RESUMO
Introdução: A segurança do abastecimento de água é de extrema importância para a saúde pública, principalmente para crianças que, em idade escolar, podem permanecer de 5 h a 8 h por dia nas escolas. A água pode conter uma variedade de contaminantes que, em níveis elevados, têm sido associados ao aumento de uma série de doenças em crianças.
Objetivo: Avaliar durante 12 meses a qualidade das águas de poços utilizadas como soluções alternativas coletivas de abastecimento em dez escolas públicas do município de Itatiba (SP).
Método: Foram coletadas amostras de água de poço, de reservatório e de bebedouro, totalizando 100 amostras, sendo analisados parâmetros químicos, físicos, organolépticos e microbiológicos previstos na Portaria de Consolidação n° 5, de 28 de setembro de 2017, anexo XX. Adicionalmente foi realizada uma pesquisa quanto à presença de matérias estranhas, incluindo os protozoários Cryptosporidium spp. e Giardia spp.
Resultados: Três escolas exibiram resultados em acordo com a legislação. As demais apresentaram presença de microrganismos como bactérias (29,0% de coliforme total e 9,0% de Escherichia coli, no total de amostras analisadas) e protozoários (15,0%), além de resultados acima do valor máximo permitido (VMP) para cor aparente (8,0%), turbidez (11,0%), Fe (12,0%), Zn e Pb (5,0%).
Conclusões: Os resultados em desacordo com a legislação interferem na qualidade das águas oferecidas nas escolas, estando associados à falta de investimento na infraestrutura dos poços e cloração da água, sendo observado um diferencial na escola que possui parceria com a empresa de tratamento de água do município. Esta parceria deve ser mantida e, se possível, expandida para as demais escolas.
Palavras chave: Potabilidade, Protozoário, Reação em Cadeia da Polimerase, Saneamento, Criança.
ABSTRACT
Introduction: Security of water supply is extremely important for public health, especially for school-age children who can stay in schools for five to eight hours a day. Water can contain a variety of contaminants that, at high levels, have been linked to a range of diseases in children.
Objective: To evaluate, during 12 months, the quality of well water used as collective alternative supply solutions in 10 public schools in the city of Itatiba (SP).
Method: Samples of water from the wells, reservoirs and drinking water were collected, totaling 100 samples, and chemical, physical, organoleptic and microbiological parameters provided for in Consolidation Ordinance No. 5, of September 28, 2017, Annex XX, were analyzed; additionally, a research was done related to the presence of foreign matter and protozoa Cryptosporidium spp. and Giardia spp.
Results: Only three schools presented results in accordance with the legislation; the other had the presence of microorganisms (29.0% of total coliform and 9.0% of E. coli, in the total of analyzed samples), protozoa (15.0%), and of results above the maximum permitted value (MPV) for apparent color (8.0%), turbidity (11.0%), Fe (12.0%), Zn and Pb (5.0%).
Conclusions: The results in disagreement with the legislation interfere with the water quality offered in the schools, being associated with the lack of investment in wells infrastructure and chlorination of the water. It is also observed a differential in the school that has partnership with the water treatment company of the municipality. This partnership should be maintained and, if possible, expanded to other schools.
Keywords: Water Potability, Protozoan, Polymerase Chain Reaction, Sanitation, Child.
ARTIGO
Monitoramento e avaliação da qualidade da água de solução alternativa coletiva de abastecimento de escolas públicas do município de Itatiba, SP
Ocorrência de doenças veiculadas por água contaminada: um problema sanitário e ambiental
Recepção: 27 Janeiro 2020
Aprovação: 13 Maio 2020
A água é um elemento essencial à vida, e o acesso à água de boa qualidade e em quantidade adequada está diretamente relacionado à saúde da população, contribuindo para reduzir a ocorrência de diversas doenças 1. A água pode conter uma variedade de contaminantes que, em níveis elevados, têm sido associados ao aumento de uma série de doenças em crianças, incluindo doenças agudas, como gastrointestinais, efeitos no desenvolvimento, distúrbios de aprendizagem, desregulação endócrina e câncer 2. A garantia do consumo humano de água potável, livre de microrganismos patogênicos e de substâncias químicas prejudiciais à saúde, consiste em uma ação eficaz de prevenção das doenças causadas pela água 3.
