RESUMO
Introdução: Inicialmente identificada na cidade de Wuhan, na China em 2019, a Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) demonstrou-se com um alto poder de disseminação. Devido à potencialidade de contágio, a Organização Mundial da Saúde recomendou aos países medidas de isolamento para evitar aglomerações e diminuir a incidência de casos. Vitória de Santo Antão, município localizado próximo à Região Metropolitana de Recife, neste contexto requereu imprescindivelmente uma atuação da vigilância epidemiológica para elaborar ações e estratégias de contingência nesse cenário sanitário pandêmico.
Objetivo: Relatar a experiência dos residentes sanitaristas na atuação no setor da vigilância epidemiológica durante o enfrentamento da pandemia de COVID-19.
Método: Relato de experiência realizado pelos residentes sanitaristas do Programa de Residência Multiprofissional de Interiorização de Atenção à Saúde para fortalecimento da vigilância epidemiológica no enfrentamento da pandemia no município de Vitória de Santo Antão.
Resultados: Foram criados dois formulários via Google Forms com o objetivo de registrar e acompanhar os casos de síndrome gripal, síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e COVID-19 no município. Foi adotada pelo setor de vigilância em saúde a criação de boletins epidemiológicos diários para divulgação dos dados, apresentando as informações mais pertinentes obtidas a partir do monitoramento dos casos de síndrome gripal, SRAG e COVID-19 da população local, sempre comparando com o cenário estadual e federal.
Conclusões: O cenário de pandemia suscitou uma readequação das atividades dos residentes, ao imprimir sobre esses o desafio de se adequar a um novo contexto epidemiológico, gerando um olhar sobre as necessidades dos territórios e do seu processo de aprendizagem e fortalecendo as ações de vigilância durante o cenário de pandemia.
Palavras chave: Monitoramento Epidemiológico, Coronavírus, Pandemias, Boletins Informativos.
ABSTRACT
Introduction: Initially identified in the city of Wuhan, China in 2019, Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), demonstrated itself with a high dissemination power. Due to the potential for contagion, the World Health Organization recommended isolation measures to countries, avoiding agglomerations, reducing the incidence of cases. Vitória de Santo Antão, a municipality located near the Metropolitan Region of Recife, required in this context an essential role of epidemiological surveillance to develop contingency strategies and actions in this pandemic health scenario.
Objective: To report the experience of health residents working in the epidemiological surveillance sector during the COVID-19 pandemic.
Method: Experience report carried out by health residents of the Multiprofessional Residency Program for the Interiorization of Health Care to strengthen epidemiological surveillance in the face of the pandemic in the municipality of Vitória de Santo Antão.
Results: Two forms were created via Google Forms in order to register and monitor cases of influenza syndrome, SRAG and COVID-19 in the municipality. The creation of daily epidemiological bulletins for the dissemination of data was adopted by the health surveillance sector, presenting the most pertinent information obtained from the monitoring of cases of SRAG, COVID-19 and Flu Syndrome of the local population, always comparing with the state and federal scenarios.
Conclusions: The pandemic scenario brought about a readjustment of residents’ activities, imposing on them the challenge of adapting to a new epidemiological context, envisioning a look at the needs of the territories and their learning process, strengthening the surveillance actions during the scenario of pandemic.
Keywords: Epidemiological Monitoring, Coronavirus, Pandemics, Periodicals as Topic.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Integração ensino e serviço no contexto da pandemia de COVID-19: relato de experiência da práxis dos residentes sanitaristas na vigilância epidemiológica
Integration teaching and service in the context of the pandemic of COVID-19: experience report of the praxis of residents of health in epidemiological surveillance
Recepção: 28 Agosto 2020
Aprovação: 15 Setembro 2020
Inicialmente identificada na cidade de Wuhan, na China em dezembro de 2019, a Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) demonstrou ter de fato um alto poder de disseminação, levando a China de pronto a decretar estado epidêmico no primeiro mês de sua detecção1 . Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) endossou e alertou aos estados membro do contexto de pandemia pelo novo coronavírus (SARV-CoV-2), sendo identificados casos da doença em mais de 100 países2 .
