RESUMO
Introdução: A avaliação da estrutura física de estabelecimentos de saúde e de interesse à saúde é complexa e requer análise técnica específica quanto a seus espaços e equipamentos, cabendo ao profissional capacitado avaliar se todas essas questões atendem ao mínimo necessário para a garantia do cuidado à saúde.
Objetivo: Demonstrar a importância da Vigilância Sanitária na avaliação da estrutura física dos estabelecimentos sujeitos ao controle sanitário mediante a análise de projetos arquitetônicos.
Método: Trata-se de um estudo exploratório, retrospectivo, com utilização de abordagem quali-quantitativa. A pesquisa utilizou dados secundários, sendo autorizada pela Diretoria de Vigilância em Estrutura Física (DVEF) da Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado de Minas Gerais. O estudo considerou os projetos apresentados à DVEF no período de janeiro de 2019 a dezembro de 2020. Buscou-se identificar as principais normas utilizadas e os principais aspectos considerados no processo de licenciamento sanitário.
Resultados: Falta de acessibilidade, cruzamento de fluxos, desorganização espacial dos ambientes, falta de ventilação ou ventilação inadequada, pouca ou nenhuma iluminação natural, área insuficiente ou até mesmo o superdimensionamento de ambientes, materiais de acabamento inadequados e implantação em local inapropriado (próximo a leitos de rios, indústrias poluentes) foram alguns dos problemas encontrados nos projetos arquitetônicos avaliados.
Conclusões: A avaliação prévia de projetos arquitetônicos de estabelecimentos de saúde e de interesse à saúde é mais um aliado na obtenção de serviços que congreguem segurança, eficiência e efetividade em suas atividades, visando eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde inerentes às atividades desenvolvidas em todo tipo de estabelecimento de atendimento à saúde humana.
Palavras chave: Vigilância Sanitária, projeto Arquitetônico, risco à Saúde.
ABSTRACT
Introduction: The assessment of the physical structure of health facilities and those of interest to health is complex and requires specific technical analysis regarding their spaces and equipment, and it is up to the trained professional to assess whether all these issues meet the minimum necessary to guarantee health care.
Objective: To demonstrate the importance of sanitary surveillance in the evaluation of the physical structure of establishments subject to sanitary control through the analysis of architectural projects.
Method: This is an exploratory, retrospective study, using a quali-quantitative approach. The research used secondary data, being authorized by the Board of Surveillance in Physical Structure (DVEF) of the Superintendence of Sanitary Surveillance of the State of Minas Gerais. The study considered the projects submitted to DVEF from January 2019 to December 2020. We sought to identify the main standards used and the main aspects considered in the health licensing process.
Results: Lack of accessibility, crossing of flows, spatial disorganization of the environments, lack of ventilation or inadequate ventilation, little or no natural lighting, insufficient area or even the oversizing of environments, inadequate finishing materials, implantation in an inappropriate location (close to river beds, polluting industries), were some of the problems found in the evaluated architectural projects.
Conclusions: The prior assessment of architectural projects of health facilities and of interest to health is another ally in obtaining services that bring together safety, efficiency, and effectiveness in their activities, aiming to eliminate, reduce or prevent health risks inherent to the activities carried out in all types of human health care establishments.
Keywords: Health Surveillance, architectural Project, health Risk.
ARTIGO
A importância da Vigilância Sanitária na avaliação de projetos arquitetônicos dos estabelecimentos sujeitos ao controle sanitário
The importance of Sanitary Surveillance in the evaluation of architectural projects of establishments subject to sanitary control
Recepção: 07 Março 2022
Aprovação: 01 Julho 2022
A complexidade e a importância da regulação sanitária e o contexto da reforma do Estado brasileiro levaram à criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por meio da promulgação da Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 19991. Autarquia com independência administrativa que tem entre suas finalidades a promoção e a proteção da saúde da população por meio do controle sanitário dos ambientes, e como algumas de suas competências estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária.
