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Levantamento sobre licenciamento sanitário municipal: procedimentos e simplificação
Survey on municipal sanitary licensing: procedures and simplification
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 8, núm. 4, pp. 83-92, 2020
INCQS-FIOCRUZ

ARTIGO


Recepção: 29 Abril 2020

Aprovação: 20 Outubro 2020

DOI: https://doi.org/10.22239/2317-269X.01563

RESUMO

Introdução: O licenciamento sanitário é o ato legal que permite o funcionamento de estabelecimentos que desempenhem atividades sujeitas à vigilância sanitária, sendo competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. A publicação da RDC Anvisa nº 153, de 26 de abril de 2017, estabeleceu critérios nacionais para classificação de risco, simplificação e harmonização para o licenciamento sanitário.

Objetivo: Obter informações sobre o processo de licenciamento sanitário adotado nos municípios brasileiros e avaliar a implementação e adoção dos critérios da RDC nº 153/2017 pelas Vigilâncias Sanitárias (Visa) municipais.

Método: As informações foram obtidas por meio de um formulário virtual semiestruturado enviado por e-mail aos órgãos de Visa municipais.

Resultados: Ao todo, 2.111 municípios enviaram informações acerca do conhecimento e da implementação da normativa, além dos procedimentos adotados para o licenciamento sanitário, tais como: momento de análise documental e inspeção sanitária, cobrança de taxa, tempo médio para concessão de licença sanitária, informatização e integração à Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).

Conclusões: Apesar de a normativa ser amplamente conhecida, apenas 15,4% dos órgãos de Visa municipais respondentes adotam procedimentos simplificados para concessão da licença sanitária para atividades econômicas até então denominadas de baixo risco. Além disso, ratificou-se a relevância estadual na coordenação das Visa municipais e, considerando a cobrança de taxa para emissão da licença sanitária pela maioria dos municípios brasileiros, verificou-se potencial impacto na arrecadação destes com a publicação da Lei da Liberdade Econômica. À Anvisa cabe a articulação com o Governo Federal e a proposição de programas que auxiliem a articulação entre os órgãos locais, para que promovam a troca de experiências, cooperação mútua e fortalecimento do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.

PALAVRAS-CHAVE: RDC nº 153/2017, Licenciamento Sanitário, Classificação de Risco, Vigilância Sanitária Municipal.

ABSTRACT

Introduction: Health licensing is the legal act that allows establishments that perform activities subject to health surveillance to function and the responsibility of States, the Federal District and Municipalities over it. The publication of Anvisa RDC Resolution No. 153/2017 established national criteria for risk classification, simplification and harmonization for health licensing.

Objective: Obtain information about the health licensing process adopted in Brazilian municipalities and evaluate the implementation and adoption of the criteria of Anvisa RDC Resolution No. 153/2017 by Municipal Health Surveillance.

Method: The information was obtained by means of a semi-structured virtual form, sent by email to the Municipal Health Surveillance agencies.

Results: At all, 2,111 municipalities sent information about the knowledge and implementation of the regulation, in addition to procedures adopted for health licensing, such as: phase for document analysis and health inspection, fee collection, average time for granting a health license, digitalization and integration with Redesim.

Conclusions: Although the regulations are widely known, only 15.4% of the respondent Municipal Health Surveillance agencies adopt simplified procedures for granting the health license for economic activities previously known as low risk. In addition, State relevance in the coordination of municipal visas was ratified and, considering the charging of fees for issuing the health licence by most brazilian municipalities, there was a potential impact on their collection with the publication of the Economic freedom law. Anvisa is responsible for articulating with the Federal Government and proposing programs to assist articulation between local agencies, to promote exchange of experiences, cooperation and strengthening of the SNVS.

KEYWORDS: RDC nº 153/2017, Sanitary Licensing, Risk Rating, Municipal Health Surveillance.

INTRODUÇÃO

Conforme previsto na Lei Federal nº 6.360, de 23 de setembro de 19761 , e na Lei Federal nº 9.782, 26 de janeiro de 19992 , somente poderão extrair, produzir, fabricar, transformar, sintetizar, purificar, fracionar, embalar, reembalar, importar, exportar, armazenar ou expedir medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, definidos na Lei Federal nº 5.991, de 17 de dezembro de 19733 , bem como produtos de higiene, cosméticos, perfumes, saneantes domissanitários, produtos destinados à correção estética e alimentos, as empresas para tal fim autorizadas pelo Ministério da Saúde (MS) e cujos estabelecimentos hajam sido licenciados pelo órgão sanitário das unidades federativas em que se localizem.

