RESUMO
Introdução: Em dezembro de 2019, a China foi assolada pela coronavirus disease (COVID-19), doença causada pelo novo coronavírus, o SARV-CoV-2. Devido ao alto poder de contágio, a Organização Mundial de Saúde declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional em 30 de janeiro de 2020. Em março do mesmo ano, mais de 100 países haviam registrado casos da nova doença, assim, devido à disseminação geográfica rápida, a Organização Mundial de Saúde declarou pandemia da COVID-19.
Objetivo: Avaliar a adesão de hospitais públicos de ensino a um Modelo de Plano de Contingência para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus publicado pela gestão central de uma empresa pública.
Método: Estudo descritivo-analítico, utilizando o modelo elaborado e publicado como documento orientador para adequações do plano de contingência de cada um dos hospitais do estudo.
Resultados: Após duas avaliações dos planos, 36 (94,7%) hospitais apresentaram conformidade superior a 70,0%, sendo que quatro (10,5%) deles apresentaram 100,0% de conformidade com o modelo. A média de adesão dos hospitais ao modelo cresceu de 82,3% na 1ª avaliação, para 91,3% na segunda avaliação, um aumento percentual igual a 11,0%. Todos os hospitais do estudo mantiveram ou aumentaram seus percentuais de adesão.
Conclusões: A pesquisa demonstrou a potencialidade do modelo em orientar as instituições na elaboração e aprimoramento dos seus planos. Considerando os resultados positivos dessa experiência e a escassez histórica de leitos hospitalares, especialmente aqueles com suporte ventilatório, recomenda-se que as autoridades sanitárias brasileiras possam investir tempo e recursos na elaboração de documentos orientadores que auxiliem gestores na reorganização e resposta dos hospitais em situações de crise.
Palavras chave: Planos de Contingência, Infecções por Coronavírus, Vigilância em Saúde Pública, Gestão em Saúde, Unidades Hospitalares.
ABSTRACT
Introduction: In December 2019, China was plagued by coronavirus disease (COVID-19), a disease caused by the new coronavirus, SARV-CoV-2. Due to the high contagion power, the World Health Organization declared a Public Health Emergency of International Importance on January 30, 2020. In March of the same year, more than 100 countries had registered cases of the new disease; thus, due to geographical spread, the World Health Organization declared COVID-19 pandemic.
Objective: To evaluate the adherence of public teaching hospitals to a Contingency Plan Model for Human Infection by the New Coronavirus published by the central management of a public company.
Method: Descriptive-analytical study, using the model developed and published as a guiding document for adapting the contingency plan of each of the hospitals in the study.
Results: After two evaluations of the plans, 36 (94.7%) hospitals showed compliance greater than 70.0%, with four (10.5%) of them showing 100% compliance with the model. Hospitals’ average adherence to the model increased from 82.3% in the first evaluation, to 91.3% in the second evaluation, a percentage increase equal to 11.0%. All hospitals in the study maintained or increased their adherence percentages.
Conclusions: The research demonstrated the potential of the model to guide institutions in preparing their plans. Considering the positive results of this experience and the historical scarcity of hospital beds, especially those with ventilatory support, it is recommended that Brazilian health authorities can invest time and resources in the preparation of guiding documents that assist managers in reorganizing hospitals and response in crisis situations.
Keywords: Contingency Plans, Coronavirus Infections, Public Health Surveillance, Health Management.
ARTIGO
Planos de contingência para a vigilância em saúde na pandemia da COVID-19: análise de conformidades em uma rede de hospitais públicos de ensino
Contingency plans for health surveillance in the COVID-19 pandemic: analysis of compliance in a network of public teaching hospitals
Recepção: 31 Agosto 2020
Aprovação: 28 Setembro 2020
Em dezembro de 2019, a China foi assolada pela coronavirus disease (COVID-19), doença causada pelo novo coronavírus, o SARV-CoV-21 . Devido ao alto poder de contágio, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em 30 de janeiro de 2020. Em março do mesmo ano, mais de 100 países já haviam registrados casos da nova doença e, assim, devido à disseminação geográfica rápida, a OMS declarou pandemia da COVID-192 , 3 .
