RESUMO
Introdução: Diferentes fatores inerentes à doação de sangue podem gerar situações que intervêm no retorno dos doadores, as quais, quando não elucidadas e não solucionados os problemas delas derivados, comprometem a fidelização aos hemocentros.
Objetivo: Estimar o tempo de retorno à doação de sangue em primodoadores e fatores associados.
Método: Estudo de delineamento de coorte por meio da análise do Banco de Dados do Hemonúcleo da Regional de Saúde em Apucarana (PR). Foram analisados os prontuários de doadores no período de 1º de janeiro de 2005 a 30 de junho de 2009, cujos retornos foram acompanhados até o ano de 2011. Considerou-se como variáveis dependentes o tempo de retorno para segunda doação e sua frequência após a primeira doação. Foram coletados dados antropométricos, clínicos e laboratoriais e, em seguida, entrevista estruturada. Os dados foram submetidos à análise de sobrevida de Kaplan-Meier comparando-os pelo teste log-rank. O modelo de regressão de risco proporcional de Cox foi utilizado para identificar os fatores de risco associados ao retorno, calculando-se o risco proporcional com intervalo de 95% de confiança (IC95%).
Resultados: Observou-se uma proporção de retorno de 41,5%, sendo 26,1% dos inaptos temporariamente e 50,0% dos aptos. Doadores que retornaram mais rapidamente foram os Rh negativos, idade menor de 19 anos e com hipotensão arterial. Os riscos proporcionais (RP) para fatores impeditivos do retorno estiveram associados a idade mais avançada (RP = 0,190; IC95% 0,071–0,510), procedência mais distante (RP = 0,276; IC95% 0,124–0,616), hipotensão arterial (RP = 0,540; IC95% 0,385–0,759), comportamento de risco (RP = 0,533; IC95% 0,473–0,601), anemia (RP = 0,402; IC95% 0,348–0,464) e hipertensão arterial (RP = 0,377; IC95% 0,277–0,513).
Conclusões: Este estudo mostrou diminuição significativa de primodoadores que retornam ao serviço para outras doações e identificou que os jovens e aqueles aptos foram os grupos com maior frequência de retorno. O conhecimento das causas de inaptidão temporária propicia condições para incentivar os inaptos temporários a retornarem para doações futuras.
Palavras chave: Doadores de Sangue, Bancos de Sangue, Seleção do Doador, Estimativa de Kaplan-Meier, Primodoadores.
ABSTRACT
Introduction: Different factors related to blood donation can generate situations that affect their return and, when not elucidated and solved, can compromise loyalty to blood centers.
Objective: The purpose of this paper was to estimate first-time blood donors return time and associated factors.
Method: Cohort studies were designed after consulting State Blood Center’s database in Apucarana, PR, Brazil. Donor medical records were analyzed from January 1, 2005 to June 30, 2009, and their returns were monitored until the year 2011. It was considered as the dependent variable the turnaround time for second donation and its prevalence after the first donation. Anthropometric, clinical and laboratory data were collected, followed by a structured interview. Data were submitted to Kaplan-Meier survival analysis comparing them with the log-rank test. The proportional hazards regression Cox model was used to identify risk factors associated with the return, calculating the proportional risk and interval 95% confidence interval (95%CI).
Results: 41.5% returned: 26.1% temporarily were unfit and 50.0% fit. Donors who returned more quickly were Rh negative, under 19 years old and with hypotension. The proportional risk for the main impeditive were older age (RP = 0.190; 95%CI 0.071–0.510), farther distance (RP = 0.276; 95%CI 0.124–0.616), arterial hypotension (RP = 0.540; 95%CI 0.385–0.759), risky behavior (RP = 0.533; 95%CI 0.473–0.601), anemia (RP = 0.402; 95%CI 0.348–0.464) and arterial hypertension (RP = 0.377; 95%CI 0.277–0.513).
Conclusions: This study showed a significant decrease in first-time donors who return to the service for other donations and identified that young people and those who were apt were the groups with the highest frequency of return. Knowledge of the causes of temporary inability to donate provides conditions to encourage those temporary unable to donate to return for future donations.
Keywords: Blood Donors, Blood Centers, Blood Donors Selection, Kaplan-Meier Estimate, First Time Donors.
