RESUMO
Introdução: Trata-se de um relato de experiência pautado na demanda dos agricultores familiares da Feira Agroecológica (FAU) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) por adequar os rótulos de seus produtos e no entendimento de que esta ação colabora com escolhas de alimentos mais consciente e com a inclusão produtiva e social.
Objetivo: Contribuir para a valorização da produção artesanal e para a promoção da saúde dos consumidores através da adequação da rotulagem nutricional de produtos embalados comercializados na FAU.
Método: O estudo foi realizado em três etapas: 1) Pesquisa qualitativa: para verificar quais alimentos foram vendidos na FAU entre agosto de 2017 e agosto de 2018; 2) Pesquisa quantitativa: para mensurar a quantidade vendida; 3) Seleção dos alimentos e análise de rotulagem geral e nutricional de acordo com a legislação vigente.
Resultados: Os produtos mais vendidos, no período avaliado, foram, em unidades: bananada (114), farinhas de origem vegetal (63), geleias (44), compotas de frutas (41) e banana-passa (39). Nenhum produto apresentava rotulagem geral adequada e a rotulagem nutricional era inexistente. Entretanto, bananada e banana-passa estavam em conformidade com a legislação em função do tamanho das embalagens (< 100 cm2). Os rótulos nutricionais das farinhas de banana verde, berinjela e quiabo e das compotas de banana, goiaba, jaca e laranja da terra foram elaborados.
Conclusões: A interação com os feirantes e a construção dos rótulos nutricionais permitiram uma reflexão crítica deste processo. Foi possível reconhecer os desafios e propor alternativas para facilitar a transmissão da rotulagem nutricional, entendendo que a informação é um instrumento essencial para a tomada de decisões mais conscientes, seguras e saudáveis.
Palavras chave: Feira Agroecológica, Agricultura Familiar, Vigilância Sanitária, Rotulagem Nutricional, Normas Sanitárias Inclusivas.
ABSTRACT
Introduction: It is an experience report based on the demand of family farmers of the agroecological street market (FAU) of Rio de Janeiro State University (UERJ) to adapt the labels of their products and on the understanding that this action collaborates with more conscious food choices and productive and social inclusion.
Objective: To contribute to the valorization of artisanal production and to promote consumers’ health through the adequacy of the nutritional labeling of packaged products sold at FAU.
Method: The study was carried out in three stages: 1) Qualitative research: to find out what foods were sold at FAU between August 2017 and August 2018; 2) Quantitative research: to know the quantity of food sold; 3) Selection of foods and analysis of general and nutritional labeling by current legislation.
Results: The most sold products in the evaluated period were, in units: bananada (114), flours of vegetable origin (63), jellies (44), fruit jams (41), and chewy dried banana (39). No product had adequate general labeling, and nutrition labeling was non-existent. However, bananada and chewy dried banana complied with the legislation because of the size of their package (< 100 cm2). Nutritional labels for green banana, eggplant, okra flours, banana, guava, jackfruit, and orange jams were prepared.
Conclusions: The interaction with the farmers and the construction of nutritional labels allowed a critical reflection of this process. It was possible to recognize the challenges and propose alternatives to facilitate the transmission of nutrition labeling, understanding that information is an essential instrument for making more conscious, safer, and healthier decisions.