Com a declaração da OMS ocorreram diversas ações epidemiológicas para disseminar de maneira oportuna e precisa as peculiaridades do vírus e seu comportamento. Nesse aspecto, incluem-se definições de caso, resultados laboratoriais, fonte e tipos de risco, número de casos e de óbitos, condições que afetam a propagação da doença, além de medidas de saúde empregadas, as dificuldades enfrentadas e necessidades de apoio necessário para responder à emergência em saúde pública de importância mundial3 .
Devido à potencialidade de contágio apresentada pelo novo coronavírus, a OMS recomendou que os países adotassem medidas de isolamento e evitassem aglomerações, com o objetivo de diminuir a incidência de casos4 . Até o atual momento, não foram identificados fármacos eficazes para tratar os infectados, logo o reforço de manutenção das medidas de higiene adequadas, o uso de máscaras e, principalmente, o isolamento social vêm sendo as medidas de ação mais efetivas e seguras para conter o avanço da contaminação5 .
O primeiro caso da doença no Brasil foi notificado em 26 de fevereiro de 2020 em São Paulo, e em Pernambuco (PE), os primeiros registros foram realizados em 12 de março. Até o final da Semana Epidemiológica 34, em 22 de agosto, o país já havia registrado 3.582.362 casos, enquanto o estado pernambucano chegava aos 118.027 casos acumulados6 .
No município de Vitória de Santo Antão (PE), o primeiro caso de COVID-19 foi identificado em 15 de abril de 2020. Devido ao município se localizar próximo da capital pernambucana, cujo contexto era de concentração da grande maioria dos casos confirmados e por comportar um grande potencial produtivo e comercial com fluxo constante de pessoas de diversos municípios circunvizinhos, a atuação epidemiológica foi imprescindível para elaborar ações e estratégias de contingência oportuna nesse cenário sanitário7 .
Com o reconhecimento do processo pandêmico da COVID-19, o Brasil precisou adotar medidas de distanciamento social que afetaram o funcionamento de diversos seguimentos da sociedade, dentre eles o da educação e da saúde. Essas medidas resultaram na suspensão das atividades presenciais pelas instituições de ensino e também geraram consequências diretas no funcionamento dos programas integrados da Estratégia de Saúde da Família, no qual está inserido o Programa de Residência Multiprofissional de Interiorização de Atenção à Saúde (PRMIAS), que, naquele contexto, teria que reorganizar o processo de trabalho para desenvolver suas atividade e continuar atendendo a população8 . Assim, o objetivo deste trabalho foi relatar a experiência dos residentes sanitaristas na atuação no setor da vigilância epidemiológica durante o enfrentamento da pandemia de COVID-19 no município de Vitória de Santo Antão.
Trata-se de um relato de experiência sobre a reorganização da práxis do processo de trabalho, entre março e julho de 2020 em meio à pandemia de COVID-19, dos residentes sanitaristas do PRMIAS do Centro Acadêmico de Vitória da Universidade Federal de Pernambuco (CAV/UFPE) no município de Vitoria de Santo Antão.
O município de Vitória de Santo Antão está localizado na zona da mata do estado de PE. Ele possuía uma população estimada de 138.757 habitantes, em 2019, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística9 . O município possui uma rede de saúde composta de 40 Unidades Básicas de Saúde, com uma cobertura da Atenção Básica de 94,41%, cinco Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica, um Centro de Atenção Psicossocial, dois polos do Programa Academia da Saúde, entre outros serviços/estabelecimentos de saúde na rede municipal10 .
Em março de 2020, o município, junto com o CAV/UFPE, recepcionou a nova turma de residentes do PRMIAS. Ao todo, o município acolheu um grupo de 16 novos residentes composto por profissionais graduados em: saúde coletiva, enfermagem, psicologia, nutrição, educação física e fonoaudiologia. Após o acolhimento, os residentes foram apresentados à rede de atenção do município e deram início ao processo de integração junto às equipes de saúde da família (ESF) e Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB).
O reconhecimento da gravidade da pandemia de COVID-19 influenciou na suspensão das atividades das instituições de ensino e dos serviços de saúde. Esses fatores, associados à falta de equipamentos de proteção individual (EPI), levaram a suspensão das atividades presenciais dos residentes do PRMIAS. A interrupção da atuação dos residentes durou alguns dias, enquanto se discutia e se planejavam novos processos de trabalho em que esses profissionais pudessem atuar.