O licenciamento sanitário é o ato legal que permite o funcionamento de estabelecimentos, constatada sua conformidade com requisitos legais e regulamentares, sendo que o licenciamento dos estabelecimentos que realizam atividades sujeitas à vigilância sanitária é de competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios4 .

Via de regra, por meio da inspeção sanitária, os órgãos de Vigilância Sanitária (Visa) avaliavam as condições das instalações, a capacitação técnica e operacional da empresa, a responsabilidade profissional, dentre outros, e o conjunto de requisitos para posterior concessão da licença sanitária5 .

Em 2007, foi publicada a Lei Federal nº 11.5986 , de 3 de dezembro, que estabeleceu diretrizes e procedimentos para a simplificação e integração do processo de registro e legalização de empresários e de pessoas jurídicas, além de criar a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim). Em seu Art. 5º, a Lei estabelece que: “para os fins de registro e legalização de empresários e pessoas jurídicas, os requisitos de segurança sanitária, controle ambiental e prevenção contra incêndios deverão ser simplificados, racionalizados e uniformizados pelos órgãos e entidades que componham a Redesim, no âmbito das respectivas competências”.

A partir de então, houve um movimento de análise e revisão dos procedimentos tradicionalmente adotados pelos órgãos licenciadores, incluindo a Visa, a fim de que estes fossem proporcionais ao risco inerente das atividades econômicas desenvolvidas. Por definição, o risco sanitário é a propriedade que tem uma atividade, serviço ou substância, de produzir efeitos nocivos ou prejudiciais à saúde humana7 .

No âmbito dos estados e municípios, a necessidade da manifestação da Visa sobre o risco das atividades econômicas, para efeito de licenciamento, esteve presente mais fortemente a partir de 2010, sendo o estado de São Paulo pioneiro nesta definição e instituição de norma regulamentando a questão. No decorrer do tempo, vários outros estados foram aderindo à Redesim e a matéria em questão foi disciplinada pela Resolução do Comitê da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM) nº 22, de 22 de junho de 20108 (Regulamento do Comitê Gestor da Redesim), sem a participação de representantes da Visa e, portanto, sem refletir o entendimento do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS).

Tendo isto, a partir das classificações já existentes nos estados e municípios e após discussões com áreas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e com as coordenações de Visa estaduais e municipais, com posterior consulta pública, a Anvisa publicou em 26 de abril de 2017 a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 1539 que definiu o grau de risco sanitário das atividades econômicas de interesse da vigilância sanitária e seus respectivos procedimentos para licenciamento, dividindo-as em duas categorias:

  • Baixo risco: atividades econômicas cujo início da operação do estabelecimento ocorrerá sem a realização de inspeção sanitária ou análise documental prévia por parte do órgão responsável pela emissão da licença sanitária;

  • Alto risco: atividades econômicas que exigem inspeção sanitária ou análise documental prévia por parte do órgão responsável pela emissão da licença sanitária, antes do início da operação do estabelecimento.

Conforme previsto no parágrafo único do Art. 6º da RDC Anvisa nº 153/20179 , a Instrução Normativa (IN) nº 16, de 26 de abril de 201710 estabeleceu a lista de atividades econômicas sujeitas à vigilância sanitária, por grau de risco, para fins de licenciamento sanitário.

Essa normativa se propôs a harmonizar nacionalmente a classificação de risco das atividades econômicas sujeitas à vigilância sanitária, divididas em baixo e alto risco, e os respectivos procedimentos a serem adotados, para fins de licenciamento. Ressalte-se que, por considerar a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) como referência para a classificação do risco sanitário, a IN nº 16/201710 apresenta ainda uma tabela de atividades ditas como “Dependente de Informação”, a qual abrange atividades cujo enquadramento nos códigos da CNAE não é suficientemente preciso para definir se tal atividade econômica é de alto ou baixo risco, ou mesmo se essa atividade consta daquelas de competência da Visa. Um exemplo disto é a fabricação de artefatos de borracha que tanto podem servir à produção de produtos de saúde, quanto à manufatura de artigos automotivos, que, neste último caso, não é escopo da vigilância sanitária. Outro exemplo é a fabricação de alimentos. Se for de porte industrial, configura-se como atividade econômica de alto risco sanitário, para fins de licenciamento, já se a fabricação for artesanal, a atividade é classificada como baixo risco.