A Anvisa coordena o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) a partir de um processo de negociação entre os integrantes desse sistema, não havendo uma relação de subordinação entre os entes federados, mas sim a pactuação e o compartilhamento de competências entre as instâncias, nos termos de solidariedade e da responsabilidade2.
Compete aos órgãos que integram o SNVS, nas três esferas de governo, a elaboração das normas que regulamentam o funcionamento dos estabelecimentos que desenvolvem processos produtivos e que oferecem serviços à população dentro de seu campo de abrangência2.
O componente estadual do SNVS é constituído pelos órgãos de Vigilância Sanitária (Visa) das Secretarias Estaduais de Saúde e de algumas autarquias especiais. Já a descentralização para o componente municipal ainda não se deu por completa, uma vez que nem todo município é dotado de um serviço de Visa estruturado2.
Em Minas Gerais (MG), a Vigilância Sanitária Estadual foi instituída a partir da Lei Estadual nº 13.317, de 24 de setembro de 1999, também conhecida como Código de Saúde do Estado de MG3. Em 2019, foi publicado o Decreto nº 47.769, de 29 de novembro de 20194, que trata da organização da Secretaria de Estado de Saúde (SES) de MG. Em seu art. 4º são elencados os componentes da estrutura orgânica da SES e, entre eles, está a Superintendência de Vigilância Sanitária a qual é composta por quatro diretorias: Diretoria de Vigilância em Estrutura Física (DVEF), Diretoria de Vigilância em Serviços de Saúde (DVSS), Diretoria de Vigilância em Medicamentos e Congêneres (DVMC) e Diretoria de Vigilância em Alimentos (DVA).
Dentre as diversas atividades desenvolvidas por estas diretorias, destaca-se a avaliação de projetos arquitetônicos de estabelecimentos de serviços de saúde e de interesse à saúde, a qual é desempenhada pela DVEF. Além da avaliação de projetos arquitetônicos, essa diretoria é responsável pela participação na elaboração de normas estaduais específicas e de normas federais, contribuindo e participando de grupos técnicos na Anvisa, pela emissão da licença necessária ao funcionamento do estabelecimento, pelo treinamento, apoio e monitoramento da avaliação de projetos realizados nas Superintendências e Gerências Regionais de Saúde espalhadas pelo território de MG, além de outras atividades.
No art. 35 do Decreto nº 47.769/20194, estão elencadas as competências da DVEF:
Art. 35 – A Diretoria de Vigilância em Estrutura Física tem como competência implementar, monitorar e executar em caráter complementar, as ações de controle sanitário relacionadas a estrutura física dos estabelecimentos de interesse a saúde, no âmbito do Estado, com atribuições de:
estabelecer normas e padrões, em caráter suplementar, de procedimentos de vigilância sanitária em estrutura física;
avaliar e aprovar projetos arquitetônicos de estabelecimentos sujeitos ao controle sanitário, conforme legislação vigente;
coordenar, acompanhar, avaliar e assessorar as unidades regionais de saúde e os municípios nas ações de vigilância sanitária em estrutura física;
executar, em caráter complementar, ações de inspeção na área de estrutura física;
orientar os prestadores de serviços de saúde na elaboração dos projetos arquitetônicos de reforma, ampliação e construção dos estabelecimentos sujeitos ao controle sanitário;
orientar, acompanhar e assessorar as ações e os serviços, de natureza técnica, desempenhados pelas Superintendências e Gerências Regionais de Saúde no âmbito de sua atuação;
executar e fiscalizar os contratos ou instrumentos congêneres no âmbito de sua atuação.
A estrutura física de estabelecimentos de saúde e de interesse à saúde é complexa e necessita constantemente passar por avaliação técnica específica quanto a seus espaços, equipamentos e processos de trabalho. Muitos aspectos devem ser considerados nos projetos físicos e cabe ao profissional de arquitetura ou engenharia, com conhecimento específico das normas sanitárias, avaliar aqueles mais adequados a cada realidade.
O estabelecimento de saúde e de interesse à saúde “nasce” a partir de uma arquitetura e uma engenharia planejadas, organizadas e bem estruturadas. Os ambientes devem possibilitar o desenvolvimento das atividades de maneira eficiente, eficaz e segura a todos os envolvidos.
