existem dificuldades de se estabelecer respostas frente a algo desconhecido e necessidade urgente de envidar esforços, especialmente na pesquisa científica, como potente instrumento na elucidação das inúmeras questões emergentes da doença, com medidas capazes de trazer evidências quanto às políticas públicas e intervenções mais eficientes e efetivas frente aos problemas decorrentes da pandemia. Nesse cenário pouco desvelado, ainda há inúmeras incertezas sobre a história natural da doença e sua evolução, seus impactos econômicos e na saúde das pessoas e na sociedade, medidas efetivas e seguras de tratamento e prevenção etc. Além de se buscar ações emergenciais de reforço assistencial para preparar o sistema de saúde para lidar com a crise sanitária já instalada.

Pesquisa em saúde assume papel central na resposta às emergências de saúde pública e no impacto na geração de novos conhecimentos, sobretudo aqueles potencialmente aplicáveis em novos produtos que possam ser utilizados em seu enfrentamento e prevenir riscos futuros. Como resultados, iniciativas de estímulo e fomento à Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde (P&D/S) relacionadas à COVID-19 têm se multiplicado por todo mundo, desde o início da pandemia, inclusive capitaneadas pela OMS.

Independentemente da presença da epidemia em curso, a P&D/S é uma importante ferramenta para a melhoria da situação de saúde das populações, que permite, dentre outros, subsidiar a tomada de decisões na definição de políticas e no planejamento em saúde, contribuindo para ações de promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde e para diminuição das desigualdades sociais e em saúde, amplamente observadas no cenário sociossanitário brasileiro 4. Na superação dessas desigualdades, Guimarães 5 afirmou ser imperativo enquadrar no debate das políticas de pesquisa científica em geral ― e, em particular, no campo da saúde ― o compromisso da não dissociação entre a prática científica e a realidade sanitária que as cerca.

A concepção de P&D/S empregada neste artigo tem perspectiva ampliada, na qual o fomento científico e tecnológico em saúde abrange desde a pesquisa básica à operacional e à translacional, incluindo o desenvolvimento de insumos estratégicos à saúde. Para além da geração de conhecimentos, envolve sua transformação em tecnologias, concretizadas na forma de produtos e processos acabados que atendam às necessidades do mercado. Em suma, P&D/S integrada à inovação 5, 6.

A P&D/S é o principal componente setorial de pesquisa do país, embora o financiamento das pesquisas ligadas a essa área social seja ainda insuficiente, principalmente quando comparados aos benefícios por ela proporcionados 7. Além disso, muitas vezes os esforços de pesquisa em saúde podem ocorrer sem coerência com a Política Nacional de Saúde. Orientação para essa integração já se encontrava expressa na Constituição Federal de 1988 que, dentre as competências do Sistema Único de Saúde (SUS), agrega o incremento do desenvolvimento científico e tecnológico em sua área de atuação 8. Outro complicador decorre do fato de que, a par do financiamento insuficiente, os últimos anos foram tempos de desinvestimento e sucateamento das agências de fomento.

Considerando o papel central da P&D/S no presente contexto de pandemia, esse trabalho objetivou mapear as oportunidades de financiamento de pesquisa em saúde desencadeadas para o enfrentamento da COVID-19 no Brasil, em termos das áreas priorizadas, fontes financiadoras e volumes financeiros.

MÉTODO

Trata-se de estudo exploratório, transversal, baseado em fontes públicas de dados com acesso irrestrito na internet, adaptado segundo trabalho de Silva e Caetano 9 com foco especificamente no financiamento de pesquisas em saúde relacionadas à COVID-19.

A pesquisa de dados incluiu múltiplas fontes. Realizada entre 20 a 23 de abril de 2020, envolveu buscas diretas e identificação de documentos públicos, principalmente chamadas e/ou editais de financiamento.

As ações de apoio financeiro e científico frente à pandemia COVID-19 foram levantadas nos sítios da internet das instâncias brasileiras federais ligadas ao fomento de Ciência e Tecnologia (C&T): Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Outra fonte pública de pesquisa em saúde também examinada foi a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que tradicionalmente tem financiamentos próprios para a P&D/S, como parte de seu orçamento institucional.

Ademais, foi realizada busca no portal do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa em https://confap.org.br/pt/faps, que permite acessar e identificar iniciativas de fomento à pesquisa e desenvolvimento (P&D) nos sítios eletrônicos de cada uma das vinte e seis Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP) das unidades federativas do país.

