RESUMO
Introdução: O reúso de dispositivos médicos de uso único é uma realidade mundial e envolve questões técnicas, éticas, econômicas e ambientais.
Objetivo: Analisar o controle sanitário do reúso de dispositivos de uso único, exercido pela vigilância sanitária (Visa) em alguns estados brasileiros.
Método: Estudo descritivo, de casos múltiplos, constituído pelas Visa de alguns estados brasileiros, que aceitaram participar do estudo.
Resultados: As vigilâncias estudadas não fazem planejamento das ações de controle sanitário dos serviços de saúde, nem do reúso de produtos de uso único; tampouco utilizam algum método de avaliação dessas práticas e capacitação específica de seus profissionais. Desconhecem a situação do reúso de produtos de uso único nos hospitais de grande porte dos seus respectivos estados.
Conclusões: Os dados indicam que o reúso de produtos de uso único tem implicações para o controle sanitário a ser exercido pelo Estado e que a relevância da problemática requer ações de planejamento, sistematização e monitoramento, bem como qualificação dos profissionais de Visa para a efetiva prevenção de danos relacionados ao reúso desses dispositivos.
Palavras chave: Equipamentos Médicos, Dispositivos Médicos, Processamento, Regulação.
ABSTRACT
Introduction: The reuse of single-use medical devices is a global reality and involves technical, ethical, economic, and environmental issues.
Objective: To analyze the sanitary control of the reuse of single-use devices exercised by health surveillances (Visa) in some Brazilian states in Brazil.
Method: Descriptive study of multiple cases, consisting of health surveillances of some Brazilian states, which agreed to participate in the study.
Results: The surveillances studied do not plan the sanitary control actions of health services, nor the reuse of single-use products; nor do they use any method of evaluating these practices and specific training of their professionals. They are unaware of the situation of the reuse of single-use products in large hospitals in their respective states.
Conclusions: Data indicate that the reuse of single-use products has implications for the sanitary control to be exercised by the State and that the relevance of the problem requires planning, systematization and monitoring actions, as well as qualification of health surveillance professionals for the effective prevention of damage related to the reuse of these devices.
Keywords: Medical Equipment, Medical devices, Reprocessing, Regulation.
ARTIGO
Controle sanitário do reúso de dispositivos médicos de uso único: um estudo de caso
Sanitary control about reuse of single-use medical devices: a case study
Recepção: 08 Setembro 2019
Aprovação: 07 Maio 2020
O gerenciamento dos serviços de saúde apresenta desafios com respeito à qualidade e à segurança do cuidado assistencial. Esses serviços, especialmente os hospitalares, progressivamente incorporam um imenso arsenal de drogas, equipamentos, dispositivos médicos e produtos elaborados para acompanhar a complexidade da assistência à saúde, que demandam do Estado, notadamente da vigilância sanitária, tanto os aparatos regulatórios, quanto a expertise necessária para o controle sanitário dessas instituições 1, 2.
Dispositivos médicos respondem por uma parcela significativa das tecnologias duras e leves-duras nos serviços de saúde. São produtos amplamente utilizados em todos os ramos da saúde para diagnosticar, tratar ou prevenir doenças, definidos pelos fabricantes como reusáveis ou de uso único. Os reusáveis são considerados bens duráveis e sua reutilização requer a ação de processamento, processo de muitas etapas que consiste em converter um produto contaminado em um dispositivo pronto para o uso 3, 4, 5, 6, 7, 8.
Os produtos de uso único são produzidos para serem usados somente uma vez, em um único paciente. Surgiram, a partir dos anos 1960, com o desenvolvimento tecnológico e o surgimento dos novos polímeros plásticos, que transformaram a indústria médica de produtos constituídos por materiais mais resistentes como vidro, borracha e aço inoxidável e de uso múltiplo, para o paradigma de produtos de pronto uso e declarados pelo fabricante como de produtos de uso único, possibilitando novas técnicas diagnósticas e cirúrgicas, como os procedimentos laparoscópicos e endovasculares 9, 10, 11, 12, 13.
Entretanto, muitos hospitais começaram a processar e a reusar esses materiais para economizar custos e reduzir resíduos tóxicos biodegradáveis, gerados pelo descarte desses produtos, afetando favoravelmente o meio ambiente. Assim, desde a década de 1970, relata-se o reúso desses produtos em todo o mundo, mesmo em países desenvolvidos, inclusive naqueles onde o processamento é proibido 14, 15, 16.
