ARTIGO
Recepção: 02 Setembro 2021
Aprovação: 03 Agosto 2022
DOI: https://doi.org/10.22239/2317-269X.01994
RESUMO
Introdução: O sal rosa do Himalaia tem se destacado no mercado brasileiro por sua coloração atrativa, além dos apelos ao consumidor que o destacam como um produto “mais natural” e com grande diversidade de minerais por ser um sal de rocha. O teor de iodo no sal rosa consumido no país ainda é pouco discutido, mas vital para manter sob controle os distúrbios por deficiência de iodo (DDI).
Objetivo: Avaliar amostras de sal rosa do Himalaia quanto aos teores de iodo, à presença de corantes e à rotulagem.
Método: Foram analisadas 71 amostras em 13 cidades do estado de São Paulo para determinação de iodo adicionado na forma de iodato, prova qualitativa para corantes artificiais e avaliação da rotulagem com base na legislação brasileira.
Resultados: Um elevado índice de insatisfatoriedade dos teores de iodo foi encontrado (56%) e um percentual ainda maior nos sais comercializados a granel (74%). Verificou-se que, dentre as amostras insatisfatórias, o maior percentual de inadequação (28%) foi a ausência de iodo, colocando a população consumidora deste produto em risco para as DDI. A irregularidade de rotulagem mais encontrada foi a ausência da declaração da adição de iodo (46%), com contradições entre a declaração no rótulo e a efetiva presença avaliada analiticamente. Foram verificadas expressões de qualidade não previstas (27%) ou superlativas (14%), assim como alegações não comprovadas por estudos científicos, como a redução de 60% de sódio e a presença de 84 minerais. Nenhuma amostra apresentou adição de corante.
Conclusões: O sal rosa do Himalaia analisado apresentou irregularidades importantes para a saúde da população, em especial quanto ao teor de iodo, mas também não conformidades de rotulagem que comprometem o acesso à informação correta sobre o produto.
Palavras chave: Cloreto de Sódio, iodação, legislação, deficiência de Iodo.
ABSTRACT
Introduction: Himalayan pink salt has stood out in the Brazilian market for its attractive colors, in addition to appeals to the consumer that highlight it as a “more natural” product and with a great diversity of minerals as it is a rock salt. The iodine content in pink salt consumed in the country is still little discussed, but vital to keep Iodine Deficiency Disorders (DDIs) under control.
Objective: Evaluate Himalayan pink salt samples for iodine contents, presence of artificial colorants and labeling.
Method: Seventy-one samples from thirteen cities of the São Paulo State were analyzed for determination of iodine added as iodate, qualitative testing colorants, and labeling evaluation based on Brazilian legislation.
Results: A high rate of unsatisfactory iodine content was found (56%), even higher in salts sold in bulk (74%). It was found that among the unsatisfactory samples, the highest percentage of inadequacy (28%) was the absence of iodine, exposing the consumers of this product at risk for DDIs. The most frequent labeling irregularity was the absence of iodine declaration (46%), with contradictions between label declaration and effective presence evaluated analytically. Unforeseen (27%) or superlative (14%) quality expressions were verified, as well as claims not supported by scientific studies, such as 60% reduction in sodium and presence of 84 minerals. No sample showed colorants addition.
Conclusions: Himalayan pink salt samples analyzed showed important irregularities for health of the population, especially regarding the iodine content, but also labeling inaccuracies that compromise access to correct information about the product.
Keywords: Sodium Chloride, iodination, legislation, iodine Deficiency.
INTRODUÇÃO
O sal é considerado um bem de consumo universal, foi historicamente utilizado como uma das mais tradicionais formas de conservação, além de ter como função primordial salgar os alimentos1. Comercializado em diferentes granulometrias, varia de pó finamente moído até pequenos cristais, com granulação uniforme, própria a respectiva classificação2.