Complementarmente, foram também mapeadas iniciativas de apoio ao financiamento de pesquisas na internet, que incluem algumas ações pontuais oriundas dos setores privado ou público, identificadas no sítio de pesquisa Google. Foi realizada busca assistemática, usando como palavras-chave uma combinação dos termos: “financiamento de pesquisa e desenvolvimento”, “pesquisa e inovação”, “epidemia pelo coronavírus”, “SARS-CoV-2”, “coronavírus” e “COVID-19”.

Todos os documentos públicos foram sistematizados e organizados em planilha eletrônica por meio do aplicativo Microsoft Excel ®. Essa etapa envolveu a apuração dos valores financiados. Quando em moeda estrangeira, foi feita conversão usando o conversor do Banco Central do Brasil, disponível em https://www.bcb.gov.br/. As análises foram feitas por meio de estatística descritiva.

Os objetos de financiamentos dos editais foram categorizados segundo grandes áreas e linhas temáticas específicas contempladas no Quadro 1, elaborado a partir de adaptação da plataforma internacional de pesquisa The Global Health Network10 e construído a posteriori, a partir do exame cuidadoso de cada edital/chamada identificado.

Quadro 1
Categorias das áreas temáticas identificadas nos editais e/ou chamadas públicas para financiamento de pesquisa científico-tecnológica e inovação em saúde no enfrentamento à COVID-19.


RESULTADOS

Foram identificadas 23 oportunidades de financiamento de P&D/S para enfrentamento à COVID-19, muitas delas tratadas como ações emergenciais no contexto pandêmico, que envolveu 20 diferentes agentes de financiamento. O valor total apurado para este financiamento foi de R$ 337.460.612,00, dos quais 29,0% oriundos de instituições públicas estaduais (FAP) e 9,6% de instâncias privadas, enquanto o restante se refere a organismos públicos da esfera federal.

A CAPES sozinha respondeu por pouco mais de 1/3 dos volumes financeiros (R$ 110.425.600,00), que somados a outras quatro instituições — CNPq, Fiocruz, Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) — corresponderam a quase 75% dos valores totais ( Tabela 1).

Tabela 1
Valores previstos pelas agências de fomento/órgão financiador de pesquisas científicas, desenvolvimento tecnológico e inovação para enfrentamento da COVID-19, Brasil, até 23 de abril de 2020.

CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; FAPDF: Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal; FAPERJ: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro; Fiocruz: Fundação Oswaldo Cruz; FAPESP: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo; Finep: Financiadora de Estudos e Projetos; SENAI: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial; FA: Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná; ABDI: Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial; FAPERGS: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul; EMBRAPII: Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial; FAPEMIG: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais; Sebrae: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; Enap: Escola Nacional de Administração Pública; FAPEAM: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas; FAPESQ: Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba; FAPESB: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia. * Os valores da empresa Vale S.A foram de USD 1,000,000.00, convertidos a reais em 23/04/2020 no conversor do Banco Central do Brasil (1 USD = R$ 5,4461), disponível em https://www.bcb.gov.br/. ** Identificação do fomento realizada por meio de levantamento no portal da instituição a partir de informação verificada após pesquisa no Google.

A CAPES, órgão vinculado ao Ministério da Educação, lançou o “Programa Estratégico Emergencial de Combate a Surtos, Endemias, Epidemias e Pandemias”, com objetivo de incrementar a formação de recursos humanos qualificados e financiar projetos de pesquisa frente à COVID-19. O programa está estruturado em duas vertentes, das quais a primeira, as “Ações Estratégicas Emergenciais Imediatas”, para concessão emergencial de bolsas de mestrado e doutorado no âmbito dos programas de pós-graduação stricto sensu para pesquisas estritamente relacionadas à epidemia. A segunda, as “Ações Estratégicas Emergenciais Induzidas em Áreas Específicas”, consiste no lançamento de três editais para submissão de projetos temáticos: Edital de Seleção Emergencial nº 09/2020 – Epidemias; Edital de Seleção Emergencial nº 11/2020 – Fármacos e Imunologia, e Edital de Seleção Emergencial nº 12/2020 – Telemedicina e Análise de Dados Médicos 11, 12, 13.