Tendo isto, com o objetivo de obter informações sobre o processo de licenciamento sanitário adotado no Brasil, sobretudo em relação aos critérios abordados na RDC Anvisa nº 153/20179 , a fim de embasar discussões nacionais acerca do tema e viabilizar a elaboração de estratégias mais assertivas e que atendam às necessidades do SNVS, a Anvisa fez um levantamento sobre o licenciamento sanitário junto aos órgãos de Visa locais.

Considerando a instituição de um procedimento simplificado para licenciamento de atividades econômicas de baixo risco sanitário, proposto pela RDC Anvisa nº 153/20179 , e a previsão de que as ações de vigilância sanitária relacionadas a estabelecimentos, produtos e serviços de baixo risco sanitário sejam realizadas pelos municípios, conforme RDC Anvisa nº 2074 , de 3 de janeiro de 2018, o presente levantamento sobre licenciamento sanitário foi direcionado aos órgãos de Visa municipais.

Sendo assim, o objetivo deste estudo foi obter informações sobre o processo de licenciamento sanitário adotado nos municípios brasileiros e avaliar a implementação e adoção dos critérios da RDC Anvisa nº 153/20179 pelas Visas municipais.

MÉTODO

As informações sobre o licenciamento sanitário municipal foram obtidas por meio de um formulário virtual semiestruturado, elaborado pela Assessoria do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (ASNVS) da Anvisa, contendo até 18 questões, apresentadas no Quadro .

Quadro
Perguntas e respostas que compõem o formulário virtual semiestruturado elaborado pela Assessoria do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que foi enviado às Vigilâncias Sanitárias municipais através dos respectivos coordenadores estaduais.

RDC: Resolução da Diretoria Colegiada; Anvisa: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Sebrae: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; Redesim: Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios

O formulário foi enviado, via e-mail, aos 26 coordenadores estaduais para que estes, a pedido da ASNVS/Anvisa, repassassem a todos os respectivos órgãos de Visa municipais. O formulário ficou disponível para preenchimento no período de julho a setembro de 2019. Posteriormente, os dados foram tratados e analisados.

Quando detectado mais de um registro por município, por padronização interna, foi acatada somente a contribuição mais recente, considerando que pudesse ser retificação de informação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No período de realização do levantamento, 2.111 municípios enviaram informações acerca dos procedimentos adotados para o licenciamento sanitário, perfazendo 37,9% dos municípios brasileiros. A Figura 1 apresenta a participação relativa de cada estado (A), região (B) e porte populacional (C). Com exceção da Região Centro-Oeste (22,1%), que ficou bem abaixo da média nacional (37,9%), as contribuições dos municípios por regiões do Brasil e por porte populacional foram consideradas relativamente satisfatórias, por estarem acima ou próximas à média nacional.


Figura 1
Participação proporcional dos municípios em relação à devolução do formulário virtual por estado (A), região (B) e porte populacional (C). Contribuição proporcional acima (preto) e abaixo (vermelho) da média nacional 37,9%.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2020.

O presente levantamento contou com as contribuições voluntárias dos órgãos de Visa municipais, por intermédio dos respectivos coordenadores estaduais, também de forma voluntária. A interlocução entre o nível federal e o nível estadual/distrital foi efetiva, considerando que foram obtidas informações de municípios de todos os estados e do Distrito Federal.

A contribuição proporcional dos municípios de cada estado brasileiro foi bem heterogênea, variando de 5,1%, no caso do estado do Mato Grosso do Sul, a 81,1%, no estado de São Paulo. Não é possível determinar se os órgãos de Visa municipais faltantes não quiseram responder ao formulário ou se não receberam tal solicitação, o que poderia indicar uma comunicação deficiente com o respectivo coordenador estadual.

Findado o prazo para preenchimento do formulário, os dados brutos obtidos foram encaminhados aos órgãos de Visa estaduais, para que procedessem avaliações locais, se assim julgassem pertinente.