No Brasil, o primeiro caso confirmado pela COVID-19 ocorreu em 26 de fevereiro de 2020, e muito rapidamente os números cresceram, fazendo com que o Brasil registrasse números alarmantes nos meses seguintes, atingindo a quantidade de 2.419.091 casos confirmados e 87.004 óbitos em 26 de julho, cinco meses após a confirmação do primeiro caso4 . O Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da COVID-19 em fevereiro de 20205 .
Devido à infectividade apresentada pelo SARV-CoV-2 e à inexistência de fármacos ou imunizadores capazes de conter o avanço da doença, medidas não farmacológicas foram adotadas, dentre elas a higiene de mãos, o uso de máscaras e o distanciamento social6 , sendo esse último identificado como medida mais eficaz para conter o avanço da doença e, portanto, capaz de achatar a curva epidemiológica da COVID-197 , 8 .
A rapidez com que o novo agente infeccioso se espalhou pelos diversos continentes e a virulência apresentada suscitaram respostas imediatas dos sistemas de saúde por todo o mundo. Nessa perspectiva, diversos serviços hospitalares criaram planos de contingência (PC) contendo diretrizes organizacionais a serem seguidas pelas instituições como resposta a esse novo cenário pandêmico9 , 10 . Os PC abordam a possível ocorrência de uma calamidade previsível e estimam a evolução e intensidade de seus efeitos se as condições permanecerem variáveis. Dessa forma, a perspectiva era que os planos elaborados pudessem auxiliar a reorganização e resposta dos serviços de saúde para o melhor aproveitamento dos recursos físicos, tecnológicos e humanos no enfrentamento a essa nova doença11 .
Uma resposta hospitalar eficaz inclui: (1) continuidade dos serviços essenciais; (2) implementação coordenada de ações prioritárias; (3) comunicação interna e externa, clara e precisa; (4) rápida adaptação às demandas crescentes; (5) uso efetivo de recursos escassos; e (6) ambiente seguro para pacientes e profissionais de saúde12 .
Buscando se adequar a essa nova realidade e estruturar o funcionamento dos seus serviços, uma empresa pública brasileira lançou o documento Modelo de Plano de Contingência (MPC) para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus. O documento visa auxiliar os gestores dos hospitais administrados pela empresa a encontrar respostas em tempo oportuno à pandemia da COVID-1913 . Essa iniciativa corrobora com o healthcare compliance, uma vez que a padronização e as conformidades com padrões preestabelecidos estão associadas com a melhoria da qualidade dos serviços14 .
Nesse sentido, torna-se oportuno explicitar que, previamente ao processo de elaboração do MPC pela gestão central, os hospitais integrantes da rede enviaram versões preliminares de seus PC individuais (PCI) para o grupo de trabalho (GT) da gestão central. Esse material foi analisado pela gestão central e pôde, assim, contribuir com a construção do MPC. A elaboração do MPC foi baseada em legislações, normas e boas práticas descritas na literatura. Após a finalização do modelo da gestão central, foram realizadas oficinas com os hospitais para discussão e validação do documento. Essas ações integram a metodologia de construção do MPC na perspectiva coletiva com o intuito de potencializar as ações e ampliar a adesão dos hospitais ao documento.
Assim, o presente artigo teve como objetivo avaliar a adesão de 38 hospitais brasileiros a um MPC para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus, publicado pela gestão central. Na perspectiva do healthcare compliance, o levantamento desses dados tem como função verificar o planejamento dessas instituições relacionadas às práticas de saúde para o enfrentamento da pandemia. Pretendeu-se também comparar os resultados encontrados com os dados disponíveis na literatura científica atual.
Trata-se de um estudo descritivo-analítico, utilizando o MPC elaborado e publicado como documento orientador para adequações da rede de hospitais públicos, no contexto da pandemia da COVID-19.
Por se tratar de um documento em domínio público e de livre acesso, é oportuna sua análise pela sociedade. Spink15 defendeu que documentos de caráter público constituem produtos sociais, e sua análise é importante para o reconhecimento da estratégia adotada que levam a mudanças, mesmo que lentas, do modelo de organização e postura institucional. A divulgação desse trabalho demonstra parte dos esforços de hospitais públicos no enfrentamento da COVID-19.
