DEBATE
Vigilância Sanitária em Debate: 10 anos de contribuição ao conhecimento em saúde
Health Surveillance in Debate: 10 years of contributions to knowledge in healthcare
Vigilância Sanitária em Debate: 10 anos de contribuição ao conhecimento em saúde
Vigilância Sanitária em Debate, vol. 10, núm. 4, pp. 3-9, 2022
INCQS-FIOCRUZ
Recepção: 21 Novembro 2022
Aprovação: 07 Novembro 2022
RESUMO: Este debate, resultado de um breve estudo sobre o periódico Vigilância Sanitária em Debate: Sociedade, Ciência & Tecnologia (Visa em Debate) em sua primeira década, teve como objetivo apresentar uma visão panorâmica das publicações, que foram classificadas em categorias previamente definidas; também foram identificadas as instituições às quais os autores das publicações estavam vinculados. A categoria Objetos sob Controle Sanitário abriga o maior quantitativo de publicações, com 72,0% do total, entre as quais predominam alimentos, medicamentos, e serviços de saúde e de interesse da saúde. As categorias Sistema Nacional de Vigilância Sanitária; Regulação e Vigilância Sanitária; Doenças, Agentes, Epidemiologia; e Tecnologias Analíticas apresentam quantitativos semelhantes, em torno de 7,0%. Entre as instituições de vínculos dos autores, as universidades e outras instituições de ensino superior são aquelas com maior número de vínculos, em todas as regiões. A Região Sudeste concentra o maior número de referências, seguida do Nordeste, Sul, Centro-Oeste e, por último, a Região Norte. Também foram referidos vínculos a universidades de outros países, como Canadá, França, Portugal e Colômbia. Observou-se uma grande diversidade de temáticas em todas as categorias de classificação das publicações, também lacunas e/ou poucos trabalhos em certos temas relevantes para a área. Este estudo denota que o periódico vem se constituindo um relevante veículo de disseminação do conhecimento em saúde em geral e vigilância sanitária em especial. Neste pouco tempo já foi indexada em importantes bases de dados científicos e conta com uma boa classificação Qualis/Capes na área interdisciplinar da saúde, o que contribui para um número crescente de publicações oriundas de renomadas universidades.
Palavras-chave: Vigilância Sanitária, Regulação Sanitária, Proteção da Saúde, Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.
ABSTRACT: This debate is the result of a brief study in the journal Health Surveillance in Debate: Society, Science & Technology (Visa em Debate) in its first decade. The objective is to present a panoramic view of the publications of this journal. The articles were classified into previously defined categories and the institutions to which the authors of the publications were linked were also identified. The category “object under health control” contains the largest number of publications, with 72.0% of the total, among which food, medicines and health services predominated. The categories “National Health Surveillance System”, “Health Regulation and Surveillance”, “Diseases, Agents, Epidemiology”, and “Analytical Technologies” presented similar amounts of around 7.0%. Among the authors’ affiliation institutions, universities and other higher education institutions are the ones with the highest number, in all regions. The Southeast region possesses the largest number of references, followed by the Northeast, South, Midwest, and finally the North region. In addition, links to universities in other countries, such as Canada, France, Portugal, and Colombia, were mentioned. A great diversity of themes was observed in all categories of classification and there are still gaps and/or few works in certain themes that are relevant to the area. This study shows that the journal has become a relevant vehicle for the dissemination of knowledge in health in general, and health surveillance, in particular. In this short time, this journal has already been indexed in relevant scientific databases and has a good Qualis/Capes classification in the interdisciplinary area of health, which contributes to a growing number of publications from renowned universities.
Keywords: Health Surveillance, Health Regulation, Health Protection, National Health Surveillance System.