Instituições educacionais utilizam a água para o preparo de refeições, sucos, higienização de utensílios e instalações, além do consumo direto por meio dos bebedouros, podendo representar um veículo de contaminação, se regras básicas de higiene não forem rigorosamente observadas 4. Para a saúde pública, a segurança do abastecimento de água é de extrema importância, principalmente considerando que as crianças em idade escolar podem permanecer de 5 h a 8 h por dia nas escolas públicas do ensino fundamental no Brasil 5 e, normalmente, as crianças ingerem mais água em relação ao seu peso corporal do que os adultos, tendendo a uma maior exposição aos contaminantes da água 2.
A avaliação global Água Potável, Saneamento e Higiene nas Escolas: Relatório de Linha de Base Global de 2018 da World Health Organization / United Nations Children’s Fund (WHO/UNICEF) apontou que 69,0% das escolas mundiais possuem algum serviço básico de água potável, sendo a cobertura geralmente mais alta nas escolas urbanas do que nas periurbanas, que por sua vez têm uma cobertura significativamente melhor do que as escolas rurais. Poucos países relataram a qualidade da água potável nas escolas, mas os dados disponíveis mostraram que as escolas rurais apresentam uma cobertura mais baixa dos serviços básicos de água potável do que as escolas urbanas. No Brasil, de 2010 para 2016, a porcentagem de escolas sem tratamento de água caiu de 23,0% para 17,0%, porém os dados fornecidos são insuficientes para avaliar a qualidade da água potável oferecida nas escolas 6.
Estudos sobre a qualidade da água, principalmente subterrânea, são de grande importância para a saúde pública, recebendo a atenção da comunidade científica de muitos países 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12. Vários tipos de contaminantes da água potável podem ser motivo de preocupação para a saúde das crianças, como, por exemplo: Escherichia coli, chumbo, arsênico, nitratos, nitritos, produtos químicos orgânicos e subprodutos de desinfecção (clorofórmio) 2.
Dentre os microrganismos encontrados na água, os protozoários ( Cryptosporidium spp., Giardia spp., Toxoplasma gondii, dentre outros) apresentam ocorrência relevante e atualmente têm emergido acometendo indivíduos em surtos epidêmicos. Fatores como o aumento da contaminação das águas, o consumo de alimentos contaminados, o uso de fontes alternativas de água para consumo, a globalização do comércio e viagens (dentre outros) podem estar relacionados ao aumento desses patógenos 13.
A Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de outubro de 2017, do Ministério da Saúde (MS) 14, anexo XX, preconiza que toda água destinada ao consumo humano, distribuída coletivamente por meio de sistema ou solução alternativa coletiva de abastecimento de água, deve ser objeto de controle e vigilância da qualidade da água. Para ser considerada potável, a água destinada ao abastecimento da população humana deve atender as características de qualidade que estejam de acordo com os valores permissíveis dos parâmetros químicos, físicos, organolépticos e microbiológicos 14. A portaria citada também ressalta o monitoramento de cistos de Giardia spp. e oocistos de Cryptosporidium spp. no ponto de captação de água quando for identificada média geométrica anual maior ou igual a 1.000 E. coli/100 mL na água 14.
Considerando a importância do tema e a ausência de dados sobre a qualidade da água em Itatiba, o objetivo do presente estudo foi avaliar durante 12 meses a potabilidade da água de poços utilizadas como soluções alternativas coletivas de abastecimento (SAC) em dez escolas públicas do município de Itatiba (São Paulo). Foram analisados parâmetros químicos, físicos, organolépticos e microbiológicos previstos na legislação e, adicionalmente, foi pesquisada a presença de matérias estranhas e dos protozoários Cryptosporidium spp. e Giardia spp.
Itatiba é um município do estado de São Paulo (latitude 23° 07′ 02″ Sul e longitude 46° 33′ 01″ Oeste), integrante da Região Metropolitana de Campinas, com população estimada de 120.858 habitantes 15. O município possui 62 escolas públicas 16, sendo que as dez escolas avaliadas neste estudo atendem aproximadamente 2.000 alunos que corresponde a aproximadamente 11,0% do total de alunos matriculados em 2017 no ensino infantil e fundamental do município (escola pública e particular) 17. A Figura apresenta a distribuição das escolas dentro do município.
No período de 12 meses, entre julho de 2016 a maio de 2017, a Vigilância Sanitária do município (Visa) de Itatiba realizou quatro coletas de amostras de água (identificadas como: outono, inverno, primavera e verão) em dez escolas que utilizam poço como SAC. As escolas foram identificadas como E1 a E10. Os kits para a coleta (contendo três bags para ensaios microbiológicos, três para físico-químicos, um galão para o ensaio de protozoários e dois frascos para os de metais) foram fornecidos pelo laboratório, descontaminados e preservados conforme a característica de cada ensaio, ao longo das coletas agendadas.