O primeiro grupo de residentes do PRMIAS a retomar as atividades presenciais foram os sanitaristas. Os residentes de saúde coletiva foram inseridos, no dia 23 de março de 2020, na equipe de vigilância epidemiológica (VE) do município para reforçar as ações e as atividades para o enfrentamento da pandemia.
A inserção dos residentes sanitaristas na VE do município de Vitória de Santo Antão foi realizada com o objetivo de contribuir com o monitoramento dos casos de síndrome gripal, síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e COVID-19.
Com a mudança repentina do território de atuação, foi necessário reorganizar o processo de trabalho, pensando não somente num novo cenário de pandemia, mas também na atuação dos residentes saindo da porta de entrada da rede de saúde (Atenção Primária à Saúde) para o nível central estratégico de gestão (coordenação de VE).
Essa mudança originou novas demandas, tais como: inserção e integração na equipe de vigilância em saúde para organização do processo de trabalho; reorganização dos fluxos (notificações para oportunização dos registros de casos, organização de bancos de dados); análise e devolutivas sobre o processo de notificação e ajustes a fim de evitar falhas e duplicidades de notificações, e, nesses aspectos, efetivação da melhoria da comunicação entre a atenção básica e a vigilância em saúde. Por fim, produção diária de boletins epidemiológicos informativos sobre a nova doença emergente para subsidiar atuação rápida e estratégica no planejamento contingencial da emergência em saúde pública no âmbito local.
Como primeira medida de organização dos processos de trabalho foram criados dois formulários via Google Forms com o objetivo de registrar e acompanhar os casos de síndrome gripal ( Figura 1 ), SRAG e COVID-19 ( Figura 2 ) dos residentes do município. A ideia foi apresentada à Gerência de Vigilância em Saúde (GVS) e à coordenação da VE do município, visando pactuar operacionalmente a utilização dos formulários eletrônicos online , que tiveram como base de formulação os Fast Track do Protocolo de Manejo Clínico do Coronavírus (COVID-19) na Atenção Primária à Saúde11 , e na Ficha de Registro Individual - Casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave Hospitalizado, do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), versão de 27/07/202012 .
Os dados referentes à planilha de síndrome gripal são registrados a partir das notificações de usuários com sintomas respiratórios leves nas unidades de saúde públicas e privadas (unidade de saúde da família, hospitalares, unidades ambulatoriais em unidades com populações privadas de liberdade e dos setores produtivos, instituições de longa permanência de idosos – ILPI). O registro e a digitação desses dados são realizados pela unidade de registro no ato da identificação dos casos. Porém, no caso dos dados de SRAG e COVID-19, o preenchimento do formulário é realizado pelos residentes e profissionais da VE a partir das fichas de notificação de SRAG.
Devido à baixa oferta de EPI, causada pelo contexto da alta demanda da pandemia para uso dos profissionais na linha de frente, diversas estratégias de proteção foram adotadas13 . Dentre elas, a criação dos formulários online de notificação para reduzir o risco de contato com material contaminado (papel, pastas de plástico etc.) e possível infecção pelo manuseio desses. A estimativa é de que o vírus possa permanecer até 24 h sobre o papel e até 72 h em plásticos14 .
O município não possui o Registro Eletrônico de Saúde (RES), desta forma, o fluxo de notificações depende do manuseio de material impresso e logística de transporte, o que pode ser uma fonte de contágio, elucidando a importância da adoção do formulário de notificação online sugerido e criado pelos residentes.
O RES já é visto em alguns ambientes, comumente chamado de Prontuário Médico Eletrônico (PME) ou Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP). A utilização do RES pode fornecer uma base de informações sólidas e relevantes para organização e tomada de decisões baseada na análise do conteúdo presente em seus registros15 . Contudo, sua implantação ou implementação assume um caráter complexo, o que tem levado à incorporação de abordagens da Ciência da Melhoria ( Improvement Science ) para que esse processo possa ocorrer em conformidade com as necessidades dos serviços16 .