INTRODUÇÃO
Por conta da comemoração dos 10 anos da Revista Vigilância Sanitária em Debate: Sociedade, Ciência & Tecnologia (Visa em Debate), objetivou-se apresentar uma visão geral desse periódico e algumas notas para reflexão sobre uma invisibilidade da vigilância sanitária. Além disso, alguns marcos que contribuíram para uma inflexão em sua trajetória no país e na percepção social de sua importância como campo de ensino e pesquisa de grande relevância para a saúde coletiva.
Até recentemente o tema vigilância sanitária era pouco tratado na literatura científica no Brasil e raras publicações o abordavam, ou ao menos se aproximavam da especificidade deste componente da saúde coletiva, integrante do sistema público de saúde. Até mesmo a palavra-chave “vigilância sanitária” só veio a ser inserida nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) depois da criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Alguns autores relacionam a “invisibilidade” da vigilância sanitária com: a) o modelo de atenção hegemônico, centrado na assistência médica, o que esmaeceria a importância das ações preventivas e assim, as ações de proteção e promoção da saúde; b) o “modelo de atenção em vigilância sanitária”1, centrado na fiscalização, mesmo que insuficientemente exercida, o que favoreceria uma percepção da vigilância sanitária como essencialmente burocrático-cartorial, voltada ao atendimento às demandas formais dos segmentos regulados; c) o insulamento institucional em que foi mantida, com pouca ou nenhuma articulação orgânica com o sistema de saúde e com as políticas públicas de saúde2,3.
Acrescente-se, ainda, uma espécie de suspeição que as áreas de fiscalização costumam provocar, como sendo envolvidas com alguma espécie de corrupção, o que tenderia a uma percepção redutora da função de regulação e vigilância sanitária para a proteção da saúde, ao controlar atividades que podem trazer riscos à saúde. Essas hipóteses ainda não foram objeto de investigação ou de uma reflexão crítica sistematizada, mas o fato é que só mais recentemente a temática emergiu na pesquisa e no ensino e, gradativamente, a regulação e a vigilância sanitária vêm se consolidando como campo de pesquisa relevante para a saúde coletiva.
Há um tempo vão se tornando mais claros os múltiplos desafios que enfrenta, tanto aqueles relacionados aos requerimentos técnico-científicos, funcionais e políticos para o exercício de funções regulatórias, que implicam intervir sobre produtos, tecnologias e serviços, ou seja, sobre atividades econômicas diretamente relacionadas com a saúde e que concentram significativas parcelas de poder. Acrescente-se ainda, os desafios relacionados ao processo, ainda inconcluso, de estruturação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), dadas suas múltiplas facetas de desigualdade estrutural entre entes e interentes federativos subnacionais, temas bem explorados por De Seta e Dain4. Outro aspecto de relevo na emergência tardia da vigilância sanitária na pesquisa relaciona-se com o escasso fomento a pesquisas na temática, em que pese ser esta uma das competências da Anvisa, estabelecida na Lei no 9.782, de 26 de janeiro de 1999.
Um movimento político na área emergiu na segunda metade dos anos 1980, cresceu nos anos 1990 quando o antigo modelo institucional deu claros sinais de insuficiência e esgotamento, que acompanharam uma situação calamitosa, com o acúmulo de muitos eventos negativos relacionados à área de atuação em vigilância sanitária. Especialmente aqueles vinculados a medicamentos e serviços de saúde receberam destaque na mídia nacional e internacional1.
A situação sanitária no Brasil, na segunda metade dos anos 1990, evidenciava muitos riscos à saúde, provocava desconfiança quanto ao consumo de produtos, expressava a fragilidade da vigilância sanitária e incomodava até o setor produtivo, devido às incertezas e à lentidão nas respostas institucionais à crise3.
A conjuntura favorável a reformulações institucionais – quando se implementava a proposta de reforma do aparelho de Estado, reconfigurando-o de um modelo de Estado provedor e prestador de serviços para um modelo de Estado regulador e gerencial – foi determinante para que se implementasse, de forma ágil, uma profunda mudança na vigilância sanitária institucionalizada, criando-se uma agência reguladora, a Anvisa e o SNVS, em 1999. Este fato demarca um chamado “divisor de águas” na conformação da vigilância sanitária no país, com um chamamento à responsabilização sociossanitária e política pela regulação estatal das relações sociais produção-consumo, de modo a promover a dignidade dos cidadãos, a segurança sanitária e a proteção da saúde e da vida.