Keywords: Agroecological Market, Family Farmers, Health Surveillance, Nutrition Labeling, Inclusive Sanitary Standards.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Desenvolvimento da rotulagem nutricional de produtos embalados comercializados na Feira Agroecológica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: valorização da produção artesanal e promoção da saúde
Development of nutritional labeling of packaged products sold at the agroecological street market of Rio de Janeiro State University: valorization of artisanal production and health promotion
Recepção: 11 Janeiro 2021
Aprovação: 28 Setembro 2021
A agroecologia é uma ciência que compreende a agricultura por uma perspectiva ecológica. Seus princípios para estudo e tratamento de ecossistemas são culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis, proporcionando assim, um agroecossistema sustentável. A abordagem agroecológica da produção busca desenvolver agroecossistemas com uma dependência mínima de insumos agroquímicos e energéticos externos1 , 2 , 3 , 4. Nesse contexto, são incentivados o fortalecimento da agricultura familiar e o reconhecimento e a valorização desta prática como uma importante fonte de geração de renda. Uma possibilidade de construção das redes de agroecologia é feita por meio da associação dos conhecimentos tradicionais (de comunidades camponesas, indígenas e quilombolas, por exemplo) com o conhecimento acadêmico5. Outra possibilidade é a aproximação de quem produz os alimentos com quem os compra. Os agricultores e produtores de alimentos embalados e prontos para consumo são também os feirantes na maioria das vezes, o que permite que o consumidor tenha maior proximidade com o sistema de produção e/ou acesso mais fácil às informações sobre a origem dos alimentos que consomem. Nos últimos anos, os espaços de comercialização da agricultura familiar e produtos orgânicos e agroecológicos têm se propagado nas universidades públicas de todo o país, representando oportunidade propícia para a construção compartilhada de conhecimento em diversos âmbitos.
A Feira Agroecológica (FAU) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi criada a partir de inspirações em experiências prévias bem-sucedidas de outras feiras e com o apoio de grupos de agroecologia do estado, especialmente a Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA), a Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO) e a Rede Carioca de Agricultura Urbana (Rede CAU). Sendo assim, através de iniciativas de docentes e discentes da UERJ, dos agricultores e dos grupos de agroecologia, foi iniciado o processo de concepção da FAU. Os aspectos relevantes ao funcionamento e às características da FAU foram apreciados, planejados e pactuados coletivamente. Ficou decidido que os alimentos a serem comercializados na FAU deveriam ser orgânicos ou agroecológicos e provenientes da agricultura familiar do estado do Rio de Janeiro. Foi deliberado também que a FAU contemplaria a venda de artesanato ligado às tradições culturais, à agroecologia e às soluções sustentáveis. Esta feira foi idealizada com o pressuposto de contribuir para a promoção da alimentação adequada e saudável na UERJ e no seu entorno, bem como de fortalecer os agricultores familiares que fossem compor o quadro de feirantes5.
A FAU iniciou suas atividades no dia 18 de outubro de 2016. Em 2018, contava com 13 feirantes que, em sua maioria, eram de fato considerados agricultores familiares, pois possuíam uma pequena área produtiva, faziam uso de mão de obra predominante da própria família nas atividades econômicas e apresentavam um percentual mínimo da renda familiar oriunda das atividades de seu empreendimento6. Esses feirantes, oriundos de diversos bairros da cidade do Rio de Janeiro, como: Jacarepaguá, Penha, Vila Isabel e Vargem Grande, e ainda de outro município (Magé), comercializavam produtos cultivados e/ou produzidos com base nos princípios da agroecologia, tais como: frutas e hortaliças, temperos, ervas medicinais, ovos, queijos, pães e bolos artesanais, doces, geleias e compotas de frutas, sucos naturais, farinhas vegetais, preparações salgadas do tipo “lanche” e também artesanatos. Os produtos comercializados na FAU incluíam, portanto, além de alimentos apresentados na versão in natura, alimentos embalados na ausência do consumidor e, de acordo com a legislação vigente7 , 8 , 9 , 10 , 11, esses produtos devem ser adequadamente rotulados. Segundo a legislação brasileira, os rótulos são todos os registros escritos, impressos, estampados ou grafados, contidos nas embalagens dos alimentos, podendo ser em forma de imagem, material descritivo ou gráfico7, sendo fundamentais para a boa comunicação entre produtores e consumidores. Ainda, de acordo com a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), a rotulagem nutricional fortalece a capacidade de análise e decisão do consumidor e, portanto, a clareza das informações nos rótulos colabora para escolhas mais criteriosas e conscientes a respeito dos alimentos e, consequentemente para a própria PNAN12. Por isso, é importante que as informações sejam compreensíveis e que tenham o propósito de orientar e esclarecer os consumidores, contribuindo não só para a escolha adequada de alimentos, mas sobretudo para a promoção da saúde e prevenção de doenças13 , 14 , 15. No Brasil, a rotulagem dos alimentos embalados é obrigatória e é regulamentada, principalmente, pelo Ministério da Saúde (MS), pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)7 , 8 , 9 , 10 , 11e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)16 , 17.