A população do estudo foi composta por 38 hospitais de ensino do Sistema Único de Saúde (SUS), administrados por uma empresa pública brasileira. Todos os hospitais envolvidos nesse estudo, distribuídos nas 23 das 27 unidades federativas brasileiras, vêm atuando no enfrentamento da pandemia da COVID-19, atendendo casos suspeitos e confirmados da doença.
Os hospitais do estudo possuem diferentes portes, variando de aproximadamente 50 leitos a mais de 400 leitos. A maioria deles é de médio porte, ou seja, possuem em média 250 leitos. Participaram do estudo também hospitais especializados, sendo eles quatro maternidades.
O processo de coleta de dados foi realizado em nove etapas:
Etapa 1 – Elaboração da minuta do MPC para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus (janeiro e fevereiro de 2020). A partir da leitura do PCI enviado por hospital participante do estudo, o GT constatou que os documentos não apresentavam conteúdo suficiente para orientar a reorganização dos serviços, de forma a otimizar a capacidade instalada no atendimento a casos suspeitos e confirmados da COVID-19. Dessa forma, foram destacadas as partes mais relevantes de cada PC. A partir desse levantamento, o GT realizou a leitura de PC para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus ou documentos que tratassem da resposta hospitalar à pandemia publicados por outras instituições como Centro de Operações Especiais (COE) do Ministério da Saúde, Governo de Portugal e Projeto Lean nas Emergências também do Ministério da Saúde do Brasil. Além disso, realizou-se uma busca na literatura pelos seguintes termos: Planos de Contingência, Desastres Naturais e Pandemias. Após a leitura dos principais trabalhos encontrados, foi elaborada a Minuta do MPC para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus.
Etapa 2 – Oficina de Validação do MPC para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus (março 2020). A minuta do documento foi encaminhada para os setores responsáveis pela gestão da qualidade de cada hospital. Estes compartilharam a minuta do documento com os demais integrantes dos COE dos hospitais envolvidos. Cada hospital do estudo foi orientado a instituir um COE, logo no início da pandemia. O COE é uma estrutura temporária responsável pela gestão plena da situação emergencial, ou seja, ele altera provisoriamente a estrutura hierárquica da instituição, já que toma as decisões durante esse período, devendo as equipes assistenciais acatarem prontamente as decisões emanadas. Após a análise dos COE, os profissionais da qualidade foram convidados a apresentar as análises e considerações a respeito do documento. Esse momento de validação da proposta aconteceu por meio de uma Oficina Virtual, por meio do aplicativo Microsoft Teams, que durou três dias e contou com a participação de cerca de 250 pessoas. Os participantes foram divididos em seis grupos temáticos, cada um deles liderado por um integrante do GT.
A oficina teve início com a apresentação da proposta inicial do documento para todos os participantes. Após esse momento, os representantes foram divididos em grupos temáticos: (1) acesso aos serviços de saúde, (2) recursos humanos, (3) vigilância em saúde, prevenção e controle de infecções, (4) aumento da capacidade de resposta, (5) logística de insumos e de serviços de apoio, (6) comunicação e capacitações. Durante os dois primeiros dias, os grupos realizaram contribuições ao documento, com a liderança do representante do GT. No terceiro dia, cada grupo apresentou suas propostas de modificações na minuta. Os profissionais da qualidade do GT reuniram e organizaram as contribuições dos participantes da oficina e finalizaram a elaboração do MPC para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus.
Etapa 3 – Publicação do MPC para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus (abril de 2020). O documento foi disponibilizado para as lideranças de cada hospital do estudo. Todos foram orientados a revisarem os PCI, seguindo os parâmetros do MPC. Além da definição dos tópicos mínimos que deveriam estar presentes, o MPC apresentava breve esclarecimento sobre cada temática e indicações para o preenchimento, incluindo figuras exemplificativas, fluxos, modelos de quadros e de tabelas.
Os profissionais da qualidade de cada hospital deveriam encaminhar a nova versão do documento para o setor de qualidade participante do GT. Foi estipulado o prazo de 15 dias para envio do documento do hospital após a publicação do MPC.
Etapa 4 – Análise da adesão dos PC dos hospitais ao MPC (maio e junho de 2020). Os planos foram recebidos pelo GT e distribuídos aleatoriamente para análise. Cada um deles comparou o documento recebido com o MPC. Para documentar essa avaliação, foi criado um checklist no qual cada aspecto avaliado do PC era apresentado como um item ( Quadro ).