O CNPq, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e instância tradicional no fomento às pesquisas no Brasil, ofertou a chamada 14 MCTIC/CNPq/FNDCT/MS/SCTIE/Decit nº 07/2020. Os recursos totais foram de R$ 50.000.000,00, tendo como fonte o MCTIC (com R$ 30.000.000,00) e a diferença provida pelo Ministério da Saúde (MS). A chamada conjunta envolveu sete temas ou linhas de pesquisa que, além da abordagem de enfrentamento à COVID-19, incluíram em seu escopo pesquisas sobre outras síndromes respiratórias agudas graves.

Ressalta-se ainda a Fiocruz, autarquia federal integrante do MS, que lançou, por intermédio do Programa Fiocruz de Fomento à Inovação “Inova Fiocruz”, dois editais temáticos de emergências, um que busca trazer ações, decisões e respostas rápidas e o outro para selecionar propostas para a geração de conhecimento visando o entendimento da doença.

E mais, a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), vinculada ao Ministério da Economia, lançou edital de financiamento na forma “Desafios para o enfrentamento à COVID-19”, visando capitanear soluções inovadoras para combater a nova doença.

A Finep, também ligada ao MCTIC, lançou juntamente com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), um edital de pesquisa para o desenvolvimento de tecnologias para produtos, serviços e processos para o combate à COVID-19, com valores na ordem de R$ 20.000.000,00 (50% para cada) 15. Os recursos são para empresas no estado de São Paulo que pretendam desenvolver processos e serviços inovadores para disponibilizar produtos no mercado de forma emergencial e célere. Além disso, a FINEP lançou Seleção Pública de subvenção econômica à inovação para desenvolvimento de soluções inovadoras relacionadas a equipamentos e sistemas de proteção individual (EPI) e coletiva (EPC), visando a segurança biológica e proteção de equipes da cadeia de atendimento médico-hospitalar.

Das 26 Fundações de Amparo à Pesquisa presentes nos estados e Distrito Federal (exceto Roraima), nove envidaram esforços com aporte de recursos financeiros para promover a P&D/S relacionada à COVID-19. Algumas FAP, como a de Pernambuco, apesar de não terem lançado mão de novos recursos, publicou edital para redirecionar projetos contratados, anteriores à pandemia. A FAPERJ e a FAPESP promoveram suplementação para que pesquisas em curso também pudessem ser redirecionadas ao enfrentamento do novo coronavírus.

A FAPERJ publicou a chamada “Ação Emergencial Covid-19/SARS-COV-2 FAPERJ/SES”, dividida em três partes que abarcam diversas temáticas visando o fortalecimento de redes de pesquisa e o incentivo à empresas, tais como startups, micro, pequena e média empresas privadas 16.

Também foi observada participação de algumas empresas no fomento à pesquisa, com forte incentivo ao desenvolvimento tecnológico e inovação. A empresa Vale S.A e outras entidades com personalidade jurídica privada, mas sem fins lucrativos, como a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPPI), Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em parcerias entre si, marcaram papel importante ( Quadro 2).

Quadro 2
Agências de fomento/órgão financiador para pesquisas científicas, desenvolvimento tecnológico e inovação direcionadas ao enfrentamento da COVID-19 segundo instrumento e objetivo da chamada, Brasil, até 23 de abril de 2020.

CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; Enap: Escola Nacional de Administração Pública; Finep: Financiadora de Estudos e Projetos; FAPESP: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo; Fiocruz: Fundação Oswaldo Cruz; FA: Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná; FAPERJ: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro; FAPESB: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia; FAPEMIG: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais; FAPEAM: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas; FAPERGS: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul; FAPDF: Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal; FAPESQ: Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba; EMBRAPII: Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial; Sebrae: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; ABDI: Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial; SENAI: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. * Identificação do fomento realizada por meio de levantamento no portal da instituição a partir de informação verificada após pesquisa no Google.

Não foi possível distribuir o montante total de recursos identificados nos fomentos pelas temáticas específicas, exceto em situações particulares quando o edital e/ou chamada trazia definido, desde o princípio, o foco do financiamento, por exemplo: a seleção pública da Finep que era exclusiva para financiamento de EPI e EPC 17. Isso porque a grande maioria dos processos seletivos está em curso e ainda não possui resultados das pesquisas que serão efetivamente financiadas, cuja informação seria condição para a distribuição em questão.