Os empreendedores familiares da FAU, à época desse estudo, contavam com nenhum ou poucos profissionais especializados para oferecer assessoramento nesse tema. Por essa razão, sinalizavam dúvidas e interesse em adequar ou criar os rótulos de seus produtos. Entendemos que o apoio no âmbito da rotulagem nutricional dos alimentos embalados comercializados na FAU poderia contribuir para melhorar a informação oferecida ao consumidor, aumentar a atratividade e o valor do produto, bem como incentivar a inclusão produtiva e social e a geração de renda. Considerando esse cenário somado ao papel importante da rotulagem nutricional para as estratégias e políticas de saúde em benefício da saúde do consumidor, este trabalho teve como objetivo contribuir para a valorização da produção artesanal e para a promoção da saúde dos consumidores através da adequação da rotulagem nutricional de produtos embalados comercializados na FAU.
A primeira etapa do trabalho consistiu em uma pesquisa de campo na FAU que permitiu não só a aproximação dos alunos e dos professores com os feirantes, como também a coleta de dados qualitativos sobre a venda de alimentos na feira. As entrevistas aconteceram nos dias de feira, pelo contato direto com os feirantes, que foram informados sobre o objetivo do estudo e sobre a intenção, para além da realização do trabalho, de orientá-los sobre o tema “rotulagem de alimentos embalados” e ajudá-los no que fosse necessário.
A segunda etapa consistiu em uma pesquisa quantitativa, feita por meio do estudo dos romaneios, que são listas que detalham informações sobre os alimentos que os feirantes levam para a feira, em especial a quantidade que foi vendida e a que sobrou. O foco da pesquisa foi na quantidade de produtos embalados vendidos no período entre agosto de 2017 e agosto de 2018. A partir das informações verificadas na pesquisa de campo e na análise dos romaneios, foram identificados os produtos embalados de origem vegetal mais vendidos. Dentre esses produtos, nove foram selecionados para análise da rotulagem geral e nutricional: bananada, duas amostras de banana-passa (de dois feirantes diferentes), as farinhas de banana verde ( Musa spp.), berinjela ( Solanum melongena) e quiabo ( Hibiscus esculentus ), bem como as compotas de banana ( Musa acuminata ), goiaba ( Psidium guajava ), jaca ( Artocarpus integrifólia ) e laranja da terra ( Citrus aurantium L.).
Na terceira etapa, esses produtos foram analisados quanto à rotulagem geral e nutricional de acordo com as normas vigentes no Brasil7 , 8 , 9 , 10 , 11 , 18, em especial as Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa nº 259, de 20 de setembro de 20037, que aprova o regulamento técnico sobre rotulagem de alimentos embalados; nº 359, de 23 de dezembro de 20038, que dispõe sobre porções preconizadas; e a nº 360, de 23 de dezembro de 20039, que regulamenta a rotulagem nutricional dos alimentos embalados, tornando-a obrigatória. Os ingredientes e a técnica de preparo dos produtos selecionados foram informados pelos feirantes. A composição centesimal dos produtos embalados selecionados foi estimada com base em tabelas brasileiras de composição de alimentos19 , 20 e literatura científica21.
No presente estudo, foram catalogados os produtos embalados de origem vegetal com maior frequência de venda entre 2017 e 2018 ( Figura 1 ), por meio da análise dos romaneios gerados pelos feirantes da FAU.
Observa-se que a bananada foi o produto que mais se destacou no total de vendas durante o período avaliado, somando 114 unidades vendidas. As farinhas de origem vegetal representaram o segundo item com maior expressão de vendas (63 unidades). Foi observado que a frequência de comercialização dessas farinhas mudou ao longo do período avaliado devido à sazonalidade dos vegetais e, por esse motivo, foram identificadas as farinhas presentes na maior parte do ano investigado, a saber: farinhas de quiabo, banana verde e berinjela.