Foram determinados três pontos de coletas: direto do poço, reservatório e bebedouro, estabelecidos para as análises físico-químicas (FQ) e microbiológicas. O ponto direto do poço também foi estabelecido para a coleta dos ensaios microscópicos e dos elementos inorgânicos.
Neste estudo foi avaliado um total de 100 amostras, sendo 40 amostras coletadas no bebedouro, 40 no reservatório e 20 no ponto direto do poço. Essa diferença na amostragem nos poços ocorreu devido a algumas escolas não apresentarem acesso aos poços (torneiras) e, nestes casos, as determinações dos elementos inorgânicos e análise microscópica foram realizadas no ponto reservatório. A amostragem no ponto direto do poço foi realizada no inverno nas escolas E3 e E4; na primavera nas escolas: E1, E2, E3, E4 e E9; no verão nas escolas: E1, E2, E3, E4, E8 e E9; no outono nas escolas: E1, E3, E4, E5, E6, E8 e E9. As escolas E7 e E10 não disponibilizaram acessos aos poços durante o estudo.
Para facilitar a disposição dos resultados e discussões, os parâmetros estudados, foram separados em quatro grupos: Análises FQ: cor aparente, turbidez, sólidos totais dissolvidos (STD), dureza total, ferro (Fe), cloreto, sulfato, pH, amônia, fluoreto, nitrito e nitrato; Análises dos elementos inorgânicos: Alumínio (Al), Antimônio (Sb), Arsênio (As), Bário (Ba), Cádmio (Cd), Chumbo (Pb), Cobre (Cu), Cromo (Cr), Manganês (Mn), Níquel (Ni), Selênio (Se), Sódio (Na) e Zinco (Zn); Análises microbiológicas: coliformes totais (CT) e E. coli.; e Análises microscópicas: matérias estranhas e pesquisa de Cryptosporidium spp. e Giardia spp.
Aproximadamente 1.000 mL de água foram coletadas em bag estéril e descartável, modelo Whirl-Pak®. A amostra foi analisada segundo descrito no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (SMEWW) 18para cor aparente (método comparação visual 2120 B), dureza (método titrimétrico 2340 C), turbidez (método nefelométrico 2130 B), pH (método eletrométrico 4500-H + B), fluoreto (método potenciométrico com eletrodo íon seletivo 4500-F- C), nitrato (método espectrofotométrico 4500-NO 3- B), nitrito (método espectrofotométrico com desenvolvimento de cor 4500-NO 2- B), Fe (método fenantrolina 3500-Fe B) e cloreto (método argentométrico 4500-Cl- BA). O parâmetro amônia foi determinado pelo método fotométrico com o kit Spectroquant ® da Merck. Os parâmetros STD (método 204/IV, condutivimétrico) e sulfato (método 214/IV) seguiram as técnicas descritas em “Métodos físico-químicos para análise de alimentos” 19.
A amostragem para os ensaios dos elementos inorgânicos foi realizada em frascos de polipropileno de 500 mL, previamente lavados, descontaminados e adicionados de HNO 3 para preservação das amostras, conforme descrito no SMEWW 18. Os elementos inorgânicos Al, Ba, Cd, Cu, Cr, Mn, Ni, Na e Zn foram determinados por Espectrometria de Emissão Óptica por Plasma Acoplado Indutivamente (ICP OES) (PerkinElmer, modelo Optima 8300). Os elementos As, Pb e Se foram analisados por Espectrometria de Absorção Atômica com Forno de Grafite (GFAAS) (PerkinElmer, modelo AAnalyst 600), utilizando os métodos 3120 B e 3113 B, descritos no SMEWW 18.
Para a análise microbiológica, 100 mL de água foram coletadas em bag estéril e descartável, modelo Thio-Bag Whirl-Pak®, com tiossulfato de sódio. A amostra foi avaliada quanto à presença ou à ausência de CT e E. coli pelo método de substrato cromogênico/enzimático (sistema Colilert, Idexx Laboratories/USA), método 9223 B descrito no SMEWW 18.
A amostra para a pesquisa de matérias estranhas e protozoários foi coletada em galão plástico de 20 L previamente higienizado com solução de hipoclorito de sódio a 20%. A primeira etapa da análise consistiu em uma filtração da amostra em sistema de recipientes fechados, previamente autoclavado (30 min a 120 Kgf/cm 2), utilizando membranas de 142 mm de diâmetro e sob pressão de 0,7 kgf/cm 2.