O checklist composto de 68 itens era completamente preenchido a cada avaliação. Quando o item era cumprido recebia pontuação igual a dois, parcialmente cumprido com pontuação igual a um e o item não cumprido recebia pontuação igual a zero. A partir disso, obtinha-se o resultado da adesão do PC do hospital ao MPC, considerando no numerador o número de pontos referentes aos itens atendidos e no denominador o número de pontos possíveis referentes aos itens presentes no MPC.
Etapa 5 – Divulgação do ranking de hospitais de acordo com o percentual de adesão ao MPC (junho 2020). Foram disponibilizados, para as lideranças dos hospitais, documentos contendo o percentual de adesão de cada um. Além disso, foram encaminhados documentos individuais por hospital, contendo a adesão ou não a cada item do MPC. Considerando os hospitais que não cumpriram todos os itens do plano, foi estabelecido um novo prazo de dez dias para adequação.
Etapa 6 – Recebimento da versão atualizada dos PC dos hospitais (julho 2020). Os documentos revisados foram novamente encaminhados pela área da qualidade de cada hospital ao GT. Houve nova distribuição dos planos entre a equipe de analistas, com nova análise de acordo com a metodologia elaborada.
Etapa 7 – Divulgação do ranking de hospitais de acordo com o percentual de adesão ao Modelo publicado (agosto 2020). As lideranças dos hospitais receberam novo documento com os percentuais de adesão, além dos documentos com resultados individuais. Todos os hospitais foram orientados a realizarem a atualização e a melhoria contínua de seus planos de contingência.
A avaliação do cumprimento de cada um dos itens seguiu um modelo de pontuação baseado na literatura16 : 0- não cumpriu, 1- cumpriu parcialmente e 2- cumpriu. Assim, foi computada a frequência de cada pontuação e dividida pelo número de unidades respondentes para obtenção do desempenho de cada item do MPC. Por exemplo: 37 hospitais entregaram seus planos. Quanto ao item “abordagem estratégica da vigilância epidemiológica”, obteve-se o seguinte resultado: frequência de “0”: 1, frequência de “1”: 7, frequência de “2”: 29. Assim, o desempenho de cada item foi obtido dividindo a contagem (frequência) de “0”, ”1” e “2” pelo número de hospitais respondentes: 1/38, 7/38 e 29/38, multiplicado por 100, resultando, neste exemplo em: 2,7% não cumprido, 18,9% cumprido parcialmente e 78,4% cumprido. Para facilitar a análise, considerando que participaram do estudo 38 hospitais, cada item poderia receber a pontuação máxima de 76 pontos por avaliação, sendo igual a 100%. A soma das pontuações das duas avaliações é igual a 152 pontos.
A primeira avaliação foi concluída em junho de 2020, enquanto a segunda avaliação foi concluída em agosto de 2020. O mesmo checklist foi utilizado nas duas avaliações.
O percentual de adesão ao MPC por unidade hospitalar foi utilizado para descrever a aceitação do modelo proposto pelo GT e a qualidade dos planos dos hospitais. O percentual de cumprimento de cada item foi utilizado para descrever a conformidade existente entre os itens contidos no PC e a realidade dos hospitais do estudo.
O estudo encontra-se em conformidade com os parâmetros éticos brasileiros para a pesquisa e estão de acordo com a Resolução n° 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde (Conep). A natureza pública dos dados isenta os pesquisadores de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) para sua utilização.
Os resultados relativos ao cumprimento dos itens presentes no MPC disponibilizado aos hospitais mostraram que, considerando a pontuação das duas avaliações, os itens que tiveram maior número de cumprimentos (88,0%) foram: adaptação dos fluxos, especificidades do hospital, fluxos de acesso físico à porta de entrada, prevenção e controle de infecções – higiene e limpeza dos ambientes e sistema de gestão de incidentes. Em contraponto, a pontuação dos seguintes itens foi a menor na soma das duas avaliações: previsão de equipes assistenciais exclusivas para atendimento a casos suspeitos e confirmados da COVID-19 (66,0%), estruturação de times de resposta rápida (67,0%), avaliação do PC – atualização e melhoria contínua (70,0%), análises operacionais diárias (71,0%) e estratégias de aumento da capacidade instalada – remanejamento de leitos (72,0%) ( Tabela ).
