ARTIGO
Recepção: 24 Abril 2021
Aprovação: 14 Julho 2022
DOI: https://doi.org/10.22239/2317-269X.01930
RESUMO
Introdução: No cotidiano dos profissionais de saúde, principalmente no enfrentamento à pandemia do SARS-CoV-2, as máscaras são artigos de suma importância, porém não existe programa de controle de pós-comercialização para tais produtos.
Objetivo: Avaliar os eventos adversos (EA) e as queixas técnicas (QT) de máscaras dos tipos cirúrgicas e respiradores, a fim de elencar e categorizar os problemas de saúde pública envolvendo o produto.
Método: Estudo transversal, descritivo, retrospectivo, documental com abordagem quantitativa, englobando dados de janeiro de 2010 a maio de 2020 disponibilizados no sistema Notivisa. Os dados analisados tiveram abrangência nacional que foram reclassificados, quando necessário, acerca da sua categoria (EA ou QT).
Resultado: Incluiu-se 443 notificações no estudo, que continham no total 519 reclamações (EA e QT). A distribuição dos dados na década analisada apresentou acentuado decréscimo, sendo a Região Sudeste do país a com maior prevalência de notificações no Brasil. A maior parte das empresas notificantes foram estabelecimentos de saúde, valendo destacar que a maior prevalência de eventos de saúde encontrados para este produto foram EA relacionados a problemas que afetavam o usuário nas tiras de fixação e clipe nasal dos produtos (como desprendimento do clipe nasal e rompimento das tiras de fixação durante o uso) indicando graves indícios de problemas de biossegurança em sua utilização.
Conclusões: A pesquisa caracterizou os EA e as QT de máscaras com enfoque na promoção da saúde, indicando a necessidade da implantação do monitoramento sanitário dos produtos.
Palavras chave: Máscaras, eventos Adversos, vigilância Sanitária de Produtos, pandemia.
ABSTRACT
Introduction: In the daily routine of Health Professionals, mainly in the midst of the Sars-CoV-2 pandemic, facemasks are important devices; however, there is no post market control for these products.
Objective: Evaluate the Adverse Events (AE) and Technical Complaints (TC) related to facemasks and respirators, to list and categorize the public health problems involving these products.
Method: Cross-sectional, descriptive, retrospective and documental study with a quantitative approach, including data from January 2010 to May 2020 available in the Notivisa system. The analyzed data had national coverage and were reclassified, when necessary, according to their category (EA or QT).
Results: 443 notifications were included in the study containing 519 claims (AE and TC). The data distribution on the analized decade presented an accentuated decrease; the Southeast region had the highest prevalence of claims in Brazil. Most of the notifying companies were health establishments and the highest prevalence of health events found were Adverse Events that affected the user when fixing strips and nose clips (such as detachment of the nose clip and breaking of the fixation straps during use), indicating serious biosecurity problems.
Conclusions: This study characterized the Adverse Events and the Technical Complaints in facemasks focusing on health promotion and indicating the necessity of sanitary monitoring improvement of the products.
Keywords: Facemasks, adverse Events, product Health Surveillance, pandemic.
INTRODUÇÃO
Os produtos para saúde (PPS), doravante denominados correlatos, podem ser definidos segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como: equipamento, aparelho, material, artigo ou sistema de uso ou aplicação médica, odontológica ou laboratorial, destinado à prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação ou anticoncepção e que não utiliza meio farmacológico, imunológico ou metabólico para realizar sua principal função em seres humanos, podendo entretanto ser auxiliado em suas funções por tais meios1.
Dentro desta classe de produtos, estão as máscaras de proteção facial, utilizadas como equipamentos de proteção individual (EPI). Estes produtos podem ser divididos em máscaras de uso não profissional, máscaras cirúrgicas e máscaras de proteção respiratória (respiradores)2,3,4,5. Destas, os respiradores, denominados máscaras N95 e peça semifacial filtrante para partículas 2 (PFF2)3, são peças semifaciais constituídas parcial ou totalmente de material filtrante, que cobrem o nariz, a boca e o queixo6.
Embora já fosse conhecido o poder preventivo a agentes infecciosos destes equipamentos7,8,9, as máscaras protagonizaram as medidas preventivas contra a pandemia do novo coronavírus, devido à elevada taxa de transmissibilidade do vírus SARS-CoV-2 que ocorre por aerossóis de pacientes portadores da doença quando em contato com a região oronasal de pessoas saudáveis10.