A produção mundial de todos os tipos de sal em 2017 foi estimada em 277 milhões de toneladas, sendo que o Brasil contribui com 2,7% desta produção (7,4 milhões de toneladas) e ainda importa 757 mil toneladas3.
Recentemente, um grande número de sais comestíveis não refinados divulgados como sais gourmet surgiu no mercado brasileiro, tais como a flor de sal, sal azul da Pérsia, sal vermelho do Havaí, sal negro e em especial o sal rosa do Himalaia (SRH) que apresentou crescimento no mercado brasileiro nos últimos anos.
A origem do SRH são as minas localizadas a cerca de 300 km a sudoeste do Himalaia, principalmente as minas de Khewra e Kalabagh, no Paquistão4. O Brasil é um dos principais importadores deste sal na América do Sul e aumentou a importação de sal do Paquistão nos últimos anos, que passou de 17.622 toneladas, o que corresponde a US$ 432 mil em 2015, para 83.270 toneladas, correspondente a US$ 3,32 milhões em 20173,5,6.
O SRH tem se destacado por possuir uma cor atrativa, rosada quando moído e quando em cristais maiores sua coloração pode variar de transparente, branca, rosa ou até mesmo avermelhada, de acordo com o local de extração e minerais nele presentes4.
Sua coloração e outras qualidades declaradas nos rótulos deste produto em relação a outros tipos de sal, destacando-o como um produto “mais natural”, têm impulsionado sua utilização tanto na alta gastronomia, quanto no uso doméstico. Alegações como teor reduzido de sódio em relação ao sal refinado comum e elevada diversidade e quantidade de minerais, estão inseridas nesse contexto, podendo induzir o consumidor a erro ou engano.
Por ser um sal de rocha, o SRH apresenta variações em sua composição. Em estudo com diferentes porções de rocha da mina de Khewra, local de extração de SRH, foi encontrada uma grande variação em sua pureza, isto é, o teor de cloreto de sódio variou de 60% a 90%7.
As variações na concentração também atingem outros minerais presentes em maior quantidade na região denominada camada de potássio ou de Kallar, porção da rocha onde o potássio pode chegar a 9,13%, os sulfatos a 27%, magnésio a 4,13% e cálcio a 1,3%7. Apesar dessas variações, a maioria das amostras da mina de Khewra estudadas apresentaram uma baixa concentração de minerais, exceto o cloreto e sódio7.
A maioria das 28 amostras de rocha apresentou teores <1%: para potássio em 21 amostras, em 26 para o cálcio e em 24 para o magnésio7. Fayet-Moore et al.8, avaliando SRH comercialmente adquiridos, encontraram resultados semelhantes a esses em relação à composição mineral.
Apesar das variações na composição mineral do SRH, atenção especial deve ser dada a quantidade de iodo presente no produto consumido no país. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), somente será considerado próprio para consumo humano o sal que contiver teor igual ou superior a 15 mg até o limite máximo de 45 mg de iodo por kg de produto9.
Em termos de saúde pública, a ingestão adequada de iodo é a maneira mais viável de evitar importantes agravos à saúde causados por sua deficiência, os chamados distúrbios por deficiência de iodo (DDI)10,11.
Ainda que o sal possa naturalmente conter traços de iodo, a quantidade é insuficiente para garantir a adequada ingestão estabelecida pelas políticas públicas brasileiras de iodação, sendo controlada por meio do Programa de Monitoramento da Iodação (PMI) do sal destinado ao consumo humano que fiscaliza a eficiência da iodação no país12,13.
O objetivo do presente estudo foi avaliar amostras de SRH, comercializadas no estado de São Paulo, no período de 2016 a 2020, quanto aos teores de iodo, corantes artificiais e rotulagem, a fim de verificar o cumprimento da legislação vigente.