Esta tendência tem intensificado debates e considerações sobre segurança do paciente, consentimento informado, questões econômicas, ambientais, legais, éticas e aspectos regulatórios para fabricantes e processadores que denotam interesses distintos por parte dos atores políticos envolvidos: Estado, fabricantes de produtos, serviços de saúde, academia, profissionais de saúde, associações de classe e usuários 17, 18.
São muitos os argumentos que advogam a favor e contra o reúso de produtos de uso único 19. Os favoráveis o justificam pelos impactos positivos nos custos e no meio ambiente, ao reduzir o volume de resíduos oriundos dos cuidados de saúde. Os críticos do reúso arguem que esses produtos não são designados para múltiplos usos e que existem riscos de transmissão de infecção e de endotoxinas, inconfiabilidade funcional e de quebra da integridade do produto ou bioincompatibilidade 13, 14, 18, 19.
Embora o processamento e o reúso de produtos de uso único possuam um risco teórico para a saúde, evidências clínicas afirmam que certos produtos podem ser seguramente processados 3, 4, 5, 6, 7, 11, 12, 13, 15, 18, 20, 21. Todavia, isto não significa que o processamento desses produtos seja sempre seguro 20.
No Brasil, o processamento de produtos de uso único é uma realidade nos serviços de saúde e dados nacionais revelam que essas práticas são comuns em todas as regiões do país, independentemente do porte e da entidade mantenedora dos hospitais. Os protocolos de reúso são adotados em poucas instituições, na maioria de forma inadequada, o que representa riscos para os pacientes desses produtos e desafios às atuais regulamentações no país 21, 22, 23, 24.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o órgão responsável pela regulação do processamento de dispositivos médicos. Em 2006, foram editadas três normativas: i) Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 156, de 11 de agosto, que dispõe sobre o registro, rotulagem e reprocessamento de produtos médicos 25; ii) Resolução Especial (RE) nº 2.605, de 11 de agosto, que estabelece uma relação de 66 produtos de uso único proibidos de reprocessamento no país 26, e iii) RE nº 2.606, de 11 de agosto, que define as diretrizes para elaboração, validação e implantação de protocolos de reprocessamento de produtos médicos 27.
A despeito de muitas críticas, estas normativas permanecem em vigência. Em dezembro de 2018, a Anvisa publicou três Consultas Públicas: i) nº 584 28, que trata do enquadramento de dispositivos médicos como de uso único ou reutilizável e entre outras disposições, admite o reúso de dispositivos médicos de uso único desde que o serviço de saúde ou a empresa processadora cumpra os requisitos de boas práticas para o processamento; ii) nº 585 29, que dispõe sobre boas práticas para o processamento de produtos e iii) nº 586 30, que normatiza diretrizes de validação e monitoramento dos processos de limpeza e esterilização de dispositivos médicos. Essas Consultas, que ainda não tiveram resultados, propõem a revogação das normativas de 2006.
Nesse cenário de incremento mundial de dispositivos médicos nos cuidados de saúde, a regulação e o controle sanitário do uso e reúso dessas tecnologias têm papel crucial na implementação de práticas seguras e de prevenção de eventos adversos relacionados a esses produtos. Esse estudo teve como objetivo analisar o controle sanitário do reúso de produtos de uso único exercido pelas Vigilâncias Sanitárias (Visa) estaduais brasileiras.
Trata-se de um estudo de avaliação, descritivo, de casos múltiplos 31, holístico, constituído pelas Visa estaduais brasileiras. O critério de inclusão da Visa foi o de pertencer ao maior estado, em termos populacionais, de cada uma das cinco regiões do país e o de exclusão foi o oposto, isto é, Visa dos menores estados das cinco regiões do país, também em termos populacionais.
Os serviços que não aceitaram participar e não justificaram o motivo foram substituídos por aqueles do segundo maior estado de cada região. Participaram do estudo os serviços de Visa dos estados de três regiões do país: Nordeste, Norte e Sul.
Após identificação e seleção das Visa, cada serviço estadual foi contatado preliminarmente, mediante ligação telefônica, para expor os objetivos da pesquisa, obter concordância com a participação do estudo e definir a data para a coleta de dados.