No que diz respeito às categorias de temáticas apuradas nos editais e/ou chamadas públicas para financiamento de pesquisa científico-tecnológica e inovação em saúde no enfrentamento à COVID-19, foi observado que todas as oito grandes áreas contaram com presença de financiamentos.

Destacam-se, em ordem de predominância, as seguintes linhas temáticas: aplicação das tecnologias de telecomunicação e informação (TIC); testes diagnósticos; prevenção e redução do contágio e telemedicina; medicamentos, vacinas e produtos imunobiológicos; epidemiologia; e políticas, sistemas de redes e serviços de saúde. A categoria “outros” envolveu maciçamente editais e/ou chamadas dirigidos ao pagamento de bolsas, que também contribui para o esforço de P&D/S ( Tabela 2).

Tabela 2
Grandes áreas e linhas temáticas nos editais e/ou chamadas públicas para financiamento de pesquisa científico-tecnológica e inovação em saúde no enfrentamento da COVID-19, Brasil, até 23 de abril de 2020.

TIC: Tecnologia da informação e comunicação. * Percentual calculado em relação ao total de 23 ocorrências de financiamento de pesquisa e desenvolvimento tecnológico em saúde.

Diversas FAP (Amazonas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo) estimularam oportunidades de fomento relacionadas à pesquisa científica e tecnológica sobre as TIC, que permite o desenvolvimento de ações de apoio aos serviços de saúde. Muitas envolviam desenvolvimento de aplicativos e metodologias educacionais ou equipamentos, com vistas a desenvolver tecnologias para melhoria da formação e assistência à saúde. Ressalta-se também ações para soluções digitais envolvendo inteligência artificial; internet das coisas; aplicativos para polícia, bombeiros, médicos e enfermeiros, e aplicativos para serviços públicos de suporte à saúde, muito atrelados ao desenvolvimento tecnológico. Essa temática específica também esteve fortemente presente nos financiamentos privados, que por meio de “desafios” (como Enap e Vale S.A.) buscavam o desenvolvimento de soluções tecnológicas para o monitoramento (inclusive comportamental), controle e prevenção durante o contexto pandêmico.

A temática da telemedicina também mereceu destaque. A CAPES publicou edital emergencial específico (Edital nº 12/2020) diretamente relacionado a aplicações da telemedicina, como na radiologia e análise de dados médicos para diagnóstico e auxílio a tomadas de decisão. Os agentes de financiamento indicaram fomento para melhorias nos serviços remotos de saúde voltados à expansão do diagnóstico, tratamento, prevenção e demais atividades que conduzam à escalabilidade do atendimento; envolvendo operação remota de ressonância magnética e tomografia computadorizada e mecanismos de apoio a pacientes em confinamento domiciliar ou quarentena hospitalar, dentre outros.

Como esperado, insumos para o enfrentamento da COVID-19 — testes diagnósticos, fármacos (novos e outros com nova indicação terapêutica) e novas vacinas e imunobiológicos — obtiveram bastante destaque. A Fiocruz, CNPq, diversas FAP (Amazonas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo) e outras instâncias privadas se mobilizaram neste sentido (Vale S.A, SENAI, ABDI, EMBRAPII e Sebrae). Em geral, o fomento tem intenção de promover esforços para ampliar oferta de novos testes diagnósticos. Além disso, observaram-se ações para agilização da capacidade técnica na produção, incluindo redução do tempo entre a coleta do material e resultado do teste, e estudos de acurácia diagnóstica.

O desafio de desenvolver medicamentos e produtos imunobiológicos (vacinas) implica na identificação de candidatos terapêuticos, seja pelo reposicionamento de medicamentos e esquemas já existentes contra a COVID-19 (por exemplo: cloroquina, hidroxicloroquina, nitazoxanida etc.), seja pelo desenvolvimento de novos protótipos de fármacos antivirais e outras formulações. As vacinas preventivas e/ou terapêuticas também representaram campo de muito investimento, sendo considerada outra ferramenta estratégica. Os estudos pré-clínicos e/ou clínicos envolvidos no desenvolvimento de vacinas e medicamentos fizeram parte dessa temática. Diversas instâncias formularam editais e chamadas com esse foco, tais como CNPq, Fiocruz, FAPESP. A CAPES 12 lançou o Edital emergencial nº 11/2020, com foco no estudo de fármacos, vacinas e produtos imunobiológicos para a COVID-19, no valor de R$ 25.844.000,00. Interessante destacar que não foi identificado qualquer fomento oriundo do setor privado especificamente mencionando medicamentos e vacinas, ainda que o objeto de alguns sejam genéricos e possam, na análise e decisão, vir a contemplar essa temática.