Requisitos básicos como: organização espacial, dimensionamento dos ambientes, fluxos, iluminação e ventilação devem ser atendidos em sua integralidade objetivando a maior redução possível dos riscos sanitários. E cabe ao profissional capacitado avaliar se todos esses itens atendem ao mínimo necessário para proporcionar o cuidado adequado à saúde de quem utiliza o ambiente. Importante observar que a ideia de qualidade está presente em todos os tipos de avaliação que têm como característica principal a atribuição do juízo de valor5.
O objetivo desse trabalho foi demonstrar a importância da Visa na avaliação dos projetos arquitetônicos de estabelecimentos de saúde e de interesse à saúde, visando eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde.
Trata-se de um estudo exploratório, retrospectivo, com utilização de abordagem quali-quantitativa. A pesquisa utilizou dados secundários, sendo consultados o banco de dados interno da DVEF da Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado de MG, com sua autorização. Foram analisadas planilhas de Excel com dados referentes a todos os estabelecimentos avaliados nos anos de 2019 e 2020. Além disso, foi consultado o Portal da Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de MG, na página da diretoria de infraestrutura física, para busca por legislações sobre infraestrutura física6 e, na página de licenciamento sanitário, para busca de legislações sobre licenciamento sanitário7. Também foi consultado o Portal da Anvisa, na página de legislação8. Para acessar as informações desse portal é necessário saber o número do ato e o ano. As normas técnicas pesquisadas no portal estão listadas na Tabela 2.
O presente trabalho considerou os projetos apresentados à DVEF no período de janeiro de 2019 a dezembro de 2020. Buscou-se identificar as principais normas utilizadas e os principais aspectos considerados no processo de licenciamento sanitário. Foram coletados dados referentes ao número de projetos aprovados e reprovados e as principais não conformidades encontradas nestes últimos. Complementarmente, foi realizada uma análise documental de vários documentos emitidos pela DVEF nesse período.
A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa n° 50, de 21 de fevereiro de 20029, é a norma base de toda análise de projetos arquitetônicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. É um documento com caráter normativo e compulsório, utilizado pelas secretarias estaduais/municipais na avaliação dos projetos de estabelecimentos assistenciais de saúde a serem construídos, ampliados ou reformados, sejam eles públicos ou privados, integrantes ou não do Sistema Único de Saúde (SUS).
Além da RDC n° 50/20029, são utilizadas outras RDC da Anvisa, Leis Federais, Leis Estaduais, Leis Municipais, Decretos, Portarias Ministeriais, Portarias Interministeriais, Normas Regulamentadoras, Resoluções Estaduais, Instruções Normativas, manuais etc.
Importante esclarecer que as RDC Anvisa são resoluções publicadas pela Diretoria Colegiada da Anvisa, cujo processo de elaboração conta com a colaboração de técnicos especialistas em diversas áreas de atuação. São normas disciplinadoras que devem ser seguidas nacionalmente por todos os estabelecimentos de assistência à saúde e de interesse à saúde. Elas estabelecem parâmetros mínimos para que os estabelecimentos funcionem de forma adequada, garantindo qualidade na prestação dos serviços de saúde.
Atualmente somente são obrigados a ter seus projetos arquitetônicos aprovados na Visa aqueles estabelecimentos classificados como de alto risco, ou seja, aqueles que apresentam perigo potencial de ocorrência de danos à integridade física e à saúde humana em decorrência do exercício de sua atividade econômica10.
No Quadro 1 estão apresentadas as normas técnicas relativas ao grau de risco sanitário e suas atividades econômicas. O Quadro 2 traz as RDC mais utilizadas na avaliação de projetos arquitetônicos na área da saúde e o Quadro 3, as normas técnicas complementares da Secretaria Estado da Saúde de Minas Gerais (SES/MG).
Na avaliação de projetos também podem ser utilizadas as seguintes Normas Brasileiras (NBR) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): NBR 6.492/1994 Representação de Projetos de Arquitetura; NBR 13.532/1995 Elaboração de projetos de edificações - Arquitetura; e NBR 9.050/2020 Acessibilidade a edificações, mobiliários, espaços e equipamentos urbanos.