A produção de dados foi realizada por meio de comunicação online e constou dos seguintes instrumentos: 1) Entrevista telefônica com o coordenador/responsável pela área de controle sanitário de serviços de saúde e 2) Envio por meio eletrônico de um questionário semiestruturado com perguntas fechadas e com margem para respostas abertas para ser respondido pelos profissionais indicados pelo coordenador.
Com o questionário foi enviado um texto explicando a natureza da pesquisa e das questões do instrumento e sua importância e a necessidade das respostas, com o objetivo de despertar interesse do participante, para preenchimento e devolução do questionário no prazo de 10 dias da data do envio.
Cada instituição participante recebeu, também por e-mail, os seguintes documentos: uma carta destinada à direção, ratificando os objetivos da pesquisa e um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) com os termos da entrevista. Os profissionais participantes assinaram e devolveram o TCLE.
Para avaliar o controle sanitário do reúso de dispositivos médicos de uso único, realizado pelas Visa estaduais, utilizou-se as seguintes categorias analíticas: 1) Ações de planejamento do controle sanitário de serviços de saúde (SS); 2) Infraestrutura relacionada a pessoal (número de profissionais destinados ao controle sanitário do processamento de dispositivos médicos e capacitação técnica) e 3) Atividades técnico-operacionais.
O questionário constou de duas partes: a primeira buscou caracterizar a Visa e sua estrutura organofuncional e a segunda foi elaborada segundo as categorias de análise, tendo como padrão ouro as normativas da Anvisa que regulam o assunto 25, 26, 27. A coleta de dados foi realizada no período de outubro de 2018 e, após a organização dos dados, procedeu-se às análises qualitativa e quantitativa.
Neste estudo, foi utilizado o termo dispositivo médico como sinônimo de produto para saúde, em conformidade com a nomenclatura adotada pela Anvisa. Foram utilizados também como sinônimos os termos reprocessamento ou processamento de produtos, a despeito das considerações sobre suas diferenças.
Os casos múltiplos deste estudo são representados por três serviços estaduais de Visa que atenderam aos critérios de inclusão e que aceitaram participar do estudo. Para preservação do anonimato aqui são denominadas Visa 1, Visa 2 e Visa 3.
Este artigo resulta de um estudo de pós-doutorado, submetido e aprovado pela Plataforma Brasil CAAE: 87968718.0.0000.0057.
Os três serviços de Visa estudados possuem uma estrutura organofuncional inserida nas secretarias de saúde dos respectivos estados e respondem como: Diretoria de Vigilância Sanitária e Ambiental, Departamento de Vigilância Sanitária e Divisão de Vigilância Sanitária, respectivamente, conforme as especificidades administrativas de cada estado.
Cada uma das Visa estrutura suas competências e responsabilidades sob a forma de coordenações, gerências ou núcleos, para desenvolver a vigilância sanitária de serviços de saúde, de produtos, tecnovigilância em saúde e engenharia, além de contar com setores administrativos de apoio para a realização de suas atividades.
A composição dos trabalhadores dos casos estudados é distinta, com um total de profissionais em torno de 403, 52 e 46, respectivamente Visa 1, 2 e 3. O Quadro 1 detalha o perfil dos profissionais destinados às ações de controle sanitário de serviços de saúde.
Os dados revelam disparidades acerca do número de profissionais responsáveis pelo controle sanitário dos serviços de saúde, possivelmente em função do quantitativo populacional e das especificidades das Visa pesquisadas. Observou-se variação de 240 a seis profissionais lotados na coordenação/gerência ou núcleos de controle sanitário de serviços de saúde, conforme as distintas designações adotadas nas regiões estudadas; os técnicos lotados nesses serviços também respondem pelo controle do reúso de produtos de uso único.
As informações sobre as categorias profissionais responsáveis pelo controle sanitário estão incompletas nas Visa 1 e 2, mas, pelo exposto variam, destacando-se enfermeiros, odontólogos, nutricionistas e arquitetos, ratificando a multiprofissionalidade dos trabalhadores de Visa. Parte desses profissionais tem formação pós-graduada, observando-se que a falta desta informação é bastante expressiva na Visa 1. Segundo os informantes, nenhuma Visa estudada promoveu capacitação de seus quadros para as ações de controle sanitário do reúso de produtos de uso único.
Conforme o Quadro 2 as Visa estudadas não fazem planejamento para o controle sanitário dos serviços de saúde e nem têm plano específico de ações sobre o reúso de produtos de uso único; tampouco utilizam algum método de avaliação dessas práticas.