ARTIGO
Análise longitudinal do tempo de retorno e fatores associados para doação de sangue em primodoadores voluntários
Longitudinal analysis of return time and factors associated for blood donation in first-time donors volunteers
Recepção: 24 Julho 2019
Aprovação: 01 Maio 2020
O grande desafio dos serviços de hemoterapia no Brasil e no mundo é aumentar a doação de sangue e a manutenção dos estoques. Observa-se no cotidiano e nas evidências científicas que a escassez desse material biológico nos bancos de sangue seja atribuída à grande expansão demográfica planetária, ao envelhecimento populacional, à diminuição da disposição dos jovens sadios em realizar a doação e à incidência de acidentes automobilísticos 1.
Os fatores que impulsionam as pessoas a doarem sangue são: a disponibilidade de tempo, os valores éticos, a cidadania, a boa vontade, o altruísmo, a condolência de quem acompanha a doença do outro, o desejo da cura e a necessidade do cumprimento de um dever esperado pela sociedade 2. Outros motivos são: a doação prévia, a busca por exames gratuitos, a obrigatoriedade dos serviços militares em levar jovens a doar sangue e o benefício do abono do dia de trabalho 2, 3, 4.
Doadores de primeira vez, ou seja, aqueles indivíduos que se apresentam pela primeira vez no serviço e passam por todo o processo da doação, são chamados de primodoadores 5. Após a doação, esse grupo comporá uma relação de doadores que poderá ter a presença solicitada periodicamente pelo setor responsável ou que retornem espontaneamente. Estudos que avaliam fatores associados ao retorno com primodoadores permitem uma visão mais próxima da realidade, uma vez que estes doadores não passaram por qualquer processo anterior. Conhecer as características inerentes ao momento da doação de sangue pode ser estratégia para intervir no seu retorno. Ao contrário, quando não elucidados e não solucionados os problemas derivados da doação, estes podem comprometer a fidelização aos hemocentros e consequentemente diminuição de potenciais futuros doadores.
Investigações científicas que estudam determinantes da doação, bem como o seu retorno aos hemocentros, podem subsidiar políticas locais de saúde, o planejamento de campanhas de captação de doadores de sangue e estudos que objetivam demonstrar características dos doadores relacionadas à aptidão clínica e evidenciar os fatores relacionados à decisão de doar sangue 6. Ainda são incipientes as evidências dos fatores associados ao retorno de primodoadores ao serviço para nova doação. A compreensão desses fatores é fundamental para que se adotem estratégias visando o retorno dos doadores bem como a torná-los fidelizados ao serviço 7.
Elucidar, portanto, de forma mais detalhada os aspectos que interfiram no retorno dos primodoadores de sangue pode contribuir para a implementação de políticas específicas, favorecendo doações, para que não se comprometa o atendimento aos usuários. Nesse sentido, o objetivo do estudo foi estimar o tempo de retorno à doação de sangue em primodoadores e seus fatores associados entre adultos residentes pertencentes à Regional de Saúde de Apucarana, Paraná.
Estudo de coorte, exploratório, no qual se utilizou o banco de dados do Sistema Estadual de Informação e Controle Hemoterápico do Paraná (SHTWEB – disponível em: http://www.shtweb.pr.gov.br/shtweb), referente aos prontuários de doadores do Hemonúcleo da Regional de Saúde de Apucarana, no Paraná, no período de 1º de janeiro de 2005 a 30 de junho de 2009, cujos retornos foram acompanhados até o ano de 2011. A população estudada foi composta por doadores de sangue de primeira vez, denominados por primodoadores, aptos e inaptos temporários, entre 18 e 65 anos, para representar o universo amostral. Foram excluídos doadores antigos (período anterior a 2005) e aqueles que realizavam doações em outras instituições.
O Hemonúcleo da Regional de Saúde de Apucarana possui capacidade para coletar, fracionar e distribuir o sangue coletado. É responsável pelo fornecimento de sangue e seus componentes para 15 municípios da área de abrangência da Regional de Saúde, cuja população ultrapassa 300 mil habitantes 8. O serviço possui projetos de captação de doadores desenvolvidos com diferentes parceiros e instituições, como escolas de ensino fundamental e médio, universidades, empresas, clubes de serviço, entre outros.
