EDITORIAL
Mais do que nunca, a luta pelo conhecimento continua
More than ever, the struggle for knowledge continues
Mais do que nunca, a luta pelo conhecimento continua
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 10, núm. 4, pp. 1-2, 2022
INCQS-FIOCRUZ
O planeta parece estar envolto em uma nuvem de energia caótica. O mundo ao nosso redor está se mostrando abertamente absurdo. Porém, tais absurdos nos são apresentados como normais, como partes do caminho do desenvolvimento. As mudanças climáticas e outras disfunções na área ambiental; a crescente concentração de renda e o empobrecimento da maioria; as migrações de expressivos contingentes de pessoas em busca de melhores condições de sobrevivência; o negacionismo científico; a radicalização e o fanatismo “religiosos”; o desprezo pela vida, a banalização da violência e da criminalidade; e a ojeriza pela educação e pela formação de cidadãos conscientes são alguns exemplos de uma lista que não tem fim.
Na raiz dessa situação está o modelo atual do capitalismo – o capitalismo das finanças, também chamado de neoliberalismo, e seu objetivo principal de expansão exponencial dos lucros para beneficiar, quase que exclusivamente, os megafundos de investidores e seus aliados. Fragilizar o Estado; entregar tudo ao mercado – educação, saúde, segurança, habitação etc.; privatizar empresas e instituições estratégicas; associar o Estado e a política à ineficiência e à corrupção e hegemonizar uma narrativa ultraliberal são algumas estratégias desse poder, que não produz, mas acumula riqueza, principalmente, pelo endividamento dos Estados e a máxima exploração do trabalho.
Londres e Nova Iorque são os pontos centrais dessa riqueza desconectada da dignidade da vida e do bem-estar coletivo. O imenso poder político, econômico e midiático do capitalismo financeiro supera o poder regulatório dos estados-nações. Incompatível com a democracia, mesmo a democracia liberal, que é manipulada pelo poder econômico, o neoliberalismo se associa ao neofascismo. A poderosa máquina que alimenta essa energia caótica esconde a realidade e deturpa a percepção humana, o que impele milhões de pessoas a apoiar a narrativa neofascista, que usa meios violentos, desonestos e altamente enganadores para se manter.
Este editorial foi escrito alguns dias antes do segundo turno das eleições presidenciais de 2022. É um momento altamente crítico para o futuro do Brasil. A ansiedade e a tensão dominam corações e mentes. E é neste momento que comemoramos os 10 anos desta Revista, que sempre esteve compromissada com a leitura científica da realidade, com a produção do conhecimento científico e sua difusão.
Lidamos com a qualidade, segurança e eficácia de serviços e produtos presentes em nosso cotidiano, fundados em tecnologias tradicionais ou inovadoras. Temos consciência de que, sem uma mudança na percepção, sem uma consciência mais sensível, qualquer tecnologia será utilizada para manter as pessoas em sua programação e seu condicionamento cultural e social. E negar a realidade. Se a tecnologia se enquadrar na expressão dominante do neoliberalismo, aceitaremos e consumiremos tudo o que for produzido e colocado no mercado como bom e benéfico. Entretanto, nós somos testemunhas de que o mercado sem controle põe em risco a saúde pública.
A história recente da vigilância sanitária no Brasil nos mostra que, sem a intervenção do Estado, sem a regulação sanitária, sem a vigilância, o mercado reúne suas forças para obter o maior lucro possível, sem se preocupar com o risco à saúde e causar tragédias que matam ou sequelam milhares de pessoas. O governo neoliberal e neofascista atua contemplando exclusivamente os interesses do mercado e odeia a consciência crítica. A desregulação é uma das suas estratégias (a liberação de agrotóxicos é um exemplo).
Despertar a consciência científica, desvelar a realidade e desmascarar a tirania foi e será nossa contribuição para essa mudança de percepção, neste e nos próximos decênios. A produção e a difusão do conhecimento científico são contribuições essenciais para essa mudança de percepção e a construção de uma consciência crítica que nos liberte da narrativa neoliberal.
No plano mundial, já se percebem evidências de que estamos no rumo de uma ruptura da ordem hegemônica. A máquina se exaspera e utiliza todo seu poderio para sabotar a evolução, aniquilar nossa imunologia física, mental, emocional e espiritual, e manter a humanidade dentro dos padrões esperados. Esperamos, ardentemente, que a eleição mude os rumos do nosso governo e o papel do Estado. Porém, qualquer que seja o resultado eleitoral seguiremos em nossa luta por um Brasil mais consciente, soberano, justo e humano.
Agradecemos a todos que contribuem para a existência e a manutenção desta Revista – a secretaria e a equipe executiva, os editores, os que submetem seus artigos e relatos e, em especial, os nossos especialistas revisores.
Autor notes
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