MÉTODO
No período de março de 2016 a dezembro de 2020, foram analisadas 71 amostras de SRH, sendo 45 amostras de sal moído e 26 de sal grosso, comercializadas em estabelecimentos de 13 cidades do estado de São Paulo. Dentre estas, 19 amostras eram a granel e as demais, de 33 diferentes marcas. As amostras foram provenientes de coletas realizadas pelas Vigilâncias Sanitárias de diferentes municípios do estado São Paulo, para análises fiscais, referentes ao monitoramento do teor de iodo no sal para o consumo humano, integrante do Programa Nacional para a Prevenção e Controle dos Distúrbios por Deficiência de Iodo (Pró-Iodo)12, e incluiu também amostras adquiridas pelos autores em supermercados da Região Metropolitana de São Paulo especialmente para o estudo.
A quantificação do teor de iodo foi realizada em titulador potenciométrico automático com base na técnica de determinação de iodo adicionado na forma de iodato, descrito em Métodos físico-químicos para análise de alimentos, Instituto Adolfo Lutz, Técnica 383/IV14. Pesou-se 10 g de sal, diluiu-se com 200 mL de água, adicionando ácido sulfúrico e iodeto de potássio, seguindo-se a titulação com solução de tiossulfato de sódio em titulador automático, com eletrodo de platina.
A titulação potenciométrica automatizada neste caso foi fundamental para avaliação do ponto final da titulação, porque a grande sensibilidade da técnica permite sua aplicação em soluções muito diluídas e também para soluções coloridas, como é o caso da solução rosada do SRH dissolvido, que dificulta a visualização do ponto de viragem com o uso de indicador como utilizado em titulações convencionais.
As análises foram realizadas em triplicata e os dados foram analisados por estatística descritiva com uso de média, mediana, valor mínimo, valor máximo e frequência, no software Microsoft Excel®.
Para a classificação das amostras em satisfatórias e insatisfatórias, foi utilizada a faixa de concentração 15 a 45 mg de iodo/kg de sal, definida pela legislação9.
A presença de corantes foi avaliada de acordo com a prova qualitativa para corantes, descrito em Métodos físico-químicos para análise de alimentos, técnica 051/IV14. Pesou-se 50 g de sal, diluiu-se com 100 mL de água, lã natural branca foi inserida no béquer e foi adicionado ácido clorídrico. Aqueceu-se em banho-maria fervente e verificou-se, após lavagem da lã em água corrente, se houve impregnação da cor na lã. Essa análise se fez necessária para verificar a autenticidade da coloração do sal e evitar possíveis falsificações com corantes que poderiam ser adicionados ao produto.
A avaliação da rotulagem foi realizada com base nas seguintes regulamentações brasileiras: Decreto Federal nº 75.697, de 6 de maio de 19752; Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa: nº 259, de 20 de setembro de 200215, nº 359, de 23 de dezembro de 200316, nº 360, de 23 de dezembro de 200317, nº 269, de 22 de setembro de 200518, nº 54, de 12 de novembro de 201219, Decreto-Lei nº 986, de 21 de outubro de 196920, e Lei Federal nº 10.674, de 16 de maio de 200321.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela 1 apresenta os resultados dos teores de iodo encontrados nas amostras de SRH, classificadas de acordo com os limites estabelecidos na legislação brasileira9.
Durante o período (2016-2020), foram analisadas 71 amostras (Tabela 1), sendo que 31 (44%) apresentaram-se satisfatórias, dentro da faixa de iodo estabelecida pela legislação, e 40 (56%), insatisfatórias. No PMI, publicado em 2019, a Anvisa encontrou um percentual de insatisfatoriedade menor: 46% das amostras de SRH estavam insatisfatórias22.
Silva et al.23 encontraram um percentual próximo (53,8%) de inadequação no teor de iodo em um total de 13 amostras de SRH, coletadas no interior do estado de São Paulo. Já Loyola24 encontrou um percentual ainda maior de inadequação em 58% das 12 amostras avaliadas em Goiás.
Os relatórios do PMI divulgados pela Anvisa nos últimos 10 anos apresentaram percentual de adequação do teor de iodo em todos os sais: entre 93 e 97%. Entretanto, em 2019, esse percentual caiu para 88%, devido à grande quantidade de amostras insatisfatórias de SRH22.