Além dessas, há várias outras normas que auxiliam no processo de avaliação das estruturas físicas dos estabelecimentos. Muitas normas sanitárias não tratam diretamente da área física, porém dão subsídios para que sejam feitas exigências de acordo com os tipos de atendimentos/procedimentos realizados nos estabelecimentos.
A DVEF da Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado de MG (nível central) realiza a avaliação de projetos de estabelecimentos de alto risco dos 853 municípios que compõem o estado de MG, sendo responsável pela avaliação de projetos de todos os graus de complexidade de 168 Municípios, somados aos de alta complexidade dos outros 685 municípios.
As avaliações são organizadas em documentos de reprovação e documento de aprovação. Nos anos de 2019 a 2020, os documentos eram assim nomeados: documentos de reprovação - Ofício (OF) e Análise Preliminar (AP); documento de aprovação - Parecer Técnico (PT).
A AP é o documento que lista todos os ajustes necessários a serem realizados no projeto arquitetônico para que este se torne adequado às normas sanitárias. Já o OF é utilizado para comunicação pontual ao regulado de pendências em relação ao projeto arquitetônico, sendo também um documento de reprovação, porém diverso da AP, já que não apresenta uma listagem tão extensa de ajustes. O PT é o documento de aprovação que atesta a regularização do projeto arquitetônico às normas sanitárias relacionadas à sua estrutura física.
O número de avaliações a que um projeto arquitetônico é submetido é variável, e depende muito da qualidade do profissional de engenharia/arquitetura responsável por sua elaboração, bem como de seu grau de conhecimento, tanto do risco sanitário quanto das legislações sanitárias específicas, e da tipologia e dimensão do estabelecimento (drogaria, consultório, clínica, hospital, indústria etc.).
A DVEF realizou em todo o ano de 2019 o total de 2.500 avaliações de projetos arquitetônicos de estabelecimentos de saúde e de interesse à saúde localizados em todas as regiões do estado de MG. Foram avaliados 1.314 estabelecimentos (alguns estabelecimentos deram entrada mais de uma vez no mesmo ano). Dentre essas 2.500 avaliações, 1.195 foram AP, 290 OF e 1.015 PT. Uma média de 208 avaliações/mês. Esses dados são apresentados na Tabela 1.
O número de AP correspondeu a 46,0%; o de OF a 13,4% e o de PT a 39,0% do total de projetos avaliados em 2019. Ou seja, o percentual de aprovação foi de 39,0% enquanto o de reprovação foi de 59,4%.
A Tabela 2 traz os dados do ano de 2020, ano do advento da pandemia da COVID-19. O número de avaliações sofreu um impacto, principalmente nos meses iniciais, resultando num total de 2.118 avaliações, sendo 1.125 AP; 219 OF e 774 PT. Uma média de 176 avaliações/mês. Foram avaliados 1.175 estabelecimentos.
O número de AP correspondeu a 59,2%, o de OF, a 5,3% e o de PT, a 35,4% do total de projetos avaliados em 2020. Ou seja, o percentual de aprovação foi de 35,4% enquanto o de reprovação foi de 64,5%.
Verifica-se que a quantidade de projetos que receberam reprovação é muito alta. Desse modo, é possível concluir que muitos estabelecimentos de serviços de saúde e de interesse à saúde não se encontram adequados às normas sanitárias, comprometendo a qualidade e a segurança dos atendimentos, podendo vir a gerar riscos sanitários à população.
Para a obtenção do alvará sanitário, os estabelecimentos de serviços de saúde e de interesse à saúde, classificados como de alto risco, precisam ter o projeto arquitetônico de sua área física aprovado pela Visa. Conforme o §1º e 2º do art. 8° do Código de Saúde do Estado de MG3:
é estabelecimento de serviço de saúde aquele destinado a promover a saúde do indivíduo, protegê-lo de doenças e agravos, prevenir e limitar os danos a ele causados e reabilitá-lo quando sua capacidade física, psíquica ou social for afetada.