As normativas utilizadas quando da inspeção sanitária dos serviços de saúde são as resoluções sobre regulação de dispositivos médicos da Anvisa. A Visa 3 utiliza também as RDC nº 15, de 12 de março de 2012, e RDC nº 63, de 25 de novembro de 2013, que tratam das boas práticas de processamento de produtos e boas práticas de funcionamento de serviços de saúde, respectivamente. Entretanto, nenhum estado dispõe de norma suplementar própria para o controle sanitário do reúso de produtos de uso único.
Os profissionais entrevistados afirmaram: a) conhecer e utilizar a lista de produtos de uso único proscritos de serem processados no Brasil, segundo a RDC nº 2.605/2006 26; b) que o controle do reúso de produtos de uso único ocorre durante as inspeções rotineiras dos serviços de saúde, por uma equipe que inspeciona o hospital como um todo, com a utilização de um roteiro de inspeção; c) que as ações resultantes são notificação, recomendação, Auto de Infração e Auto de Apreensão dos produtos ( Quadro 2).
Segundo os profissionais, os fatores facilitadores do controle do reúso de produtos de uso único são a legislação vigente e as instruções de uso do fabricante do produto. Foram citados como fatores dificultadores: escassez de recursos para os serviços públicos de saúde, deficiências na capacitação para o entendimento do problema, fragilidades no funcionamento das Comissões de Controle das Infecções Hospitalares e Núcleos de Segurança do Paciente, bem como ausência de informações acerca de quantas vezes um produto de uso único pode ser reutilizado.
O Quadro 3 apresenta a situação sanitária do reúso de produtos de uso único em hospitais de grande porte.
Os dados indicam que as Visa estudadas desconhecem a situação sanitária do reúso de produtos de uso único nos hospitais de seus estados, que prestam assistência a pacientes de maior risco como os hospitais de grande porte, sejam essas organizações públicas, privadas ou hospitais da Rede Sentinela. Ademais, nenhuma elabora ou utiliza indicadores de reúso de produtos de uso único em seus estados, de modo a subsidiar ações de controle e adoção de medidas sanitárias relacionadas com o reúso desses produtos.
Este estudo revela que a problemática da reutilização de dispositivos médicos também é desafiadora para o estado, responsável pela segurança sanitária de seus cidadãos 21, 22, 23, 24.
O trabalho em Visa é considerado um serviço em saúde e como tal, requer definições acerca dos agentes, meios de trabalho e seus processos em função dos objetos específicos e deve se ancorar nos referenciais do planejamento, de modo a nortear, definir estratégias de ação e alcançar seus objetivos 32.
Observou-se que os serviços de Visa estudados atuam sem nenhum planejamento formalizado objetivando o controle sanitário dos serviços de saúde, e consequentemente, do controle do reúso de dispositivos médicos de uso único, apontando que o planejamento das ações ainda é uma lacuna nessas instituições, nas quais, tradicionalmente, os processos de trabalho se ocupam principalmente em dar respostas à demanda espontânea dos segmentos regulados e às situações emergenciais 2, 33.
Os profissionais de saúde que atuam no controle sanitário de serviços de saúde das Visa desse estudo possuem formações diversas e especializações, ratificando a multiprofissionalidade da área. Entretanto, nenhuma Visa capacitou seus servidores para o controle sanitário do reúso de dispositivos médicos de uso único, o que concorre para a fragilização da atuação desses profissionais, tendo em vista que o reúso de dispositivos médicos envolve questões complexas relativas não apenas à capacidade funcional dos serviços, mas à expertise acerca da adequação dos processos de limpeza e à esterilização de produtos. Deficiências na capacitação para o entendimento do problema foram citadas pelos profissionais das Visa estudadas entre os dificultadores do controle sanitário do reúso de dispositivos médicos de uso único.
Para que o controle sanitário de serviços de saúde seja efetivo e, especificamente, o controle do reúso de dispositivos médicos, faz-se necessário que o profissional de Visa conheça quais os riscos relacionados com o reúso desses produtos e as condições requeridas para o processamento. Precisa compreender que o processamento de um dispositivo médico, independentemente se é de uso único ou de multiuso, envolve desmontagem, limpeza, inspeção, teste de função, desinfecção, embalagem, esterilização, rotulagem e controles de qualidade para assegurar que esse dispositivo pode ser reusado com segurança. Requer condições fundamentais, tais como: disponibilidade de tecnologia para as atividades do processamento; educação e treinamento de staffs; requerimentos ambientais e estruturais; segurança ocupacional; estabelecimento de políticas e procedimentos; certificação de sistemas de gerenciamento de qualidade; teste de segurança e funcionalidade; teste de biocompatibilidade e de exclusão de reações causadas por pirogênios, além de procedimentos de validação 13, 14, 15, 16.