Quanto à análise das informações obtidas, inicialmente cabe ressaltar que 3,1% dos órgãos de Visa municipais declararam não emitir licença sanitária. Destes, 89,4% são municípios com até 20 mil habitantes. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística11 , 21,9% dos municípios brasileiros não possuem Código Sanitário e não utilizam a normativa estadual, sendo o maior percentual destes da Região Nordeste e inversamente proporcional ao porte populacional. As Visa de Jataí (GO) e Rio do Sul (SC) informaram que, por lei, o alvará único é emitido pela Secretaria da Fazenda.

Quanto à RDC Anvisa nº 153/20179 , os órgãos de Visa municipais foram questionados se conheciam a Resolução, se houve algum treinamento em relação à classificação do grau de risco para as atividades econômicas sujeitas à vigilância sanitária, para fins de licenciamento, e se o município adotava alguma classificação de risco, tendo os seguintes resultados:

  • 77,0% dos municípios informaram conhecer a RDC Anvisa nº 153/2017;

  • 39,0% dos órgãos de Visa municipais informaram ter recebido algum treinamento em relação à classificação do grau de risco para as atividades econômicas sujeitas à vigilância sanitária, para fins de licenciamento, distribuídos assim: 72,0% foram treinados pela Visa estadual, 17,0% foram treinados pela própria Visa municipal, 10,0% foram treinados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 1,0% pela Anvisa e 3,0% por outros;

  • Dos municípios que emitem licença sanitária, 78,0% declararam que a Visa destes classifica o risco das atividades econômicas, para fins de licenciamento, sendo esta classificação conforme: normativa estadual (45,0%), RDC Anvisa nº 153/2017 (43,0%) e normativa municipal (12,0%). Cabe ressaltar que ao menos um município de todos os estados mencionou seguir a RDC Anvisa nº 153/2017. Quanto ao porte populacional, verificou-se tendência crescente à classificação de risco das atividades econômicas, para fins de licenciamento, sendo que 76,3% dos municípios de até 5.000 habitantes declararam proceder tal classificação.

A fim de verificar se os procedimentos de licenciamento realizados pelas Visa municipais são condizentes com a classificação de risco das atividades econômicas, questionou-se em que momento eram feitas a análise documental e a inspeção sanitária para atividades de baixo risco, considerando que a RDC Anvisa nº 153/20179 preconiza que estas sejam feitas após a concessão da licença sanitária. Os resultados são apresentados na Figura 2 .


Figura 2
Representação percentual do momento em que são feitas a análise documental (A) ou a inspeção sanitária (B) no processo de licenciamento sanitário para atividades de baixo risco executado pelos municípios brasileiros emissores de licença sanitária.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2020.

Apesar de 78,0% dos municípios declararem classificar o risco das atividades econômicas, apenas 23,3% e 25,7% realizam análise documental ou inspeção sanitária, respectivamente, após a concessão da licença sanitária.

Considerando as duas variáveis concomitantemente, apenas 15,4% dos órgãos de Visa municipais adotam de fato procedimento simplificado para licenciamento de atividades econômicas de baixo risco, ou seja, há emissão da licença sanitária e, posteriormente, ocorrem a análise documental e/ou inspeção sanitária. Destes, 65,0% declararam não terem sido treinados e, dos 25,0% que receberam treinamento sobre o tema, 65,7% foram treinados pela Visa estadual, evidenciando a efetiva atuação dos estados na coordenação das Visa municipais.

Dos 11,4% órgãos que declararam fazer inspeção sanitária após a concessão da licença apenas em alguns casos, 64,2% seguem o plano de ação definido pela Visa municipal, 12,1% a partir de denúncias e 6,8% por amostragem, demonstrando uma efetiva atuação da vigilância sanitária proporcional aos riscos, mantendo seu dever de proteção à saúde por meio da intervenção estatal, visando impedir possíveis danos, agravos ou riscos à saúde da população12 . Neste sentido, torna-se preocupante a parcela de 2,3% dos órgãos de Visa municipais que adotam procedimento simplificado para licenciamento de atividades econômicas de baixo risco não realizarem inspeções sanitárias para tais atividades, sob nenhuma hipótese. Apesar de apresentarem baixo risco sanitário, estas atividades ainda podem ocasionar danos à saúde da população, ainda que em menor probabilidade e intensidade, e requerem monitoramento da qualidade dos serviços sujeitos à vigilância sanitária.