O terceiro item mais vendido, no período estudado, foram as geleias (44 unidades), mas esse grupo de alimentos não foi considerado para avaliação da rotulagem devido à impossibilidade de coleta das informações sobre ingredientes e técnica de preparo. As compotas de fruta e a banana-passa apresentaram um total de venda de 41 e 39 unidades, respectivamente. As compotas de fruta presentes na maior parte do tempo avaliado foram as compotas de banana, jaca, goiaba e laranja da terra.
Chás (17 unidades), farinhas de casca de ovo (10), farinha de mesa (cinco) e goiabada (seis unidades) não foram vendidos em quantidades consideradas expressivas. Foram selecionadas para a avaliação da rotulagem geral e nutricional, portanto, a bananada, as farinhas de quiabo, banana verde e berinjela, as compotas de banana, jaca, goiaba e laranja da terra e a banana-passa.
Nenhum dos produtos investigados apresentou rotulagem nutricional. Entretanto, as amostras de bananada e banana-passa estavam conformes pois, segundo a RDC nº 360/20039, produtos com embalagem primária de tamanho menor que 100 cm2estão dispensados de apresentar rotulagem nutricional. Como a embalagem primária dos dois produtos apresentava essa característica, ambos não foram avaliados com relação ao rótulo nutricional. Os fabricantes de produtos que se encaixam nessa categoria são orientados a disponibilizarem um Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) para repassar a informação nutricional quando solicitados. Neste sentido, para produtos como esses, comercializados em feiras, seria interessante a existência de outros sistemas de informação alternativos, por meio dos quais os feirantes possam repassar a informação nutricional para o consumidor, tais como a disponibilização de cartazes e panfletos.
Com relação à rotulagem geral, todos os produtos analisados apresentaram irregularidades quando confrontados com a legislação específica vigente7 , 8 , 9 , 10 , 11. O rótulo geral da bananada foi considerado incompleto por não apresentar as seguintes informações obrigatórias: denominação de venda, informação de peso/conteúdo líquido, data de fabricação e lista de ingredientes. As farinhas investigadas apresentavam rótulos que continham atribuição de propriedades de saúde específicas, como “bom para diabetes”, “bom para o colesterol” e “recomendado pelos nutricionistas”, estando em desacordo com o regulamento de rotulagem geral. As duas amostras de bananas-passas e as três compotas de frutas avaliadas não apresentaram rótulo algum.
Os produtos fabricados e comercializados por indústrias alimentícias de médio e grande porte por vezes também apresentam índice elevado de não conformidade quanto à rotulagem frente à legislação vigente no Brasil. Santos et al.22analisaram os rótulos de 20 gomas de tapioca comercializadas em supermercados da Região Metropolitana do Recife/Pernambuco e encontraram não conformidades em todos os rótulos avaliados. Os autores destacaram o tamanho de letra inadequado, a ausência de itens como conteúdo líquido e prazo de validade, a inadequação das tabelas nutricionais (falta de indicação da gramatura/medida caseira da porção do produto) e a ausência de advertência nutricional obrigatória. Neste estudo, Santos et al.22sinalizaram, ainda, que as incoerências na rotulagem dos produtos podem ser um reflexo da carência de fiscalização de produtores da goma de tapioca pelos órgãos competentes. Além disso, também chamaram atenção para a importância de ações educativas visando o entendimento das informações contidas nos rótulos pelos consumidores em geral. Smith e Almeida-Muradian23analisaram 11 categorias de produtos de grande consumo, comercializados em supermercados de São Paulo, tais como: sobremesas, leite, biscoito, produtos refrigerados e alimentos infantis. Para cada categoria, avaliaram os rótulos de quatro diferentes marcas, totalizando 52 rótulos. Deste montante, 81% apresentaram algum tipo de não conformidade, e a tabela de informação nutricional foi o item que apresentou maior número de irregularidades.