Equipamentos médicos, como ventiladores mecânicos, se mostram extremamente necessários no enfrentamento, face a sua utilização na emergência sanitária. Possibilidades de financiamento, como os da empresa Vale S.A (chamada desafio COVID-19) 18 e da parceria entre FAPESP e Finep, condicionavam subsidiar as pesquisas inovativas para produtos e equipamentos médicos, desde que estas estivessem em estágio de maturidade para rápida entrada no mercado.

Ações para desenvolvimento de equipamentos e sistemas de proteção individual e coletiva, visando a segurança biológica e proteção de equipes da cadeia de atendimento médico-hospitalar, tiveram por foco o desenvolvimento de soluções inovadoras. A Finep envidou esforços diretos nessa temática, por meio de seleção pública, com subvenção econômica específica de R$ 5.000.000,00 para empresas. Outros agentes, como FAPERJ, CNPq, Enap e o setor privado, também buscaram destinar recursos.

Ampliação do conhecimento epidemiológico sobre a COVID-19 foi alvo de financiamentos de todos os agentes públicos federais e de algumas FAP. Os editais têm por foco subsidiar estudos epidemiológicos capazes de acompanhar a disseminação da doença e sua contenção e ações relevantes para a vigilância em saúde. Outro destaque foi a iniciativa do governo do estado do Rio Grande do Sul e outros agentes, intermediados pelo Instituto Serrapilheira, com valores de R$ 1.000.000,00, que encomendou estudo à Universidade Federal de Pelotas (com outras universidades do estado) para levantamento sobre a prevalência de infecção pelo SARS-CoV2 19.

O enfrentamento à epidemia tem desafiado os sistemas de saúde de todas as esferas, tendo em vista o ambiente desconhecido que as redes de saúde, em suas diversas dimensões, enfrentam. A FAP do Estado do Rio Grande do Sul, FAPESP, CNPq e Fiocruz foram instituições públicas que aplicaram recursos nesta temática. Questões de acesso, rede de serviços de assistência, cuidado em saúde, tanto de paciente como dos profissionais que estão na linha de atendimento, foram elencados como foco para o desenvolvimento de estudos, bem como elementos de gestão, como eficiência e efetividade do sistema de saúde.

DISCUSSÃO

A palavra “crise”, quando escrita em chinês, é composta por dois caracteres, um representando perigo e outro, oportunidade. Ainda que essa percepção seja considerada equivocada, no caso da pandemia em curso, investimentos em P&D/S podem tornar tal analogia menos irrealista.

Certamente, o caráter de uma nova doença antes inexistente, sua extensão, que já atingiu 214 países, magnitude em termos de casos e óbitos, e a grande dificuldade encontrada por todos os sistemas de saúde para seu enfrentamento contribuem para relevância que a P&D/S relacionada à COVID-19 tem recebido em termos de estímulo e incentivo financeiro por todo mundo, desde o início da pandemia. Nesse esforço, a OMS se destaca, a partir da mobilização do P&D Blueprint, um plano global de estratégia e preparação, iniciado com a epidemia de Ebola na África e depois com o Zika vírus. Esse plano permite a rápida ativação de atividades de P&D durante epidemias e visa melhorar a coordenação entre cientistas e profissionais de saúde de todo mundo, acelerando o processo e desenvolvendo novas normas e padrões para aprender e melhorar a resposta global 20. Nesse sentido e considerando o impacto que a epidemia tem causado (e ainda é esperado causar), no contexto nacional, verifica-se que iniciativas nacionais de P&D/S estão começando a se multiplicar, mesmo considerando o curto espaço de tempo desde o início da pandemia.

Sobre o volume de fomentos em P&D/S para a COVID 19 — R$ 337.460.612,00 —, alguns aspectos merecem ser trazidos à discussão, para sua melhor contextualização. Dispêndios (federais, estaduais e empresariais) em P&D no Brasil contabilizaram, segundo o MICTC, valores de R$ 82,8 bilhões em 2017 (0,82% do produto interno bruto), todavia, com tendência decrescente desde 2015. Os dispêndios públicos somaram R$ 41,2 bilhões, dos quais R$ 25,7 bilhões tiveram origem federal, sendo 55,8% do Ministério da Educação e 17,7% do MCTIC. O MS respondeu por R$ 2,165 bilhões (8,4% dos dispêndios federais) 21.

