Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Juventude: abrir os olhos para sonhar um outro mundo possível
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 9, no. 4, pp. 1-3, 2021
INCQS-FIOCRUZ

Sabe, Sancho, todas essas tempestades que acontecem conosco são sinais de que em breve o tempo se acalmará e que coisas boas têm de acontecer; porque não é possível que o bem e o mal durem para sempre, e segue-se que, havendo o mal durado muito tempo, o bem deve estar por perto (Miguel de Cervantes em Dom Quixote).

Os finais de ano quase sempre remetem à reflexão e alguma espécie de sonho.

Principalmente quando o mundo se encontra na perspectiva de controle da atual pandemia e de suas graves consequências.

Ao pensar este editorial da revista Visa em Debate no fechamento de sua 4ª edição/2021, veio à mente a palavra Juventude. Procurei intuitivamente segui-la.

Talvez seja uma boa ideia para nos instigar, e tentarei colocar aqui o que me inspirou e o porquê de necessitarmos desta palavra como companhia.

No dicionário Michaelis online está, entre outros, o seguinte significado para Juventude: qualidade do que é jovem, do que apresenta viço e frescor, mocidade.

Decerto vivemos um tempo no qual necessitamos de viço e frescor, tal nosso estado de cansaço – resistentes, indignados ou acostumados com as notícias aterradoras e desalentadoras que grassam num mundo global que parece estar por um fio.

Viço e frescor para se contrapor às vidas fatigadas e doentias.

Quase 2022. Hora de restaurar sonhos.

A inspiração veio da leitura de dois textos1: um da renomada professora Maria Conceição Tavares2 e outro do professor e filósofo estadunidense Noam Chomsky3.

Textos que se aliam às inspirações mais simples e cotidianas de outras e outros, de outres. Ao estado primaveril da natureza neste novembro, à pujança das artes brasileiras. A Eros e sua pulsão de vida. A um texto literário, um filme bonito, uma viola, uma tela que o makuxi Jaider Esbell nos deixou.

Inspiração que se soma ao viço da jovem enfermeira disposta a cuidar amorosamente em tempos de peste.

Na juventude alegre dos estudantes e professores sonhadores. No grito de Greta Thunberg. Na voz dos que aderiram ao Black Lives Matter . Nos e nas Jovens que se rebelaram na nossa América Latina. Nas brasileiras e brasileiros que fazem seus slams na praça, cantam seus cantos, tocam seus tambores, plantam suas agrovilas.

Questionam, criticam, reivindicam, vão à luta toda manhã de seca, queimada ou frio.

Cada pessoa encontra uma forma de inspiração quando o ano começa a terminar, na esperança da sazonalidade boa, apontada por Dom Quixote.

É isso, carecemos do vigor da juventude, da pulsão dos desejos. Da luta dos novos contra o mundo precário. Da vitória da vida no vigor de uma outra ordem política, econômica, social, sanitária, amorosa.

E é Maria Conceição, Professora Emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, (UFRJ) que diz:

Por mais íngreme que seja a caminhada, não vislumbro saídas que não pela própria sociedade, notadamente pelos nossos Jovens. Não os Jovens de cabeça feita, pré-moldada, como se fossem blocos de concreto empilhados por mãos alheias. Esses mal chegaram e já estão a um passo da senectude. Estou me referindo a uma juventude sem vícios, sem amarras, de mente aberta, capaz de se indignar e construir um saudável contraponto a essa torrente de reacionarismo que se espraia pelo país. Há que se começar o trabalho de sensibilização já, mas sabendo que o tempo de mudança serão décadas, sabe-se lá quantas gerações.

Na mesma linha, um entrevistador pergunta para Noam Chomsky, filósofo e ativista político estadunidense, onde ele vê esperança. E ele responde:

Nos Jovens. Em setembro, houve uma “greve” climática internacional; centenas de milhares de Jovens saíram para exigir o fim da destruição ambiental. Greta Thunberg recentemente pronunciou-se na reunião de Davos, entre os grandes e poderosos, e deu a eles um recado sóbrio sobre o que estão fazendo. “Como vocês ousam”, disse ela, “vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias”. Vocês nos traíram. Essas são palavras que deveriam ser gravadas na consciência de todos, especialmente as pessoas da minha geração que as traíram e continuam a trair a juventude e os países do mundo.

Sim. Esses dois trechos ressaltam a fundamental inspiração aos mais Jovens e dos mais Jovens, que herdaram um mundo sem viço. Para que fundem outras narrativas: menos distopia, mais poesia. Poesia no sentido da criação, poiesis .

Reinvenção é palavra gasta demais. Cidadania, palavra que não se tornou atitude. Humanidade é palavra sem juízo. Num mundo de tantos clichês, buscamos um contraponto. Um contraponto à senectude das propostas que não fundaram um mundo justo. Contraponto às perdas climáticas, sociais, educacionais, científicas e tecnológicas. Perdas da vida como um todo.