Com base nos estudos supracitados22 , 23, percebe-se que, mesmo com recursos financeiros e maior estrutura tecnológica, pode existir ainda uma dificuldade de adequação dos produtores de alimentos frente à legislação vigente, que tem como objetivo garantir que o consumidor possa fazer escolhas mais conscientes garantindo a saúde do consumidor7 , 8 , 9 , 10 , 11 , 12. Para o produtor familiar que, na grande maioria das vezes, não conta com suporte técnico e profissional, a adequação às normas pode se tornar ainda mais difícil. Estas normas devem ser pensadas, não somente de acordo com a rotina da indústria, mas também de acordo com a realidade e com as possibilidades dos produtores familiares. Iniciativas como a da presente pesquisa, associadas a ações educativas, estão alinhadas com o princípio agroecológico de fortalecer a rede dos profissionais que produzem alimentos em pequena escala.
Como forma de contribuir para sanar as incorreções observadas no presente estudo, foram elaborados os rótulos nutricionais das farinhas vegetais investigadas ( Figura 2 ). As porções sugeridas (10 g) das farinhas de berinjela e quiabo, avaliadas no presente estudo, forneceram 5 g de fibra, o que permite que sejam classificadas como alimentos com alto conteúdo em fibras, de acordo com o estabelecido pela RDC nº 54, de 12 de novembro de 201224. Devido à versatilidade na forma de consumo, as farinhas de vegetais podem ser adicionadas com o objetivo de aumentar o valor nutricional e bioativo de diferentes tipos de preparações em função do seu conteúdo de fibras solúveis e insolúveis, sais minerais e compostos antioxidantes, em especial compostos fenólicos25 , 26 , 27 , 28 , 29 , 30 , 31.
Os rótulos das compotas de fruta também foram elaborados ( Figura 3 ). Além de serem doces popularmente consumidos, são ainda uma forma de evitar perda/desperdício das frutas da safra. A sua elaboração ocorre através do emprego de técnicas simples, que consistem na separação das frutas, na adição de açúcar, em uma proporção que varia de 30% a 60% do peso da fruta, e na aplicação de um tratamento térmico até que se alcance a consistência desejada32. As compotas devem ser consumidas moderadamente, pois mais da metade da sua porção é composta por açúcar de adição, cujo consumo excessivo pode favorecer o desenvolvimento de agravos à saúde, como a obesidade e suas comorbidades33. Nesse sentido, o conhecimento do rótulo nutricional torna-se relevante não só para a elaboração de um planejamento alimentar adequado e saudável, como também para permitir que os consumidores exerçam seus direitos no que diz respeito ao acesso à informação correta, em especial às características nutricionais do produto que está adquirindo e consumindo.
As irregularidades encontradas na rotulagem geral foram sinalizadas e os feirantes foram orientados a incluir no rótulo geral da bananada as informações que estavam ausentes (denominação de venda, informação de peso/conteúdo líquido, data de fabricação e lista de ingredientes). Também foi sugerido que as alegações específicas de saúde fossem retiradas dos rótulos. O apoio para a construção do rótulo geral das compotas de fruta, bem como para executar as correções dos outros rótulos, foi incluído na próxima etapa do projeto de extensão do Instituo de Nutrição da UERJ que tem como objetivo dar suporte, em diversos âmbitos, à FAU.
A experiência na construção dos rótulos, no presente trabalho, mostrou alguns desafios, principalmente o de cumprir com as recomendações da legislação sem interferir na identidade visual e logomarcas que já existiam, respeitando os limites sutis entre contribuir com a confecção de material técnico para valorização do produto artesanal sem ferir os preceitos agroecológicos sob os quais os feirantes trabalham. A experiência adquirida nesse trabalho permitiu registrar as dificuldades e nuances da construção compartilhada de saberes. O consumo de alimentos agroecológicos é baseado na relação de confiança e proximidade entre quem produz e quem consome. A descrição de ingredientes no rótulo que, do ponto de vista técnico, é uma prática de rotina, pode causar estranhamento ao produtor artesanal. Estaria o técnico ou o consumidor duvidando do zelo e cuidado do produtor? Desta forma, investir no diálogo e na construção de espaço para o estabelecimento de relações de confiança e do entendimento do papel da rotulagem para os feirantes e para os consumidores é essencial, uma vez que a rotulagem é uma das principais estratégias para a promoção da alimentação adequada e saudável12.