O levantamento da adesão aos itens do MPC demonstrou diferentes percentuais de adesão a cada um deles nas duas avaliações.
Na primeira avaliação, os itens com maior pontuação e percentual de adesão (79,0%) foram: adaptação dos fluxos, descrição do hospital, especificidades do hospital, estimativa de equipamentos, fluxos de acesso físico à porta de entrada, e prevenção e controle de infecções – higiene e limpeza dos ambientes.
Na segunda avaliação, que aconteceu após a devolutiva do GT aos hospitais, com o apontamento dos itens que necessitavam de melhorias, os maiores percentuais de adesão (97,0%) ocorreram em itens diferentes da primeira avaliação, sendo eles: atuação do hospital e inserção na Rede de Atenção à Saúde (RAS), pactuação do papel e posicionamento nas ações estaduais e municipais, papéis e responsabilidades dos profissionais, sistema de gestão de incidentes.
Percebeu-se que os percentuais de adesão na segunda avaliação foram superiores aos percentuais de adesão da primeira avaliação, demonstrando que a devolutiva aos hospitais realizada pelo GT foi positiva, além do amadurecimento dos hospitais na elaboração do documento conforme o modelo.
Em relação aos itens do MPC com menores percentuais de adesão da primeira avaliação, destacaram-se: estruturação de times de resposta rápida (39,0%), previsão de equipes assistenciais exclusivas para atendimento a casos suspeitos e confirmados da COVID-19 (41,0%), análises operacionais diárias (43,0%). Já na segunda avaliação, as menores pontuações aconteceram nos itens: adaptação dos fluxos (59,0%), avaliação do plano de contingência – atualização e melhoria contínua (62,0%), estruturação de times de resposta rápida (62,0%) e medidas de suporte às funções críticas (63,0%).
O único item que apresentou as mais baixas pontuações nas duas avaliações foi o Item 25 – Estruturação de times de resposta rápida (TRR). Veiga et al.16 colocaram que a criação de TRR dentro das instituições de saúde tem aumentado paralelamente ao maior interesse na melhoria da qualidade da assistência, uma vez que, eles são estruturados com o intuito de diminuir o número de paradas cardiorrespiratórias (PCR) fora das unidades de terapia intensiva (UTI).
Durante a pandemia da COVID-19, o número de pacientes que necessitavam de leitos de UTI tendeu ao crescimento, já que as complicações da doença, como a insuficiência respiratória, requeriam suporte ventilatório, o que geralmente acontece em leitos de terapia intensiva. A estruturação dos TRR foi uma estratégia apontada pelo GT, para otimizar o atendimento a pacientes que apresentavam complicações em leitos de enfermaria, no entanto, os hospitais apresentaram dificuldades em descrever essa ação em seus planos de contingência.
Considerando a evolução do desempenho na primeira para a segunda avaliação, os itens que tiveram os maiores aumentos nos percentuais de adesão foram: isolamento/coorte para pacientes suspeitos e confirmados – descrição de fluxos e áreas, e profissionais do hospital que fazem parte de grupos de risco, com uma diferença de 34 pontos (31,0%). Além deles, os itens cuidados com os prontuários, estruturação de times de resposta rápida, normas para isolamento/coorte para pacientes imunocomprometidos – medidas de proteção adicionais e previsão de capacitações para profissionais admitidos durante a pandemia, também tiveram aumentos de aproximadamente 30,0% na adesão pelos hospitais.
Apesar de o item 25 apresentar baixos percentuais de adesão nas duas avaliações, sua performance na segunda avaliação teve um dos maiores avanços em comparação com a primeira avaliação.
Ainda confrontando os resultados das duas avaliações, os itens com menores diferenças foram: atividades eletivas suspensas e estimativa de abertura de leitos, com 13,0% de aumento nos dois resultados. Vale ressaltar que os 68 itens apresentaram maior percentual de adesão na segunda avaliação, em relação à primeira.
A pesquisa mostrou que apenas três (7,9%) dos 38 hospitais apresentavam PC em total conformidade com o preconizado pelo GT na primeira avaliação pós publicação do MPC, enquanto seis hospitais (15,8%) não apresentaram conformidade em nenhum dos itens e 27 hospitais (71,0%) apresentaram adequação igual ou superior a 70,0%.