Após filtração, a membrana foi transferida para uma placa de Petri estéril de 145 mm de diâmetro, à qual foram adicionados 5 mL de água destilada e, a seguir, foi raspada com auxílio de raspador de células ( cell scrape - Kasvi®). O material obtido foi coletado com auxílio de pipeta Pasteur e transferido para tubo falcon de 15 mL. O procedimento de raspagem foi novamente realizado com mais 5 mL de água destilada. O material obtido (10 mL) foi centrifugado a 2.270 g por 5 min, sendo o sobrenadante (aproximadamente 9 mL) descartado e o material sedimentado recolhido para o preparo das lâminas e extração de DNA.
Pesquisa de matérias estranhas: realizada por meio da leitura de lâminas contendo o material sedimentado, coradas com lugol e submetidas à análise em microscópio de campo claro para identificação das matérias estranhas, incluindo protozoários (oocistos e cistos).
Pesquisa de Cryptosporidium spp. e Giardia spp: alíquotas de 200 µL da amostra sedimentada obtida da etapa anterior foram tratadas com 40 µL de proteinase K e mantidas por 18 h sob agitação de 500 oscilações por min. Após o término da incubação seguiram-se as extrações de DNA conforme o protocolo do fabricante do kit QIAamp DNA Mini Kit-Qiagen®. As reações em cadeia da polimerase (PCR) foram realizadas utilizando kit comercial (GoTaq®Green Master Mix - Promega). Cada 12,5 μL do mix contendo uma unidade de Taq DNA polimerase em 10 mM Tris-HCl, pH 8,5; 50 mM KCl; 1,5 mM MgCl2 e 200 mM de cada um dos desoxinucleosídeos trifosfatados (dATP, dGTP, dCTP, dTTP). Cada reação foi realizada adicionando-se 5 μL do DNA-alvo e 10 pmol de cada iniciador, em um volume final de 25 μL. As amplificações foram realizadas utilizando o termociclador Veriti® Thermal Cycler (Applied Biosystems®). Os iniciadores moleculares utilizados estão descritos na Tabela 1.
Os produtos amplificados foram separados em um sistema eletroforético horizontal em gel de agarose a 1,2% tampão TBE 1x (45 mM de Tris-Borato e 1 mM de-EDTA, pH 8.0), contendo brometo de etídio a 0,5 g/mL. Em todos os géis foram adicionados o marcador de peso molecular com fragmentos múltiplos de 100 pb e as corridas foram realizadas a 100 Volts por 1 h (fonte PS 1006, Apelex, França). As amostras foram visualizadas e fotografadas em um transiluminador Gene Genius (Programa Gel Capture Pro, versão 4.5.3) de ultravioleta a um comprimento de onda de 302 nm.
A cada coleta realizada a Visa registrou informações importantes para a conclusão dos resultados obtidos como, o tipo de poço, tratamento da água com cloro, análise de campo (pH e cloro residual livre) e ocorrência de chuva nas 24 h antes da coleta, bem como auxiliando cada escola quanto aos resultados. Uma das ações resultou na interdição do poço da escola E2 na coleta programada de outono, e esse abastecimento de água passou a ser realizada por caminhão-pipa. Devido à interdição, não foi realizada a coleta no ponto direto do poço desta escola.
A legislação 14 estabelece uma faixa de recomendação para o pH entre 6,0 a 9,5 e valores máximos permitidos (VMP) para os demais 11 parâmetros FQ avaliados neste estudo. O resultado do parâmetro sulfato foi menor que o limite de quantificação do método (LQ) de 50 mg/L, e os valores de pH variaram entre 5,4 a 7,9 para as 100 amostras analisadas, esses valores não comprometem a qualidade das águas em termos de consumo humano, pois refletem apenas a composição geológica do solo 21. A Tabela 2 apresenta os resultados médios, desvio padrão, máximos e mínimos encontrados para os demais parâmetros FQ de cada escola, sem diferenciar ponto de coleta ou sazonalidade. Os resultados das escolas E2, E4, E5, E6, E7, E8, E9 e E10 ficaram abaixo dos VMP para todos os parâmetros FQ.
A E1 apresentou resultado acima do VMP para o Fe (0,76 mg/L) na coleta de verão no ponto direto do poço. Conforme descrito na legislação, eventual ocorrência de resultados acima do VMP deve ser analisada em conjunto com o histórico de controle da qualidade da água e não de forma pontual 14. Assim, este resultado pontual não afeta a qualidade da água, quanto a este parâmetro, já que os demais pontos (reservatório e bebedouro) e coletas (primavera, outono e inverno) encontram-se de acordo com a legislação.