Essas considerações estão também presentes na RDC nº 49, de 31 de outubro de 201334, que propõe o respeito a todas as culturas, trazendo como consequência a preservação e a proteção dos costumes e saberes das técnicas de produção artesanal da agricultura familiar e das comunidades tradicionais. Explica ainda o circuito do alimento que está sendo comercializado, da origem até o produto final, pontuando conceitos e valores e caracterizando os produtos com valor agregado. Nesse contexto, a Vigilância Sanitária não exerce apenas um papel de inspeção com objetivo de controle sanitário, mas também de caráter orientador com olhar sensível para as identidades culturais34 , 35.
Oliveira et al.32citaram três tipos de valores agregados aos alimentos produzidos a partir dos vegetais in natura por produtores familiares: (i) geração de renda familiar e contribuição para economia local; (ii) fabricação de produtos alimentícios variados, permitindo o consumo de derivados desses vegetais mesmo na entressafra, contribuindo para variedade e diversificação da dieta e para reduzir a perda/desperdício pós-colheita; (iii) geração de valor social, pois representa uma oportunidade de os produtores familiares acessarem e se incluírem em sistemas e comunidades que formam uma rede de apoio aos produtores familiares de alimento.
Cabe destacar que, em geral, os agricultores e produtores de alimentos embalados e prontos para consumo da FAU são pessoas de origem camponesa, indígena e quilombola e a orientação sobre controle sanitário com respeito às tradições dessas diferentes comunidades contribui imensamente para o aumento da inserção social desse coletivo e para a valorização dos seus saberes tradicionais.
Os produtos embalados mais comercializados da FAU na UERJ entre agosto de 2017 e agosto de 2018 foram: bananada; farinhas de quiabo, banana verde e berinjela; compotas de banana, jaca, goiaba e laranja da terra; e banana-passa. Os rótulos nutricionais dessas farinhas de vegetais e compotas de fruta foram elaborados de acordo com a legislação regulamentadora vigente e com respeito aos conhecimentos tradicionais dos feirantes e aos preceitos agroecológicos.
No processo de elaboração, ficou evidente que os feirantes necessitam de apoio técnico para adequar seus produtos às normas técnicas, especialmente à luz das normas inclusivas. Esse apoio pode, inclusive, possibilitar que os produtos desses feirantes sejam comercializados em outras feiras e até mesmo em lojas ou pontos comerciais que estejam alinhados com a proposta agroecológica, proporcionando a ampliação das vendas e o aumento na geração de renda na perspectiva da soberania e segurança alimentar. Verificou-se, ainda, a necessidade e a importância da parceria entre a academia e os saberes tradicionais para apoiar a atividade de feiras agroecológicas. Essa cooperação deve continuar por meio do desenvolvimento de estudos futuros em diversos temas, em especial: rotulagem geral, treinamento dos feirantes em boas práticas de manipulação de alimentos e análise de qualidade (físico-química, microbiológica e sensorial) dos produtos da FAU.
A contribuição técnica da UERJ representada pela verificação da rotulagem, pela orientação para adequação dos rótulos gerais e pela elaboração dos rótulos nutricionais de alguns dos produtos comercializados na FAU, em associação com a experiência e vivência dos empreendedores familiares, viabilizou a realização de um trabalho que contribuiu para valorizar a produção artesanal. Em adição, contribuiu para apoiar as ações da Vigilância Sanitária no sentido de melhorar a informação transmitida ao consumidor e promover saúde.
Agradecemos ao grupo de feirantes, bem como o de docentes, técnicos e discentes do Instituto de Nutrição da UERJ responsáveis pela coordenação/desenvolvimento de atividades na Feira Agroecológica na UERJ, que estão envolvidos e comprometidos desde seu início, permanecendo firmes e resistentes em meio às dificuldades sanitárias, políticas e econômicas, contribuindo para a promoção de uma alimentação mais saudável.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
Fai AEC, Moura-Nunes N - Concepção, planejamento (desenho do estudo), análise, interpretação e redação do trabalho. Costa GT, Gomes LO, Casemiro JP - Análise, interpretação dos dados e redação do trabalho. Todos os autores aprovaram a versão final do trabalho.
* E-mail: bethfai@yahoo.com.br