Frente ao alastramento da doença, o Ministério da Saúde preconizou diversos protocolos clínicos e legislações com informações sobre a prevenção e o manejo terapêutico de pacientes contaminados11,12. Ademais, diversas publicações contaram com as máscaras como protagonistas no combate a disseminação da doença13. Neste contexto, se preconizou a utilização de máscaras de pano com fiscalização sanitária e de forma cautelosa (devido às limitações de proteção), para locais de desabastecimento de recursos; utilização de máscaras cirúrgicas para trabalhadores da saúde e para as demais pessoas que possuam acesso a ambientes com outros indivíduos; e máscaras do tipo N95, PFF2 ou equivalente para ambientes de ampla circulação viral14. Vale explicitar que esta orientação fornecida apresentou caráter provisório e deve-se sempre obter a orientação mais atualizada das instituições competentes, como a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em virtude da dinamicidade das descobertas da temática.
Acerca do cenário sobrescrito, teve-se a preocupação sanitária da regulação, inicialmente de forma provisória, acerca da fabricação, importação e comercialização de EPI classificados como prioritários para uso em saúde15. Dentre os grupos incluídos na legislação, preveem-se as máscaras, tornando rígido o controle da qualidade dos produtos fabricados tal como comercializados neste momento, provendo direcionamento legislativo para aqueles que desejarem se adequar. Entretanto, mesmo diante da importância e da criticidade destes equipamentos, apenas os respiradores e máscaras do tipo PFF, apresentam legislação que exija a notificação compulsória do produto, conforme Portaria n° 561, de 23 de dezembro de 201416.
Em relação às regulamentações de máscaras, devido às características do período pandêmico, algumas legislações que regularizam seu processo fabril ganharam destaque, tornando-se fonte de referência aos fabricantes do produto17. Ademais, em território nacional é regulamentado no cenário de pós-comercialização e tecnovilgilância característica dos produtos de importação18,19, e tem-se, neste cenário, protagonismo na fiscalização de máscaras que podem ser reutilizadas20,21,22,23.
Como forma de subsidiar a tomada de decisão da Anvisa sobre a qualidade dos produtos, em 2006 um sistema informatizado denominado Notivisa foi criado. Esta plataforma tem como objetivo captar e gerenciar dados de notificações de eventos adversos (EA) e queixas técnicas (QT) destes produtos24.
O Notivisa, implantado como sistema de informação oficial da vigilância pós-uso/pós-comercialização (Vigipós) no Brasil25, possibilita que qualquer cidadão ou entidade jurídica realize notificações no sistema. Para tais fins, considera-se como EA as possíveis complicações indesejadas decorrentes do cuidado prestado aos pacientes não atribuídas à evolução natural da doença de base26. Por outro lado, caracteriza-se como QT qualquer notificação de suspeita de alteração ou irregularidade de um produto ou empresa, com relação a aspectos técnicos ou legais, que poderão ou não causar danos à saúde individual ou coletiva24.
Dessa forma, o presente trabalho objetivou categorizar, quantificar, analisar e avaliar as notificações no sistema do Notivisa entre 2010 e 2020 sobre respiradores e máscaras cirúrgicas.
MÉTODO
Trata-se de um estudo de caráter transversal, descritivo, retrospectivo, documental com abordagem quantitativa. Foram solicitados à Diretoria de Vigilância em Medicamentos e Congêneres (DVMC) da Vigilância Sanitária Estadual de Minas Gerais os dados do Notivisa, triados de janeiro de 2010 a abril de 2020, os quais foram encaminhados eletronicamente. A pesquisa foi realizada em todas as notificações de artigos médico-hospitalares de todos os estados do território brasileiro que contivessem na categoria de busca “Nome comercial do produto” as palavras: máscaras cirúrgicas, peça semifacial filtrante, máscara descartável ou máscara. O levantamento de dados abrangeu todas as notificações, independentemente do estado de conclusão das investigações escritas no sistema. Como critério de inclusão do trabalho, as notificações deveriam ser referentes a máscaras cirúrgicas ou à peça semifacial filtrante.