Três fatos contribuíram para a reflexão e o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre o componente do Sistema Único de Saúde (SUS) mais tardio em termos de uma formulação e organização sistêmica: a reformulação da organização da vigilância sanitária no país, com a criação da Anvisa e do SNVS, a criação do Grupo Temático de Vigilância Sanitária/Associação Brasileira de Saúde Coletiva (GTVISA/ABRASCO) e dos Centros Colaboradores em vigilância sanitária. No ano seguinte à criação da Anvisa, foi realizado o 6º Congresso da ABRASCO, em Salvador, no ano de 2000, quando foi aprovada uma moção pela criação de um Grupo Temático de Vigilância Sanitária na entidade. O GTVISA/ABRASCO viria a trazer, de forma mais nítida, as temáticas da área para o campo da saúde coletiva, notadamente com a realização do Simpósio Brasileiro de Vigilância Sanitária (Simbravisa), iniciado em 2002 e, atualmente, em preparativos de sua 9ª edição.
O GTVISA foi formalizado em 2001, às vésperas da 1ª Conferência Nacional de Vigilância Sanitária. Convocada pela Diretoria Colegiada da Anvisa, com a Resolução n° 130, de 4 de julho de 2001, foi assumida pelos gestores do SUS, que concordaram em realizá-la no mês de novembro, mesmo que houvesse pouco tempo entre a convocação e a realização, dado que haveria maiores dificuldades no ano seguinte, quando ocorreriam eleições majoritárias5. Aguardada por cerca de uma década e meia desde a 8ª Conferência Nacional de Saúde5, finalmente foi realizada em novembro de 2001. Seus objetivos foram analisar a situação da vigilância sanitária no país e propor diretrizes para a sua política nacional e definir estratégias para a efetivação do SNVS como integrante do SUS, nomeando-se o tema “Efetivar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária: proteger e promover a saúde construindo cidadania”.
Enquanto a Anvisa dava curso à sua implementação, a primeira diretoria buscava instituições de ensino e pesquisa com um chamamento para estabelecer uma cooperação com a Anvisa, que buscava qualificar seu corpo técnico e estimulava que os demais componentes do SNVS também o fizessem. Assim foram criados os chamados Centros Colaboradores, que se envolveram com atividades diversas, para além de cursos voltados à formação e qualificação de pessoal, também oficinas de trabalho, seminários, encontros, inserção de temas nos congressos da saúde coletiva, visando aprofundar o debate sobre a área de vigilância sanitária, as suas necessidades e seus desafios que incluíam a questão da pesquisa.
A este tempo, muito rico de reflexões e esperançoso de mudanças concretas, surgiu a proposta de criação de uma revista da área, pois era sentida uma dificuldade para publicar temas de vigilância sanitária nas revistas do campo da saúde coletiva. Assim, surgiu a Revista Brasileira de Vigilância Sanitária, vinculada ao Centro Colaborador estabelecido na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). A insustentabilidade da revista logo se apresentou com as mudanças que ocorreram na direção da Anvisa e o final da estratégia dos Centros Colaboradores; diga-se estratégia bem avaliada, conforme o Seminário Nacional de Ensino e Pesquisa em Vigilância Sanitária, realizado em 2008, que fez um balanço do ensino e da pesquisa6.