Precisamos de Juventude para recriar a importância da educação e da pesquisa, da cordialidade e da comunidade. Da honestidade e justiça. Do amor que recorda Eros, philia e agapé.

Juventude para compreender e agir pelo conhecimento além do estonteante acúmulo de dados e informações.

Juventude para banir os venenos da mesa e a morte precoce das vidas. Juventude para não crer em ditadores ou genocidas.

Juventude para, no tempo do metaverso, recriar o universal, o público, a equidade, a sustentação do mundo.

Juventude para comer arroz e feijão e diminuir a oferta abusiva dos ultraprocessados. Juventude para as alegrias simples, não as medicamentosas.

Juventude para defender o Sistema Único de Saúde (SUS) que amamos. Para defender os ideais de Freire e dos povos originários.

Juventude para diminuir emissões de carbono. Para olhar com compaixão os miseráveis do mundo.

Para ir além da lógica abusiva da produtividade, do empreendedorismo, das metas a cumprir.

Juventude para não morrer no trânsito ou abatida nas favelas, nos campos velados de concentração.

Juventude para ter opção de emprego e renda. Para escrever artigos. Para receber bolsa científica. Para dançar e amar como quiserem e quem quiserem sem serem mortos por milícias e polícias.

Juventude sem a marca abusiva do capitalismo, do patriarcado, do racismo.

Juventude, pois o mundo não poderá pertencer apenas aos donos dos games, aos empreendedores, aos financistas.

Mas também pertencer aos que fazem rap , aos que levantam de madrugada, aos que lavram campos, aos que se envolvem em cooperativas agroecológicas, aos que distribuem sementes.

Aos que assistem a séries, mas refletem sobre Round 6 e o Lock Key como metáfora desse mundo.

Mas também pertencer àquele que mal tem tempo para escorrer os dedos pelo instagram e mal sabe o significado de internet das coisas.

E também pertencer ao filho do xamã que ritualiza sua fé, a menina preta órfã da COVID-19, aos entregadores de comida e mercadoria, as Jovens que se matam de trabalhar no Walmart, nos depósitos da Amazon ou no trânsito das grandes cidades.

Enfim, quiséramos ter, nas lutas coletivas, todos os Jovens juntos.

Utopia? Sim, a capacidade de sonhar nos torna capazes de agir e pensar outras narrativas. Chegamos a novembro com apenas 5 países da |África com cerca de 40% da população vacinada e o Brasil chegando a cerca de 60%5. A pandemia não acabou. Os sonhos para sustentar outros mundos possíveis devem ser ativados por nós que já temos mais tempo de estrada.

Esses trechos aqui colocados, dos dois pensadores Conceição e Noam, aliados ao de Dom Quixote, na epígrafe, são antídotos contra a desesperança.

Assim, retorno à palavra Juventude para saudar o próximo ano. Para nos instigar à vitalidade de propostas transformadoras.

Há que se começar o trabalho de sensibilização já, diz Maria Conceição.

Sejamos contaminados pelo vigor da Juventude para reconstruir a Ciência, a Educação, a Saúde Pública e Coletiva. Todo o país.

REFERÊNCIAS

.Pereira RS. Os passos cruciais a um novo estado pós-neoliberal. Outras Palavras. 1 abr 2021[acesso 4 nov 2021]. Disponível em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/os-passos-cruciais-a-um-novo-estado-pos-neoliberal/

.Tavares MC. Restaurar o estado é preciso. A Terra é Redonda. 14 jan 2021[acesso 4 nov 2021]. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/restaurar-o-estado-e-preciso/?doing_wp_cron=1635879483.9423129558563232421875

.Cox S. Chomsky: o que esperar da COP-26. Outras Palavras. 29 out 2021[acesso 4 nov 2021]. Disponível em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/chomsky-que-esperar-da-cop-26/

.Redação. Só 5 países africanos devem conseguir vacinar 40% de suas populações contra a COVID-19 até o fim do ano, prevê OMS. G1 Coronavírus. 28 out 2021[acesso 11 nov 2021]. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/coronavirus/vacinas/noticia/2021/10/28/so-5-paises-africanos-devem-conseguir-vacinar-40percent-de-suas-populacoes-contra-a-covid-19-ate-o-fim-do-ano-preve-oms.ghtml

.Redação. Vacinação contra a COVID: mais de 122 milhões de brasileiros estão totalmente imunizados, 156 milhões tomaram a primeira dose. G1 Coronavírus. 10 nov 2021[acesso 11 nov 2021]. Disponível em: https://g1.globo.com/saude/coronavirus/vacinas/noticia/2021/11/10/vacinacao-contra-a-covid-mais-de-122-milhoes-de-brasileiros-estao-totalmente-imunizado.ghtml

Author notes

*daniella.araujo@saude.mg.gov.brvisaemdebate@incqs.fiocruz.br



Buscar:
Ir a la Página
IR
Scientific article viewer generated from XML JATS4R by