Dentre os financiadores da P&D/S no Brasil, o MS tem desempenhado papel crescente como construtor de política e financiador nesse setor desde 2005. Buscas realizadas na Plataforma Pesquisa Saúde sobre o financiamento global direto em pesquisa em saúde mostram que houve investimento global (na forma de contratação direta, fomento descentralizado: Programa Pesquisa para o SUS – PPSUS e fomento nacional) de R$ R$ 1.340.329.324,49 entre 2005 e 2019 em valores correntes. Entretanto, observa-se tendência declinante ao longo do tempo tanto no número de pesquisas financiadas quanto no fomento — R$ 635.429.763,28 (2.703 pesquisas) de 2005 a 2009, R$ 390.212.471,51 (1.746) de 2010 a 2014, e R$ 314.687.089,70 (937 pesquisas) de 2015 a 2019 22. Ainda que possam parecer pequenos, os valores aplicados em P&D/S no Brasil relacionados à COVID-19, por todos os agentes financiadores, incluindo os privados, do início da epidemia até 23 de abril representam seis vezes todo valor investido em P&D/S pelo MS em 2019 (R$ 55.815.609,24) identificado nessa base.

A grande maioria dos recursos direcionados a essa P&D/S provém de fontes públicas, com destaque para a Capes e o CNPq, que juntos somaram 47,5% do total de investimentos e historicamente são importantes financiadores da pesquisa setorial. O MS, contudo, foi responsável por valores bastante pequenos: R$ 20.000.000,00 na Chamada MCTIC/CNPq/FNDCT/MS/SCTIE/Decit nº 07/2020 14 e outros R$ 30.000.000,00 via editais da Fiocruz.

Aspecto importante a ser assinalado sobre essa participação é matéria veiculada no Jornal Valor Econômico de 9 de março de 2020, em que o Ministro da Saúde à época, Luiz Henrique Mandetta, declarou que “sem recursos, o país ficará fora da pesquisa contra o vírus” e que não entraria “na corrida pelo desenvolvimento de uma vacina ou retroviral, onde já há outros países na vanguarda”. O ex-ministro argumentou que diversos agentes e países (Banco Mundial, EUA e Comunidade Europeia) vinham investindo recursos da ordem de bilhões de dólares nessa pesquisa, advogava que seria de pouco valor o país utilizar seus limitados recursos de ciência para atuar “em redundância” com megalaboratórios, devendo “preparar seu parque tecnológico para, no momento em que a vacina for desenvolvida, ter a capacidade de produzi-la” 23. Posição certamente complicada de ser defendida, como assinalou Reinaldo Guimarães, ex-secretário de Ciência e Tecnologia do MS entre 2007 e 2010, que seria pouco razoável esperar que o Brasil tenha direito de comercializar novos produtos patenteados que cheguem ao mercado para o enfrentamento da epidemia ou que um país não envolvido no esforço global de P&D de insumos diagnósticos, terapêuticos ou de vacinas poderá ter capacidade de produzi-los industrialmente 24.

Interessante ainda que essa postura do MS seja bastante diversa daquela presente à época do surto de Zika vírus, ocorrido em 2015, quando foi organizado grande esforço intersetorial, com a participação de diversas pastas das diferentes esferas de governo, comunidade acadêmica, indústria e sociedade civil. Nesse momento, ocorreu alinhamento dos esforços dos institutos de pesquisa. Isso propicia otimização dos recursos financeiros e reduz duplicidades em situações emergenciais, fortalecendo, assim, o enfrentamento e a implantação de políticas públicas.

Em resposta a essa manifestação do MS, um conjunto de entidades científicas (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Federação das Sociedades de Biologia Experimental, Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Sociedade Brasileira de Bioética) solicitou em carta ao secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde, que o MS incorporasse e financiasse emergencialmente ações no campo da P&D/S entre as prioridades na aplicação dos recursos financeiros extraordinários anunciados para enfrentar a epidemia, chegando a sugerir valores (R$ 100.000.000,00) a serem distribuídas em projetos de resposta rápida e à pesquisa translacional 25.