A substituição graduação do papel pelo uso de formulários online é uma prática já adotada em algumas repartições17 , incluindo serviços de saúde. No entanto, esse processo necessita de tempo e de adaptação dos profissionais envolvidos no processo, já que exige uma mudança cultural18 .
Os residentes se organizaram em duplas para acompanhar os registros a partir do banco online , cruzando as informações das notificações com os registros realizados nos sistemas online do Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB)19 e Sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL)20 para retirada das inconsistências, duplicidades e coleta dos resultados laboratoriais dos testes para COVID-19.
Outra estratégia adotada foi a utilização do monitoramento e da busca ativa de casos suspeitos por telefone. A partir das notificações feitas pelas unidades de pacientes com sintomas de síndrome gripal, residentes e profissionais da VE realizavam ligações periódicas para acompanhar a evolução dos sintomas e saber se parentes, colegas de trabalho ou vizinhos estavam apresentando sintomas de gripe e, assim, poderem realizar a notificação dos casos.
Os dados coletados das notificações foram utilizados para a construção do boletim epidemiológico que ocorre em três etapas. A primeira, com atualização dos dados referentes às notificações de síndrome gripal, SRAG e COVID-19. Após atualização das planilhas, era realizada a segunda etapa, a análise dos dados no software Microsoft Excel, por meio de procedimentos de estatística descritiva. E por fim, a terceira etapa era a organização dos resultados e finalização do boletim, com os resultados obtidos apresentados em gráficos e tabelas ( Figura 2 ).
O município não dispunha de boletins de atualização da situação epidemiológica para população. Eles foram adotados pela coordenação das vigilâncias após o início da pandemia, sendo implantados e implementados com o auxílio dos residentes.
Os boletins são produzidos diariamente e apresentam as informações mais pertinentes obtidas a partir dos monitoramentos dos casos de SRAG, COVID-19 e síndrome gripal. São apresentadas as seguintes informações: casos positivos de COVID-19 segundo sexo, faixa etária, grau dos sintomas (leve ou grave), bairro de residência, data do primeiros sintomas; taxa municipal de letalidade; número de curados e de óbitos por COVID-19; casos investigados que foram descartados para COVID19; casos em investigação e casos inconclusivos. São apresentadas também informações referentes aos casos de síndrome gripal segundo: sexo, unidade notificadora, data da notificação e bairro de residência ( Figura 3 ).
A produção de boletins informativos é de extrema importância e são contempladas pelo Ministério da Saúde como ações de Vigilância em Saúde21 . Ademais, a captação em tempo oportuno de dados, suas análises e posterior divulgação são estratégias fundamentais para orientação das ações de saúde baseadas em um diagnóstico situacional, efetivo na realidade do território em que se deseja atuar22 .
O cenário de pandemia suscitou uma readequação das atividades dos residentes, imprimindo sobre eles o desafio de se adequar a uma nova realidade, não se esquecendo das necessidades dos territórios e do seu processo de aprendizagem. A oportunidade de atuar junto à VE no monitoramento dos casos suspeitos e confirmados de COVID-19 se mostrou oportuna e de grande valia na construção do conhecimento e atuação dos residentes.
A experiência junto à VE possibilitou aos residentes a ampliação do olhar crítico e sua importância para a formação em saúde. Com o retorno dos residentes ao NASF-AB, estratégias de fortalecimento entre Atenção Básica e Vigilância em Saúde estão sendo estruturadas para que o trabalho que foi iniciado seja expandido até o território onde atuam as ESF, ampliando e capilarizando as ações de enfrentamento à pandemia de forma contínua, contando com o auxílio dos residentes como elo entre os serviços.
Ademais, a análise dos dados e sua divulgação por meio dos boletins epidemiológicos mostraram-se necessárias para manter a população informada sobre os números da doença no município e para nortear as estratégias de enfrentamento a COVID-19 para gestão municipal. Ressaltando que se trata de uma estratégia de informação de baixo custo, porém extremamente efetiva em comunicar e subsidiar ações baseadas em seus levantamentos.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
Bezerra INM, Silva AV, Farias SJM, Sousa FOS – Concepção, planejamento (desenho do estudo), aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Oliveira MHM, Araújo AA, Santos TM, Silva DF, Leite AFB – Aquisição, análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.
* E-mail: isaac.ufrn30@gmail.com