Nesse sentido, o conhecimento da complexidade que abrange o processamento de dispositivos médicos e seus controles é fundamental para que o profissional de Visa possa desenvolver ações orientadas pelo conceito de risco e por evidências científicas, referenciais norteadores das práticas de vigilância sanitária visando a proteção da saúde da população, conforme ditames constitucionais 1, 2.
Como constatado, as Visa desconhecem a situação do reúso de produtos de uso único, bem como se existem protocolos validados do processamento desses produtos nos serviços hospitalares mais críticos, como os de grande porte e nem mesmo dos hospitais da Rede Sentinela da Anvisa. Isto denota a ausência de quaisquer dados acerca do reúso de dispositivos de uso único e da adequação desses processos nos estados pesquisados. Uma vez que desconhecem como essas práticas são implementadas nos hospitais sob seu controle, faltam para essas Visa bases informacionais que direcionem suas ações, bem como faltam dados que indiquem a adesão dos serviços de saúde às normativas vigentes de regulação de dispositivos médicos, o que pode indicar que essas normativas não são postas em práticas pelos órgãos sanitários estudados.
Adicionalmente, nenhum deles elabora ou utiliza indicadores de reúso de produtos de uso único em seus estados, apontando uma lacuna nos requisitos para as boas práticas de funcionamento de serviços de saúde, como previsto em muitas normativas vigentes, a exemplo da RDC nº 63/2011 34, que é aplicada por uma das Visa, conforme informado. Como cobrar indicadores do setor regulado se o órgão fiscalizador não elabora indicadores?
Uma vez que a vigilância sanitária do reúso de dispositivos médicos ocorre como parte de um todo das ações de controle sanitário do serviço de saúde, é possível que os serviços estudados não utilizem estratégias de modo a minimizar entendimentos distintos entre os profissionais sobre os riscos associados ao reúso desses dispositivos. Isso pode contribuir para análises diversificadas a depender do “olhar” do profissional da Visa e favorecer descontinuidades dos processos de avaliação e monitoramento 31.
A despeito das críticas às normativas vigentes que regulamentam o reúso de produtos de uso único 25, 26, 27, nenhum estado tem norma complementar, elaborada para subsidiar o controle sanitário do reúso desses produtos e facilitar as ações que realizam. Neste sentido, o grande desafio do controle sanitário do reúso de produtos de uso único perpassa não somente um marco regulatório condizente com os riscos potenciais relacionados com o reúso desses dispositivos, mas também pela capacidade organofuncional dos serviços de Visa que, embasados pela legislação e saberes construídos, devem realizar o gerenciamento dos riscos envolvidos nessa prática, sem minimizá-los e tampouco superestimá-los.
Este estudo alcançou seu objetivo, ao analisar as principais características da situação do controle sanitário do reúso de produtos de uso único em alguns serviços estaduais de Visa, que requer eficácia, não apenas na esfera do planejamento, sistematização e monitoramento das ações desse específico controle sanitário, como também capacitação dos seus profissionais. Esses resultados ratificam a compreensão de que a problemática que envolve o reúso desses produtos, já identificada nos serviços de saúde, tem também implicações para o controle sanitário a ser exercido pelo estado – pelo segmento específico do sistema público de saúde, ou seja, a vigilância sanitária institucionalizada.
Uma limitação desse trabalho reside no fato de não abranger todas as Visa dos estados mais populosos das cinco regiões do país, conforme previsto na metodologia, o que restringe a abrangência dos casos estudados e indica a necessidade de ampliação de estudos nessa temática.
Este estudo também denota que o reúso de produtos de uso único ainda não constitui uma preocupação das Visa estudadas, o que aponta a necessidade de ampliar os debates a respeito desta problemática, que é mundial e cuja relevância, no Brasil, se expressa em normas elaboradas para proteger a saúde da população usuária desses dispositivos, prática de tendência cada vez maior.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
Costa EAM - Concepção, planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Costa E - Análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.
* E-mail:costaeliana2003@hotmail.com