Na E6, foi observado um resultado de fluoreto de 0,51 mg/L na única amostra coletada no ponto direto do poço, valor 2,5 vezes abaixo da média (1,18 ± 0,26 mg/L) das amostras coletadas nos demais pontos. Comparando os resultados das águas do reservatório e do bebedouro com a água do poço, há indício de fluoretação da água ou a utilização de uma fonte diferente de abastecimento desta escola.
A E7 declarou uma parceria com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para o tratamento da água, um benefício a mais aos estudantes e funcionários da escola, sendo o resultado médio do fluoreto (0,67 ± 0,09 mg/L), característico de água fluoretada, estando de acordo com a Resolução SS-250, de 15 de agosto de 1995, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo 22. Na coleta de outono da E2, o resultado médio de fluoreto foi de 0,59 ± 0,01 mg/L, enquanto as demais coletas apresentaram resultados abaixo do limite de quantificação (0,20 mg/L), confirmando a origem da água analisada de caminhão-pipa.
Para a E3, as amostras dos pontos direto do poço e reservatório apresentaram resultados médios acima dos VMP para os parâmetros cor aparente (20,00 uH), turbidez (13,54 uT) e Fe (1,66 mg/L). No ponto bebedouro, o parâmetro cor aparente apresentou resultado acima do VMP apenas na coleta de outono (25,30 uH), última a ser realizada, indicando uma possível saturação do filtro do bebedouro. Os parâmetros turbidez (média de 6,60 uT) e Fe (média de 0,95 mg/L) ficaram acima do VMP nas coletas de inverno, primavera e outono da escola E3.
O parâmetro cor aparente acima do VMP na água provoca a rejeição do consumidor e está relacionado a presença de matéria orgânica, metais (Fe e Mn) e resíduos industriais coloridos. Já a turbidez é resultado da presença de materiais sólidos em suspensão (algas, plâncton, matéria orgânica, e outras substâncias como Zn, Fe, Mn e areia), resultantes do processo natural de erosão ou de despejos domésticos e industriais, que reduzem a sua transparência 1, 23. Tanto a cor quanto a turbidez da água podem estar relacionados a elevada concentração de Fe, onde sua presença pode favorecer o desenvolvimento das “ferro-bactérias”, que não são prejudiciais à saúde, mas conferem cor e odor à água 1, 24. A presença de ferro pode ocorrer devido à interação natural entre a água subterrânea e a rocha 21. O consumo excessivo de ferro pode causar a hematocromatose, que se caracteriza pelo depósito desse metal nos tecidos de órgãos como fígado, pâncreas, coração e hipófise 24.
No estudo realizado por Scorsafava et al. 7 no período de 2005 a 2008, foram avaliadas 1.759 amostras de águas (poços e minas) em 100 municípios do estado de São Paulo, e os autores constataram que 7,5% das águas dos poços apresentaram valores acima do VMP para cor aparente, 5,0% para turbidez e 8,5% para o Fe. Soto et al. 8 avaliaram a qualidade da água de 50 escolas públicas da zona rural no município de Ibiúna (SP), encontrando resultados acima do VMP para cor (6,0%), turbidez (8,0%) e Fe (2,0%). Esses resultados são comparáveis aos 12,0% de amostras acima dos VMP encontrados no presente estudo (8,0% para cor aparente, 11,0% para turbidez e 12,0% para Fe).
Em geral, os resultados da escola E3 apresentaram uma diminuição gradual dos valores obtidos do ponto direto do poço, reservatório e bebedouro, provavelmente relacionada à precipitação da matéria orgânica no fundo do reservatório e a retenção no filtro do bebedouro 25. Estes resultados podem ocorrer devido à contaminação natural ou a poços construídos sem critérios técnicos, com revestimento corroído ou rachado e sem manutenção 26.
Dos 12 elementos estudados, As, Cd, Cr, Ni e Se ficaram abaixo dos LQ (0,002 mg/L; 0,003 mg/L; 0,010 mg/L; 0,020 mg/L e 0,003 mg/L, respectivamente) para as 40 amostras analisadas. A Tabela 3 apresenta os resultados médios, desvio-padrão, máximos e mínimos encontrados para os sete elementos quantificados (Al, Ba, Pb, Cu, Mn, Na, Zn). Em geral, os resultados ficaram abaixo do VMP estabelecido na legislação 14, exceto para a Zn (E3) e Pb (E8).