Considerou-se como variáveis dependentes o tempo de retorno para segunda doação (tempo médio decorrido entre a primeira doação e o retorno para a segunda doação) e a prevalência de retorno no primeiro ano após a primeira doação. Aqueles que não retornaram durante o período de seguimento previsto na pesquisa foram excluídos da análise.
Os candidatos à doação foram classificados de acordo com as i) características demográficas: sexo (masculino/feminino), faixa etária (até 19 anos, de 20 a 29 anos, de 30 a 39 anos, de 40 a 49 anos, de 50 a 59 anos e 60 anos ou mais), estado civil (casado, união estável, divorciado, viúvo e solteiro); ii) local de procedência (município de Apucarana, Regional de Saúde de Apucarana, outras regionais, outros estados); iii) condição sanguínea: aptidão clínica (aptos/inaptos), tipagem sanguínea e fator Rh (sistema ABO positivo e negativo); e iv) causas de inaptidão: anemia, comportamento de risco, hipotensão ou hipertensão. Essas variáveis comportaram-se como independentes e as informações relativas à data de nascimento, estado civil, local de residência e sexo foram confrontadas com a ficha de cada doador. Extraiu-se do programa SHTWEB os dados relacionados às causas de inaptidão, tipo sanguíneo e serviço hemoterápico em que o doador compareceu para efetuar nova doação.
Entre as características que definiram a casuística do presente estudo, considerou-se: indivíduos com peso igual ou superior a 50 kg, aprovados nas três etapas realizadas para a doação segura, a saber: (a) pré-doação ou triagem clínica; (b) autoexclusão, espontânea e sigilosa, respondida pelo doador; e (c) exames sorológicos, a fim de detectar doenças transmissíveis. A triagem só considerou aptos voluntários que preencheram os critérios para doação segura, conforme exigido na Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (RDC Anvisa) nº 153, de 14 de junho de 2004 9. Nessa etapa, foram coletados dados antropométricos, clínicos e laboratoriais e entrevista estruturada com questões referentes à história de doença prévia ou atual, cirurgias realizadas e vulnerabilidade a doenças sexualmente transmissíveis. Nos casos em que se verificaram restrições, o candidato a doador foi considerado temporária ou definitivamente inapto 10.
As medidas clínicas foram aferidas por profissional capacitado e treinado, adotando-se como parâmetros para inaptidão temporária por hipertensão os valores de pressão sistólica maior que 140 mmHg e diastólica maior que 90 mmHg, no momento da triagem. Porém, foram excluídos candidatos com valores maiores que 180 mmHg e 100 mmHg para sistólica e diastólica, respectivamente, conforme orientações da Portaria do Ministério da Saúde nº 1.353, de 13 de junho de 2011 11. Quanto à inaptidão por hipotensão, adotou-se 100 mmHg e 60 mmHg para as pressões sistólica e diastólica, respectivamente. A pressão arterial foi aferida no mínimo 30 min após a última ingestão de cafeína ou uso de cigarro, usando-se esfigmomanômetro de coluna de mercúrio (Tycos 5097-30, EUA) e estetoscópio Littman Cardiology II (EUA). Foram realizadas três medidas, após 5 min de repouso, com intervalos de 2 min.
Para caracterização de anemia/hematócrito baixo, adotou-se, como ponto de corte, valores de hemoglobina igual ou inferior a 12,0 g/dL ou hematócrito igual ou inferior a 38,0% 9. Foram classificados com comportamento de risco doadores em contato sexual com parceiro não fixo nos últimos 12 meses; autoexclusões, em que o doador entendia por si próprio que oferecia riscos à doação oriundos de sexo em troca de dinheiro ou de droga; sexo com parceiro ocasional ou desconhecido; violência sexual; relação sexual com pessoa portadora de infecção pelo HIV, hepatite B, hepatite C ou outra infecção de transmissão sexual e sanguínea; histórico de encarceramento ou confinamento obrigatório não domiciliar superior a 72 h; piercing, tatuagem ou maquiagem definitiva sem condições de avaliação quanto à segurança do procedimento realizado; parceiro de pacientes em programa de terapia renal substitutiva e de pacientes com história de transfusão de hemocomponentes ou derivados; histórico de acidente com material biológico e que, em consequência, tenha apresentado contato de mucosa e/ou pele não íntegra com o referido material biológico 11.