é estabelecimento de serviço de interesse da saúde aquele que exerce atividade que, direta ou indiretamente, possa provocar danos ou agravos à saúde da população.
Entre os serviços de saúde estão: os estabelecimentos hospitalares e de pronto atendimento, clínicas, laboratórios, consultórios etc. Por sua vez, os serviços de interesse da saúde contemplam desde fabricantes, comerciantes e distribuidores de alimentos, medicamentos, produtos para a saúde, cosméticos e saneantes até serviços sociais e coletivos relacionados à saúde.
Para avaliação dos projetos arquitetônicos dos estabelecimentos de serviço de saúde e dos estabelecimentos de serviço de interesse à saúde, o proponente deve apresentar, basicamente, os seguintes documentos: Requerimento de Aprovação do Projeto Arquitetônico (RAPA); cópia da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART/CREA), no caso de engenheiro/a, ou do Registro de Responsabilidade Técnica (RRT/CAU), no caso de arquiteto/a, quitados, cópia do Documento de Arrecadação Estadual (DAE) referente ao pagamento da taxa de saúde pública (quando o estabelecimento não for isento desta taxa) e seu respectivo comprovante de quitação, a Memória de Cálculo da área de intervenção, o Relatório Técnico e o Projeto Básico de Arquitetura (PBA). Em alguns casos específicos, são solicitados documentos complementares, atinentes ao caso concreto.
No RAPA são checados: os dados cadastrais do estabelecimento, o endereço, o tipo de obra (construção, reforma/adequação ou ampliação), as áreas de intervenção e a identificação dos responsáveis pelo estabelecimento e pelo projeto arquitetônico.
Em seguida, são verificados os dados e a quitação da ART/CREA ou do RRT/CAU do responsável pelo projeto arquitetônico. É averiguado se o profissional possui habilitação para o desenvolvimento de projetos arquitetônicos.
Na sequência, passa-se à verificação da correspondência entre o valor indicado no RAPA e o valor pago no DAE, com base na Memória de Cálculo e no projeto arquitetônico apresentado, podendo ser necessário o recálculo das áreas de intervenção e ser solicitada uma complementação de pagamento do valor por erros de cálculo por parte do autor do projeto.
Após a verificação desses documentos, passa-se à leitura do Relatório Técnico, o qual deverá basicamente conter: os objetivos e as atividades do estabelecimento ou dos serviços/setores/unidades a serem reformados, ampliados ou construídos, a especificação básica de materiais de acabamento de pisos, paredes e tetos, entre outros, de todos os ambientes, a descrição dos sistemas adotados de ventilação mecânica e de ar-condicionado (quando previstos), o quadro do número de leitos (no caso de estabelecimento hospitalar), discriminando os leitos de internação e de Centro de Terapia Intensiva (CTI)/Unidade de Terapia Intensiva (UTI); no caso de indústrias: apresentação em planta do fluxograma dos processos industriais, desde a entrada de matéria-prima à saída de produto acabado, além da relação de matérias-primas e dos equipamentos utilizados na produção, bem como de produtos fabricados.
Além disso, no Relatório Técnico deverão constar: o horário de funcionamento, o quantitativo de funcionários, a demanda média e a faixa etária das pessoas atendidas, o fluxo de atendimento e de processos de trabalho, os tipos e a complexidade dos atendimentos, procedimentos, cirurgias, exames e atividades realizados, as especialidades médicas atendidas, como serão realizados os processamentos de artigos, instrumentos e materiais utilizados, os serviços terceirizados, os sistemas de abastecimento de água, de esgoto, o recolhimento de resíduos sólidos etc.
Todas essas informações são importantes e cruciais na definição do programa mínimo ao qual o estabelecimento deve atender. Elas ajudam a definir se a estrutura física do estabelecimento pode ou deve ser ampliada ou reduzida, se necessita de uma reforma maior ou menor, se está bem localizada, organizada, estruturada ou não.