A concentração média de Zn nas amostras da E3 foi de 4,20 ± 1,19 mg/L, sendo a menor concentração (3,24 mg/L) na coleta de verão e a maior (5,89 mg/L) na coleta de primavera. A concentração de Zn acima de 3 mg/L tende a deixar a água com aspecto opalescente, desenvolve um filme oleoso quando fervida, conferindo um sabor adstringente indesejável à água 27. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) 28 estabelece um valor de intervenção para Zn em água subterrâneas de 1,8 mg/L e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), por meio da Resolução nº 420, de 28 de dezembro de 2009 29, um valor de investigação de 1,050 mg/L para Zn nas águas para consumo humano, valores menores que o estabelecido pela legislação seguida neste estudo (VMP de 5 mg/L) 14. Segundo a CETESB, concentrações acima dos valores de intervenção, “indicam a necessidade de ações para resguardar os receptores de risco, devendo seguir os procedimentos de gerenciamento de áreas contaminadas” 30.
O Pb na E8 foi detectado apenas no ponto direto do poço, sendo que na coleta do outono sua concentração foi de 0,022 mg/L, acima do VMP, e na coleta de verão foi 0,006 mg/L. Este padrão, concentração de Pb acima do LQ no ponto direto do poço e abaixo do LQ nos demais pontos também foi observado para as escolas E2 e E9, caracterizando uma possível precipitação deste elemento no fundo dos reservatórios 31, 32. Porém é necessário cautela ao avaliar estes resultados, como previamente citado, eventuais ocorrências de resultados acima do VMP devem ser analisadas em conjunto com o histórico de controle da qualidade da água e não de forma pontual.
Os trabalhos de Campos et al. 33 e Monte Blanco et al. 34 mostraram resultados acima do VMP para o Pb para 100,0% e 10,0%, respectivamente, das amostras analisadas. A CETESB, no triênio 2013–2015, avaliou as águas subterrâneas em 282 pontos diferentes (entre poços tubulares e nascentes), verificando concentrações de chumbo acima do VMP ao padrão de potabilidade em cinco poços (2,0% do total de poços), em diferentes pontos do estado de São Paulo. Neste mesmo estudo, os poços localizados nos municípios de Marília e Guarulhos apresentaram concentrações de Zn superiores ao valor de investigação da Resolução do Conama nº 420/2009 e da Lista dos Valores Orientadores da CETESB de 2014 35.
No presente estudo, das 40 amostras analisadas, apenas duas (5,0%) apresentaram concentração dos elementos inorgânicos estudados acima do VMP. Entretanto, em função dos riscos à saúde humana, as concentrações dos elementos Zn e Pb que excederam ou estão próximos aos limites permitidos (E3, E8 e E9) demonstraram a necessidade de um monitoramento contínuo, principalmente para o Pb, por ser um metal tóxico e cumulativo que afeta vários sistemas do corpo humano, incluindo os sistemas neurológico, hematológico, gastrointestinal, cardiovascular e renal. As crianças são particularmente vulneráveis aos efeitos neurotóxicos do Pb, e mesmo níveis relativamente baixos de exposição podem causar danos neurológicos graves e, em alguns casos, irreversíveis 36.
Nas quatro coletas realizadas, não foram observadas a presença de CT ou de E. coli nas amostras das escolas E1, E3, E4 e E7. Este resultado evidencia a eficácia dos tratamentos das águas informados nos dados das análises de campo para cloro residual livre fornecido pela Visa. A Tabela 4 apresenta os resultados das seis escolas com presença CT e/ou E. coli.
Segundo a legislação 14, toda água para o consumo humano, fornecida coletivamente, deverá passar por processo de desinfecção ou cloração e a presença de CT pode indicar a ineficiência do tratamento da água e ou falta na integridade do sistema de distribuição. Portanto, as escolas E5, E6, E9 e E10 apresentaram CT nas amostras sendo um indicador da falta ou ineficiência do tratamento da água.
As amostras coletadas na primavera e no verão da escola E2 revelaram presença de CT e E. coli nos três pontos estudados, indicando que a água fornecida não recebeu tratamento prévio e que a contaminação tem como origem o próprio poço. A escola E8 revelou presença de CT e E. coli na água do ponto direto do poço durante o verão e no ponto reservatório nas coletas realizadas na primavera e no verão, já o ponto de coleta bebedouro não revelou presença de E. coli, indicando uma ação efetiva do filtro desta escola.