Na segunda avaliação, quatro (10,5%) hospitais apresentaram total conformidade e apenas um (2,6%) continuou com a conformidade zerada, 36 (94,7%) apresentaram conformidade igual ou superior a 70,0% ( Figura ). Apenas um hospital não apresentou PC nas duas avaliações.
A média de adesão dos hospitais ao MPC foi de 82,3% na primeira avaliação e de 91,3% na segunda, um aumento percentual igual a 11,0%.
Todos os hospitais do estudo mantiveram ou aumentaram seus percentuais de adesão na segunda avaliação, em comparação com a primeira.
O PC para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus é um documento preparatório para a gestão que tem como objetivo preparar a ampliação da capacidade do hospital de forma organizada, integrada e escalonada para fazer frente a uma crise. Ou seja, ajustar processos do hospital para situações em que exista uma desproporção entre a necessidade de recursos e os recursos existentes e, com isso, auxiliar a atender e salvar o máximo de vidas possível17 . Assim, a construção de um documento normativo que tem o potencial de padronizar as ações em uma rede especializada de assistência tem como premissa possibilitar oportunidades para a melhoria da assistência prestada, bem como potencializar o processo de monitoramento e vigilância, permitindo, portanto, a comparabilidade e a proposição de medidas para ajustes, considerando as particularidades de cada instituição.
Nesse sentido, analisando os itens com maiores pontuações nas duas avaliações, percebe-se que, na primeira, os itens com maior adesão estavam relacionados a ajustes e informações internas do hospital, enquanto que, na segunda, os itens mais bem pontuados apresentam a relação do hospital com outras instituições, sejam outros serviços de saúde da RAS, Ministério da Saúde, gestores locais, entre outros. Isso pode ser entendido como uma melhoria na aplicabilidade do PC, uma vez que processos mais complexos, que envolvem vários atores, foram aprimorados.
A construção de um documento como o PC é essencial para redefinir o processo de trabalho das instituições hospitalares, já que, em situações de catástrofes ou emergências de grandes proporções, como é o caso da pandemia da COVID-19, nenhum serviço de saúde é capaz de atender sozinho a todos os atingidos, sendo necessária a integração entre aqueles que compõem a RAS. O PC define o perfil dos doentes que serão atendidos, como, por quem, onde, quando e por quê; assim como direciona os doentes que não serão atendidos, especificando a forma de referenciamento, os locais, os responsáveis e as razões.
Embasados no modelo nacional, os estados brasileiros elaboraram seus PC18 . Um estudo realizado na região Nordeste avaliou os planos e constatou que esses seguiam as recomendações do modelo disponibilizado pelo MS, além de apresentarem similaridades na organização do documento e nas ações programadas a serem executadas no enfrentamento à COVID-1919 , 20 .
Durante a pandemia da COVID-19, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a recomendação para que todos os serviços de saúde elaborassem e implementassem um PC com estratégias e políticas necessárias para o enfrentamento da pandemia do SARS-CoV-2, incluindo o gerenciamento dos recursos humanos e materiais21 .
A equipe de gestores do GT da empresa pública em estudo determinou, em janeiro de 2020, que cada hospital elaborasse seu PC. Antes dessa elaboração, foram realizadas orientações em reuniões virtuais a respeito do conteúdo dos planos, considerando documentos nacionais, estaduais e municipais. As primeiras versões enviadas, que precederam o MPC publicado, foram analisadas de acordo com esse parâmetro, pactuado pela mesma equipe responsável pelo modelo, contendo alguns dos itens que viriam a compor o MPC final disponibilizado.
A análise dos planos nesse momento demonstrou que a maioria deles não continha informações mínimas para reorganização do processo de trabalho e, portanto, não seguia as normas, legislações e boas práticas apresentadas durante as reuniões a respeito dessa temática, suscitando a necessidade de criação de um modelo explicativo a ser seguido. Compreendendo que não seria suficiente a criação do modelo simples, a metodologia da healthcare compliance foi incorporada à iniciativa, para posterior avaliação dos efeitos causados pela publicação do MPC sobre os PCI dos hospitais.