Após a leitura do Relatório Técnico, passa-se à avaliação do projeto básico de arquitetura. O projeto básico de arquitetura é composto pelas pranchas arquitetônicas, que contêm as peças gráficas (plantas, cortes, fachadas, detalhamentos, mapas etc.) e suas respectivas identificações, legendas e textos.
Os principais aspectos observados no PBA são: implantação/localização do estabelecimento, acessibilidade, organização espacial, fluxo, número, dimensionamento e layout dos ambientes, materiais de acabamento, iluminação, ventilação, instalações de gases, água, esgoto, energia elétrica, rotas de fuga e local para depósito temporário dos resíduos sólidos.
O Relatório Técnico e o PBA são indispensáveis e se complementam. As informações constantes no Relatório Técnico devem ser compatíveis com as informações constantes no PBA e vice-versa. No caso específico de estabelecimentos de saúde e de interesse à saúde, não bastam as informações básicas encontradas em Memoriais Descritivos simples, como a encontrada em outros tipos de estabelecimentos. É necessária a descrição detalhada de tudo o que acontece e como acontece em cada ambiente. Assim, o Relatório Técnico englobaria o Memorial Descritivo usual e um Memorial de Atividades com informações específicas e atinentes às atividades de saúde e de interesse à saúde desenvolvidas no estabelecimento.
Um dos principais aspectos verificados nos projetos é a organização espacial do estabelecimento. Uma boa setorização dos ambientes é fundamental para a garantia das boas práticas nos procedimentos de saúde e de interesse à saúde. O fluxo de pessoas e o de materiais devem ser otimizados e bem pensados visando à garantia da eficiência e segurança dos processos.
Donabedian11 propôs a avaliação da qualidade a partir da tríade estrutura, processo e resultados. Esse enfoque tem sido muito utilizado na obtenção de dados sobre os atributos que constituem ou definem a qualidade. Para o autor, a estrutura engloba os instrumentos e os recursos, bem como as condições físicas e organizacionais.
Piso, parede e teto, equipamentos (recursos físicos), recursos humanos e recursos organizacionais, Procedimentos Operacionais Padrão (POPs), manuais e protocolos são indicadores de boas práticas relacionados à estrutura12.
Hubner e Ravache13 destacaram o cenário, exposto pela pandemia da COVID-19, das estruturas hospitalares brasileiras, que é, na maioria das vezes, bastante precário e sem projetos que atendam às normas estabelecidas para os projetos arquitetônicos destinados a este fim. Segundo essas autoras13, os estabelecimentos de assistência à saúde devem atender:
as exigências de qualquer tipo de público, como a temperatura, umidade, luminância, acústica tanto para fatores internos como externos, desde a posição das janelas até o isolamento das paredes, já que a ventilação natural não só proporciona conforto como também ajuda no combate a infecções hospitalares. Tudo deve ser controlado para alcançar o conforto adequado.
O relato de experiência em um hospital universitário14 mostrou que foi necessário adequar a estrutura física existente com vistas ao atendimento do usuário com COVID-19, priorizando a segurança dos profissionais e dos usuários.
Foi realizada a revisão da disponibilidade de gazes medicinais; adequação da rede elétrica; aquisição de novos geradores para aporte ao elevado número de equipamentos, principalmente relacionados ao aumento de leitos de UTI; inclusão de visores de vidro nas portas das enfermarias para reduzir a frequência de entrada da equipe multiprofissional no quarto; fechamento e sinalização de locais de passagem de usuários COVID-19 com indicação em solo e bloqueios físicos restringindo o máximo a circulação de pessoas; reserva de elevadores exclusivo para funcionários e usuários com COVID-19; adequação e adição de pias para lavagens das mãos, ajuste de salas para paramentação, refeitório, alojamento de funcionários; revisão e ajuste de sistemas de ventilação; sinalização com placas e letreiros dos novos ambientes, fazendo distinção entre as áreas limpas, potencialmente contaminadas e contaminadas; entre outros14.
Este estudo aponta ainda para a necessidade de se enfrentar duas questões evidenciadas pela pandemia: o esgotamento físico e mental da força de trabalho em saúde e a infraestrutura hospitalar desgastada14.