Em face da inviabilidade da manutenção da Revista de Vigilância Sanitária na Faculdade de Saúde Pública/USP, coube ao Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), assumir a missão de criar e manter o periódico Vigilância Sanitária em Debate: Sociedade, Ciência & Tecnologia (Visa em Debate) com apoio da Anvisa. No editorial do lançamento do primeiro número, em fevereiro de 2013, os editores afirmaram que “a iniciativa busca fortalecer o campo de conhecimento da saúde coletiva, com o olhar multi e interdisciplinar, característico da vigilância sanitária”. Com o compromisso de aprimoramento contínuo, o periódico Visa em Debate, uma publicação trimestral de acesso aberto, exclusivamente online, chega ao seu 10º ano trazendo ao debate questões diversas relacionadas à área de vigilância sanitária e afins, contribuindo para a divulgação dos resultados de pesquisas e de experiências vivenciadas por trabalhadores, docentes e pesquisadores.
Com o objetivo de apresentar uma visão geral do conjunto das publicações do periódico Visa em Debate, ao longo desses 10 anos, foram definidas as seguintes categorias para organizar e classificar os trabalhos: Objetos sob controle sanitário; Sistema Nacional de Vigilância Sanitária; Regulação e vigilância sanitária; Doenças, agentes, epidemiologia; Tecnologias analíticas; Outros Temas afins. Outra categoria definida para apresentar uma visão ampla do periódico e suas publicações foi o vínculo institucional do(as) autor(as) e a região do Brasil ou o país onde se localiza a instituição.
Na categoria “Objetos sob Controle Sanitário” são incluídos: produtos; serviços de saúde e de interesse da saúde; água de abastecimento público e outras, nanotecnologias, agrotóxicos; sangue, tecidos, células e órgãos; Saúde do Trabalhador. Para evitar uma pulverização muito intensa nessa categoria, definiu-se que seria necessário haver ao menos duas referências, do contrário, a publicação seria classificada em “Outros temas afins”.
A categoria “Sistema Nacional de Vigilância Sanitária” abrange: organização político-administrativa, infraestrutura, financiamento, gestão, políticas e práticas, e inclui o laboratório de saúde pública (INCQS, Instituto Adolfo Lutz, Laboratórios Centrais de Saúde Pública - LACEN) e outros. A categoria “Regulação e Vigilância Sanitária” trata de temas mais amplos, referentes à sua macrofunção, sem focar em algum dos objetos sob controle sanitário. A categoria “Doenças, Agentes, Epidemiologia” agrupa trabalhos que se reportam a doenças, em geral as transmissíveis e seus agentes etiológicos e estudos de natureza epidemiológica. A categoria “Tecnologias Analíticas” refere-se às produções, experimentações, validações e revalidações de técnicas analíticas laboratoriais. Um conjunto de temas não enquadráveis nas citadas categorias foi agrupado em “Outros Temas Afins” à vigilância sanitária.
A outra categoria definida para apresentar uma visão ampla do periódico e suas publicações foi o vínculo institucional do(as) autor(as) e as respectivas regiões do Brasil ou o país onde se localiza a instituição. É relevante sinalizar que as publicações podem ter mais de um autor, o que ocorre com muita frequência. Ademais, os autores podem ter mais de um vínculo institucional.
As “Instituições e Serviços de Saúde” incluem: Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais de saúde, hospitais públicos e privados, clínicas. “Outras instituições” referem-se a ministérios, tais como da economia e da agricultura, Organização Pan-americana da Saúde (OPAS).
As “Instituições de Ensino e Pesquisa e Instituições de Pesquisa” dizem respeito a instituições do âmbito da saúde, tais como Fiocruz ou outras, a exemplo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Centro de Desenvolvimento Nuclear, do Instituto de Pesquisa Energética e Nuclear etc.
Os “Laboratórios de Saúde Pública e outros” referem-se aos laboratórios da área da saúde, tais como INCQS, Instituto Adolfo Lutz, Instituto Butantã, LACEN e outros, a exemplo do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
As “Universidades e outras Instituições de Ensino Superior” compreendem, além das universidades propriamente ditas, faculdades, institutos federais de educação tecnológica e de ciência e tecnologia. Já o SNVS abrange a Anvisa e os componentes subnacionais.