Para a análise dos dados, montou-se uma coorte retrospectiva de doadores de repetição acompanhados até a finalização da coleta de dados, analisando-se o tempo e a proporção até o último retorno, de acordo com as variáveis independentes. O tempo para retorno global e de acordo com as categorias das variáveis do estudo, após a primeira doação, foi avaliado pela curva de sobrevida de Kaplan-Meier, e as comparações das variáveis foram apuradas pelo teste log-rank. O modelo de regressão de risco proporcional de Cox foi utilizado para identificar os fatores de risco associados ao retorno após a primeira doação, calculando-se o risco proporcional e intervalo de 95% de confiança (IC95%). Em todos os testes adotou-se o nível de significância de 5% e toda a análise estatística foi realizada por meio do pacote estatístico SPSS versão 19.0.
O projeto de pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná/Hospital do Trabalhador, conforme o Parecer nº 185/2010, de 29 de abril de 2010.
De um total de 32.615 doadores no período de 2005 a 2009, foram selecionados para o presente estudo 11.865 primodoadores, excluindo-se aqueles inaptos sorologicamente e definitivos. Dentre os selecionados, verificou-se, pelo SHTWEB, que havia 3.266 doadores que tinham doado sangue pelo menos uma vez em outro serviço dentro do próprio Estado, não sendo considerados, por conseguinte primodoadores, razão pela qual foram excluídos. A amostra do estudo, ao final, foi composta por 8.299 candidatos exclusivos do Hemonúcleo da Regional de Saúde em Apucarana ( Figura 1).
O tempo médio estimado para os que retornaram no período do seguimento foi de 1.521 dias (IC95% 1.499 a 1.542 dias). Em todo o período do estudo, a proporção de primodoadores de 2005 que retornou foi de 50,9%, esta proporção decresceu com os anos ( Tabela 1). A frequência acumulada de retorno dos primodoadores está apresentada na Figura 2.
Observou-se que, no prazo de 12 meses após a primeira doação, apenas 27,8% dos doadores de 2005 retornaram para a segunda doação e que nos anos posteriores houve pequena queda de retorno, chegando a 22,7% em 2009. A análise de tendência pelo teste qui-quadrado mostrou queda estatisticamente significativa (χ 2tendência = 12,07; p < 0,001) na proporção de retornos com o passar dos anos, cuja proporção em 12 meses reduziu-se em 18,0% no período ( Tabela 2).
A partir dos resultados apresentados na Tabela 3, observou-se que as variáveis associadas aos menores tempos médios de retorno foram a faixa etária dos mais jovens (1.288 dias) em relação às outras faixas etárias, solteiros (1.448 dias), inaptidão temporária (1.352 dias), inaptidão por hipotensão (que retornaram em média de 1.665 dias após a doação) e doadores com comportamento de risco (1.719 dias). O tempo apresentado foi superior para a segunda doação dos doadores de tipo sanguíneo B Positivo (1.503 dias) (p < 0,001) e para os inaptos temporários devido à hipertensão (1.938 dias). Observou-se maior frequência de homens (42,4%), jovens menores de 19 anos (51,9%), solteiros (44,6%), residentes no município de Apucarana (43,3%), portadores de sangue AB Negativo (80,0%), doadores aptos (50,0%) e com hipotensão arterial como causa de inaptidão (32,4%). Os idosos apresentaram a menor proporção de retorno no período estudado (13,9%), na qual houve uma redução significativa (p < 0,001). A proporção de retorno também diminuiu quanto aos doadores do tipo B Positivo (43,0%) e quanto àqueles que obtiveram como causa de inaptidão à hipertensão arterial (19,4%).
Após 12 meses de seguimento, a proporção de retorno foi maior entre os homens, porém sem associação estatisticamente significativa (p = 0,113), e os primodoadores viúvos (33,3%). Quando analisadas essas proporções pelo local de procedência, do total de doadores residentes no município de Apucarana, 26,7% retornaram e, no período, dos doadores de outros estados da federação, apenas 11,4% retornaram ainda no primeiro ano. Os doadores de fator Rh negativos foram os que mais retornaram (36,8%), sendo os dos tipos O (35,0%) e A (30,4%) os mais representativos. A proporção de retorno foi a de 30,4% para os aptos e a de 14,6% para os inaptos.