E. coli tem sido utilizada como o principal indicador de coliformes termotolerantes e, embora esse microrganismo seja encontrado no conteúdo intestinal do homem e de animais de sangue quente, várias cepas têm atributos de virulência 37, 38. E. coli é uma das três principais bactérias patogênicas transmitidas por alimentos e pela água no mundo, sendo clinicamente importante, pois sua infecção pode levar a uma ampla gama de manifestações clínicas, incluindo infecções assintomáticas, diarreia leve ou doenças graves, como colite hemorrágica e síndrome hemolítico-urêmica. Um surto causado por este patógeno pode atingir proporções epidêmicas, causando um ônus econômico considerável 39.
Na coleta de outono (última realizada), as escolas E2 e E8 demostram ausência de E. coli na água, caracterizando uma melhora na qualidade de suas águas. Esta melhora foi devido à ação da Visa que, mediante os resultados obtidos nas coletas anteriores, interditou o poço da E2, passando o fornecimento de água a ser realizado por caminhão-pipa, e na E8 houve uma manutenção do poço e limpezas do reservatório e das caixas d’águas. Porém, a presença de CT no bebedouro da E2 e no poço e reservatório da E8 indica que as medidas tomadas não foram totalmente eficientes, sendo sugerida uma manutenção mais eficaz como troca dos filtros, verificação da tubulação e até mesmo a substituição do poço, já que a falta de manutenção dos poços pode desencadear condições favoráveis ao desenvolvimento e sobrevivência de patógenos microbianos 35.
Em síntese, 29,0% do total de amostras analisado apresentou presença de CT e em 9,0% das amostras foi confirmada a presença de E. coli (concentrada em duas escolas). Estudos realizados anteriormente vêm apontando os mesmos problemas de contaminação microbiana em águas fornecidas nas escolas brasileiras 40, 41, 42, 43. A presença de coliformes termotolerantes nestes estudos variou de 10,0% a 33,0% das amostras analisadas, porcentagem média superior ao encontrado no presente estudo, sendo que os autores evidenciaram a necessidade da implantação de medidas de saneamento e ressaltaram que a presença destes microrganismos podem estar associadas à falta de higienização nas caixas d’água e encanamentos, à falta de cloração eficaz e à ineficiência dos filtros dos bebedouros 25, 40, 41, 42, 43.
Estas evidências estão alinhadas aos resultados e a observações do presente estudo, onde seis escolas necessitam implantar e manter um tratamento mínimo, como a cloração, para melhorar a qualidade da água fornecida aos alunos. A avaliação e as reformas das estruturas físicas dos poços também se fazem necessárias para garantir as condições higiênico-sanitárias do ambiente e, consequentemente, proteger a fonte de abastecimento.
Em geral, as amostras de água analisadas (direto dos poços e/ou reservatórios) revelaram presença de matérias estranhas em suspensão e depósito, identificadas como: cistos de ameba e cistos de protozoários de vida livre, matérias estranhas amorfas, material terroso, nematoides de vida livre (fitoparasito), cristais, fibras vegetais, ovos de inseto, bárbulas de ave, dentre outras. A ocorrência destas matérias estranhas é um indicativo de falhas das boas práticas e problemas estruturais dos poços e/ou reservatórios, que podem propiciar a entrada de sujidades.
Na coleta de inverno da amostra E2, realizada no ponto reservatório, a análise microscópica revelou a presença de cistos de Eimeria spp. que, apesar de ser um protozoário, não é considerado de risco a saúde humana, porém, é indicativo de contaminação por fezes de aves ou ruminantes 44. Diante destes resultados, faz-se necessária a adoção de medidas de higiene e manutenção adequada dos reservatórios, incluindo uma etapa de filtração da água antes do uso e consumo.
A Tabela 5 apresenta os resultados da pesquisa de Giardia spp. e de Cryptosporidium spp. nas 40 amostras de água provenientes das dez escolas estudadas. Ao todo, 15,0% das amostras analisadas revelaram presença de protozoários relacionados a riscos à saúde humana, sendo que os resultados ressaltam a ocorrência de protozoários nas escolas E2, E3, E5, E6, E9 e E10 em apenas uma das coletas.
Giardia spp. é um dos protozoários mais comuns e conhecidos cientificamente, principalmente por causar episódios de diarreias, seus cistos são resistentes ao cloro, embora sejam menos resistentes que Cryptosporidium spp., sendo ambos mais resistentes que as bactérias, sobrevivendo aos níveis rotineiramente utilizados para o tratamento da água 45.