O exame das publicações foi realizado em todos os volumes e números da revista, com leitura dos resumos para identificação e classificação do objeto e tema de estudo e a identificação das instituições às quais os autores estavam vinculados. Os dados foram organizados em planilha Excel, da qual foram extraídas as frequências simples e, quando pertinente, as frequências relativas, utilizando-se gráficos e matrizes para a apresentação dos resultados deste estudo. Buscou-se identificar, nas distintas categorias, o respectivo tema investigado, mediante a leitura dos resumos de todos os trabalhos, ou seja, debates, artigos, relatos de experiência e comunicações breves, bem como cartas. Nesta publicação, são apresentados apenas os temas referentes à categoria “Objetos sob controle sanitário”.
Publicações do periódico Vigilância Sanitária em Debate segundo as categorias de classificação
Conforme a Figura 1, a categoria “Objetos sob Controle Sanitário” abriga o maior quantitativo de publicações, ou seja 72,0% do total. Este resultado seria esperado, dado que se trata da multiplicidade de produtos sob vigilância sanitária, dos diversos serviços, desde os de saúde àqueles serviços de interesse da saúde, e ainda as inovações do campo das nanotecnologias, entre outros. Observa-se que as demais categorias, “SNVS”, “Regulação e Vigilância Sanitária”, “Doenças, Agentes, Epidemiologia” e “Tecnologias Analíticas” apresentam um quantitativo semelhante de publicações.
Assinale-se que o SNVS, mesmo após 23 anos de sua criação, ainda não desperta um grande interesse para a investigação de seus componentes, infraestrutura, organização, financiamento, gestão, práticas e políticas. Comparado com a categoria “Objetos sob controle sanitário” observa-se pequeno quantitativo de publicações acerca desses temas (6,0%) que representam questões e desafios para a efetiva consolidação do SNVS, um subsistema do SUS. Observou-se que os mais frequentes temas abordados se relacionam a dimensões da gestão, educação e qualificação em vigilância, com destaque na esfera municipal. Nota-se a pouca publicação acerca da temática do trabalho em vigilância sanitária, tão importante e carente de aprofundamento. Assinale-se ainda temáticas acerca da função e gestão do laboratório de saúde pública no seu componente vigilância sanitária.
Observou-se na categoria “Regulação e Vigilância Sanitária” um pequeno percentual de publicações (7,0%), e algumas delas refletem temas de fronteiras das ciências, terapias celulares, pesquisa e uso de células-tronco, alimentos transgênicos e nanotecnologias. Foram encontrados alguns artigos de natureza teórica e três publicações sobre a pesquisa em vigilância sanitária.
Na categoria de classificação “Doenças, agentes, epidemiologia” foram encontradas 7,0% de publicações que abordam principalmente doenças transmissíveis e seus agentes: meningites, doença de Chagas, raiva, leishmanioses, parasitoses intestinais e surtos alimentares bacterianos. Destaque-se as publicações acerca da COVID-19, que foi objeto de um chamamento para publicações, em março de 2020, logo que foi reconhecida a pandemia pelo SARS-CoV-2, e que resultou em publicações de amplo espectro sobre o tema e ainda artigos em outros números do periódico.
“Tecnologias analíticas” agrupou 7,0% das publicações que versaram principalmente sobre experimentações, validações e revalidações de métodos, ensaios de proficiência, inovações metodológicas em técnicas laboratoriais relacionadas aos objetos de vigilância sanitária.
Objetos sob controle sanitário
O Quadro 1 apresenta os objetos sob controle sanitário abordados nas publicações, o número e percentual. A Figura 2 ilustra esses achados. Observa-se que alimentos responderam por 30,6 % das publicações. Esta classe de produto inclui os diversos tipos de alimentos: vegetais, in natura e processados, os de origem animal (carnes, pescados, leite e derivados), alimentos destinados ao público infantil, suplementos alimentares, adoçantes dietéticos e também os serviços de alimentação, com destaque, em termos quantitativos, aos serviços de alimentação escolar.