Já em relação ao tempo para concessão da licença sanitária, os municípios foram questionados quanto ao tempo médio praticado para emissão de licença sanitária para atividades econômicas de baixo risco e alto risco, conforme demonstrado na Figura 3 .


Figura 3
Tempo médio para o licenciamento sanitário das atividades econômicas de baixo risco (A) e alto risco (B) junto às Vigilâncias Sanitárias municipais.
Fonte: Elaborada pelos autores, 2020.

Dos órgãos de Visa municipais que emitem licença sanitária, 123 responderam “não se aplica” para o tempo médio de licenciamento sanitário de atividades econômicas de baixo risco, o que pode representar que estes não saibam o prazo para execução de tal procedimento. Dos municípios que informaram conceder licença sanitária automática, 167 fazem análise documental e/ou inspeção sanitária prévias, demonstrando que o prazo informado está incorreto.

Como demonstrado nos resultados do levantamento, a maioria dos municípios brasileiros (77,0%) tem conhecimento da RDC Anvisa nº 153/20179 . Apesar disto, apenas 15,4% dos órgãos de Visa municipais que declararam adotar classificação de risco fazem procedimentos simplificados para licenciamento de atividades econômicas de baixo risco. Esta informação é corroborada quando analisamos o tempo médio para a concessão da licença sanitária. Em sua maioria, as licenças sanitárias para atividades econômicas de baixo risco levam de 5 a 30 dias para serem emitidas, assim como as de alto risco (até 30 dias), sugerindo que não estão sendo adotados procedimentos simplificados para o licenciamento sanitário das atividades de baixo risco.

Neste contexto, seria necessária uma melhor investigação dos motivos pelos quais a classificação de risco adotada pelos municípios não se traduz em procedimentos simplificados para a emissão da licença sanitária. Cabe também uma avaliação da Anvisa acerca de sua atuação enquanto coordenadora do SNVS, conforme previsto na Lei Federal nº 9.782/19992 , uma vez que a norma publicada pela Agência é amplamente conhecida pelos órgãos de Visa locais, mas pouco aplicada na prática, no que tange à simplificação de procedimentos para licenciamento dos estabelecimentos que executam atividades de baixo risco.

Além das questões relacionadas à classificação do grau de risco para as atividades econômicas sujeitas à vigilância sanitária, para fins de licenciamento, foram feitos também questionamentos quanto à informatização dos procedimentos e integração à Redesim.

Dos municípios participantes do levantamento, 62,0% declararam proceder o licenciamento junto à Visa por meio de sistema informatizado, sendo distribuídos assim: 43,0% em sistemas informatizados nos balcões da Visa; 13,0% no portal da Visa na internet e 6,0% no portal do integrador estadual da Redesim na internet. Apesar disto, 91,0% orientam presencialmente o empreendedor sobre as etapas e exigências que devem ser cumpridas para o licenciamento sanitário, nos balcões de atendimento da Visa municipal.

Quanto à integração, apenas 20,2% dos órgãos de Visa municipais declararam estar integrados à Redesim e 25,0% a desconhecem. Além disso, a Visa de Campinas/SP informou que no módulo integrador estadual (Via Rápida Empresa – VRE) e na Redesim só é possível cadastrar pessoa jurídica, sendo que os municípios do estado de São Paulo também licenciam atividades econômicas de pessoa física, demonstrando a necessidade de adaptação da Redesim à realidade de alguns órgãos de Visa. Outra adaptação necessária é a possibilidade de renovação das licenças sanitárias já concedidas.

Considerando isto, verificamos que a maioria dos municípios (62,0%) dispõe de sistema informatizado para licenciamento, indicando a automatização das Visa municipais. Apesar disto, os sistemas são apenas internos, considerando que 91,0% das orientações são fornecidas nos balcões de atendimento da Visa. Este é outro ponto que merece a atenção dos entes do SNVS, pois a ampla automatização dos serviços pode facilitar a simplificação dos procedimentos relativos ao licenciamento sanitário e tornar mais ágil e eficiente a interface com os empreendedores que buscam informações para se regularizar.

Quanto à cobrança de taxas, 74,0% dos órgãos de Visa municipais cobram taxas para o licenciamento sanitário municipal, o que possivelmente acarretará diminuição de arrecadação com a publicação da Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 201913 , e posterior sanção da Lei Federal nº 13.874, de 20 de setembro de 201914 .