Após a exclusão de notificações que não foram objeto de interesse do estudo, a base de dados foi submetida a quatro etapas de análise pelos autores, iniciando pela averiguação de se as notificações efetuadas como EA e QT estavam em conformidade com a classificação do Manual de Tecnovigilância da Anvisa. Para a análise e a interpretação dos dados disponibilizados no Notivisa, foi retirado do campo “Descrição detalhada do motivo da notificação (DMOTIVO)” a descrição da situação relatada confrontando a convergência dos dados informados com a classificação indicada da notificação como EA ou QT.
Para este processo, os EA foram considerados como efeito não desejado em humanos, decorrente do uso de produtos sob vigilância sanitária e QT como suspeita de alteração ou irregularidade de um produto relacionado a aspectos técnicos ou legais, e que pode ou não causar danos à saúde individual e coletiva24. Em classificações divergentes, as notificações foram reclassificadas antes da tabulação de dados. Desta forma, as notificações que informavam de forma explícita o contato com o usuário (como desprendimento do clipe nasal durante o uso, rompimento das tiras de fixação atingindo o usuário e fragilidade do material devido ao rompimento do tecido), demonstrando de forma implícita a necessidade de utilização para seu descobrimento, foram classificadas como EA. Contraposta a isso, notificações de não conformidades no processo fabril (como presença de insetos, mofo, máscaras rompidas na caixa, ausência das tiras de fixação ou do clipe nasal percebidas antes da utilização e problemas de rotulagem) foram direcionadas ao grupo de QT.
Na segunda etapa, os EA e as QT foram tabulados de forma descritiva e quantificados por meio do software Excel®, utilizando como variáveis de análises o ano e local de ocorrência das notificações. Cada notificação foi categorizada de acordo com as informações disponibilizadas no sistema, conforme as classificações da ABNT NBR 15052, nos aspectos de qualidade do material utilizado no produto, composição e fabricação das máscaras, embalagem e irritabilidade ao uso. No terceiro momento, cada categoria foi subsegmentada agrupando notificações semelhantes para melhor elucidação das informações.
Por fim, o perfil das empresas notificantes e notificadas foi avaliado. Foi fornecido um código para cada empresa, a fim de assegurar a privacidade das instituições. Quantificou-se as empresas em função do tipo de estabelecimento (estabelecimento de saúde, outros estabelecimentos ou não informado), origem do produto adquirido (distribuidoras, estabelecimentos de saúde, outros ou não informado), nacionalidade das instituições (nacional ou internacional) e dos produtos notificados (máscaras cirúrgicas ou respiradores).
RESULTADOS
Entre janeiro de 2010 e maio de 2020, 482 notificações foram encontradas. Dessas, 39 (8%) foram excluídas por não se enquadrarem no critério de inclusão. Dentro das 443 notificações incluídas, 519 reclamações foram encontradas. Sobre as notificações, 368 (83%) referiam-se à máscara cirúrgica e 75 (17%), a respiradores. Com relação à classificação inicial das notificações, 425 (96%) estavam classificadas como QT e 18 (4%) como EA.
Após a reclassificação das notificações, segundo o Manual de Tecnovigilância da Anvisa, 343 (77%) se enquadraram no grupo de EA, 91 (21%) como QT e nove (2%) apresentavam mais de uma notificação e continham tanto EA quanto QT. Desta forma, tem-se que 324 (73%) das notificações haviam sido classificadas de forma errada.
Das empresas notificantes, 427 (96%) eram estabelecimentos de saúde e 16 (4%) não informaram o perfil de sua atividade. Com relação à aquisição dos produtos, 237 (53%) foram adquiridos de distribuidoras e 206 (47%), de outras fontes. Além disso, das empresas denunciadas, 319 (72%) eram fabricantes de máscaras, 46 (10%), importadoras do produto e 78 (18%) não continham essa informação. Ademais, a maior parte das instituições que utilizam o sistema do Notivisa são participantes da Rede Sentinela, as quais já apresentam equipes estruturadas de Gerenciamento de Risco.
Dentre as notificações avaliadas, 40 empresas foram identificadas nas notificações. Destas, uma única empresa denominada de “F1” foi responsabilizada por 106 (24%) notificações, sendo que, ao somar as cinco empresas com maior número de notificações, tem-se um total de 248 (56%) reclamações.