Traduzir conhecimento em ação não é trivial e requer desenvolvimento de medidas colaborativas de construção de conhecimento entre agentes de interesse que envolvam a interface entre pesquisadores, formuladores de políticas e comunidades 26.

A posição de abdicação do esforço de pesquisa relacionada à COVID-19 enunciada pelo MS pode ter tido repercussões desfavoráveis fora fronteiras nacionais. A pandemia tem reforçado a necessidade de acelerar o desenvolvimento de vacinas contra o SARS-CoV-2, considerada fundamental para o controle futuro dessa doença, e a OMS mobilizou ampla coalizão de cientistas, pesquisadores e parceiros industriais para desenvolver e avaliar imunobiológicos. Sete vacinas, das mais de 120 candidatas, já estão em avaliação clínica e 82 em avaliação pré-clínica. Em fins de abril, a OMS fez uma reunião para discutir que a vacina a ser desenvolvida receba distribuição igualitária, com objetivo de garantir que todas as pessoas tenham acesso a preços acessíveis, evitando a especulação financeira. Porém, o Brasil não foi convidado a participar e não assinou a declaração pública de colaboração no desenvolvimento da vacina COVID-19 27. Ainda assim, alguns dos editais/chamadas oriundos apenas das esferas públicas incluem P&D/S relativo à vacina como um de seus objetos de interesse 12, 14.

Oito prioridades de ação imediata em termos de P&D/S para a COVID-19 foram estabelecidas, considerando as lacunas de conhecimento existentes e as necessidades para seu enfrentamento 28. Todas as áreas temáticas objeto de editais e chamadas identificadas neste trabalho estão entre elas, com destaque para algumas linhas específicas.

Há profusão de financiamentos direcionados a insumos para o enfrentamento da COVID-19, que certamente se baseia no fato de que testes diagnósticos, falta de terapias eficazes e de uma vacina para o SARS-CoV-2 tem sido um dos maiores entraves no cenário pandêmico. Destaca-se que essas intervenções têm impacto direto, com respostas mais efetivas nos índices de morbidade e mortalidade. Ademais, representam produtos passíveis de resultarem em fortalecimento da capacidade produtiva nacional, o que guarda relação com sua presença nas chamadas de agentes como Finep e Vale S.A.

Outro tema muito abordado na crise sanitária são os EPI e EPC – estratégicos para proteção de profissionais de saúde, pacientes, equipes de limpeza, agentes de segurança pública, transporte de pacientes, trabalhadores essenciais e o público em geral –, que inclui a desinfecção de ambientes e de utensílios e que foram objeto de editais como o da Finep, Enap, SENAI, Fiocruz etc.

Em tempos da COVID-19, foi predominante nas temáticas de financiamento o fomento para emprego das TIC, que somadas à telemedicina, são áreas que propiciam soluções inovadoras de prestação de serviços de saúde. Ambas, por meio de sua abrangência tecnológica, podem promover benefícios, como: integração de ferramentas computacionais de análise de dados médicos para diagnósticos; processamento de imagens e reconhecimento de padrões para interpretação de exames médicos à distância, sobretudo radiológicos; ferramentas para diagnósticos, por técnicas modernas de análise de dados e inteligência artificial; suporte à modelagem de dados médicos georreferenciados; teleconsultas de pacientes para monitoramento de parâmetros de saúde e/ou doença; apoio na educação em saúde. Isso é premente nas circunstâncias de isolamento social e quarentena forçada, medidas adotadas mundialmente durante a pandemia 29.

Algumas limitações são presentes, pois podem existir outros financiadores públicos e, sobretudo, privados não identificados ou que ainda poderão promover novos incentivos para a P&D/S. Assim, os resultados não reproduzem e nem refletem, necessariamente, o quadro para todo o investimento de pesquisa em saúde relacionado à COVID-19 no país. Os editais/chamadas foram as fontes de dados utilizadas na pesquisa, o que dita restrições em termos de informações disponíveis. Além disso, a grande maioria ainda não teve seus resultados de seleção anunciados, o que impossibilita examinar a distribuição efetiva dos dispêndios por área temática, que poderia ser o melhor indicativo do que efetivamente se priorizará em termos de P&D/S e COVID no Brasil.