A Lei Federal nº 13.874/201914 institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado e altera outros dispositivos. Conforme disposto no Art. 3º da Lei:

São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do Art. 170 da Constituição Federal:

  • desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica;

Ou seja, as atividades econômicas consideradas de baixo risco, nos termos da Lei Federal nº 13.874/201914 e normativa complementar Resolução CGSIM nº 51, de 11 de junho de 200915 , alterada pela Resolução CGSIM nº 57, de 21 de maio de 202016 , estão isentas de qualquer ato público de liberação para a sua execução, incluindo licença sanitária.

Cabe ressaltar que a Lei respeita a autonomia de estados, Distrito Federal e municípios, uma vez que estes só deverão seguir as normativas de classificação de risco federais, caso não tenham normativos próprios acerca do tema. De qualquer forma, houve uma alteração do procedimento a ser adotado para atividades de baixo risco, quando comparado à RDC Anvisa nº 153/20179 e às normativas estaduais, distrital e municipais já existentes, uma vez que não haverá mais emissão de licença sanitária, nestes casos.

A publicação da Lei da Liberdade Econômica, como é chamada, tomou de surpresa alguns órgãos de Visa locais, sobretudo os municipais, que são responsáveis pelo licenciamento sanitário de atividades econômicas de baixo risco e terão que rever seus procedimentos de vigilância sanitária e arrecadação.

Como já manifestado por alguns deles, a revisão do processo de trabalho faz-se fundamental e necessária, apresentando seus aspectos positivos para eficiência do Estado, na busca de inovação e maior qualificação dos atos. Neste sentido, desde a publicação da RDC Anvisa nº 153/20179 , vêm sendo travadas discussões a respeito da desoneração e agilidade dos processos de fiscalização, prestação de informação e emissão de documentos pelos entes do SNVS. Entretanto, tais avanços devem ser conduzidos de forma a não comprometer o objetivo final da ação da vigilância sanitária, que é a proteção da saúde.

Tendo em vista a sanção da Lei Federal nº 13.874/201914 , em 1o de setembro de 2020, a Anvisa atualizou seus normativos legais a respeito do tema: foi publicada a RDC Anvisa nº 418/202017 , que altera a RDC Anvisa nº 153/20179 , e publicou a IN nº 66/202018 , que revoga a IN nº 16/201710 . Estas normativas acompanham os níveis de risco adotados na Resolução CGSIM nº 57/202016 e os procedimentos de licenciamento pertinentes a cada nível.

A isenção de atos públicos de liberação da atividade econômica não impede a atuação da vigilância sanitária, que terá que voltar seus esforços para as ações pós mercado na fiscalização de tais estabelecimentos, pois a isenção de licença sanitária não desobriga o empreendedor a cumprir a legislação vigente.

Cabe salientar que o poder de polícia do Estado, incluindo a Visa, pode atuar por atos normativos, bem como por atos administrativos que são compostos por medidas preventivas (autorização, licença, fiscalização, vistoria, ordem, notificação) ou medidas repressivas (interdição de atividade, apreensão de mercadorias deterioradas, fechamento de estabelecimento)19 . O exercício regular do poder de polícia da Visa justifica a cobrança de taxa para tal execução20 , ainda que em ações pós mercado.

Ao final do formulário, havia um campo descritivo para que fossem coletados comentários e/ou relatos a respeito do tema. Neste campo, 855 órgãos de Visa municipais se manifestaram não só sobre o licenciamento sanitário, como em relação a todos os aspectos de seus processos de trabalho. Os comentários foram categorizados em: observações (512), demandas (265), elogios (63), reclamações (51) e sugestões (15).

Na categoria “observações” foram enviadas informações adicionais acerca do tema que não haviam sido contempladas no questionário elaborado pela ASNVS/Anvisa. Quanto às demandas, as mais frequentes foram as necessidades de capacitação acerca do tema: RDC Anvisa nº 153/20179 e/ou Redesim, além de demais capacitações nos assuntos relacionados à vigilância sanitária.