Dentre as diversas formas de contaminação das águas por protozoários, alguns autores relataram a participação de moscas, especialmente coprófagas, na disseminação mecânica de protozoários, transportando-os para os corpos d’água em seu exoesqueleto e no trato digestivo 46, 47, fator que pode explicar a ocorrência observada neste estudo. Barçante et al. 48 analisaram 414 poços domiciliares no município de Lagoa Santa (Minas Gerais) e detectaram Giardia intestinalis em 14,04% das amostras, associando os achados as más condições estruturais dos reservatórios.
A ocorrência e a detecção desses protozoários em amostras de água coletadas em poços são pouco exploradas. A análise de protozoários em água traz uma série de desafios científicos e tecnológicos, uma vez que as metodologias reconhecidas internacionalmente são de alta especificidade. No Brasil, a pesquisa de protozoários em água por técnicas específicas e sensíveis ainda é pouco difundida, considerando aspectos como a especificidade e o custo das técnicas, aliados as dificuldades na detecção e possível presença de interferentes nas matrizes.
A legislação estabelece uma relação entre a ocorrência de E. coli e o monitoramento de Giardia spp. e oocistos de Cryptosporidium spp. 14. Portanto, a Tabela 6 traz um resumo de todas as coletas, a ocorrência de protozoários e dos demais parâmetros analisados por escola.
Comparando os resultados das análises microbiológicas com os de protozoários, podemos observar que as escolas E1, E4 e E7 apresentaram resultados satisfatórios para os ensaios microbiológicos e microscópicos.
Nas escolas E3, E5, E6, E9 e E10 foi detectada a presença de DNA de Giardia spp. pelo ensaio da PCR e não foi observada presença de E. coli, sugerindo não haver uma correlação entre estes dois parâmetros.
Estes resultados podem estar relacionados a diversos fatores como tipo de poço, estruturas físicas dos reservatórios e/ou a eficácia do tratamento da água por cloração. O ensaio de PCR é uma técnica mais sensível que o método de substrato cromogênico/enzimático (sistema Colilert) utilizado para a determinação de presença ou ausência de CT e E. coli onde, nos casos em que houve tratamento da água, estes microrganismos podem ter sido inativados pelo cloro (assim como o protozoário), não sendo detectados pelo sistema Colilert.
Na amostra da E2, foi detectado DNA de Cryptosporidium spp. e revelada a presença de CT e E. coli durante a coleta de primavera, confirmando a má qualidade da água deste poço. Na escola E8, que revelou a presença de CT e E. coli nas coletas de primavera e verão, não foi detectada a presença de protozoários, ressaltando que, neste estudo, não foi observado correlação entre a presença de E. coli (ou CT) e protozoários nas águas analisadas.
Nas dez escolas estudadas, apenas três (E1, E4 e E7) apresentaram resultados em acordo com a Portaria de Consolidação n° 5/2017, Anexo XX, quanto aos ensaios realizados. Nas demais foi verificada a presença de microrganismos, protozoários e/ou resultados acima VMP para cor aparente, turbidez, Fe, Zn e Pb que interferem na qualidade da água oferecida as escolas. A detecção dos protozoários neste estudo denota a importância de monitorar a qualidade da água oferecida nas escolas, principalmente, considerando que crianças podem ser mais suscetíveis às infecções alimentares e por via hídrica, evitando assim a ocorrência de surtos epidêmicos. Neste estudo foi observado que a qualidade da água, está associada a fatores como a falta de investimento na infraestrutura dos poços, cloração da água e falta de profissional responsável pelo controle e manutenção da água.
A qualidade da água oferecida às crianças e aos funcionários das escolas requer estratégias de políticas públicas por parte dos órgãos relacionados à saúde e meio ambiente, visando garantir a sua qualidade e inocuidade. Ressaltamos o diferencial da escola que possui parceria com a empresa de tratamento de água do município para garantir a desinfecção e a fluoretação, resultando em uma qualidade superior da água oferecida. Esta parceria deve ser mantida e, se possível, expandida para as demais escolas com soluções alternativas coletivas de abastecimento de água da cidade para mitigar os riscos nas demais escolas estudadas.
À Prof. Dra. Solange Cadore, do Instituto de Química da Universidade de Campinas (Unicamp), pelo auxílio na determinação dos elementos inorgânicos.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
Fiorvanti MIA, Pereira PHL, Marciano MAM, Mazon EMA - Concepção, planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Sanches VL – Análise. Ferreira COF – Coleta. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.
* E-mail: campinas.cqb@ial.sp.gov.br