Nas avaliações realizadas pela DVEF, várias irregularidades foram constatadas nos projetos arquitetônicos, como, por exemplo: implantação em local inapropriado (próximo de leitos de rios, indústrias poluentes) ou implantação inadequada (sem respeito aos afastamentos legais e necessários, sem considerar a carta geográfica, insolação, ventilação); falta de acessibilidade; cruzamento de fluxo; desorganização espacial dos ambientes; falta de ventilação ou ventilação inadequada; pouca ou nenhuma iluminação natural; área insuficiente ou até superdimensionamento de ambientes; materiais de acabamento inadequados, dentre outros.
Nos momentos de atendimento aos regulados, visando à resolução de dúvidas e de questionamentos acerca dos itens apontados nos documentos de reprovação, é perceptível o desconhecimento dos processos de trabalho de cada atividade realizada nas edificações e a falta de interação com os proprietários destas estruturas. O autor do projeto muitas vezes não é especializado em arquitetura e engenharia de estabelecimentos assistenciais e de interesse à saúde, o que resulta em projetos “desconectados” com a realidade e a especificidade de cada estabelecimento.
Somam-se a isso erros básicos de representação nas peças gráficas, denotando desconhecimento das normas técnicas de desenho e também baixa qualidade técnica dos profissionais.
Em artigo científico, César et al.15 buscaram determinar as irregularidades mais frequentemente encontradas durante as inspeções sanitárias realizadas em MG. Verificou-se que uma parte significativa se relacionou à infraestrutura:
O segundo tipo de irregularidade mais encontrada foi aquele relacionado aos requisitos de infraestrutura, no formulário exemplificado por: irregularidades em pisos, tetos, paredes ou outra estrutura; problemas de ventilação e/ou iluminação; estrutura incompatível com projeto arquitetônico aprovado; ausência/não aprovação de projeto arquitetônico (quando exigível); dentre outras.
Em Freitas e Santos16, foram identificadas 137 irregularidades sanitárias constatadas pelas diversas inspeções sanitárias realizadas em 59 estabelecimentos e equipamentos de assistência de alta complexidade e de interesse à saúde no município de Franca, em São Paulo, no período de agosto de 2008 a julho de 2009, destas, 32 (23,36%) estavam relacionadas à área física.
Essas irregularidades são caracterizadas pelo desrespeito “às exigências mínimas da legislação sanitária, seja pela dimensão da área, pelo tipo de revestimento de paredes e pisos, pela iluminação e ventilação, pelo layout, seja pelo fluxo de circulação de pessoal e materiais”16.
Diante de tantos problemas constatados, tanto no processo de avaliação dos projetos arquitetônicos quanto nos momentos de inspeção sanitária, é clara e evidente a importância da verificação da estrutura física dos estabelecimentos de saúde e de interesse à saúde.
A avaliação prévia dos projetos arquitetônicos dos estabelecimentos evita muitos percalços durante a execução das obras de construção, reforma, adequação e ampliação. Além disso, impede que problemas de estrutura física sejam apontados apenas nos momentos de inspeção sanitária, o que pode gerar transtornos e atritos, somando-se ao fato de que nem sempre a equipe de inspeção poderá contar com um agente sanitário com formação técnica na área de arquitetura e engenharia.
A gestão da qualidade tem sido destaque no contexto gerencial, afirmando-se como espaço teórico e prático de produção de conhecimento. Dessa maneira, qualificar as ações de Visa por meio do aprimoramento dos processos de gestão tornou-se pauta de trabalho da Anvisa e dos demais componentes do SNVS17.
Nesse sentido, a Anvisa publicou em 2018, a RDC nº 207, de 3 de janeiro18, que dispõe sobre a organização das ações de vigilância sanitária, exercidas pelas três esferas de governo, relativas à Autorização de Funcionamento, Licenciamento, Registro, Certificação de Boas Práticas, Fiscalização, Inspeção e Normatização, no âmbito do SNVS.