Conforme se verifica na Tabela 4, a análise das variáveis no modelo de regressão de Cox de risco proporcional demonstrou em relação ao retorno que a associação do sexo (p = 0,109), do estado civil (p = 0,113) e da procedência do próprio município não apresentou diferença estatística (p = 0,073). Associou-se significativamente o primeiro retorno às variáveis dependentes faixa etária e causas de inaptidão (p < 0,001). Todas as idades superiores a 19 anos apresentaram os valores de risco proporcional menores, sendo esta a categoria de doadores que apresentou maior frequência de retorno.
Em relação à procedência, verificou-se que os doadores pertencentes à Regional de Saúde apresentaram maior probabilidade de retorno que os doadores residentes em municípios de outras regionais e estados. Todas as causas de inaptidão apresentaram menor probabilidade de retorno que os doadores aptos. Em relação aos doadores inaptos, o risco proporcional mostrou-se aumentado em indivíduos com hipotensão e comportamento de risco. Os doadores com hematócrito baixo e os com hipertensão tiveram menor retorno comparado àqueles que retornaram por outras causas de inaptidão hipotensão e comportamento de risco.
O modelo de análise de sobrevivência utilizado neste estudo para verificar a proporção de retorno de primodoadores é de grande utilidade nos bancos de sangue, porque fornece informações de subgrupos populacionais com maior e menor probabilidade de retorno bem como o tempo para uma nova doação. Assim, esse conhecimento possibilita estratégias de fidelização de doadores.
Lourençon et al. 12, comparando diferentes modelos para estudo de retorno de doadores, entre eles o modelo das curvas de Kaplan-Meier, validaram este, considerando-o também método adequado para realização de tais pesquisas.
A redução da proporção de retorno dos primodoadores nos 12 meses após a doação foi significativa no presente estudo, demonstrou uma queda média de 18,0% de doadores quando analisados o último e o primeiro ano do estudo. Essa queda revela que os doadores estão deixando de comparecer ao serviço para nova doação, o que implica redução nas doações anuais, comprometendo possivelmente as demandas populacionais. Contudo, quando não houver o retorno do primodoador voluntário, os serviços de hemonúcleo convidam periodicamente para uma nova doação. Seguindo a mesma metodologia, Martelli et al. 13, em estudo com primodoadores, consideraram que as causas referentes às diferentes inaptidões se aproximam da população em geral.
Schereiber et al. 14 encontraram valores semelhantes quanto ao não retorno em seis anos após a primeira doação: 63,0% dos primodoadores do sexo masculino e 60,0% do feminino. Em pesquisa realizada no Hemocentro Público de Recife (PE) também foram observadas semelhanças, contudo se verificou que os homens se tornam doadores de repetição com frequência significativamente maior que as mulheres, devido ao fato de elas adotarem padrão esporádico de doação 5. Essa frequência foi também observada em doadoras de Apucarana, porém num prazo razoável, sendo provável que o aprazamento seja maior em mulheres: 60 dias para homens e 90 dias para mulheres 11.
A primeira faixa etária analisada compreendeu primodoadores de 19 anos ou menos. Considerando que foram incluídos jovens a partir dos 18 anos, observou-se que este grupo com pequena variação na faixa etária, foi expressivo e, representado por 2.268 pessoas (27,0% da casuística do estudo). Este é um resultado que merece atenção, pois sugere que uma considerável parte das pessoas começa o ciclo de doação de sangue tão logo a legislação permita, proporcionando uma reserva do número de doadores em uma população específica. Ademais, observou-se igualmente que primodoadores mais jovens retornam mais rapidamente ao serviço, corroborando evidência anterior 15. Pesquisa de Notari et al. 15, em norte-americanos, defendeu que pessoas de 16 e 17 anos apresentam alta proporção de retorno, possivelmente por sofrer maior influências das mídias em campanhas em centros educacionais. Logo, esforços para implementar ações voltadas a esse público em muito podem contribuir para o aumento da reserva de sangue em hemocentros.