Os serviços de saúde e de interesse da saúde ocupam o segundo lugar entre os objetos sob controle sanitário, ou seja, 21,0% do total de publicações. Nesta classe são incluídos: hospitais, serviços hemoterápicos, serviços de hemodiálise, instituições de longa permanência para idosos, salões de beleza e temáticas relacionadas à segurança do paciente, notificações de eventos adversos, atuação da vigilância sanitária em serviços de saúde, entre outros.
Os medicamentos representam 18,8% das publicações e ocupam o terceiro lugar entre os objetos sob controle sanitário. Abrangem os fitoterápicos, os manipulados e uma grande variedade de temas pertinentes a medicamentos, tais como: avaliação microbiológica e físico-química, resistência antimicrobiana, boas práticas de fabricação, farmacovigilância, notificações de eventos adversos e queixas técnicas.
A quarta classe de objetos sob controle sanitário mais frequentes (6,8%) correspondeu aos produtos para a saúde. Abrange kits diagnósticos e uma grande diversidade de produtos médicos; entre outros temas, tratam de avaliação funcional, reprocessamento desses produtos, queixas técnicas.
As águas de abastecimento público e outras, ocupam 3,9 % das publicações sobre objetos sob controle sanitário. Os temas abordados são principalmente a qualidade físico-química e a fluoretação.
O periódico Visa em Debate dedicou um dos seus números temáticos (v.1 n.4) às nanotecnologias que ocuparam 2,7% das publicações na categoria “Objetos sob controle sanitário”. Foram abordadas, entre outras, as temáticas regulamentação, controle de qualidade, risco ambiental e toxicologia das nanotecnologias.
Outros números temáticos que refletem a abrangência da área foram: Vigilância sanitária e promoção da alimentação adequada e saudável, impasses, desafios e perspectiva (v.2 n.4); Diversidades culturais e riscos sanitários (v.4 n.4); Tecnologias celulares avançadas: desafios biotecnológicos e regulatórios (v.6 n.1); Rede sentinela (v.7 n.4), e Monitoramento e avaliação em vigilância sanitária (v.8 n.4).
Chama a atenção as poucas publicações sobre “Sangue, tecidos, células e órgãos”. Sinalize-se também a pouca produção acerca de agrotóxicos, saneantes e cosméticos, produtos de largo uso. Ressalte-se a grande relevância sanitária dos agrotóxicos, pela complexidade da regulação sanitária intersetorial e interinstitucional e pelos malefícios para a saúde humana e o ambiente. Por fim, um total de 47 publicações abordaram grande diversidade de temas, mas apresentaram apenas uma única publicação em cada um deles; dessa forma foram classificadas em “Outros temas afins” aos objetos sob controle sanitário.
Instituições de vínculo dos autores das publicações
Conforme o Quadro 2, as universidades e outras instituições de ensino superior são aquelas que apresentaram o maior número de vínculos dos autores das publicações da Revista Visa em Debate, em todas as regiões. O Sudeste concentra o maior número de referências, seguem o Nordeste, o Sul, o Centro-Oeste e, por último, a Região Norte. Ademais, também foram encontradas referências de vínculos a universidades de outros países, tais como Canadá, França, Portugal, Colômbia.
Em seguida, colocou-se a categoria laboratórios como instituições de vínculos dos autores das publicações. Os mais frequentes foram o INCQS e o Instituto Adolfo Lutz, que são localizados na Região Sudeste. Um pequeno número de publicações tinha os LACEN como vínculo dos autores.
O terceiro grupo das instituições às quais os autores se vinculam eram as instituições de ensino e pesquisa e as instituições de pesquisa. Trata-se, principalmente, da Fiocruz, que tem um conjunto amplo e diverso de unidades localizadas na Região Sudeste e algumas em outras regiões do Brasil. Foram referidos, ainda, alguns vínculos a instituições de pesquisa, a exemplo da Embrapa, do Centro Mineiro de Estudos Epidemiológicos e Ambientais, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, do Instituto Vital Brazil, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais e da Fundação de Amparo à Pesquisa.