Das 27 unidades federativas do Brasil, apenas três não realizaram nenhuma notificação, sendo elas: Acre, Amapá e Roraima. Os cinco estados com maior número de notificações foram: São Paulo, 157 (35%); Ceará, 63 (14%); Rio de Janeiro, 44 (10%); Paraíba, 32 (7%) e Paraná, 27 (6%). Desta forma, a região Sudeste do Brasil foi a que apresentou maior número de notificações no Notivisa, contabilizando 222 (50%) notificações. As demais notificações foram distribuídas nas outras regiões do Brasil da seguinte forma: 127 (29%) no Nordeste; 49 (11%) no Sul; 28 (6%) no Norte e 17 (4%) no Centro-oeste.
Foi traçado o perfil do número de notificações realizadas em função do ano de ocorrência. A Figura 1 demonstra a distribuição das notificações de máscaras descartáveis e respiradores ao longo de dez anos.
As categorizações dos EA das máscaras cirúrgicas e respiradores podem ser visualizadas na Tabela 1. Neste grupo foram incluídas as notificações que possuíam como escopo questões como: rompimento de elementos da máscara com lesão facial do usuário, desconforto à sua utilização, como formatos pouco anatômicos e utilização do equipamento com equipamento de elemento filtrante defeituoso.
Dentre as notificações, foram encontrados 410 EA, sendo que deles 337 (82%) se referiam a notificações de máscaras cirúrgicas e 73 (18%) de respiradores.
Com relação às máscaras cirúrgicas, a categoria de maior ocorrência foi a de “Clipe nasal”, representando 115 (34%) das notificações. Destaca-se a elevada taxa de aparecimento de clipes nasais que se soltam da máscara e machucam o rosto do usuário e clipes sem “efeito memória”, impedindo que o ajuste realizado ao nariz permanecesse durante os procedimentos médicos.
Com relação às QT dos produtos, os dados se encontram na Tabela 2. Para estar incluso dentro do grupo, as notificações se referiam ao produto de forma prévia a sua utilização, como percepção de rompimento da estrutura da máscara, presença nos equipamentos ou em suas embalagens de corpo estranho ou odor pouco característico, tal como defeitos de montagem.
Dentre as notificações foram identificadas 109 QT, sendo 96 (88%) de máscaras cirúrgicas e 13 (12%) de respiradores. Nota-se que o número de notificações de QT é bem menor do que a de EA.
DISCUSSÃO
Quando se trata de tecnovigilância, tem-se destaque para os EA, que são problemas de ordem internacional e representam um dos grandes problemas na área da saúde27,28. Em 2020, especificamente, a qualidade de máscaras se elencou um dos principais assuntos de saúde coletiva devido à pandemia do coronavírus, fazendo inclusive com que a Anvisa modificasse as normas e requisitos de fabricação de máscaras de uso não profissional4.
A discrepância do número de EA da classificação inicial, após a sua averiguação com as definições do Manual de Tecnovigilância24, é reforçada pela literatura28. Além disso, observa-se baixa capacitação profissional para a classificação das não conformidades com relação ao produto, uma vez que majoritariamente, nas descrições das notificações, havia evidências nítidas da classificação do fato ocorrido.
Ademais, o erro neste processo pode estar acentuado, uma vez que as notificações de máscaras cirúrgicas, por serem de cunho estritamente voluntário, podem apresentar elevado caráter de subnotificação como ocorre, de forma recorrente, com outros produtos correlatos25,29,33. Dessa forma, a interpretação dos dados pode se encontrar enviesada.
Considerando a possibilidade de resolução por equipes estruturadas de gerenciamento de risco, tem-se que os dados podem não estar representados de forma totalitária29,31. Explicita-se que, além dos fatores que geram subnotificação supracitados, outra perspectiva que corrobora para este cenário no levantamento das notificações analisadas é a possibilidade de resolução pela Vigilância Sanitária estadual ou municipal, sem a inclusão dos dados no sistema do Notivisa32.
De forma concisa, a literatura retrata a prevalência de notificações no estado de São Paulo, se comparado a outras regiões do país26,33. Dessa forma, não é possível dimensionar se o estado é recorde de notificação devido ao elevado número de ocorrências ou se a cultura de denúncia é melhor consolidada em suas instituições.
Com relação ao perfil de distribuição de notificações em função do ano, observa-se drástica redução para ambas as máscaras no período estudado, com os dados obtidos. A dificuldade de notificar os PPS é presente na literatura, contudo tem-se que, para máscaras, ocorreu de forma mais abrupta quando comparada a outros produtos, reforçando a importância da conscientização dos usuários sobre a sua importância e a necessidade da realização de notificações de suas inconformidades25. Percebe-se que esta redução de notificação é característica no sistema de notificação, podendo ser atrelada à redução da cultura e pouca validação profissional da importância de sua realização25,27,30.