Para o caso do Brasil, com a liberação para menores de 18 anos de idade se tornarem doadores 11, as campanhas devem mobilizar as crianças e jovens à cultura de doação. Entretanto, o enfoque educacional deve considerar o comportamento de risco para doenças sexualmente transmissíveis, assim como a prevenção quanto a essas condições de risco, viabilizando uma doação segura com aproveitamento total dos seus hemocomponentes. Zago, Silveira e Dumith 16 verificaram o grupo de pessoas para doação e constataram que os indivíduos mais jovens talvez não tenham adquirido uma consciência e/ou maturidade suficiente para reconhecer a importância das doações regulares, apesar de serem mais saudáveis e provavelmente mais informados, sendo necessários incentivos específicos visando à fidelização de doadores. A alta taxa de retorno nessa faixa etária, observada nos diferentes estudos e constatada neste, também é explicada por fatores que extrapolam sentimentos altruístas, como, por exemplo: a busca por exames gratuitos e a obrigatoriedade dos serviços militares de incentivar os jovens a doar sangue.
A distância geográfica é um dos fatores determinantes para o retorno de doadores. Os dados apurados revelam que os residentes no próprio município da instituição ou nas proximidades apresentaram mais frequência de retorno do que os que moravam mais distante (81,5%). Entretanto, Schlumpf et al. 17 sugeriram que 62,0% dos doadores não retornam ao mesmo serviço de coleta. Neste sentido, pode-se considerar que a situação de município-sede favorece a fidelização dos candidatos. Para Santos e Stipp 2, a origem do doador constitui importante indicador que deve ser considerado pelo serviço de hemoterapia no planejamento de estratégias para o seu retorno.
Considerando os anos sequenciais à primeira doação, os resultados mostraram taxa de retorno de primodoadores entre 22,7% e 27,8%. Verificou-se que 50,0% dos aptos na primeira doação retornaram, em contraste com os doadores inaptos temporários, cujo regresso foi de apenas 26,1%. Custer et al. 18 encontraram valores semelhantes, porquanto 47,0% dos primodoadores aptos e 25,0% dos inaptos temporários voltaram para posterior doação. Misje, Bosnes e Heier 19, na Noruega, evidenciaram uma taxa de 36,0% de retorno num período de acompanhamento de 4 a 6 anos após a primeira doação. Em candidatos norte-americanos, Schreiber et al. 14 constataram 32,0% de retorno entre primodoadores e apenas 8,0% de doadores regulares. Observa-se que tanto entre aptos quanto entre inaptos o retorno é baixo. Entretanto, esperar-se-ia que os aptos apresentassem maior proporção, uma vez que já passaram pelo processo de doação e conhecem as condições de saúde exigidas para o ato. Em relação aos doadores inaptos, verificou-se durante o período estudado que as inaptidões temporárias inibiram sobremaneira o retorno para posterior doação.
Quando verificadas as principais causas de inaptidão selecionadas para análise de sobrevivência, notou-se que a hipertensão é a causa de menor proporção e maior tempo médio de retorno. Esta condição pode ser explicada pelo fato de os doadores hipertensos serem mais velhos, os quais geralmente são encaminhados imediatamente para acompanhamento e, de acordo com critério clínico, são aconselhados a não mais doarem, impedindo-se assim o seu retorno.
A categoria dos inaptos temporários influencia a probabilidade de futuro retorno dos doadores. As influências impeditivas do retorno ainda não estão satisfatoriamente compreendidas 20. Neste estudo, verificou-se uma menor chance de retorno dos doadores inaptos (sob quaisquer das causas de inaptidão estudadas em relação ao retorno) quando comparada aos casos de doadores aptos. A anemia ou hematócrito baixo foi a segunda causa com menor taxa de retorno. Esse resultado é semelhante ao detectado no estudo realizado no Blood Centers of the Pacific and the University of California at San Francisco, segundo o qual 29,0% dos primodoadores que apresentaram esta causa como inaptidão temporária realizaram uma segunda doação 18. Apesar dessa negativa, enfatiza-se o investimento em ações voltadas ao retorno desses doadores, uma vez que eles saem do serviço de hemoterapia com encaminhamento para tratamento dessa inaptidão. O profissional triador orienta aos doadores sobre a reposição de suplemento de ferro, alimentação adequada e controle da pressão arterial, embora não seja esta a função do hemonúcleo. O período dado à correção dessas causas é curto e o doador é orientado a voltar ao serviço para novos exames.