No nosso estudo verificou-se que, dentre as amostras insatisfatórias (56%), o maior percentual de inadequação (28%, n = 20) foi a respeito da ausência de iodo, ou seja, amostras não fortificadas, seguidas das amostras com teor de iodo menor que 15 mg/kg (21%, n = 15) e, por último, maior que 45 mg/kg (7%, n = 5).
Ramos25 avaliou o teor de iodo em seis amostras de SRH (fino, grosso e a granel), adquiridas em Campo Mourão (Paraná) e não encontrou iodo em nenhuma das amostras analisadas.
A Figura 1 demonstra a tendência de redução da insatisfatoriedade ao longo do tempo. No início das coletas (2016), todas as amostras de SRH (100%) apresentaram-se insatisfatórias, ocorrendo uma diminuição gradual da insatisfatoriedade com o passar dos anos, 55% em 2018 e 40% em 2020.
Também em sais comuns e refinados, o teor de iodo avaliado em períodos maiores (1999-2013) demonstrou o mesmo tipo de comportamento, ou seja, diminuição da insatisfatoriedade com o transcorrer do tempo26.
Provavelmente, este fato se deve ao maior esforço das indústrias importadoras no controle da fortificação de iodo, em decorrência da fiscalização gerada pelo PMI12.
O elevado percentual de amostras não adicionadas de iodo nesse estudo (28%) constitui o maior risco para a saúde da população. A escolha por este tipo de sal, na busca por um produto mais natural e saudável, poderá afetar o consumo diário de iodo. A longo prazo, esse cenário pode colocar os consumidores destes produtos em risco para o desenvolvimento de DDI, em especial as gestantes e lactantes, devido à maior demanda de iodo pelo organismo27,28.
Além disso, os sais comercializados sem adição de iodo, ou que não contenham iodo nos teores estabelecidos, estão em desacordo com as exigências definidas nas seguintes legislações: Lei Federal nº 6.150, de 3 de dezembro de 197429, art. 17 do Decreto Federal nº 75.697/19752 e art. 5º da RDC nº 23, de 24 de abril de 20139.
É proibido, em todo o território nacional, expor ou entregar ao consumo direto sal comum ou refinado que não contenha iodo nos teores estabelecidos em Portaria do Ministério da Saúde9.
A única exceção para utilização de sal sem adição de iodo prevê o uso de sal não iodado em produtos alimentícios industrializados, desde que seja comprovado que o iodo causa interferência nas características sensoriais do produto9.
Dentre as amostras que foram iodadas (72%), o teor de iodo mínimo encontrado foi de 1,17 mg/kg e o máximo, de 61,52 mg/kg, com mediana de 15,06 mg/kg.
Na Figura 2, podemos observar que os teores de iodo nas amostras de SRH mostram-se muito dispersos e, quando se apresentam de forma satisfatória, se situam na faixa de concentração entre 18 e 35 mg/kg.
O fato de o limite máximo contemplar três vezes o limite mínimo de iodo facilita o processo de iodação pelas indústrias salineiras, que procuram atingir valores de iodo no meio da faixa estabelecida.
Uma grande contradição foi observada entre as informações do rótulo e a efetiva adição de iodo, avaliada analiticamente por titulometria (Quadro). Não obstante a obrigatoriedade da adição de iodo e a necessidade de que essa informação seja clara na rotulagem, as informações contidas no rótulo devem condizer com as características e a composição do produto, sob risco de induzir o consumidor a erro ou engano.
Dentre as 33 diferentes marcas avaliadas, sete foram coletadas e analisadas mais de uma vez e apresentaram variabilidade no teor de iodo entre os diferentes lotes. Estes resultados demonstram falta de padronização no processo de iodação. Por exemplo, uma marca com três lotes analisados apresentou dois resultados satisfatórios (25,40 e 39,80 mg de iodo/kg) e um insatisfatório (51,26 mg de iodo/kg), revelando um coeficiente de variação entre os lotes de 33%.