O setor responsável pela gestão da qualidade realizou pesquisa das legislações e normas aplicáveis à gestão do enfrentamento da COVID-19. Além disso, fez uma busca na literatura sobre a temática planos de contingência. O número de trabalhos a respeito da temática foi pequeno, anteriormente à pandemia da COVID-19 foi insignificante em artigos brasileiros. Isso demonstrou uma pequena preocupação das instituições de saúde em publicar trabalhos que divulguem formas de preparação para situações de crise em larga escala e catástrofes, o que enfraquece a gestão de riscos nessas circunstâncias.
Torna-se oportuno mencionar que a oficina para validação do MPC foi a primeira Oficina on-line com a participação dos 38 hospitais. A utilização do aplicativo Microsoft Teams® possibilitou uma boa interação entre os participantes. As devolutivas a respeito desse formato de oficina para o serviço de qualidade do GT, responsável pela coordenação, foram positivas. Cordeiro22 colocou que a crise gerada pela pandemia da COVID-19 foi uma oportunidade de aprendizagem e de utilização de novas ferramentas, que facilitaram e fortaleceram os processos educacionais e de construção coletiva.
De uma maneira geral, as versões dos PC dos hospitais antes e após a elaboração do Modelo demostraram que os documentos foram mais abrangentes e cumpriram mais normas e legislações a respeito da temática preparação hospitalar para o enfrentamento da COVID-19. Isso confirma que a elaboração de um modelo de plano contribuiu para o desempenho dos hospitais envolvidos no contexto de healthcare compliance.
A healthcare compliance prevê que, além de disponibilizar o documento norteador, é de extrema importância que exista a capacitação profissional para sua elaboração e execução, bem como acompanhamentos periódicos dos resultados, a fim de que os índices de conformidades alcançados não sofram influência do desgaste da equipe e posterior desmotivação14 .
Estudo realizado por Salguero-Caparrós et al.23 concluiu que diversos fatores estão relacionados com as não conformidades, como a ausência do conhecimento e entendimento prévio por parte das equipes sobre leis e normas, além dos recursos financeiros disponíveis. Para além disso, destacou que a autorregulação é uma estratégia potente para o aumento das conformidades, desde que realizada de modo colaborativo e não punitivo. Shea et al.24 e Lingard et al.25 defenderam que indicadores sejam criados e utilizados em auditorias para detecção prévia e constante de não conformidades, estabelecendo uma cultura de avaliação permanente nas empresas.
Durante essa construção, constatou-se a dificuldade de hospitais de pequeno, médio e grande portes na elaboração de documentos abrangentes, que perpassassem várias atividades intra e extra-institucionais. O GT já planeja continuar esse trabalho de maneira permanente, com a elaboração de PC voltados para catástrofes e emergências, com atualização periódica, minimamente a cada dois anos. Ferentz et al.26 analisaram PC voltados para gestão de desastres e observaram que as informações apresentadas eram superficiais, deixando dúvidas em relação à aplicabilidade e real utilidade desses documentos em situações de crise. Outro ponto importante destacado pelos autores foi o fato de que nem todas as pessoas envolvidas na execução do plano o conheciam e aqueles que sabiam do documento não acompanhavam as atualizações realizadas. Isso aponta para a necessidade das capacitações com os grupos executores das ações e para a importância da ampla divulgação dos PC dentro e fora das instituições.
Apesar de inexistir um modelo nacional para hospitais, foram divulgados dois documentos pelo Ministério da Saúde para nortear essa construção, que foram utilizados para elaboração do MPC discutido nesse trabalho: o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus COVID-1919 , publicado em fevereiro de 2020, voltado para ações do sistema de saúde em geral e o Projeto Lean nas emergências: Plano de Resposta Hospitalar COVID-19, com orientações que tiveram o objetivo de preparar a ampliação da capacidade do hospital para fazer frente à crise gerada pela pandemia18 .
Embora os materiais citados fossem de alta qualidade, a elaboração do MPC exigiu uma pesquisa muito mais ampla a respeito da temática, demonstrando que a existência de um modelo nacional de PC poderia ter otimizado a organização da resposta das instituições hospitalares ao aumento da demanda resultante da declaração de ESPIN5 . O MPC apresenta itens complementares, considerando desde a admissão, o tratamento e a alta do paciente, até os casos de encaminhamento a outras unidades de saúde.