Os achados deste levantamento corroboram com a visão de Silva et al.21 , que ressaltaram que a descentralização das ações de vigilância sanitária é, além de um princípio norteador, uma estratégia de seu fortalecimento nas três esferas de governo. Para ser efetiva, deve ser acompanhada dos recursos financeiros, apoio técnico e instrumentos de gestão que se façam necessários ao fortalecimento dos entes federados.

CONCLUSÕES

A RDC Anvisa nº 153/20179 é amplamente conhecida pelos órgãos de Visa municipais. Apesar disto, uma pequena parcela deles adota procedimentos simplificados para concessão da licença sanitária para atividades econômicas até então denominadas de baixo risco, tendo em vista os procedimentos adotados e o tempo médio gasto no licenciamento sanitário destas, quando comparado ao tempo médio gasto para a concessão da licença sanitária para atividades econômicas de alto risco nos municípios que o fazem. Isto demonstra que ainda há muito a se avançar nesta simplificação de procedimentos proporcionais aos riscos sanitários que as atividades econômicas potencialmente oferecem.

Além disso, outro aspecto relevante é a cobrança de taxa para o licenciamento sanitário pelos órgãos de Visa municipais, considerando a publicação da Lei Federal nº 13.874/201914 . A partir da publicação da Lei da Liberdade Econômica, os entes do SNVS, sobretudo os municipais, estão passando por mudanças em seu processo de trabalho, a fim se alinhar à Lei e manter o objetivo final da ação da vigilância sanitária, que é a proteção da saúde.

Ratificou-se a relevância estadual na coordenação das Visa municipais, considerando os dados de treinamento e normativas estaduais acerca do tema, o que é um ponto extremamente positivo, considerando um Sistema composto por 5.570 municípios22 .

À Anvisa, enquanto coordenadora do SNVS, cabe a articulação com o Governo Federal e a proposição de programas que auxiliem a articulação entre os órgãos estaduais, distrital e municipais, para que promovam a troca de experiências, cooperação mútua e fortalecimento do SNVS.

Agradecimentos

Aos órgãos de Vigilância Sanitária municipais e seus colaboradores, que se dispuseram a responder o questionário proposto neste levantamento e, assim, contribuíram para importante registro e análise da prática de licenciamento sanitário municipal. Aos coordenadores de Vigilância Sanitária estaduais, que repassaram o questionário a seus respectivos municípios, sem os quais não seria possível atingir tantas vigilâncias sanitárias locais. À ASNVS/Anvisa, por viabilizar a realização deste levantamento.

REFERÊNCIAS

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Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Instrução normativa Nº 16, de 26 de abril de 2017. Dispõe sobre a lista de classificação nacional de atividades econômicas (CNAE) classificadas por grau de risco para fins de licenciamento sanitário. Diário Oficial União. 27 abr 2017.

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Brasil. Resolução Nº 51, de 11 de junho de 2019. Versa sobre a definição de baixo risco para os fins da medida provisória Nº 881, de 30 de abril de 2019. Diário Oficial União. 12 jun 2019.

Brasil. Resolução Nº 57, de 21 de maio de 2020. Altera as resoluções Nº 51, de 11 de junho de 2019; Nº 22, de 22 de junho de 2010, Nº 29, de 29 de novembro de 2012, e Nº 48, de 11 de outubro de 2018. Diário Oficial União. 26 maio 2020.

Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Resolução RDC Nº 418, de 1 de setembro de 2020. Altera a resolução RDC Nº 153, de 26 de abril de 2017, que dispõe sobre a classificação do grau de risco para as atividades econômicas sujeitas à vigilância sanitária, para fins de licenciamento, e dá outras providências. Diário Oficial União. 2 set 2020.

Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Instrução normativa Nº 66, de 1 de setembro de 2020. Estabelece a lista de classificação nacional de atividades econômicas (CNAE) de atividades econômicas sujeitas à vigilância sanitária por grau de risco e dependente de informação para fins de licenciamento sanitário, conforme previsto no parágrafo único do artigo 6 da resolução RDC Nº 153, de 26 de abril de 2017. Diário Oficial União. 2 set 2020.

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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Área territorial: área territorial brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019.

Autor notes

Contribuição dos Autores

Costa AFDV - Concepção, planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Jorge DM - Análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Donagema EA - Concepção, planejamento (desenho do estudo) e redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho

* E-mail: ana.vcosta@anvisa.gov.br

Declaração de interesses

Conflito de Interesse

Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.



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