Essa RDC tem como uma de suas premissas que: “a implementação do Sistema de Gestão da Qualidade é requisito estruturante para qualificação das ações de vigilância sanitária exercidas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios”.
Assim, objetivando alcançar maior eficiência no atendimento ao setor regulado e mais qualidade nos seus processos de trabalho, a Visa de MG participa, desde 2019, no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS) e da parceria institucional entre o Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC) e a Anvisa, do projeto intitulado “Institucionalização de práticas avaliativas: a gestão estratégica da vigilância sanitária baseada em evidências”19.
A proposta é institucionalizar práticas avaliativas por meio de uma estratégia de modelização que permita conhecer as ações desenvolvidas pelas organizações de Visa. Para tanto, foi necessário discutir os princípios, as diretrizes e as práticas desenvolvidas pelas instâncias de Visa, bem como detalhar as relações entre as atividades e os seus efeitos19.
Nesse sentido, a DVEF iniciou o levantamento de dados e a revisão de seus processos de trabalho. Algumas mudanças já foram implementadas e outras seguem em estudos de viabilidade e em processo de implantação para que se torne mais célere e eficiente a análise e aprovação de projetos arquitetônicos.
Assim, a primeira mudança realizada foi a redução em 33,3% no prazo para a análise de projetos arquitetônicos. O prazo que antes era de até 90 dias passou para até 60 dias corridos. Essa redução significativa se deve, primeiramente, ao advento das novas normas sobre a classificação do grau de risco para as atividades econômicas sujeitas à Visa10,20,21. Essas normas acabaram com a obrigatoriedade de estabelecimentos classificados como de baixo e médio risco sanitário terem os projetos de suas áreas físicas aprovados pelos órgãos de Visa.
Além das citadas normas, outros aspectos que contribuíram para a redução no prazo foram: a reorganização e a redistribuição dos processos administrativos (projeto arquitetônico e os demais documentos que o acompanham) a partir de sua tipologia e grau de complexidade e, também, a partir da fase de obtenção de alvará em que o estabelecimento se encontra. Cada arquiteto da DVEF passou a ficar responsável, preferencialmente, por tipologias e pelas complexidades específicas e os processos passaram a ser separados em processos de obtenção de alvará inicial (1º alvará) e em processos de renovação de alvará sanitário.
Outra mudança já implantada foi na nomenclatura adotada para os documentos de aprovação e reprovação. A AP passa a ser nomeada de Parecer Técnico de Indeferimento e o PT de Parecer Técnico de Aprovação, resultando numa melhor padronização dos documentos.
A implantação do Sistema de Gestão da Qualidade na DVEF tem sido fundamental para a melhoria dos processos de trabalho e dos atendimentos oferecidos ao setor regulado.
Importante relatar que a RDC nº 207/201816 foi revogada pela RDC nº 560, de 30 de agosto de 202122, mas a nova RDC manteve a citada premissa de implementação do Sistema de Gestão da Qualidade no SNVS.
A atual pandemia da COVID-19 colaborou para demonstrar a importância de uma estrutura física bem planejada, fundamental para a garantia da qualidade dos serviços nela oferecidos. Em edificações afetas à área da saúde, essa qualidade é indispensável e deve ser atestada pela segurança, pela eficiência e pela efetividade.
Assim, visando à garantia de todos esses elementos, principalmente no que concerne à minimização dos riscos sanitários inerentes a todo e qualquer tipo de atividade, é primordial que sejam observados e atendidos os parâmetros mínimos necessários para a construção, reforma, adequação e ampliação de estabelecimentos de serviços de saúde e de interesse à saúde.
Após a elaboração do projeto arquitetônico pelo profissional de arquitetura ou engenharia é necessário que ele passe previamente pela avaliação técnica de profissionais da Visa antes de ser executado. Esta etapa é fundamental, haja vista que muitas deficiências, erros e irregularidades poderão ser constatados e corrigidos a tempo, evitando-se problemas futuros e resultando em uma estrutura física funcional, econômica e eficiente.
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.
* E-mail: amcoliveira@bol.com.br