CONCLUSÕES

A pandemia do novo coronavírus evidenciou o valor da ciência, da medicina e da saúde. A implementação da investigação no âmbito dessa tragédia social é fundamental tanto para compreender como combater esta doença, bem como para aprender a lidar com futuros surtos deste ou de outros agentes infecciosos. É necessário colocar diferentes questões em diferentes contextos e realizar os diversos tipos de estudos capazes de abordar aspectos prioritários para seu enfrentamento e mitigação de seus efeitos.

Foi relevante identificar que alguns esforços em P&D/S nessa área puderam ser desencadeados em curto prazo no contexto nacional, em que pesem os dispêndios serem pequenos, frente aos desafios postos.

Por outro lado, é importante manter na lembrança que a COVID-19 chegou ao Brasil depois de sucessivos cortes na ciência e na saúde universal, fortemente atacadas nos últimos anos. Investimentos em pesquisa nessa temática podem ajudar a aumentar a capacidade nacional de resposta e salvar vidas, mas se faz extremamente necessário que o país retome e amplie seus investimentos em C&T e, mais especificamente, em P&D/S, como forma de não se distanciar ainda mais dos países mais desenvolvidos e reduzir a dependência nacional e do SUS. Tarefa nada fácil em um contexto governamental que é fortemente contencionista e que sistematicamente, e desde antes do surgimento da COVID-19, ataca a ciência, a educação e a saúde. Urge, pois, reforçar a luta por recursos adequados para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, e para a saúde e educação no Brasil.

Material suplementar
Agradecimentos

O artigo foi apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no processo 305439/2017-4.

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Notas
Declaração de interesses
Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.

Autor notes
Contribuição dos Autores

Silva RM, Caetano R, Silva AB - Concepção, planejamento (desenho do estudo) e redação do trabalho. Guedes ACCM, Santos DL, Nepomuceno CC, Ribeiro GR - Aquisição, análise, e interpretação dos dados. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.

* E-mail:rondineli.mendes@gmail.com

Quadro 1
Categorias das áreas temáticas identificadas nos editais e/ou chamadas públicas para financiamento de pesquisa científico-tecnológica e inovação em saúde no enfrentamento à COVID-19.


Tabela 1
Valores previstos pelas agências de fomento/órgão financiador de pesquisas científicas, desenvolvimento tecnológico e inovação para enfrentamento da COVID-19, Brasil, até 23 de abril de 2020.

CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; FAPDF: Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal; FAPERJ: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro; Fiocruz: Fundação Oswaldo Cruz; FAPESP: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo; Finep: Financiadora de Estudos e Projetos; SENAI: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial; FA: Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná; ABDI: Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial; FAPERGS: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul; EMBRAPII: Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial; FAPEMIG: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais; Sebrae: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; Enap: Escola Nacional de Administração Pública; FAPEAM: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas; FAPESQ: Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba; FAPESB: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia. * Os valores da empresa Vale S.A foram de USD 1,000,000.00, convertidos a reais em 23/04/2020 no conversor do Banco Central do Brasil (1 USD = R$ 5,4461), disponível em https://www.bcb.gov.br/. ** Identificação do fomento realizada por meio de levantamento no portal da instituição a partir de informação verificada após pesquisa no Google.
Quadro 2
Agências de fomento/órgão financiador para pesquisas científicas, desenvolvimento tecnológico e inovação direcionadas ao enfrentamento da COVID-19 segundo instrumento e objetivo da chamada, Brasil, até 23 de abril de 2020.

CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; Enap: Escola Nacional de Administração Pública; Finep: Financiadora de Estudos e Projetos; FAPESP: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo; Fiocruz: Fundação Oswaldo Cruz; FA: Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná; FAPERJ: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro; FAPESB: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia; FAPEMIG: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais; FAPEAM: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas; FAPERGS: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul; FAPDF: Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal; FAPESQ: Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba; EMBRAPII: Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial; Sebrae: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; ABDI: Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial; SENAI: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. * Identificação do fomento realizada por meio de levantamento no portal da instituição a partir de informação verificada após pesquisa no Google.
Tabela 2
Grandes áreas e linhas temáticas nos editais e/ou chamadas públicas para financiamento de pesquisa científico-tecnológica e inovação em saúde no enfrentamento da COVID-19, Brasil, até 23 de abril de 2020.

TIC: Tecnologia da informação e comunicação. * Percentual calculado em relação ao total de 23 ocorrências de financiamento de pesquisa e desenvolvimento tecnológico em saúde.
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