O hiato de tempo compreendido entre a data da ciência de inaptidão e a doação posterior depende principalmente da causa da inaptidão, intervalo que pode variar de um dia a um ano. Para os casos de instabilidade da pressão arterial, recomenda-se apenas um dia, pois pode tratar-se de um episódio momentâneo, em que o doador, comparecendo e estando com esta condição normalizada, poderá submeter-se novamente à doação 7, 9. Doadores com hipotensão como causa de inaptidão não devem ser descartados, dado que a análise de sobrevida revela menor tempo de retorno ao serviço para estes candidatos. Isso explica porque esta causa de inaptidão está entre as faixas etárias contendo os mais jovens, situando-se entre aquelas em que há maior possibilidade de retorno.
Nossos resultados mostraram que as variáveis sexo, estado civil, tipo sanguíneo e fator Rh não foram associadas ao retorno dos primodoadores. Corroborando nossos resultados, Owbny et al. 21, em delineamento epidemiológico similar, diferiram apenas em relação aos tipos sanguíneos. Segundo os autores, doadores cujo sangue é Rh negativo retornam mais frequentemente e podem repetir até seis doações a mais que fator Rh positivo, talvez porque sejam convocados pelo hemocentro. A raridade de sangue Rh negativo é alvo para campanhas de captação desses doadores no sentido de manter estoque de sangue para situações de urgência. Diferentemente, em estudo de Notari et al. 15, doadores do grupo “O” retornaram mais frequentemente. A justificativa dessa diferença fundamenta-se no esforço concentrado do serviço no recrutamento para somar maior percentual do grupo de doadores fenotipados e na garantia de transfusão de sistemas sanguíneos mais compatíveis. Conhecendo-se o tipo sanguíneo e fator Rh na taxa de retorno, uma estratégia para os bancos de sangue poderia ser enviar lembretes por mídias sociais aos voluntários convidando-os a nova doação, direcionadas de acordo com a demanda por bolsas de sangue de tipos sanguíneos específicos.
Segundo Godin et al. 4, pessoas que já doaram sangue em algum momento de sua vida têm maior probabilidade de voltar a doar em curto espaço de tempo, geralmente em seis meses. Portanto, deve-se levar em consideração para o recrutamento de doadores a experiência de doação passada. Para os serviços de hemoterapia, a captação de doadores temporariamente inaptos e a captação daqueles que já tenham doado pelo menos uma vez podem ser estratégias que favoreçam o rápido retorno de doadores, estabelecendo um comportamento de regularidade, conforme aponta Schreiber et al. 14.
Este estudo de retorno de primodoadores indica a importância do recrutamento imediato de doadores uma vez que houve tendência de diminuição significativa de seu retorno no primeiro ano após a doação. A análise de regressão permitiu concluir que a idade, a procedência e as causas de inaptidão estão associadas ao não retorno dos doadores. Conforme os resultados dos primodoadores que retornaram para segunda doação, verificou-se que a maioria retornou ao próprio serviço, metade dos aptos não retornou e os jovens retornaram mais rapidamente para nova doação e em maior proporção se comparados às demais faixas etárias.
As inaptidões temporárias não impedem que o doador retorne a doar e, se devidamente reavaliado, tornando-se apto, poderá ser doador habitual e fidelizado ao serviço. Além disso, um retorno voluntário precoce daqueles aptos para os primeiros retornos fornece ao serviço de hemoterapia informações positivas sobre a possibilidade de conversão de um doador ao status de doador regular. Neste sentido, esta análise oferece uma indicação da necessidade de revisar as estratégias de recrutamento usadas por muitos hemocentros. Por fim, o conhecimento das causas de inaptidão temporária propicia condições para incentivar os inaptos temporários a retornarem para doações futuras e, assim, contribuir para manutenção dos estoques de hemocomponentes dos bancos de sangue.
Ao Professor Doutor Luiz Cordoni Junior ( in memorian) da Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, pela proficiente orientação na execução e conclusão deste trabalho.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
Di Colli L – Concepção, planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Di Colli LM - Estruturação, análise do trabalho e revisão final. Matsuo T – Análise e interpretação dos dados. Amorim JSC - Análise, interpretação e redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.
* E-mail:leodicolli@gmail.com