Um fator que pode ter influenciado na qualidade dos produtos, e que reflete no perfil de distribuição das notificações em função do tempo, foi a publicação da Portaria n° 561 do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), em dezembro de 2014, que instaurou a necessidade de certificação compulsória de máscaras do tipo respiradores. Porém, a literatura reporta que a implementação da certificação não interferiu de forma significativa no quantitativo de notificações de outros produtos correlatos, como de seringas hipodérmicas30. Além disso, esta regulamentação não justificaria a redução das notificações das máscaras cirúrgicas.
Acrescido a isto, a discrepância do número de notificação de máscaras cirúrgicas e de respiradores demonstra que, com relação a este segundo grupo, já existe uma preocupação por parte dos fabricantes com relação à qualidade do produto ofertado para comercialização. Provavelmente, esta atenção ocorre devido ao caráter de utilização deste equipamento, que muitas vezes são de situações mais adversas.
Esta preocupação protagoniza cenários de infecções de grande transmissibilidade por perdigotos, como no caso do vírus SARS-CoV-2. Quando o profissional está paramentado, defronta-se com situações nas quais se sente seguro pela utilização do EPI, porém, a sua utilização incorreta (ocasionada por desconhecimento de uso pelo usuário ou por má qualidade do produto) torna-se propícia à disseminação de diversas doenças.
Embora sejam alarmantes os riscos relacionados à integridade do usuário durante a utilização do EPI, a dificuldade de adaptação do clipe nasal (indicada nos EA) apresenta elevada criticidade ao que tange às questões de biossegurança. Com a não adaptabilidade do clipe, ou sua ausência, a região superior da parte orofacial fica desprotegida, possibilitando uma maior contaminação em atividades de caráter médico-hospitalar. Outra dificuldade da falta de maleabilidade do clipe nasal é o incômodo durante os procedimentos laborais. Este fator é recorrente na classificação de “fixação” a qual detém 111 (33%) das notificações.
Dentro da categoria “sustentação das máscaras”, os problemas com o rompimento das tiras de fixação apresentaram 29% das ocorrências de notificações. Dessas, os relatos majoritariamente abordam o rompimento das tiras durante a utilização do equipamento. Quando o rompimento ocorre, provoca lesões no rosto do manipulador e se interpõe novamente com o fator de biossegurança. Além disso, a perda do equipamento, com a necessidade de troca da máscara, resulta em gastos por parte da instituição, tornando-se também um problema financeiro.
A terceira categoria mais citada foi “Materiais”, que conteve 73 (22%) notificações de máscaras cirúrgicas. Considerando a classe de material de fabricação dos equipamentos, o rompimento representou 45 (13%) notificações. Tal dado indica a baixa qualidade de materiais de fabricação dos produtos, corroborando com a preocupação de biossegurança, uma vez que o rompimento do equipamento como um todo expõe o usuário ao agente patogênico.
Com relação aos respiradores, a categoria majoritária de notificações foi a de “Fixação”, apresentando 52 (72%) queixas. O conteúdo destas foi semelhante ao das máscaras cirúrgicas, porém alarma novamente para as questões de biossegurança devido à criticidade dos ambientes onde este tipo de máscara é requerido.
Quando se observam as QT, tem-se que, na classificação das máscaras cirúrgicas, o grupo de maior prevalência com 38 (40%) ocorrências foi a categoria de “Fixação”. Na subcategoria de “Rompimento” nas classificações de QT, foram incluídas notificações nas quais as tiras, embora presas, estavam próximas do rompimento na caixa do produto, inviabilizando o uso do equipamento desde o início.
Dentro desta classificação, a maior parte das notificações se referiam a produtos que dentro da caixa apresentavam tiras fixadoras ausentes ou desprendidas. Ao se encontrar um lote com esta QT, têm-se eminente adversidade em momentos em que o produto precisa ser utilizado de forma rápida, como em ambientes de urgência e emergência de hospitais. Problemas de QT com o clipe nasal também ocorreram, reforçando a problemática de exposição do usuário.