Os sais comercializados a granel apresentaram maior percentual de insatisfatoriedade (74%) em relação às amostras com marca (48%), sais a granel normalmente possuem um custo menor, porém, pelos resultados apresentados, demonstraram um menor cuidado com a iodação por parte dos produtores e comerciantes.
Todas as amostras não apresentaram corantes artificiais nem naturais. Ainda que não tenham sido encontrados, a pesquisa de corantes foi importante devido ao fato de que o alto custo desse produto8poderia estimular fraudes.
Esses resultados confirmam testes preliminares que demonstraram que a solução dos SRH, quando filtrada, apresenta-se límpida, sendo que a coloração se mantém no resíduo retido no papel de filtro, gerada pelos compostos minerais presentes no sal25.
Na avaliação de rotulagem dos sais, foram encontradas diversas irregularidades com base nas legislações aplicadas. A Tabela 2 apresenta as irregularidades da rotulagem mais encontradas, sendo que várias amostras apresentaram mais do que uma inconformidade.
A irregularidade de rotulagem mais encontrada foi a ausência da declaração da adição de iodo em 33 (46%) amostras, sendo que, destas, 22 continham iodo nas concentrações exigidas.
Apenas uma amostra (1%) declarou unidade do teor de iodo na informação nutricional de forma errônea, 15 miligramas de iodo em vez de microgramas, o que corresponde a mil vezes a concentração correta. Isso poderia levar o consumidor a erro ou engano na comparação com outros rótulos (RDC n° 360/2003; RDC n° 269/2005)17,18.
A prática da não declaração da presença de iodo pode ter como finalidade induzir o consumidor a acreditar que o produto seja totalmente natural e sem substâncias químicas adicionadas.
O alto percentual de expressões de qualidade não previstas, 19 (27%), dentre elas “100% natural”, reforça essa intenção. Também o uso de outras expressões como premium e gourmet induzem à ideia equivocada de um produto de qualidade superior, sem que haja um padrão de qualidade previsto na legislação. Provavelmente com a mesma intenção, dez amostras (14%) usaram expressões superlativas de qualidade como: “o mais puro” e “mais antigo do mundo”.
O estímulo ao consumo gerado pela propaganda de alimentos foi confirmado por Cuevas et al.30, avaliando matérias de revistas especializadas para a indústria de alimentos no período de 2007 a 2018, verificaram uma forte tendência de investimento em promoção e propaganda, em detrimento a outros tipos de investimentos, como: formulação de produtos, embalagens ou equipamentos para tornar os alimentos mais saudáveis.
Além disso, alegações mais vagas e menos verificáveis, como “ingredientes naturais”, foram consideradas como potencialmente lucrativas30. Diversas dessas afirmações foram apresentadas nos rótulos do SRH, tais como: “sal saudável”, “mais puro”, “sem conservante” e “nutricionalmente equilibrado”. Provavelmente, essas alegações visam apresentar o SRH como um produto “mais natural” ou menos processado e com benefícios adicionais à saúde, sem a devida comprovação por meio de estudos científicos.
Ainda que seja um produto novo no mercado, o SRH se enquadra no Regulamento Técnico de sal para o consumo humano, inclusive em relação a sua classificação granulométrica. Entretanto, 27 (38%) amostras adotaram classificações não previstas, como: fino, médio e granulado, em desacordo com a padronização estabelecida no Decreto nº 75.697/19752.
Dentre as irregularidades, nota-se que 18 (25%) amostras apresentaram alguma alegação sobre conteúdo de minerais, utilizando termos relacionados à quantidade, diversidade ou mesmo citando alguns elementos químicos na rotulagem, como cobre, zinco e cálcio.