Examinando os percentuais de adesão ao MPC, observa-se que o item com menor pontuação na soma das duas avaliações, “previsão de equipes assistenciais exclusivas para atendimento a casos suspeitos e confirmados da COVID-19”, tem relação com a definição de coorte de profissionais para atuação nas áreas de atendimento a casos suspeitos e confirmados da doença. Isso reafirma uma dificuldade enfrentada por muitos hospitais, a seleção de profissionais de saúde das áreas coorte, uma medida importante para controle da disseminação do SARS-CoV-2, no entanto de difícil execução, sobretudo devido à crise mundial de abastecimento de equipamentos de proteção individual (EPI). A coorte de profissionais é um conceito até então pouco difundido e aplicado nos serviços de saúde, que foi fortalecido após a divulgação de Nota Técnica da Anvisa21 , que destacava sua importância.
Outros dois itens que tiveram baixa adesão nas avaliações foram a avaliação do PC (atualização e melhoria contínua e análises operacionais diárias), o que reforça a necessidade de estratégia de “aculturamento” da avaliação nas instituições de saúde, a fim de qualificar a tomada de decisão. Um conjunto de dados atualizados rotineiramente pode servir como apoio prático para escolhas das lideranças, favorecendo a gestão de riscos e a identificação dos itens mais críticos27 .
As limitações apresentadas no estudo estão relacionadas à avaliação dos PC, já que não é possível afirmar a execução das ações presentes nos documentos. Dessa forma, o não cumprimento do item se restringe apenas à ausência do conteúdo no material avaliado, mas não à execução da ação no hospital. Inferiu-se o descumprimento do item quando da não entrega do plano pelo hospital.
O surgimento da COVID-19 e a rapidez com que o vírus se propagou pelos diversos países trouxeram inúmeros desafios aos serviços de saúde, desde a organização da assistência em tempo oportuno para possibilitar uma resposta eficaz a nova emergência em saúde, até o desafio de organização e fortalecimento da RAS.
A presente pesquisa demonstrou a importância da elaboração de documentos norteadores para as instituições hospitalares, como um MPC voltado para o enfrentamento de uma emergência de saúde pública. Essa iniciativa poderia ser adotada pelas autoridades sanitárias, no intuito de auxiliar os demais hospitais brasileiros na reorganização de seus processos de trabalho, assim como aconteceu com os hospitais envolvidos nesse estudo.
Dessa forma, o presente artigo avaliou a adesão dos 38 hospitais públicos de ensino a um MPC para o enfrentamento da pandemia da COVID-19 publicado por um GT formado por profissionais da gestão central. O estudo mostrou que, após a publicação do MPC, os hospitais apresentaram evoluções na construção de seus documentos em relação ao cumprimento de todos os itens que compuseram o modelo. Isso fortalece a importância de ações voltadas para análises de conformidade e a maneira como elas podem auxiliar as lideranças na gestão das instituições hospitalares.
A partir dos resultados desse estudo, o setor de qualidade pretende elaborar um MPC ainda mais abrangente, voltado para a gestão de riscos em situações de crise. Esse documento deverá ser adotado pelos 38 hospitais, com atualizações contínuas e periódicas.
Os itens com menor adesão, como a aplicação de coorte de profissionais nas áreas de atendimento a casos da COVID-19, vêm sendo trabalhados em reuniões virtuais com os gestores dos hospitais.
Considerando os resultados positivos dessa experiência e a escassez histórica de leitos hospitalares, especialmente aqueles com suporte ventilatório, recomenda-se que as autoridades sanitárias brasileiras possam investir tempo e recursos na elaboração de um MPC que proporcionem aos gestores hospitalares de todo o Brasil as orientações necessárias para a reorganização das instituições em momentos de emergência.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
Silva GO - Concepção e planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Bezerra INM - Aquisição, análise e interpretação dos dados e redação do trabalho. Cunha LMM, Silva TBM, Bezerra INM – Aquisição, análise e interpretação dos dados. Sasso MAD, Piuvezam G – Concepção e planejamento (desenho do estudo). Piuvezam G, Malaguti R – Redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.
* E-mail: isaac.ufrn30@gmail.com