A segunda maior classe de QT, que representou 20 (22%) notificações de máscaras cirúrgicas, são as questões sanitárias. Prevalece a “Presença de corpo estranho” no produto com 17 (19%) notificações. Demonstra-se, com este tópico, problemas durante a fabricação dos produtos com relação às Boas Práticas de Fabricação (BPF). Devido à impossibilidade de percepção do usuário, o Notivisa não abrange notificações como parâmetros microbiológicos, porém esta categoria abre precedentes para possíveis pesquisas posteriores.
A rotulagem dos produtos também se mostrou um parâmetro que deve ser avaliado com esmiúces. Considerando que os problemas do rótulo englobavam questões como ausência do Certificado de Aprovação ou número de máscaras digitado de forma incorreta, possivelmente muitos usuários não se atentam a estes dados, indicando a possibilidade de que este problema seja recorrente, embora não notificado.
Sobre as máscaras do tipo respiradores, as classes de QT mais presentes no banco de dados estudado foram as com relação à fixação das máscaras, contendo quatro (31%) notificações, e as questões sanitárias, com quatro (30%) notificações. Alerta-se que existem testes de controle de qualidade, preconizados pelas normas reguladoras, que não são percebidos pelo usuário sem testes laboratoriais, fazendo com que possíveis parâmetros de não conformidade dos produtos dificilmente sejam denunciados por usuários. Dentre tais testes, pode-se citar a determinação da eficiência de filtragem de partículas e a determinação da eficiência de filtragem bacteriana5.
Dessa forma, reforça-se a necessidade de monitoramento pós-comercialização para uma averiguação mais concisa do produto. Com esta ação implementada, por meio da coleta amostral correta com a detecção dos parâmetros fiscais analisados, além de haver uma diminuição dos problemas relacionados às subnotificações, uma maior promoção à saúde conseguirá ser difundida.
CONCLUSÕES
Embora exista a possibilidade de o estudo não ter conseguido abranger todos os EA e as QT para máscaras cirúrgicas e/ou respiradores, devido às subnotificações que são recorrentes em produtos correlatos, foi nítida a gravidade dos problemas que cercam estes produtos, que podem ocasionar danos materiais, físicos no usuário e econômicos nas instituições que os utilizam. Contudo, tem-se a necessidade de manutenção de políticas que incentivem os profissionais de saúde a utilizarem o sistema Notivisa.
Além disso, o estudo demonstrou o desconhecimento dos usuários do sistema Notivisa com relação à classificação do Manual de Tecnovigilância da Anvisa. Com isso, tem-se que o processo de tecnovigilância de PPS se demonstra de extrema importância, a fim de averiguar o real perfil de EA e QT de máscaras cirúrgicas e respiradores, como demonstrado pelo estudo.
Futuros estudos de caráter investigativos enriqueceriam o diagnóstico do decréscimo de notificações ao longo dos anos. Entretanto, os achados do estudo corroboram para a necessidade do reforço da conscientização da classe profissional sobre os riscos inerentes à utilização dos EPI, principalmente sobre os parâmetros de biossegurança.
Com o banco de dados, obteve-se que, para máscaras cirúrgicas e respiradores, a maior prevalência de ocorrência é a de EA, que, além de serem eventos de ordem internacional, impactam diretamente a saúde pública. Além disso, os parâmetros de “Fixação” e “Clipe nasal” dos produtos foram os que apresentaram maior ocorrência de notificações.
É importante notar que a certificação compulsória metrológica pode ser utilizada como recurso de avaliação, mas não poderia substituir os parâmetros de monitoramento e as BPF. Ademais, demonstrou-se a necessidade de serviços de vigilância no período de pós-comercialização dos produtos28. Dessa forma, destaca-se a necessidade de averiguações mais criteriosas do produto no período de comercialização de pós-mercado.
Ressalta-se que a ausência da obrigatoriedade de notificação por parte dos profissionais ou dos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, demonstra a fragilidade do sistema de vigilância sanitária no controle destes produtos34. Logo, o registro das QT e dos EA e as averiguações mais criteriosas dos produtos no período pós-mercado tornam-se importantes ferramentas para a atuação dos órgãos de Vigilância Sanitária, auxiliando na proteção da saúde da população, e também para o próprio fabricante na tomada de ações corretivas e elaboração de PPS mais seguros.
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Autor notes
* E-mail: rafaelchristiandm@gmail.com
Declaração de interesses
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.