O quarto grupo das instituições mais frequentes de vínculo dos autores foram as instituições, tais como: as secretarias estaduais e municipais de saúde e os serviços de saúde, a exemplo de hospitais, localizados principalmente na Região Sudeste, seguida do Nordeste, do Sul e de um pequeno número nas regiões Centro-Oeste e Norte. Encontrou-se, ainda, referências a instituições de caráter nacional, como os ministérios do Planejamento e da Agricultura e a OPAS.
Por fim, o SNVS, como um subsistema do SUS que abrange três instâncias de gestão: a Anvisa, os serviços estaduais e os serviços municipais de vigilância sanitária. Sobressaem publicações de autores vinculados à Anvisa, uma parte das quais explora dados dos sistemas institucionais de informação. Chama a atenção o pequeno número de publicações de autores vinculados às vigilâncias sanitárias estaduais e municipais.
Este primeiro olhar sobre a Visa em Debate denota que o periódico vem se constituindo um relevante veículo de disseminação do conhecimento em vigilância sanitária e áreas temáticas afins. Mesmo com seu pouco tempo de existência, de forma progressiva vem sendo indexada em relevantes bases de dados científicos e conta com uma boa classificação Qualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) na área interdisciplinar da saúde. Este fato contribui para um número cada vez maior de artigos oriundos de renomadas universidades.
Em que pese a vigilância sanitária ter emergido na pesquisa em anos mais recentes, alguns estudos sobre suas publicações identificam crescimento e diversificação temática. Ademais, percebe-se uma preocupação com a pesquisa e a necessidade do desenvolvimento da área como campo de produção de conhecimento científico7. Em um estudo que analisou a produção científica do período 1997-2003, registrada por pesquisadores cadastrados na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foram encontrados 913 registros na categoria produção bibliográfica e 281 em orientações concluídas, com crescimento da produção estimado em 540% no período. Foram identificados 735 grupos de pesquisa, criados, principalmente no período 2000 a 2003, localizados em sua maioria no Sudeste8.
CONCLUSÕES
O exame dos temas tratados na Revista permitiu a identificação de muitas temáticas relevantes na produção do conhecimento em saúde, ainda pouco ou nada exploradas, mas também identificou-se lacunas, especialmente na complexa área de vigilância sanitária. O risco, categoria central para o entendimento e as práticas de vigilância sanitária, pouco aparece, algo que demarca a ausência de um aprofundamento no sentido mais teórico-conceitual, no rumo de uma necessária epistemologia da vigilância sanitária, a qual necessitaria incluir uma matriz conceitual, que, além do risco, incorporasse outros conceitos fundantes, expressando a multi e interdisciplinaridade características do campo da vigilância sanitária.
Ademais, nota-se o pouco aprofundamento das questões próprias do SNVS, tais como a sua concepção e a necessária ressignificação de conceitos dos sistemas de saúde, a exemplo de organização, territorialização, regionalização, integralidade e equidade à luz da vigilância sanitária. Também chama a atenção a pouca abordagem acerca das tecnologias de intervenção próprias da vigilância sanitária, a exemplo da inspeção e fiscalização sanitárias, registro, licenciamento sanitário, boas práticas de fabricação etc. Os temas da comunicação e informação com os destinatários das ações de vigilância sanitária, ou seja, a população, conta com poucas publicações e as relações com os segmentos regulados, os conflitos e disputas de interesse são temáticas ausentes. Este trabalho, devido ao seu caráter panorâmico, não pretendeu desenvolver uma análise aprofundada das publicações, algo que merece ser realizado em futuros estudos.
REFERÊNCIAS
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Contribuição dos Autores
Autor notes
* E-mail: edina@ufba.br
Declaração de interesses
Os autores informam não haver qualquer potencial conflito de interesse com pares e instituições, políticos ou financeiros deste estudo.