A declaração de propriedades nutricionais de um alimento, como a declaração de minerais, é realizada através da informação nutricional complementar (INC), regulamentada pela RDC n° 54/201219. Entretanto, essa regulamentação não se aplica ao sal e, assim sendo, além de não previstas, essas alegações são enganosas, pois diferentes estudos realizados até o momento não identificaram a diversidade citada nos rótulos de 80 ou 84 minerais7,8,31,32. Além disso, a baixa concentração de minerais presente no SRH não apresenta contribuição relevante para as necessidades diárias, com base no consumo de sal recomendado de 5 g diárias8,11.
Em relação à redução de sódio, 7% das amostras apresentaram destaque no rótulo para redução de 60% ou “baixo índice de sódio”, porém, esse tipo de alegação, conforme a RDC n° 54/201219, não se aplica ao sal.
Para sais com redução de sódio, os denominados sais hipossódicos, existe um regulamento técnico específico: a Portaria da Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde (SVS/MS) n° 54, de 4 de julho de 199533, que define o uso da declaração de reduzido conteúdo de sódio, nesse caso, como obrigatória e não voluntária.
Além disso, os estudos não comprovam uma redução tão expressiva e a rotulagem não deve induzir o consumidor a erro, engano ou confusão de acordo com a RDC n° 259/200215.
Apesar de o teor de sódio nas rochas de SRH poder variar de 60% a 99%, tendo a menor concentração na região da camada de potássio, a maioria dos estudos com o SRH comercial não encontrou uma variação tão extensa7,8,34.
Em relação à concentração de sódio no SRH, os teores em diferentes pesquisas variaram entre 34.389 mg/100 g e 45.912 mg/100 g, enquanto no sal refinado, nos mesmos estudos, as concentrações variaram entre 35.870 e 42.764 mg/100 g8,34,35,36. Em relação ao sal refinado, pesquisas verificaram uma diminuição de sódio entre 1% e 9%, redução bem menor do que as declaradas nos rótulos8,24,35,37.
Observou-se que 12 amostras (17%), apesar de apresentarem a denominação de venda “sal rosa do Himalaia”, não indicavam de forma clara a origem geográfica do sal. Todo alimento embalado deve ter sua origem descrita no rótulo, conforme estabelecido na RDC nº 259/2002, item 3.2, e no Decreto-Lei Federal nº 986/1969, art. 2115,20.
A indicação geográfica utilizada na denominação “sal rosa do Himalaia” remete à sua origem, entretanto algumas destas amostras apresentavam como origem “Indústria brasileira” ou ainda “África”, não esclarecendo se o produto foi importado, de onde foi importado ou se foi apenas processado em outro país, o que torna essa informação confusa e sujeita a erros.
As várias alegações encontradas na rotulagem provavelmente são estratégias de marketing utilizadas para tendenciar à atração do consumidor e levar a uma maior comercialização do produto, pois, como visto, não são previstas na legislação para o sal e podem conter informações incorretas que confundem o consumidor.
CONCLUSÕES
As amostras de SRH comercializadas no estado de São Paulo, no período de 2016 a 2020, apresentaram um alto índice de insatisfatoriedade dos teores de iodo (56%), muito acima daqueles encontrados nos sais refinados e comuns, e um percentual ainda maior foi encontrado nos sais rosa comercializados a granel (74%). Também foram constatadas diversas irregularidades em relação à rotulagem destes produtos, a maioria ligada à ausência da declaração de adição de iodo, à classificação, a expressões de qualidade não previstas e a declarações sobre o conteúdo de minerais, condições que podem induzir o consumidor a erro, engano ou confusão. Não foi observada nenhuma amostra com adição de corante artificial. Estes dados demonstram que a continuidade do monitoramento deste produto por meio de programas como o Pró-Iodo e outros programas governamentais é fundamental para garantir que todo sal para consumo humano atenda às especificações estabelecidas nos respectivos regulamentos técnicos, visando a proteção da saúde da população.
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Autor notes
* E-mail: marcia.mello@ial.sp.gov.br
Declaração de interesses
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.